quinta-feira, 19 de junho de 2025

Homilia do Papa Bento XVI: Corpus Christi (2005)

Nesta Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo recordamos a homilia proferida pelo Papa Bento XVI (†2022) nesta ocasião há 20 anos, no primeiro Corpus Christi do seu pontificado.

Na ocasião foram proferidas as leituras do Ano A. Contudo, a homilia do Papa centrou-se no significado da procissão eucarística:

Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo
Santa Missa e Procissão Eucarística
Homilia do Papa Bento XVI
Adro da Basílica de São João do Latrão
Quinta-feira, 26 de maio de 2005

Amados irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Queridos irmãos e irmãs!
Na festa de Corpus Christi a Igreja revive o mistério da Quinta-feira Santa à luz da Ressurreição. Também a Quinta-feira Santa conhece uma procissão eucarística, com a qual a Igreja repete o êxodo de Jesus do Cenáculo para o Monte das Oliveiras. Em Israel celebrava-se a noite de Páscoa em casa, na intimidade da família. Fazia-se assim memória da primeira Páscoa, no Egito - da noite em que o sangue do cordeiro pascal, aspergido no frontal e nos umbrais das casas, protegia contra o exterminador. Jesus, naquela noite, sai e entrega-se ao traidor, ao exterminador e, precisamente assim, vence a noite, vence as trevas do mal. Só desta forma, o dom da Eucaristia, instituída no Cenáculo, encontra o seu cumprimento: Jesus entrega realmente o seu Corpo e o seu Sangue. Atravessando o limiar da morte, torna-se pão vivo, verdadeiro maná, alimento inexaurível para todos os séculos. A carne torna-se pão de vida.


Na procissão da Quinta-feira Santa, a Igreja acompanha Jesus ao Monte das Oliveiras: a Igreja orante sente um desejo profundo de vigiar com Jesus, de não deixá-lo sozinho na noite do mundo, na noite da traição, na noite da indiferença de muitos. Na festa de Corpus Christi retomamos esta procissão, mas na alegria da Ressurreição. O Senhor ressuscitou e nos precedeu. Nos relatos da Ressurreição há uma característica comum e fundamental; os anjos dizem: o Senhor “vai à vossa frente para a Galileia. Lá vós o vereis” (Mt 28,7). Considerando isto mais de perto, podemos dizer que este “preceder” de Jesus exige uma dupla direção. A primeira é, como ouvimos, a Galileia. Em Israel, a Galileia era considerada como a porta que se abre para o mundo dos pagãos. E, na realidade, precisamente na Galileia, no monte, os discípulos veem Jesus, o Senhor, que lhes diz: “Ide e fazei discípulos meus todos os povos” (v. 19). A outra direção do preceder por parte do Ressuscitado aparece no Evangelho de João, nas palavras de Jesus a Madalena: “Não me segures. A ainda não subi para junto do Pai” (Jo 20,17). Jesus nos precede junto do Pai, eleva-se à altura de Deus e convida-nos a segui-lo. Estas duas direções do caminho do Ressuscitado não se contradizem, mas indicam juntas o caminho do seguimento de Cristo. A verdadeira meta do nosso caminho é a comunhão com Deus - o próprio Deus é a casa com muitas moradas (cf. Jo 14,2s). Mas só podemos subir a esta morada indo “em direção à Galileia”, indo pelos caminhos do mundo, levando o Evangelho a todas as nações, levando o dom do seu amor aos homens de todos os tempos. Por isso o caminho dos Apóstolos prolongou-se até os “confins da terra” (cf. At 1,6s); assim São Pedro e São Paulo vieram até Roma, cidade que na época era o centro do mundo conhecido, verdadeira “caput mundi”.

A procissão da Quinta-feira Santa acompanhou Jesus na sua solidão, rumo à via crucis”. A procissão de Corpus Christi, ao contrário, responde de maneira simbólica ao mandamento do Ressuscitado: “Eu vos precedo na Galileia”. Ide até os confins do mundo, levai o Evangelho a todas as nações. Sem dúvida, para a fé, a Eucaristia é um mistério de intimidade. O Senhor instituiu o Sacramento no Cenáculo, circundado pela sua nova família, pelos doze Apóstolos, prefiguração e antecipação da Igreja de todos os tempos. Por isso, na Liturgia da Igreja antiga, a distribuição da sagrada Comunhão era introduzida com as palavras: “Sancta sanctis” - o dom sagrado destina-se aos que foram tornados santos. Deste modo, respondia-se à admoestação dirigida por São Paulo aos coríntios: “Portanto, examine-se cada um a si mesmo e só então coma deste pão e beba deste vinho...” (1Cor 11,28). Contudo, a partir dessa intimidade, que é dom muito pessoal do Senhor, a força do sacramento da Eucaristia vai além das paredes das nossas Igrejas. Neste Sacramento, o Senhor está sempre a caminho no mundo. Este aspecto universal da presença eucarística sobressai na procissão da nossa festa. Nós levamos Cristo, presente na figura do pão, pelas estradas da nossa cidade. Nós confiamos estas estradas, estas casas, a nossa vida quotidiana, à sua bondade. Que as nossas estradas sejam de Jesus! Que as nossas casas sejam para Ele e com Ele! A nossa vida de todos os dias esteja impregnada da sua presença. Com esse gesto colocamos sob o seu olhar os sofrimentos dos doentes, a solidão dos jovens e dos idosos, as tentações, os receios - toda a nossa vida. A procissão pretende ser uma grande e pública bênção para a nossa cidade: Cristo é, em pessoa, a bênção divina para o mundo - o raio da sua bênção se estenda sobre todos nós!

Na procissão de Corpus Christi, como dissemos, acompanhamos o Ressuscitado no seu caminho pelo mundo inteiro. E, precisamente fazendo isto, respondemos também ao seu mandamento: “Tomai e comei... Bebei todos” (Mt 26,26s). Não se pode “comer” o Ressuscitado, presente na figura do pão, como um simples pedaço de pão. Comer este pão é comungar, é entrar em comunhão com a pessoa do Senhor vivo. Esta comunhão, este ato de “comer”, é realmente um encontro entre duas pessoas, é deixar-se impregnar pela vida d’Aquele que é o Senhor, d’Aquele que é o meu Criador e Redentor. A finalidade desta comunhão, deste comer, é a assimilação da minha vida à sua, a minha transformação e conformação Àquele que é Amor vivo. Por isso, esta comunhão exige a adoração, requer a vontade de seguir Cristo, de seguir Aquele que nos precede. Por isso, a adoração e a procissão fazem parte de um único gesto de comunhão; respondem ao seu mandamento: “Tomai e comei”.

A nossa procissão termina diante da Basílica de Santa Maria Maior, no encontro com Nossa Senhora, chamada pelo querido Papa João Paulo II de “Mulher eucarística”. Verdadeiramente Maria, a Mãe do Senhor, ensina-nos o que significa entrar em comunhão com Cristo: Maria ofereceu a própria carne e o próprio sangue a Jesus e tornou-se tenda viva do Verbo, deixando-se impregnar no corpo e no espírito pela sua presença. Pedimos a ela, nossa santa Mãe, para que nos ajude a abrir, cada vez mais, todo o nosso ser na presença de Cristo; para que nos ajude a segui-lo fielmente, dia após dia, pelos caminhos da nossa vida. Amém!


Fonte: Santa Sé.

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