Nesta Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo recordamos a homilia proferida pelo Papa Bento XVI (†2022) nesta ocasião há 20 anos, no primeiro Corpus Christi do seu pontificado.
Na ocasião foram proferidas as leituras do Ano A. Contudo, a homilia do Papa centrou-se no significado da procissão eucarística:
Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo
Santa Missa e Procissão Eucarística
Homilia do Papa Bento XVI
Adro da Basílica de São João do Latrão
Quinta-feira, 26 de maio de 2005
Amados irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Queridos irmãos e irmãs!
Na
festa de Corpus Christi a Igreja revive o mistério da Quinta-feira
Santa à luz da Ressurreição. Também a Quinta-feira Santa conhece uma procissão
eucarística, com a qual a Igreja repete o êxodo de Jesus do Cenáculo para o Monte
das Oliveiras. Em Israel celebrava-se a noite de Páscoa em casa, na intimidade
da família. Fazia-se assim memória da primeira Páscoa, no Egito - da noite em
que o sangue do cordeiro pascal, aspergido no frontal e nos umbrais das casas,
protegia contra o exterminador. Jesus, naquela noite, sai e entrega-se ao
traidor, ao exterminador e, precisamente assim, vence a noite, vence as trevas
do mal. Só desta forma, o dom da Eucaristia, instituída no Cenáculo, encontra o
seu cumprimento: Jesus entrega realmente o seu Corpo e o seu Sangue.
Atravessando o limiar da morte, torna-se pão vivo, verdadeiro maná, alimento inexaurível
para todos os séculos. A carne torna-se pão de vida.
Na
procissão da Quinta-feira Santa, a Igreja acompanha Jesus ao Monte das
Oliveiras: a Igreja orante sente um desejo profundo de vigiar com Jesus, de não
deixá-lo sozinho na noite do mundo, na noite da traição, na noite da
indiferença de muitos. Na festa de Corpus Christi retomamos esta
procissão, mas na alegria da Ressurreição. O Senhor ressuscitou e nos precedeu.
Nos relatos da Ressurreição há uma característica comum e fundamental; os anjos
dizem: o Senhor “vai à vossa frente para a Galileia. Lá vós o vereis” (Mt 28,7).
Considerando isto mais de perto, podemos dizer que este “preceder” de Jesus
exige uma dupla direção. A primeira é, como ouvimos, a Galileia. Em Israel, a
Galileia era considerada como a porta que se abre para o mundo dos pagãos. E,
na realidade, precisamente na Galileia, no monte, os discípulos veem Jesus, o
Senhor, que lhes diz: “Ide e fazei discípulos meus todos os povos” (v. 19).
A outra direção do preceder por parte do Ressuscitado aparece no Evangelho
de João, nas palavras de Jesus a Madalena: “Não me segures. A ainda não
subi para junto do Pai” (Jo 20,17). Jesus nos precede junto do
Pai, eleva-se à altura de Deus e convida-nos a segui-lo. Estas duas direções do
caminho do Ressuscitado não se contradizem, mas indicam juntas o caminho do
seguimento de Cristo. A verdadeira meta do nosso caminho é a comunhão com Deus -
o próprio Deus é a casa com muitas moradas (cf. Jo 14,2s).
Mas só podemos subir a esta morada indo “em direção à Galileia”, indo pelos
caminhos do mundo, levando o Evangelho a todas as nações, levando o dom do seu
amor aos homens de todos os tempos. Por isso o caminho dos Apóstolos
prolongou-se até os “confins da terra” (cf. At 1,6s);
assim São Pedro e São Paulo vieram até Roma, cidade que na época era o centro
do mundo conhecido, verdadeira “caput mundi”.
A
procissão da Quinta-feira Santa acompanhou Jesus na sua solidão, rumo à “via
crucis”. A procissão de Corpus Christi, ao contrário,
responde de maneira simbólica ao mandamento do Ressuscitado: “Eu vos precedo na
Galileia”. Ide até os confins do mundo, levai o Evangelho a todas as nações.
Sem dúvida, para a fé, a Eucaristia é um mistério de intimidade. O Senhor
instituiu o Sacramento no Cenáculo, circundado pela sua nova família, pelos
doze Apóstolos, prefiguração e antecipação da Igreja de todos os tempos. Por
isso, na Liturgia da Igreja antiga, a distribuição da sagrada Comunhão era
introduzida com as palavras: “Sancta sanctis” - o dom sagrado
destina-se aos que foram tornados santos. Deste modo, respondia-se à
admoestação dirigida por São Paulo aos coríntios: “Portanto, examine-se cada um
a si mesmo e só então coma deste pão e beba deste vinho...” (1Cor 11,28).
Contudo, a partir dessa intimidade, que é dom muito pessoal do Senhor, a força
do sacramento da Eucaristia vai além das paredes das nossas Igrejas. Neste
Sacramento, o Senhor está sempre a caminho no mundo. Este aspecto universal da
presença eucarística sobressai na procissão da nossa festa. Nós levamos Cristo,
presente na figura do pão, pelas estradas da nossa cidade. Nós confiamos estas
estradas, estas casas, a nossa vida quotidiana, à sua bondade. Que as nossas
estradas sejam de Jesus! Que as nossas casas sejam para Ele e com Ele! A nossa
vida de todos os dias esteja impregnada da sua presença. Com esse gesto
colocamos sob o seu olhar os sofrimentos dos doentes, a solidão dos jovens e
dos idosos, as tentações, os receios - toda a nossa vida. A procissão pretende
ser uma grande e pública bênção para a nossa cidade: Cristo é, em pessoa, a
bênção divina para o mundo - o raio da sua bênção se estenda sobre todos nós!
Na
procissão de Corpus Christi, como dissemos, acompanhamos o
Ressuscitado no seu caminho pelo mundo inteiro. E, precisamente fazendo isto,
respondemos também ao seu mandamento: “Tomai e comei... Bebei todos” (Mt 26,26s).
Não se pode “comer” o Ressuscitado, presente na figura do pão, como um simples pedaço
de pão. Comer este pão é comungar, é entrar em comunhão com a pessoa do Senhor
vivo. Esta comunhão, este ato de “comer”, é realmente um encontro entre duas
pessoas, é deixar-se impregnar pela vida d’Aquele que é o Senhor, d’Aquele que
é o meu Criador e Redentor. A finalidade desta comunhão, deste comer, é a
assimilação da minha vida à sua, a minha transformação e conformação Àquele que
é Amor vivo. Por isso, esta comunhão exige a adoração, requer a vontade de
seguir Cristo, de seguir Aquele que nos precede. Por isso, a adoração e a
procissão fazem parte de um único gesto de comunhão; respondem ao seu
mandamento: “Tomai e comei”.
A
nossa procissão termina diante da Basílica de Santa Maria Maior, no encontro
com Nossa Senhora, chamada pelo querido Papa João Paulo II de “Mulher
eucarística”. Verdadeiramente Maria, a Mãe do Senhor, ensina-nos o que
significa entrar em comunhão com Cristo: Maria ofereceu a própria carne e o
próprio sangue a Jesus e tornou-se tenda viva do Verbo, deixando-se impregnar
no corpo e no espírito pela sua presença. Pedimos a ela, nossa santa Mãe, para
que nos ajude a abrir, cada vez mais, todo o nosso ser na presença de Cristo;
para que nos ajude a segui-lo fielmente, dia após dia, pelos caminhos da nossa
vida. Amém!
Fonte: Santa Sé.
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