“Na sua doutrina, vida
e culto a Igreja perpetua e transmite a todas as gerações tudo aquilo que ela
é e tudo aquilo em que acredita” (cf. Diretório para a Catequese, n. 28).
Em nossa postagem anterior apresentamos o novo Diretório
para a Catequese, publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da
Nova Evangelização no dia 23 de março de 2020 [1].
Agora começaremos a analisar o Diretório sob a perspectiva da Liturgia,
dos sacramentos e da piedade popular. Nesta primeira parte abordaremos a Apresentação, a
Introdução (nn. 1-10) e o capítulo I: “A
Revelação e a sua transmissão” (nn. 11-54).
Apresentação
Já na Apresentação do Diretório,
assinada pelo Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova
Evangelização, Dom Rino Salvatore Fisichella, e pelo então Secretário, Dom Octavio Ruiz
Arenas, encontramos três referências à Liturgia.
Capa da tradução brasileira do Diretório (Edições CNBB) |
Recordando a “caminhada” da Catequese desde o Concílio
Vaticano II (1962-1965), que apresentamos brevemente em nossa postagem anterior,
a Apresentação cita o n. 14 do Decreto Christus
Dominus sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja.
Ao exortar os Bispos a cuidar da instrução catequética em
suas Dioceses, o documento conciliar recorda que esta deve ser fundamentada “na
Sagrada Escritura, na Tradição, na Liturgia,
no Magistério e na vida da Igreja”. Fica claro desde o início, portanto, que a
Liturgia é uma das fontes primordiais da Catequese (tema aprofundado nos nn. 95-98).
Na sequência, apresentando as contribuições específicas do
novo Diretório, citam-se os fenômenos
da globalização e da cultura digital, que podem levar ao individualismo.
Portanto, se propõe uma formação para a vida da fé que valorize a esfera da
comunidade.
Essa dimensão comunitária da Catequese exprime-se, com
efeito, na Liturgia e no exercício da caridade: “A exigência de exprimir a fé com a oração litúrgica e
de testemunhá-la com a força da caridade exige saber ultrapassar o caráter
fragmentário das propostas para recuperar a unidade originária do ser cristão”.
Por fim, a última referência à Liturgia na Apresentação diz
respeito ao querigma, isto é, ao
núcleo fundamental da mensagem cristã: o Mistério
Pascal da Morte-Ressurreição de Cristo.
Tanto Catequese quanto Liturgia têm o seu núcleo no
querigma, o que se exprime no célebre adágio lex orandi, lex credendi (a lei da oração é a lei da fé), recordado
aqui: “a lex credendi abandona-se
à lex
orandi e, juntas, realizam o estilo de vida do fiel como testemunho de
amor que torna o anúncio credível” [2].
Ou seja, a fé acreditada é a fé celebrada: a Igreja crê
aquilo que celebra e celebra aquilo que crê. Catequese e Liturgia, mais uma
vez, como “irmãs gêmeas” inseparáveis.
Junto ao querigma
será importante também ao longo do documento o conceito de mistagogia, palavra que significa conduzir ao mistério. Catequese e
Liturgia são como uma espiral ascendente: girando em torno do seu núcleo
fundamental, o querigma, nos conduzem gradativamente pelos mistérios de Cristo rumo à santidade.
“A santidade”, com efeito, “é a palavra decisiva que se pode
pronunciar ao apresentar um novo Diretório
para a Catequese”, recordando aqui mais uma contribuição do Papa Francisco:
a Exortação Apostólica Gaudete et
Exsultate sobre o chamado à santidade no mundo atual (2018).
Introdução (nn. 1-10)
Entrando no texto do Diretório
propriamente dito, começamos identificando duas referências à Liturgia nos dez
parágrafos que compõem a Introdução.
Já no primeiro parágrafo do documento afirma-se a estreita
relação entre Catequese, Liturgia e caridade, “tríade” que remete ao tríplice
múnus de Cristo (profeta, sacerdote e rei-pastor), do qual todos participamos
pelo Batismo:“A Catequese se relaciona
com a Liturgia e com a caridade para evidenciar a unidade constitutiva da
vida nova emanada do Batismo” (n. 01).
Na sequência, o número 02 recolhe a dupla dimensão da
Catequese proposta pelo Papa Francisco em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (nn. 164-166): catequese querigmática e catequese como iniciação mistagógica.
Particularmente em relação à mistagogia, destaca-se a Catequese
como “experiência formativa progressiva e dinâmica; rica em sinais e linguagens; favorável à
integração de todas as dimensões da pessoa”. Dentre esses sinais e linguagens
está a Liturgia, como será aprofundado adiante.
Vale recordar desde já que “riqueza de sinais” não significa
“multiplicar os sinais”, mas sim valorizar os já existentes, compreendendo seu sentido
e linguagem próprios.
PRIMEIRA PARTE: A CATEQUESE NA MISSÃO EVANGELIZADORA DA IGREJA
Capítulo I: A
Revelação e a sua transmissão
Com o capítulo I entramos na primeira parte do Diretório, que se estende até o
capítulo IV e oferece os fundamentos da Catequese.
O primeiro capítulo, subdividido em quatro seções, trata da
Revelação e da sua transmissão, recolhendo sobretudo as reflexões da Constituição
Dogmática Dei Verbum, do Concílio
Vaticano II (1965); e da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini, do Papa Bento XVI (2010).
1.1 Jesus Cristo, revelador e revelação do Pai (nn. 11-16)
1.2 A fé em Jesus Cristo: A resposta a Deus que se revela (nn. 17-21)
As primeiras duas seções do capítulo apresentam a dinâmica própria da Revelação: a iniciativa de Deus que se dá a conhecer e a resposta do homem através da fé.
Essa dinâmica verifica-se também na ação litúrgica. Deus sempre toma a iniciativa: nos reúne, nos fala, nos santifica e nos envia em missão. Nós respondemos com nosso louvor, nossa ação de graças, nossa profissão de fé, nossas súplicas...
Ícone de Jesus Cristo, revelador e revelação do Pai |
Destaque para o título da primeira seção: “Jesus Cristo, revelador e revelação do Pai”. Fica claro que Jesus não é apenas o conteúdo da mensagem (revelação), mas também o seu sujeito (revelador).
Vale recordar aqui a afirmação fundamental do Papa Bento
XVI: “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia,
mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo
horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (Encíclica Deus caritas est, n. 01). Catequese e Liturgia estão a serviço do
mesmo fim: o encontro com Cristo.
Também na ação litúrgica Cristo é “conteúdo” e “sujeito” ao
mesmo tempo, “sacerdote, altar e cordeiro” (Prefácio da Páscoa V; Missal Romano, p. 425).
Comumente se
discute sobre “quem celebra” a Liturgia. A resposta é muito clara: quem celebra é Cristo! A Liturgia é definida pelo Concílio como “obra de Cristo sacerdote e do seu
Corpo que é a Igreja” (Constituição Sacrosanctum
Concilium, n. 07). Assim, os fiéis leigos celebram enquanto
unidos a Cristo pelo sacramento do Batismo; e os sacerdotes celebram enquanto
unidos a Ele pelos sacramentos do Batismo e da Ordem.
E além de sujeito, Cristo é também “objeto" da Liturgia. O que celebramos? A “obra da redenção
dos homens e da glorificação perfeita de Deus” realizada por Cristo em toda a
sua vida [3], “principalmente pelo Mistério Pascal da sua bem-aventurada
Paixão, Ressurreição dos mortos e gloriosa Ascensão” (ibid., n. 05).
Prosseguindo com o texto do Diretório, concluindo a segunda seção, o n. 21 recorda o sacramento do
Batismo, pelo qual a fé, que é ato pessoal e ao mesmo tempo possui um caráter
relacional e comunitário, é acolhida e participa na fé da Igreja:
“A fé do discípulo de Cristo é acesa, sustentada e
transmitida somente na comunhão da fé eclesial, na qual o ‘eu creio’ do Batismo se conjuga com o ‘nós cremos’ de toda a Igreja”
[4].
[Para acessar nossa postagem sobre a relação entre os Doze Apóstolos e os doze artigos do Creio, clique aqui]
1.3 A transmissão da Revelação na fé da Igreja (nn. 22-37)
1.4 A evangelização no mundo contemporâneo (nn. 38-54)
Passando à terceira seção do capítulo I, sobre a
transmissão da Revelação, tema que prossegue na quarta seção,
identificamos outras cinco referências à Liturgia e aos sacramentos.
Primeiramente, no conjunto de parágrafos intitulado “Revelação e evangelização” (nn. 28-30),
cita-se o n. 08 da Dei Verbum, que retoma
a tríade Catequese-Liturgia-caridade, expressa aqui como doutrina, culto e vida:
“A Igreja, sacramento universal de salvação, obediente às
indicações do Espírito Santo, na escuta da Revelação, transmite e sustenta a
resposta de fé; ‘na sua doutrina, vida e
culto, perpetua e transmite a todas
as gerações tudo aquilo que ela é e tudo aquilo em que acredita’” (n. 28).
O título “O processo
da evangelização” (nn. 31-37), por
sua vez, descreve no n. 31 o processo da evangelização em três grandes etapas: primeiro anúncio, itinerário catecumenal e na educação
permanente da fé.
O primeiro anúncio,
embora não mencione diretamente a Liturgia, deve nos fazer refletir sobre a
“diaconia” (serviço ou ministério) da acolhida em nossas celebrações. O itinerário catecumenal e a
educação permanente da fé, por sua vez, relacionam-se diretamente aos sacramentos:
“A Igreja (...) inicia à fé e à vida cristã, mediante o itinerário catecumenal (catequese, sacramentos, testemunho de caridade,
experiência de fraternidade)”; e “mediante a educação permanente da fé, a celebração
dos sacramentos e o exercício da caridade, alimenta nos fiéis o dom da
comunhão e suscita a missão” (n. 31).
Ainda sobre o itinerário catecumenal (catequese de
iniciação), os nn. 34 e 35 apresentam as suas duas grandes etapas, que fazem a
“moldura” à recepção dos sacramentos da Iniciação Cristã: o catecumenato e o
tempo da purificação e iluminação que os preparam; e o tempo da mistagogia que
os aprofunda.
34. “Na comunidade cristã, a catequese, juntamente com
os ritos litúrgicos, as obras de
caridade e a experiência da fraternidade, ‘inicia no conhecimento da fé e no
aprendizado da vida cristã, favorecendo um caminho espiritual que provoca uma
‘progressiva transformação de mentalidade e de costumes’ (Decreto Ad Gentes, n. 13) feita de renúncias e de lutas, mas também de alegrias que
Deus concede sem medida’ (Diretório Geral
para a Catequese, 1997, n. 56c). O discípulo de Jesus Cristo está, então, pronto
para a profissão de fé quando, por meio da celebração
dos sacramentos de iniciação, é
enxertado em Cristo. Esta etapa corresponde ao tempo do catecumenato e ao tempo da purificação e iluminação do
itinerário catecumenal (Ritual da Iniciação
Cristã de Adultos, nn. 07; 14-36)”;
35. “A ação pastoral alimenta a fé dos batizados e os ajuda
no processo permanente de conversão da vida cristã. Na Igreja, ‘o batizado,
impulsionado sempre pelo Espírito Santo, alimentado
pelos sacramentos, pela oração e pelo exercício da caridade, e ajudado
pelas múltiplas formas de educação permanente da fé, procura tornar seu o
desejo de Cristo: ‘Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito’ (Mt 5,48)’ (Diretório Geral para a Catequese, 1997, n. 56d). Nisso consiste o
chamamento à santidade para entrar na vida eterna. O início dessa etapa
corresponde ao tempo da mistagogia
no itinerário catecumenal (Ritual da
Iniciação Cristã de Adultos, nn. 07; 37-40)”.
Por fim, a última referência à Liturgia no capítulo I
encontra-se no n. 37, que elenca várias formas através das quais a Igreja
anuncia a Palavra de Deus. Dentre essas se encontram “a homilia e a pregação” e “a piedade
popular”. A piedade popular será aprofundada no capítulo X (nn. 336-340),
enquanto sobre a homilia remetemos à Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (nn. 135-159).
[Atualização: Para acessar a 2ª parte dessa pesquisa, dedicada à primeira seção do capítulo II, clique aqui]
Notas:
[1] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA
EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese.
Brasília: Edições CNBB, 2020. Coleção: Documentos
da Igreja, 61.
[2] Expressão de São Próspero de Aquitânia
(séc. VI); cf. Catecismo da Igreja
Católica, n. 1124.
[3] “Toda a vida de Cristo é mistério”: Catecismo da Igreja Católica, nn. 512-521.
[4] Sobre este tema, o Diretório
remete aos nn. 166-167 do Catecismo da
Igreja Católica. Vale recordar também o documento “A Reciprocidade entre a Fé e os Sacramentos na Economia Sacramental”,
promulgado pela Comissão Teológica Internacional em 2020, que recentemente
publicamos aqui em nosso blog.
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