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terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Homilia do Papa: Vésperas da Apresentação do Senhor (2025)

I Vésperas da Festa da Apresentação do Senhor
29º Dia Mundial da Vida Consagrada
Homilia do Papa Francisco
Basílica Vaticana
Sábado, 01 de fevereiro de 2025

«Eis que venho... ó Deus, para fazer a tua vontade» (Hb 10,7). Com estas palavras o autor da Carta aos Hebreus manifesta a total adesão de Jesus ao projeto do Pai. Hoje as lemos na Festa da Apresentação do Senhor, Dia Mundial da Vida Consagrada, durante o Jubileu da Esperança, em um contexto litúrgico caracterizado pelo simbolismo da luz. E todos vós, irmãs e irmãos, que escolhestes o caminho dos conselhos evangélicos, vos consagrastes, como «Esposa na presença do Esposo... envolvida pela sua luz» (São João Paulo II, Exortação Apostólica Vita consecrata, n. 15), àquele mesmo desígnio luminoso do Pai que remonta às origens do mundo. Ele terá a sua plena realização no fim dos tempos, mas já agora se torna visível através das «maravilhas que Deus realiza na frágil humanidade das pessoas chamadas» (ibid., n. 20). Meditemos, pois, sobre o modo como, através dos votos de pobrezacastidade e obediência que professastes, também vós podeis ser portadores de luz para as mulheres e homens do nosso tempo.


Primeiro aspecto: a luz da pobreza. Ela está radicada na própria vida de Deus, eterno e total dom recíproco do Pai, do Filho e do Espírito Santo (cf. ibid., n. 21). Exercendo a pobreza, a pessoa consagrada, pelo uso livre e generoso de todas as coisas, com elas se faz portadora de bênção: manifesta a sua bondade na ordem do amor, rejeita tudo o que pode ofuscar a sua beleza - o egoísmo, a avareza, a dependência, o uso violento e para fins de morte - e abraça, em vez disso, tudo o que pode exaltá-la: a sobriedade, a generosidade, a partilha, a solidariedade. Paulo diz: «Tudo é vosso. Mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus» (1Cor 3,22-23).

O segundo elemento é a luz da castidade. Também essa tem a sua origem na Trindade e manifesta um «reflexo do amor infinito que une as três Pessoas divinas» (Vita consecrata, n. 21). Na renúncia ao amor conjugal e no caminho da continência, a sua profissão reafirma o primado absoluto do amor de Deus para o ser humano, acolhido com um coração indiviso e esponsal (cf. 1Cor 7,32-36), e aponta-o como fonte e modelo de qualquer outro amor. Sabemos que estamos vivendo em um mundo frequentemente marcado por formas distorcidas de afetividade, no qual o princípio “o que me agrada acima de tudo” leva a procurar no outro mais a satisfação das próprias necessidades do que a alegria de um encontro fecundo. É verdade! Isto gera nas relações atitudes de superficialidade e precariedade, egocentrismo, hedonismo, imaturidade e irresponsabilidade moral, nas quais o esposo e a esposa de uma vida inteira são trocados pelo parceiro do momento, e os filhos recebidos como dom são substituídos pelos filhos exigidos como “direito” ou eliminados como “incômodo”.

Irmãos, irmãs, em um contexto assim, perante a «necessidade crescente de transparência interior nas relações humanas» (Vita consecrata, n. 88) e de humanização dos laços entre as pessoas e as comunidades, a castidade consagrada mostra-nos - ao homem e à mulher do século XXI - um caminho para curar o mal do isolamento, no exercício de um modo de amar livre e libertador, que acolhe e respeita todos e não obriga nem rejeita ninguém. Que remédio para a alma é encontrar religiosos e religiosas capazes deste tipo de relacionamento maduro e alegre! Eles são um reflexo do amor divino (cf. Lc 2,30-32). Para isso, porém, é importante cuidar do crescimento espiritual e afetivo das pessoas nas nossas comunidades, já desde a formação inicial, mas também na permanente, para que a castidade mostre verdadeiramente a beleza do amor que se doa, e não surjam fenômenos deletérios como o endurecimento do coração ou a ambiguidade das escolhas, fonte de tristeza e insatisfação e causa, por vezes, em sujeitos mais frágeis, do desenvolvimento de verdadeiras “vidas duplas”. A luta contra a tentação da “vida dupla” é quotidiana.

E chegamos ao terceiro aspecto: a luz da obediência. O texto que escutamos fala-nos também disso, apresentando-nos, na relação entre Jesus e o Pai, a «graça libertadora de uma dependência filial e não servil, rica de sentido de responsabilidade e animada pela confiança recíproca» (Vita consecrata, n. 21). É precisamente a luz da Palavra que se torna dom e resposta de amor, sinal para a nossa sociedade, na qual se tende a falar muito e a escutar pouco: na família, no trabalho e sobretudo nas redes sociais, onde podemos trocar uma quantidade infinita de palavras e imagens sem nos encontrarmos realmente, porque não nos comprometemos verdadeiramente uns com os outros. E isto é algo interessante. Tantas vezes, no diálogo quotidiano, antes que alguém acabe de falar, já sai a resposta. Não se escuta. Devemos escutar-nos antes de responder; acolher a palavra do outro como uma mensagem, um tesouro, uma ajuda para mim. A obediência consagrada é um antídoto contra esse individualismo solitário, promovendo como alternativa um modelo de relação marcado pela escuta ativa, onde ao “dizer” e ao “ouvir” se segue a concretude do “agir”, e isto também à custa de renunciar aos meus próprios gostos, planos e preferências. Só assim, com efeito, a pessoa pode experimentar profundamente a alegria do dom, superando a solidão e encontrando o sentido da sua existência no grande projeto de Deus.

Gostaria de concluir recordando outro ponto: o “retorno às origens”, de que tanto se fala hoje na vida consagrada. Mas não um regresso às origens como um voltar a um museu. Não! Que seja precisamente um regresso à origem da nossa vida. A este respeito, a Palavra de Deus que escutamos recorda-nos que o primeiro e mais importante “retorno às origens” de cada consagração é, para todos nós, aquele retorno a Cristo e ao seu “sim” ao Pai. Lembra-nos que a renovação, antes dos encontros e das “mesas redondas” - que se devem fazer e são úteis -, se faz diante do sacrário, na adoração. Irmãs, irmãos, perdemos um pouco o sentido da adoração! Somos demasiado práticos, desejamos fazer as coisas, mas... Adorar! Adorar! A capacidade de adorar em silêncio. Assim se redescobrem os próprios fundadores e fundadoras sobretudo como homens e mulheres de fé, repetindo com eles, na oração e na oferta: «Eis que venho... ó Deus, para fazer a tua vontade» (Hb 10,7).

Muito obrigado pelo vosso testemunho. É fermento na Igreja. Obrigado!


Fonte: Santa Sé.

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