São Leão Magno
Sermão I na Quaresma
Entramos
no combate da santidade
Entramos,
amadíssimos, na Quaresma, isto é, em uma maior fidelidade ao serviço do Senhor.
Vem a ser como se entrássemos em combate de santidade. Portanto, preparemos
nossas almas às investidas das tentações, sabendo que, quanto mais zelosos nos
mostremos de nossa salvação, mais violentamente nos atacarão nossos
adversários. Porém, Aquele que habita no meio de nós é mais forte que aquele
que luta contra nós. Nossa fortaleza vem d’Ele, em cujo poder temos posto nossa
confiança. O Senhor permitiu que o tentador lhe visitasse, para que nós
recebêssemos, além da força de seu socorro, o ensinamento de seu exemplo.
Acabais de
ouvi-lo: venceu o seu adversário com as palavras da Lei, não com o vigor de seu
braço. Sem dúvida, sua humanidade obteve mais glória e foi maior o castigo do
adversário ao triunfar do inimigo dos homens como mortal, em vez de como Deus.
Combateu para ensinar-nos a combater após Ele. Venceu para que nós, do mesmo
modo, sejamos também vencedores. Pois não há, amadíssimos, atos de virtude sem
a experiência das tentações, nem fé sem prova, nem combate sem inimigo, nem
vitória sem batalha.
A vida
transcorre em meio a emboscadas, em meio a sobressaltos. Se não queremos
ver-nos surpreendidos, devemos vigiar. Se pretendermos vencer, temos de lutar.
Por isso disse Salomão quando era sábio: Filho,
se entras no serviço do Senhor, prepara tua alma para a tentação. Cheio da
ciência de Deus, sabia que não há fervor sem esforço e combates. E prevendo os
perigos, os adverte a fim de que estejamos preparados para repelir os ataques
do tentador.
Instruídos pelo
ensinamento divino, amadíssimos, entremos no estádio escutando o que o Apóstolo
nos disse sobre este combate: Nossa luta
não é contra a carne e o sangue, mas contra os principados, contra as
potestades, contra os dominadores deste mundo de trevas. Não nos enganemos:
Estes inimigos que desejam perder-nos compreendem muito bem que contra eles se
encaminha todo o nosso esforço em favor de nossa salvação. Por isso, cada vez
que desejamos algum bem, provocamos ao adversário. Entre eles e nós existe uma
oposição entranhada, fomentada pelo diabo, porque, tendo eles sido despojados
dos bens que nos advêm da graça de Deus, nossa justificação lhes tortura.
Quando nós nos
levantamos, eles submergem. Quando revitalizamos nossas forças, eles perdem a
sua. Nossos remédios são as chagas de Cristo, pois a cura de nossas feridas os
entristece. Estejam, portanto, alertas, diz o Apóstolo: Cingi vossos rins com a
verdade, revestidos da couraça da justiça, os pés calçados de prontidão para
anunciar o Evangelho da paz. Embraçai a todo momento o escudo da fé, com que
possais apagar os dardos inflamados do maligno. Tomai, enfim, o capacete da
salvação e a espada do espírito, que é a Palavra de Deus.
Foi-nos dado o
escudo da fé para proteger todo o corpo, colocou em nossa cabeça o capacete da
salvação, colocou em nossa mão a espada, ou seja, a palavra da verdade. Assim,
o herói da luta do espírito não somente está resguardado das feridas, mas
também pode lesar quem o ataca. Confiando nestas armas, entremos sem preguiça e
sem temor na luta que nos é proposta, e, neste estádio em que se combate pelo
jejum, não nos contentemos apenas em abster-se da comida. De nada serve que se
debilite a força do corpo, se não se alimenta o vigor da alma. Mortifiquemos
algo do homem exterior, e restauremos o interior. Privemos a carne de seu
alimento corporal, e adquiramos forças na alma com as delícias espirituais. Que
todo cristão observe-se detidamente, e com um severo exame esquadrinhe o fundo
do seu coração.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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