Santo Agostinho
Sermão 88
“Nossa
fé tem grande mérito”
Vossa santidade
sabe tão bem quanto eu que nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo é o médico de
nossa salvação eterna, e que assumiu a enfermidade de nossa natureza, para que
nossa enfermidade não fosse sempiterna. Assumiu, na verdade, um corpo mortal,
para nele matar a morte. E se é verdade
que foi crucificado por nossa debilidade - como diz o Apóstolo -, vive agora pela força de Deus.
Do mesmo
Apóstolo são essas palavras: Já não morre
mais, a morte já não tem domínio sobre Ele. Tudo isso é bem conhecido de
vossa fé. Porém, devemos também saber que todos os milagres que realizou nos
corpos têm por objetivo fazer-nos chegar ao que nem passa nem terá fim.
Devolveu aos cegos os mesmos olhos que um dia a morte haveria de fechar;
ressuscitou a Lázaro, que novamente deveria morrer. E tudo quanto fez pela
salvação dos corpos, não os fez para torná-los imortais, se bem que tivesse a
intenção de conceder também aos corpos, ao final dos tempos, a salvação eterna.
Mas como as maravilhas invisíveis não eram cridas, quis, através de ações
visíveis e temporais, alçar a fé para as coisas invisíveis.
Então, que
ninguém diga, irmãos, que atualmente nosso Senhor Jesus Cristo já não realiza
os milagres que fazia antes e, em consequência, preferisse os primeiros tempos
da Igreja aos presentes; pois em certo lugar o próprio Senhor coloca aos que
creem sem ver acima dos que creram por terem visto. Na verdade, a fé dos
discípulos era na época de tal modo vacilante que, mesmo vendo ao Mestre
Ressuscitado, necessitaram apalpar-lhe parar crer.
Não lhes bastou
vê-lo com os próprios olhos: quiseram apalpar com as mãos seu corpo e as
cicatrizes das feridas recentes; até o ponto de que o discípulo que tinha
duvidado, tão prontamente como tocou e reconheceu as cicatrizes, exclamou: Meu Senhor e meu Deus! Aquelas
cicatrizes eram as credenciais d’Aquele que tinha curado as feridas dos demais.
O Senhor não
podia ressuscitar sem as cicatrizes? Sem dúvida, mas sabia que no coração de
seus discípulos ficavam feridas que haveriam se ser curadas pelas cicatrizes
conservadas em seu corpo. E o que respondeu o Senhor ao discípulo que,
reconhecendo-o por seu Deus, exclamou: Meu
Senhor e meu Deus? Disse-lhe: Crestes
porque me vistes? Bem-aventurados os que creram sem terem visto.
A quem ele
chamou de bem-aventurados, irmãos, senão a nós? E não somente a nós, mas a todos os que venham
depois de nós. Porque, não muito tempo depois, tendo-se apartado de seus olhos
mortais para fortalecer a fé em seus corações, todos os que doravante crerão
nele, crerão sem ver-lhe, e sua fé teve grande mérito: para conquistar essa fé,
mobilizaram unicamente seu piedoso coração, e não o coração e a mão
comprovadora.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp.
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