sexta-feira, 7 de março de 2025

Homilia do Papa: Quarta-feira de Cinzas (2025)

Santa Missa, Bênção e Imposição das Cinzas
Homilia do Papa Francisco
Basílica de Santa Sabina
Quarta-feira, 05 de março de 2025

A homilia preparada pelo Papa Francisco foi lida pelo Cardeal Angelo De Donatis, Penitenciário-Mor, que presidiu a celebração.

As cinzas sagradas que, nesta tarde, serão colocadas sobre a nossa cabeça reavivam em nós a memória do que somos e também a esperança do que seremos. Recordam-nos que somos pó, mas situam-nos no caminho da esperança a que estamos chamados, porque Jesus desceu ao pó da terra e, através da sua Ressurreição, leva-nos com Ele para o coração do Pai.

É assim que se abre o caminho da Quaresma até à Páscoa, entre a memória da nossa fragilidade e a esperança de que, no fim do caminho, o Ressuscitado estará à nossa espera.

Em primeiro lugar, é preciso conservar a memória. Recebemos as cinzas inclinando a cabeça, como que para nos olharmos a nós mesmos, para nos olharmos por dentro. Efetivamente, as cinzas ajudam-nos a fazer memória da fragilidade e da insignificância da nossa vida: somos pó, fomos criados do pó e voltaremos ao pó. E em tantos momentos, tendo em conta a nossa vida pessoal ou a realidade que nos rodeia, percebemos que «o homem não é mais do que um sopro! É em vão que se agita: amontoa riquezas e não sabe para quem ficam» (Sl 38,6-7).


Isto no-lo ensina sobretudo a experiência da fragilidade, que sentimos nos nossos cansaços, da fraqueza com que temos de nos confrontar, dos medos que nos habitam, dos fracassos que nos queimam por dentro, da fugacidade dos nossos sonhos, da constatação de como são efêmeras as coisas que possuímos. Feitos de cinzas e de terra, tocamos a fragilidade ao experimentarmos a doença, a pobreza, o sofrimento que, por vezes, se abate inesperadamente sobre nós e sobre as nossas famílias. E percebemos que somos frágeis também quando, na vida social e política do nosso tempo, nos encontramos expostos às “poeiras finas” que poluem o mundo: a contraposição ideológica, a lógica da prevaricação, o regresso de velhas ideologias identitárias que teorizam a exclusão dos outros, a exploração dos recursos da terra, a violência nas suas diversas formas, a guerra entre os povos. Tudo isto são “poeiras tóxicas” que turvam o ar do nosso planeta e impedem a coexistência pacífica, enquanto a incerteza e o medo do futuro crescem dentro de nós todos os dias.

Por fim, esta condição de fragilidade lembra o drama da morte, que nas nossas sociedades da aparência tentamos exorcizar de muitas maneiras e até apartar da nossa linguagem, mas que se impõe como uma realidade que temos de tomar em consideração, como um sinal da precariedade e da transitoriedade das nossas vidas.

Assim, apesar das máscaras que usamos e dos artifícios criados muitas vezes habilmente para nos distrair, as cinzas recordam-nos quem somos e isto nos faz bem. Reconfigura-nos, atenua a dureza dos nossos narcisismos, traz-nos de volta à realidade, torna-nos mais humildes e disponíveis uns para com os outros: nenhum de nós é Deus, estamos todos a caminho.

A Quaresma, porém, é igualmente um convite a reavivar em nós a esperança. Se recebemos as cinzas com a cabeça inclinada para reavivar a memória do que somos, o tempo quaresmal não quer deixar-nos de cabeça baixa, antes, pelo contrário, exorta-nos a levantar a cabeça para Aquele que se ergue das profundezas da morte, levando-nos também a nós das cinzas do pecado e da morte para a glória da vida eterna.

As cinzas recordam-nos então a esperança a que somos chamados, porque Jesus, o Filho de Deus, misturou-se com o pó da terra, elevando-o ao céu. Ele desceu às profundezas do pó, morrendo por nós e reconciliando-nos com o Pai, como ouvimos do Apóstolo Paulo: «Aquele que não cometeu nenhum pecado, Deus o fez pecado por nós» (2Cor 5,21).

Esta, irmãos e irmãs, é a esperança que reaviva as cinzas que somos. Sem esta esperança estamos condenados a suportar passivamente a fragilidade da nossa condição humana e, em especial diante da experiência da morte, afundamos na tristeza e na desolação, acabando por raciocinar como insensatos: «Breve e triste é a nossa vida, não há remédio algum quando chega a morte... o nosso corpo voltará ao pó, e o nosso espírito se dissolverá como o ar sutil» (Sb 2,1-3). Em contrapartida, a esperança da Páscoa, para a qual nos dirigimos, sustenta-nos nas fragilidades, assegura-nos o perdão de Deus e, mesmo quando estamos envoltos nas cinzas do pecado, abre-nos à confissão jubilosa da vida: «Eu sei que o meu redentor vive e prevalecerá, por fim, sobre o pó da terra!» ( 19,25). Recordemos que «o homem é pó e pó se há de tornar, mas é pó precioso aos olhos de Deus, porque Deus criou o homem destinando-o à imortalidade» (Bento XVI, Audiência Geral, 17 de fevereiro de 2010).

Irmãos e irmãs, com as cinzas sobre a cabeça, caminhamos em direção à esperança da Páscoa. Convertamo-nos a Deus, voltemos a Ele com todo o coração (cf. Jl 2,12), coloquemo-lo novamente no centro da nossa vida, para que a memória do que somos - frágeis e mortais como cinza lançada ao vento - seja finalmente iluminada pela esperança do Ressuscitado. E dirijamos a nossa vida para Ele, tornando-nos sinal de esperança para o mundo: aprendamos por meio da esmola a sair de nós mesmos para partilhar as necessidades uns dos outros e alimentar a esperança de um mundo mais justo; aprendamos por meio da oração a descobrir-nos necessitados de Deus ou, como dizia Jacques Maritain, “mendigos do céu”, para alimentar a esperança de que, nas nossas fragilidades e no fim da nossa peregrinação terrena, nos espera um Pai de braços abertos; aprendamos por meio do jejum que não vivemos apenas para satisfazer necessidades, mas que temos fome de amor e de verdade, e só o amor de Deus e de uns pelos outros pode verdadeiramente saciar-nos e dar-nos esperança em um futuro melhor.

Sejamos acompanhados sempre pela certeza de que, desde o momento em que o Senhor veio nas cinzas do mundo, «a história da terra é a história do céu. Deus e o homem estão unidos em um único destino» (C. Carretto, Il deserto nella città, Roma, 1986, 55), e Ele fará desaparecer para sempre as cinzas da morte para nos fazer resplandecer de vida nova.

Com esta esperança no coração, ponhamo-nos a caminho e reconciliemo-nos com Deus.


Fonte: Santa Sé.

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