Nesta Quarta-feira de Cinzas recordamos a homilia proferida pelo Papa São João Paulo II (†2005) há 25 anos, no início da Quaresma do Grande Jubileu do Ano 2000:
Santa Missa, Bênção e Imposição das Cinzas
Homilia do Papa João Paulo II
Basílica de Santa Sabina
Quarta-feira, 08 de março de 2000
1. “Criai em mim um
coração que seja puro, dai-me de novo um espírito decidido. Ó Senhor, não me
afasteis de vossa face, nem retireis de mim o vosso Santo Espírito” (Sl 50,12-13).
É assim que hoje, Quarta-feira de Cinzas, reza o salmista, o
Rei Davi: Rei de Israel grande e poderoso, mas ao mesmo tempo frágil e pecador.
No início desses quarenta dias de preparação para a Páscoa a Igreja deposita as
suas palavras nos lábios de todos aqueles que participam na austera Liturgia da
Quarta-feira de Cinzas.
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O Papa recebe as cinzas sobre a cabeça |
“Criai em mim um coração puro... não retireis de mim o vosso
Santo Espírito”. Ouviremos ecoar esta invocação no nosso coração enquanto daqui
a pouco nos aproximaremos do altar do Senhor para receber, segundo uma
antiquíssima tradição, as cinzas sobre a cabeça. Trata-se de um gesto rico de
referências espirituais, um importante sinal de conversão e de renovação
interior. Se for considerado em si mesmo, é um rito litúrgico simples e,
contudo, muito profundo pelo conteúdo penitencial que exprime: com ele a Igreja
recorda ao homem crente e pecador a sua fragilidade diante do mal e, sobretudo,
a sua total dependência da infinita majestade de Deus.
A Liturgia prevê que o sacerdote, ao impor as cinzas sobre a
cabeça dos fiéis, pronuncie as palavras: “Lembra-te de que és pó e ao pó hás de
voltar” ou “Convertei-vos e crede no Evangelho”.
2. “Lembra-te de que... ao pó hás de voltar”.
Desde o princípio a existência terrestre está inserida na
perspectiva da morte. O nosso corpo é mortal, ou seja, assinalado pela
inevitável perspectiva da morte. Vivemos com esta meta diante de nós: cada dia
que passa nos aproximamos dela com progressão irrefreável. E a morte tem em si
um pouco da aniquilação. Com a morte parece que tudo termina para nós. E eis
que, precisamente perante esta desconsoladora perspectiva, o homem consciente
do seu pecado eleva um brado de esperança ao céu: “Criai em mim um coração que
seja puro, dai-me de novo um espírito decidido. Ó Senhor, não me afasteis de
vossa face, nem retireis de mim o vosso Santo Espírito”.
Também hoje o fiel, que se sente ameaçado pelo mal e pela
morte, assim invoca a Deus, pois sabe que lhe é reservado um destino de vida
eterna. Sabe que não é apenas um corpo condenado à morte por causa do pecado,
mas que possui também uma alma imortal. Por isso dirige-se a Deus Pai, que tem
o poder de criar a partir de nada; a Deus Filho Unigênito que, fazendo-se homem
para a nossa salvação, morreu por nós e agora, ressuscitado, vive na glória; a
Deus Espírito imortal, que chama à existência e volta a dar a vida.
“Criai em mim um coração que seja puro, dai-me de novo um
espírito decidido”. A Igreja inteira faz sua esta oração do salmista. Tratam-se
de palavras proféticas, que penetram no nosso espírito neste dia singular,
primeiro no itinerário quaresmal que nos há de levar à celebração da Páscoa do
Grande Jubileu do Ano 2000.
3. “Convertei-vos e crede no Evangelho”. Este convite, que
encontramos no início da pregação de Jesus, introduz-nos no tempo quaresmal, tempo
a dedicar de maneira especial à conversão e à renovação, à oração, ao jejum e
às obras de caridade. Recordando a experiência do povo eleito, preparamo-nos
como que para repercorrer o mesmo caminho que Israel realizou através do
deserto rumo à Terra Prometida. Também nós alcançaremos a meta; depois destas
semanas de penitência, experimentaremos o júbilo da Páscoa. Purificados pela
oração e pela penitência, os nossos olhos poderão contemplar com maior
clarividência o rosto do Deus vivo, rumo ao qual o homem realiza a própria
peregrinação ao longo das veredas da existência terrena.
“Ó Senhor, não me afasteis de vossa face, nem retireis de
mim o vosso Santo Espírito”: o homem, criado não para a morte, mas para a vida,
reza precisamente assim. Apesar de ser consciente das suas fragilidades,
caminha sustentado pela certeza do destino divino.
Queira Deus todo-poderoso escutar as invocações da Igreja
que, na hodierna Liturgia da Quarta-feira de Cinzas, dirige com maior confiança
a sua alma rumo ao alto. O Senhor misericordioso conceda a todos nós abrir o
coração ao dom da sua graça, a fim de podermos participar com uma nova
maturidade no Mistério Pascal de Cristo, nosso único Redentor.
Fonte: Santa Sé.
Confira também algumas reflexões do Papa João Paulo II sobre o Salmo 50 em sua série de Catequeses sobre os Salmos e Cânticos da Liturgia das Horas.
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