Concluindo a primeira parte das Catequeses do Papa Francisco sobre os vícios e as virtudes às portas da Quaresma deste Ano Jubilar de 2025, confira as meditações sobre os vícios da inveja, da vanglória e da soberba:
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024
Os vícios e as virtudes (9): A inveja e a vanglória
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje
vamos analisar dois vícios capitais que encontramos nos grandes elencos que a
tradição espiritual nos deixou: a inveja e a vanglória.
Comecemos
pela inveja. Se lermos a Sagrada Escritura, ela se apresenta como
um dos vícios mais antigos: o ódio de Caim em relação a Abel desencadeia-se
quando ele se dá conta de que os sacrifícios do seu irmão são agradáveis a Deus
(cf. Gn 4). Caim era o primogênito de Adão e Eva, tinha
recebido a parte mais importante da herança do pai; no entanto, é suficiente
que Abel, o irmão mais novo, alcance um pequeno sucesso para que Caim se
indigne. O rosto do invejoso é sempre triste: o olhar é cabisbaixo, parece que
perscruta continuamente o terreno, mas na realidade não vê nada, porque a mente
está mergulhada em pensamentos cheios de maldade. A inveja, se não for
controlada, leva ao ódio pelo outro. Abel será morto pelas mãos de Caim, que
não era capaz de suportar a felicidade do irmão.
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A escolha entre os vícios e as virtudes (Frans Francken II) |
A
inveja é um mal investigado não apenas no âmbito cristão: chamou a atenção de
filósofos e sábios de todas as culturas. Na sua base existe uma relação de ódio
e de amor: quer-se o mal do outro, mas secretamente deseja-se ser como ele. O
outro é a epifania daquilo que gostaríamos de ser e que, na realidade, não
somos. A sua sorte parece-nos uma injustiça: certamente - pensamos - teríamos
merecido muito mais os seus sucessos ou a sua boa sorte!
Na
raiz deste vício há uma falsa ideia de Deus: não aceitamos que Deus tenha a sua
“matemática”, diferente da nossa. Por exemplo, na parábola de Jesus sobre os
trabalhadores chamados pelo patrão para ir à vinha em diferentes horas do dia,
os da primeira hora julgam ter direito a um salário mais elevado do que aqueles
que chegaram por último; mas o patrão dá a todos o mesmo salário, dizendo: «Não
posso fazer das minhas coisas o que quero? Ou tendes inveja porque sou
bom?» (Mt 20,15). Gostaríamos de impor a Deus a nossa
lógica egoísta, mas a lógica de Deus é o amor. Os bens que Ele nos concede
devem ser compartilhados. Por isso, São Paulo exorta os cristãos: «Amai-vos uns
aos outros com afeto fraterno, concorrendo na estima recíproca» (Rm 12,10).
Eis o remédio para a inveja!
E
vejamos o segundo vício que hoje examinamos: a vanglória. Ela anda
de mãos dadas com o demônio da inveja e, juntos, estes dois vícios são característicos
de uma pessoa que aspira a ser o centro do mundo, livre de explorar tudo e
todos, objeto de todo o louvor e amor. A vanglória é uma autoestima inflada e
sem fundamento. O orgulhoso possui um “eu” desproporcional: não tem empatia e
não se dá conta de que há outras pessoas no mundo além dele. As suas relações
são sempre instrumentais, determinadas pelo predomínio sobre o outro. A sua
pessoa, as suas conquistas, os seus sucessos devem ser exibidos a todos: é um
perene mendigo de atenção. E se, às vezes, as suas qualidades não são
reconhecidas, então zanga-se ferozmente. Os outros são injustos, não compreendem,
não estão à altura. Nos seus escritos, Evágrio Pôntico descreve a amarga
vicissitude de alguns monges acometidos pela vanglória. Acontece que, após os
primeiros êxitos na vida espiritual, eles sentem que já estão realizados e
então precipitam-se no mundo para receber os seus elogios. Mas não compreendem
que estão apenas no início do caminho espiritual, e que a tentação está à
espreita e não tardará a abatê-los.
Para
curar o vaidoso, os mestres espirituais não sugerem muitos remédios. Porque,
afinal de contas, o mal da vaidade tem o seu remédio em si mesmo: os elogios
que o vaidoso esperava receber do mundo depressa se voltarão contra ele. E
quantas pessoas, iludidas por uma falsa imagem de si mesmas, caíram depois em
pecados de que rapidamente se envergonhariam!
A
melhor instrução para vencer a vanglória encontra-se no testemunho de São
Paulo. O Apóstolo sempre se confrontou com um defeito que nunca conseguiu
superar. Por três vezes, pediu ao Senhor que o libertasse desse suplício, mas
no fim Jesus respondeu-lhe: «Basta-te a minha graça, porque a força se
manifesta plenamente na fraqueza». A partir daquele dia, Paulo foi libertado. E
a sua conclusão deveria tornar-se também a nossa: «Por isso, é de bom grado que
me orgulharei das minhas fraquezas, para que o poder de Cristo permaneça em
mim» (2Cor 12,9).
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 06 de março de 2024
Os vícios e as virtudes (10): A soberba
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
No
nosso percurso de Catequeses sobre os vícios e as virtudes chegamos hoje ao
último dos vícios: a soberba. Os gregos antigos definiam-na com um
vocábulo que poderia ser traduzido como “esplendor excessivo”. Com efeito, a
soberba é autoexaltação, presunção, vaidade. O termo consta também naquela
série de vícios que Jesus enumera para explicar que o mal deriva sempre do
coração do homem (cf. Mc 7,22). O soberbo é quem se
julga muito mais do que é na realidade; quem anseia por ser reconhecido como
maior do que os outros, quer ver sempre reconhecidos os seus próprios méritos e
despreza os outros, considerando-os inferiores.
A
partir desta primeira descrição vemos que o vício da soberba está muito próximo
da vanglória, que já foi apresentada na última Catequese. No entanto, se a
vanglória é uma doença do ego humano, não deixa de ser uma enfermidade infantil
quando a comparamos com a devastação da qual a soberba é capaz. Analisando as
loucuras do homem, os monges da Antiguidade reconheciam certa ordem na
sequência dos males: começa-se pelos pecados mais rudes, como a gula, para
depois chegar aos monstros mais inquietantes. De todos os vícios, a
soberba é a grande rainha. Não é por acaso que, na Divina Comédia,
Dante a insere exatamente no primeiro quadro do Purgatório: quem cede a este
vício está longe de Deus, e o remédio deste mal exige tempo e esforço, mais do
que qualquer outra batalha à qual o cristão é chamado.
Na realidade, neste mal esconde-se o pecado radical, a pretensão absurda de ser como Deus. O pecado dos nossos antepassados, narrado no Livro do Gênesis, é, para todos os efeitos, um pecado de soberba. O tentador diz-lhes: «No dia em que dele comerdes [do fruto], vossos olhos se abrirão e sereis como Deus» (Gn 3,5). Os escritores de espiritualidade estão muito atentos a descrever as repercussões da soberba na vida de todos os dias, a explicar como ele arruína as relações humanas, a realçar como este mal envenena o sentimento de fraternidade que, pelo contrário, deveria unir os homens.
Eis,
pois, a longa lista de sintomas que revelam como a pessoa cede ao vício da
soberba. Trata-se de um mal com evidente aspecto físico: o soberbo é altivo,
tem a “cerviz dura”, ou seja, um pescoço rígido, que não se dobra. É um homem
que julga facilmente e com desdém: por nada emite sentenças irrevogáveis contra
outros, que lhe parecem irremediavelmente inábeis e incapazes. Na sua
arrogância, esquece-se que, nos Evangelhos, Jesus nos atribuiu poucos preceitos
morais, mas em um deles mostrou-se intransigente: nunca julgar. Percebemos que
lidamos com um orgulhoso quando, fazendo-lhe uma pequena crítica construtiva ou
uma observação completamente inofensiva, ele reage de modo exagerado, como se
alguém tivesse ofendido a sua majestade: fica furioso, grita, interrompe
relações com os outros de maneira ressentida.
Há
pouco a fazer com uma pessoa doente de soberba. É impossível falar com ela, e
muito menos corrigi-la, porque afinal ela já não está presente em si. É preciso
ter paciência com ela, porque um dia o seu edifício desabará. Um provérbio
italiano diz: “A soberba vai a cavalo e volta a pé”. Nos Evangelhos, Jesus
encontra muitas pessoas soberbas e, muitas vezes, foi desenterrar este vício
até em pessoas que o escondiam muito bem. Pedro ostenta a sua fidelidade até ao
fim: «Ainda que todos te abandonem, eu não o farei!» (cf. Mt 26,33).
Mas em breve fará a experiência de ser como os outros, também ele assustado
perante a morte, que não imaginava tão próxima. E assim o segundo Pedro, aquele
que já não levanta o queixo, mas derrama lágrimas salgadas, será medicado por
Jesus e estará finalmente em condições de suportar o peso da Igreja. Primeiro
ostentava uma presunção que era melhor não manifestar; agora, pelo contrário, é
um discípulo fiel a quem, como diz uma parábola, o senhor pode «confiar todos
os seus bens» (Lc 12,44).
A
salvação passa pela humildade, verdadeiro remédio para qualquer ato de soberba.
No Magnificat, Maria entoa um cântico ao Deus que, com o seu poder,
dispersa os soberbos nos pensamentos doentios do coração. É inútil roubar algo
a Deus, como pretendem os soberbos, porque afinal Ele deseja dar-nos tudo. Por
isso o Apóstolo Tiago, dirigindo-se à sua comunidade ferida por lutas internas
derivadas do orgulho, escreve: «Deus resiste aos soberbos, mas aos humildes
concede a sua graça» (Tg 4,6).
Portanto,
amados irmãos e irmãs, aproveitemos esta Quaresma para lutar contra a nossa
soberba.
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A inveja e a soberba (Alexander Daniloff) |
Fonte: Santa Sé (28 de fevereiro / 06 de março).
Confira também nossa postagem sobre os sete salmos penitenciais, relacionados aos sete pecados capitais.
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