Santo Agostinho
Sermão 191 no Nascimento do Salvador
Aquele
que fez o homem se fez homem
A Palavra do
Pai, pela qual foram feitos os tempos, ao fazer-se carne nos presenteou com o
dia de seu nascimento no tempo; em sua origem humana quis ter também um dia
Aquele que sem sua anuência divina não transcorre nem um dia. Estando junto ao
Pai, precede há todos os séculos; nascendo da mãe, introduziu-se neste dia no
curso dos anos.
Aquele que fez o
homem se fez homem, de forma que se amamenta do peito Aquele que governa os
astros; sente fome o pão; sede a fonte; dorme a luz; o caminho se fadiga na
marcha; a verdade é acusada por falsas testemunhas; o juiz de vivos e mortos é
julgado por um juiz mortal; a justiça, condenada por gente injusta; a
disciplina, castigada com açoites; o racemo, coroado de espinhos; o apoio,
suspenso de um madeiro; a fortaleza, debilitada; a saúde, chagada; a vida
morre. Ainda que Ele, que por nós sofreu tantos males, não fez mal algum; nem
nós, que por Ele recebemos tantos bens, merecíamos bem nenhum, para livrar-nos,
apesar de sermos indignos, aceitou sofrer todas aquelas indignidades e outras
semelhantes.
Com essa
finalidade, pois, o que existia como Filho de Deus desde antes de todos os
séculos sem começo de dias, dignou-se fazer-se Filho do homem nos últimos dias,
e Aquele que tinha nascido do Pai sem ter sido feito por Ele, foi feito na mãe
que Ele havia feito, para encontrar-se aqui, em um momento determinada, nascido
daquela que nunca e em nenhum lugar teria podido existir a não ser por Ele.
Assim se cumpriu
o que tinha predito o Salmo: A verdade
brotou da terra. Maria foi virgem antes de conceber e depois de dar à luz.
Longe de nós o pensar que desapareceu a integridade daquela terra, ou seja,
daquela carne de onde brotou a verdade! Realmente, depois de sua Ressurreição,
a quem acreditava que Ele era um espírito, e não um corpo, lhes disse: Apalpai e vede, que um espírito não tem
carne nem osso como vedes que Eu tenho. Contudo, a solidez daquele corpo de
homem maduro se introduziu até a presença dos discípulos sem que as portas
estivessem abertas. Se, pois, o que sendo grande, pode entrar através de portas
fechadas, por que não pôde igualmente sair, quando era pequeno, através de
membros íntegros? Porém os incrédulos não querem crer nem uma coisa nem outra.
Uma razão a mais para que a fé creia em ambas as coisas, que a incredulidade
não as crê.
Justamente isto
caracteriza a incredulidade: o opinar que Cristo não tem nada a ver com a
divindade. Porém, para a fé, ao crer que Deus nasceu na carne, não lhe cabe
dúvida de que ambas as coisas são possíveis para Deus, a saber: que o corpo de
uma pessoa maior se apresente diante dos que estavam dentro da casa sem que lhe
abrissem as portas, e que o Esposo-Menino saísse de seu leito nupcial, isto é,
do seio da Virgem, mantendo intacta a virgindade da Mãe.
Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 288-289. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.
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