Em nossas postagens sobre as mudanças na 3ª edição do Missal Romano, ainda em processo de
tradução para o Brasil, dissemos: “no
futuro podemos fazer uma postagem indicando quando usar cada Oração Eucarística”.
Este é o objetivo desta postagem, recolhendo as informações
da Introdução Geral do Missal Romano
(IGMR, 3ª edição) e do próprio Missal,
tanto da versão atual em português (2ª edição, publicada em 1991), quanto da 3ª
edição (2002), em latim.
Cumpre dizer que não vamos nos aprofundar aqui na história e
na teologia das 14 Orações Eucarísticas (OE) que constam atualmente no Missal
Romano para o Brasil, uma vez que estes temas merecem postagens próprias no
futuro. Vamos nos limitar a apresentar as normas que regulam sua escolha.
Missal antigo aberto na página do Cânon Romano |
Infelizmente muitas comunidades se tornam reféns de folhetos
litúrgicos, os quais nem sempre seguem os critérios adequados na escolha da OE.
Porém, a escolha das partes variáveis da celebração é responsabilidade do
sacerdote, junto com aqueles que exercem alguma função na celebração (IGMR, n.
352).
A IGMR aborda este tema em seu capítulo VII: “A escolha da
Missa e de suas partes”, particularmente no n. 365 da sua 3ª edição. Na IGMR
impressa no atual Missal (2ª edição) este corresponde ao n. 322 (pp. 90-91).
Aqui constam apenas as quatro OE principais do Rito Romano,
as únicas que deveriam ser usadas nas celebrações do Ano Litúrgico, salvo
algumas exceções, como veremos.
ORAÇÃO EUCARÍSTICA I OU CÂNON ROMANO
(Prex Eucharistica I seu Canon
Romanus)
A OE I, o Cânon Romano, foi por muitos séculos a única
anáfora do Rito Romano. Por isso a observação da IGMR: “sempre pode ser usada” (semper
adhiberi potest). Uma vez que ela não possui Prefácio próprio, pode ser
usada em todas as celebrações do Ano Litúrgico, quando se usam os prefácios de
cada tempo (Advento, Natal, Quaresma, Páscoa, etc.). Porém, o n. 365 aponta quatro ocasiões em que é mais indicada:
a) “nos dias que a
Oração Eucarística tem o Em comunhão
próprio” (Communicantes): Natal e
sua Oitava, Epifania do Senhor, Missa da Ceia do Senhor, da Vigília Pascal até
o II Domingo da Páscoa, Ascensão do Senhor e Pentecostes;
b) “nas Missas
enriquecidas com o Recebei, ó Pai
próprio” (Hanc igitur): novamente
a Missa da Ceia do Senhor e da Vigília Pascal até o II Domingo da Páscoa, além
das Missas rituais (nos Escrutínios, do Batismo, da Confirmação, das
Ordenações, do Matrimônio, da Bênção de Abade ou Abadessa, da Consagração das
Virgens, da Profissão Religiosa Perpétua e da Dedicação de igreja).
c) “nas celebrações
dos Apóstolos e dos Santos mencionados na mesma Oração”: o Cânon Romano
menciona 40 santos (mais São José, inserido recentemente), divididos em dois
grupos: no Communicantes invocam-se a
Virgem Maria (e São José), doze Apóstolos e doze Mártires; e no Nobis quoque se recorre a João Batista,
sete santos homens e sete santas mulheres.
A seguir indicamos todas as celebrações destes santos, com
suas respectivas datas e classificação (solenidades, festas, memórias e
comemorações), na ordem em que são mencionados no Cânon. A OE I é especialmente
adequada nas solenidades e festas.
Solenidades:
Virgem Maria: Mãe de Deus (01/01), Assunção (15/08),
Imaculada Conceição (08/12) e, no Brasil, Nossa Senhora Aparecida (12/10),
padroeira nacional; São José (19/03); São Pedro e São Paulo (29/06); São João Batista
(24/06).
Festas:
Virgem Maria: Visitação (31/05), Natividade (08/09) e, no
Brasil, Nossa Senhora de Guadalupe (12/12), padroeira da América Latina; Cátedra
de São Pedro (22/02); Conversão de São Paulo (25/01); Santo André (30/11); São
Tiago (25/07); São João (27/12); São Tomé (03/07); São Tiago e São Filipe
(03/05); São Bartolomeu (24/08); São Mateus (21/09); São Simão e São Tadeu
(28/10); São Matias (14/05); Santo Estêvão (26/12); São Lourenço (10/08).
Ícone dos Doze Apóstolos |
Memórias
obrigatórias:
Virgem Maria: Nossa Senhora Rainha (22/08) e Nossa Senhora
das Dores (15/09); São Clemente (23/11); São Cornélio e São Cipriano (16/09); Martírio
de João Batista (29/08) São Barnabé (11/06); Santo Inácio (17/10), Santas
Perpétua e Felicidade (07/03); Santa Águeda (05/02); Santa Luzia (13/12); Santa
Inês (21/01); Santa Cecília (22/11).
Memórias
facultativas:
Virgem Maria: Apresentação de Nossa Senhora (21/11) e
celebrações devocionais (Fátima, Lourdes...); São José Operário (01/05); São
Sisto (07/08); São Cosme e São Damião (26/09); Santos Marcelino e Pedro
(02/06).
Comemorações:
São Lino (23/09); São Cleto ou Anacleto (26/04); São Crisógono
(24/11); Santos João e Paulo (26/06); Santo Alexandre (26/02); Santa Anastásia (25/12).
d) “nos domingos, a
não ser que por motivos pastorais se prefira a Oração Eucarística III”:
Aqui já fica claro quais são as duas OE que deveriam ser usadas no domingo: a I
ou a III (salvo exceções, como veremos adiante).
ORAÇÃO EUCARÍSTICA II
(Prex Eucharistica II)
A OE II, inspirada no Cânon de Hipólito (séc. III), costuma
ser a mais utilizada por sua brevidade. Contudo, justamente por isso, o n. 365
da IGMR deixa claro que ela “é mais apropriadamente usada nos dias de semana”;
Sobre o Prefácio, o texto continua: “Embora tenha Prefácio
próprio, pode igualmente ser usada com
outros Prefácios, sobretudo aqueles que de maneira sucinta apresentem o
mistério da salvação, por exemplo, os Prefácios comuns”. Assim, é adequada em
qualquer tempo litúrgico.
Por fim, menciona-se que esta Oração possui uma intercessão
própria para Missas dos defuntos, sendo indicada, junto com a OE III, para as
Missas exequiais ou Missas de sétimo dia.
ORAÇÃO EUCARÍSTICA III
(Prex Eucharistica III)
Como vimos acima, a OE III é indicada para os domingos junto
com a OE I: “Dê-se preferência a ela nos
domingos e nas festas”.
Assim como o Cânon Romano, a OE III não possui Prefácio
próprio, sendo portanto adequada em qualquer tempo litúrgico. E, como a OE II,
possui uma intercessão própria para Missas dos defuntos, sendo oportuna nas Missas
exequiais ou de sétimo dia.
Além disso, é a única das OE principais que dedica um espaço
para mencionar o santo do dia ou o padroeiro, sendo portanto indicada para as
celebrações dos santos.
ORAÇÃO EUCARÍSTICA IV
(Prex Eucharistica IV)
Ao apresentar a OE IV, o n. 365 da IGMR indica já de início
um dado importante: ela “possui um
Prefácio imutável” (praefationem
immutabilem habet). Portanto, não deve ser usada nas Missas que possuem
Prefácio próprio.
Esta Oração “apresenta um resumo mais completo da história
da salvação”. Assim, é indicada sobretudo para “os domingos do Tempo Comum”, uma vez que neste tempo litúrgico
celebra-se o mistério de Cristo em sua totalidade.
Por fim, a IGMR adverte: “Não se pode inserir nesta Oração,
devido à sua estrutura, uma fórmula especial por um fiel defunto”.
“Oração Eucarística V”
Para o Brasil, por ocasião do IX Congresso Eucarístico
Nacional, realizado em Manaus (1975), foi elaborada a chamada “Oração
Eucarística V” (aprovada pela Congregação para o Culto Divino em 11 de novembro
de 1974) [1].
Como não temos nenhuma orientação oficial sobre quando usar
esta OE, para os efeitos desta postagem vamos ignorá-la.
Edição atual do Missal para o Brasil |
ORAÇÃO EUCARÍSTICA PARA DIVERSAS CIRCUNSTÂNCIAS
(Prex Eucharistica quae in Missis
pro variis necessitatibus adhiberi potest)
Esta OE (numerada como VI no Brasil) é uma Oração dividida
em quatro “modelos”, nos quais variam o Prefácio e as intercessões. Antes de
apresentar o seu texto, o Missal Romano indica quando deve ser usada (2ª
edição, pp. 839-840):
“Esta Oração
Eucarística, com prefácios próprios e intercessões correspondentes, pode ser usada com formulários de Missas para diversas necessidades que não
possuem prefácio próprio”.
Deste texto tiramos três conclusões:
a) Possui prefácios
próprios, ou seja, que não pode ser substituídos por outros;
b) Deve ser usada nas Missas para diversas necessidades. Por
conseguinte, não deve ser usada nas
celebrações do Ano Litúrgico;
c) Mesmo dentre as Missas para diversas circunstâncias, não deve ser usada naquelas que possuem
prefácio próprio.
Na verdade o único formulário que possui prefácio próprio é Pela unidade dos cristãos, quando se usa
o Prefácio “A Igreja, unidade do Corpo de Cristo”.
Outros oito formulários possuem a indicação de um prefácio à
escolha. Assim, se usa o prefácio sugerido com a OE I, II ou III (que comportam
outros prefácios) ou se usa a OE para diversas necessidades com o seu prefácio:
Pela Igreja:
Prefácio VIII dos domingos do Tempo Comum ou Prefácio da Missa pela unidade dos
cristãos;
Por um Concílio ou
Sínodo e Para uma reunião espiritual
ou pastoral: Prefácio do Espírito Santo II;
Pela reconciliação:
Prefácio I dos domingos do Tempo Comum ou Prefácio comum I;
Pela santificação do
trabalho, Para a sementeira e Após as colheitas: Prefácio V dos
domingos do Tempo Comum;
Em ação de graças:
Prefácio comum IV;
Pelo perdão dos
pecados: Prefácio IV dos Domingos do Tempo Comum ou Prefácio da Penitência;
Para pedir uma boa
morte: Prefácio comum V ou VI.
Os quatro modelos da OE e as respectivas Missas para diversas necessidades onde
podem ser usados são (cf. Missal Romano, p. 839):
A: A Igreja a caminho
da unidade (Ecclesia in viam unitatis
progrediens)
Pela Igreja (à
escolha), Pelo Papa, Pelo Bispo, Para eleição do Papa ou Bispo, Por um
Concílio ou Sínodo (à escolha), Pelos
sacerdotes, Pelo próprio sacerdote, Pelos ministros da Igreja e Para uma
reunião espiritual ou pastoral (à
escolha);
B: Deus que conduz
sua Igreja pelo caminho da salvação (Deus
Ecclesiam suam in viam salutis conducens)
Pela Igreja (à
escolha), Pelas vocações sacerdotais, Pelos religiosos, Pelas vocações
religiosas, Pelos cristãos leigos, Em ação de graças (à escolha), Para pedir a caridade, Pela família e Pelos parentes e
amigos;
C: Jesus, caminho
para o Pai (Iesus via ad Patrem)
Pela evangelização dos povos, Pelos cristãos perseguidos,
Pela pátria ou pela cidade, Pelos governantes, Pelo encontro de chefes de
Estado, Pelo rei ou chefe de Estado, Pelo progresso dos povos e No início do
ano civil;
D: Jesus que passa
fazendo o bem (Iesus pertransiens
benefaciendo)
Em tempo de fome ou pelos que passam fome, Pelos refugiados
e exilados, Pelos submetidos ao cativeiro, Pelos prisioneiros, Pelos doentes,
Pelos agonizantes, Em qualquer necessidade, Pelos que nos afligem e Para pedir
uma boa morte (à escolha).
Há ainda seis Missas que o Missal não especifica qual modelo
da OE usar. Supomos (e aqui é a opinião
do autor deste blog) que o mais indicado é o modelo D (indicado para a
Missa Em qualquer necessidade):
Pela conservação da paz e da justiça, Em tempo de guerra ou
calamidade, Em tempo de terremoto, Para pedir chuva, Para pedir bom tempo e Para
repelir as tempestades.
Missal em inglês (notem-se as indicações das OE na lateral) |
ORAÇÕES EUCARÍSTICAS SOBRE A RECONCILIAÇÃO I E II
(Preces Eucharisticae de
Reconciliatione)
Numeradas como VI e VIII no Brasil, sobre estas duas OE não
há nenhuma orientação no atual Missal
Romano (2ª edição). Na 3ª edição típica encontramos as orientações sobre quando
podem ser usadas:
a) Nas Missas para
diversas necessidades: Para promover a concórdia, Pela reconciliação, Pela
conservação da paz e da justiça, Pelo perdão dos pecados e Para pedir a
caridade;
b) Nas Missas votivas:
da Santa Cruz, da Santíssima Eucaristia e do Preciosíssimo Sangue de nosso
Senhor Jesus Cristo;
b) No Tempo da
Quaresma, particularmente nos dias de semana.
Embora as duas OE sobre a Reconciliação possuam Prefácio
próprio, podem ser rezadas com outros prefácios, sobretudo no último caso acima
(quando podem tomar-se os Prefácios da Quaresma).
ORAÇÕES EUCARÍSTICAS PARA MISSAS COM CRIANÇAS I, II E III
(Preces Eucharisticae pro Missis cum Pueris)
Por fim, temos as OE para Missas com crianças, numeradas
como IX, X e XI no Brasil. Seu uso é bem mais delimitado que as anteriores,
como indica a 3ª edição típica do Missal: estão estritamente circunscritas (stricte
circumscribitur) às Missas com crianças.
Não se trata, porém, de qualquer celebração em que estejam
presentes crianças, mas sim nas Missas em que a maior parte da assembleia seja
constituída por elas (in quibus maior
pars participantium ab ipsis constituitur).
Podemos pensar, por exemplo, em uma Missa celebrada para as
crianças que frequentam a catequese, acompanhadas apenas de seus catequistas. O
mesmo não vale, por exemplo, para uma Missa de Primeira Comunhão, onde a maior
parte da assembleia será constituída de adultos (pais e familiares das
crianças).
Há ainda a questão da idade. O Missal delimita o que se
entende por crianças: aqueles que ainda não atingiram a idade da
pré-adolescência (qui aetatem praeadulescentiae
nondum inierunt). Segundo a Organização Mundial da Saúde, a
pré-adolescência começa aos 10 anos [2].
Portanto, as OE para Missas com crianças só poderiam ser
utilizadas em uma celebração cuja maior parte da assembleia seja formada por
crianças menores de 10 anos. Algo bem específico. Uma das razões pela qual a
reimpressão do Missale Romanum de
2008 suprimiu estas OE. Não que elas tenham sido proibidas, mas devido ao seu
uso extraordinário, podem ser impressas à parte.
A outra razão é que estas orações nunca serão usadas em
latim (natura sua textus latinus non
tantum ad usum liturgicum destinatur), dado que seu objetivo é justamente
favorecer a participação das crianças e sua gradual compreensão dos mistérios.
O texto latino serve apenas como forma típica, na qual as traduções devem se
basear.
O Missale ainda
especifica que por sua estrutura peculiar, os prefácios destas três OE são imutáveis. Além disso, favorecendo a
simplicidade, não convém que nestas Missas haja concelebração. Assim, apenas um
sacerdote profere os textos litúrgicos, em diálogo com as crianças em alguns
momentos.
[1] cf. Revista Notitiae, n. 100, 12/1974, p. 399.
[2] cf. http://www.adolescencia.org.br/site-pt-br/adolescencia
Fontes:
ALDAZÁBAL, José. Instrução
Geral sobre o Missal Romano. São Paulo: Paulinas, 2007.
MISSAL ROMANO. Tradução
portuguesa para o Brasil da 2ª edição típica. São Paulo: Paulus, 1991.
MISSALE ROMANUM. Editio typica tertia. Typis Vaticanis. 2002.
Para acessar nossas três postagens sobre as mudanças na III edição do Missal Romano, clique abaixo:
As mudanças na terceira edição do Missal Romano (1): O Ano Litúrgico
Mas, como saber qual das três OE p/crianças usar especificamente?
ResponderExcluirA escolha fica a cargo do sacerdote e da equipe que prepara a celebração (Instrução Geral do Missal Romano, 3ª edição, n. 352).
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