“Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo eu
vos digo: Alegrai-vos! O Senhor está próximo!” (Fl 4,4-5).
No Rito Romano,
os quatro domingos que antecedem a Solenidade do Natal do Senhor (25 de
dezembro) formam o Tempo do Advento, com o qual tem início o Ano Litúrgico.
Nesta postagem gostaríamos de traçar brevemente a história desse tempo de
alegre expectativa pela vinda do Senhor.
A coroa do Advento, um dos principais símbolos desse tempo |
1. As origens do Tempo do Advento
A palavra latina
adventus (vinda, chegada),
equivalente ao grego παρουσία (parousia)
- relacionada também com ἐπιϕάνεια (epifania, manifestação) -, designava na
Antiguidade a visita de um deus a seu templo em certas festividades para
abençoar os seus fiéis ou o início do reinado de um soberano.
Nos primeiros
séculos, os cristãos utilizavam o termo para referir-se tanto à primeira
vinda de nosso Senhor Jesus Cristo “segundo a carne” - isto é, à sua
concepção no seio de Maria e ao seu nascimento em Belém - quanto à sua última
vinda: “E de novo há de vir, em sua
glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim”
(Credo Niceno-Constantinopolitano).
São Bernardo de
Claraval (†1153) fala ainda de uma “vinda intermediária” do Senhor a
cada dia no coração dos fiéis: pela Palavra, pela Eucaristia, pela oração, pela
comunhão fraterna...
Para ler a homilia de São Bernardo sobre a tríplice vinda do Senhor, clique aqui.
A “pré-história”
do Advento como tempo litúrgico começa no final do século IV nas
atuais França e Espanha. Nessas regiões, seguindo o costume oriental, a Epifania
do Senhor (06 de janeiro) era um dia dedicado à celebração do Batismo, diferentemente
de Roma, onde o Batismo só era administrado na Páscoa.
Assim, o I
Concílio de Saragoça (380) menciona um período de três semanas em preparação à
Epifania, de 17 de dezembro a 06 de janeiro, entendido aqui como um período de jejum
em vista da recepção do Batismo, como na Quaresma [1].
No século V, por
sua vez, o Bispo Perpétuo de Tours (†490) prescreve um jejum durante três dias
da semana, desde a festa de São Martinho (11 de novembro) até a Epifania. Logo
esse jejum é estendido a cinco dias por semana, totalizando 40 dias de jejum.
Por isso o Advento futuramente será também chamado de “Quaresma de São
Martinho”.
À medida que o
Batismo passa a ser celebrado ao longo de todo o ano (e não apenas na Epifania
e na Páscoa), o jejum pré-natalício nos Ritos Hispano-Mozárabe e
Franco-Galicano é fixado em seis semanas, tendo início no sexto domingo
antes do Natal (de 13 a 19 de novembro) e concluindo no dia 24 de dezembro.
Esse período de
seis domingos seria acolhido em seguida nas ilhas britânicas (Grã-Bretanha e Irlanda) e em Milão, Itália (Rito
Ambrosiano).
Confira nossas postagens sobre a história da Solenidade do Natal e a história da Solenidade da Epifania.
A última vinda de Cristo (Juízo final, detalhe - Marten de Vos) |
Esse tempo possuía um acento fortemente escatológico, isto é, de preparação para o juízo final, para a última vinda de Cristo. Com efeito, o final do ano civil e a experiência da “morte” da natureza com o inverno (no hemisfério norte) conduzia os fiéis a meditar sobre os “fins últimos”.
Assim, nessas regiões a Liturgia do Advento era marcadamente penitencial, com a omissão do Glória e do Aleluia na Missa e o uso de paramentos roxos ou mesmo negros.
2. A acolhida do Advento no Rito Romano
Nessa primeira etapa, a preparação para o Natal-Epifania era mais ascética que litúrgica. É apenas nos séculos VII-VIII que encontramos as primeiras referências a orações para o Advento do Senhor (Orationes de Adventu Domini), presentes nos Sacramentários Gelasiano e Gregoriano.
Essas orações, porém, faziam referência à vinda do Senhor em sentido amplo, podendo indicar tanto o Natal quanto a sua vinda no fim dos tempos.
Também as leituras para os domingos desse tempo, como indica por exemplo o Lecionário de Würzburg (séc. VII), referiam-se tanto ao “Advento escatológico”, com o anúncio do juízo final, quanto ao “Advento histórico”, com leituras sobre o cumprimento das profecias em Cristo e o testemunho de São João Batista.
Inclusive em um dos domingos do Advento a Igreja sempre lia o relato da entrada messiânica de Jesus em Jerusalém (Mt 21,1-9) - conservado até hoje no Rito Ambrosiano -, indicando que em Cristo todas as promessas da primeira aliança se cumpriram: “Bendito o que vem em nome do Senhor!”.
A partir do
século VIII há uma lenta assimilação do Rito Franco-Galicano pelo Rito Romano,
de modo que este acolhe alguns elementos penitenciais no Advento, como a
omissão do Glória e o uso dos paramentos roxos. Conserva-se, porém, o canto do
Aleluia, omitido apenas na Quaresma.
O Rito Romano também
impõe paulatinamente um Advento de quatro domingos, exceto nos Ritos
Hispano-Mozárabe e Ambrosiano, que conservaram os seis domingos.
Página do I Domingo do Advento em um antigo Missal: Com a imagem do juízo final e a antífona Ad te levavi (Sl 24) |
A duração do Advento, portanto, varia de 21 a 28 dias, dependendo do dia da semana em que cai o Natal do Senhor. Por exemplo:
- quando o Natal cai em um domingo (como em 2022), o Advento inicia no dia 27 de novembro e seu IV Domingo celebra-se no dia 18 de dezembro;
- quando o Natal cai em uma segunda-feira (como em 2023), o Advento começa no dia 03 de dezembro e o IV Domingo celebra-se no dia 24 de dezembro.
Cabe recordar ainda que algumas comunidades eclesiais protestantes mais tradicionais, como os anglicanos e os luteranos, conservaram o Advento em seus calendários litúrgicos. Algumas tradições desse tempo, com efeito, estão fortemente arraigadas nessas comunidades, como é o caso da célebre “coroa do Advento”.
3. Algumas particularidades litúrgicas do
Advento
Antes ainda da
assimilação do Advento, em Roma os dias que antecediam o Natal eram marcados
pela celebração das Têmporas de inverno (no hemisfério norte), mais
especificamente na quarta, sexta e sábado da III semana de dezembro.
Inicialmente as
Têmporas não tinham ligação com o Natal, servindo como uma ação de graças a
Deus pelos dons da criação. Com o desenvolvimento do Advento, porém, as orações
e leituras das Têmporas de dezembro passaram a referir-se ao mistério da
Encarnação:
- a Anunciação do anjo a Maria (Lc
1,26-38) na quarta-feira;
- a Visitação de Maria a Isabel (Lc 1,39-47) na sexta-feira;
- e a pregação de São João Batista (Lc 3,1-6) no sábado.
Confira nossa postagem sobre a história e o significado das Quatro Têmporas.
A Missa da
quarta-feira servia também como Missa votiva a Nossa Senhora nos sábados do
Advento, conhecida como “Missa Rorate”,
em alusão à antífona de entrada: “Roráte,
coeli, désuper...”, isto é, “Céus, deixai cair o orvalho...” (Is 45,8). Vale recordar que o Advento é
um tempo tipicamente mariano (cf. Marialis cultus, nn. 3-4).
Confira nossas postagens sobre as Missas Rorate e sobre a Coletânea de Missas de Nossa Senhora.
Vale destacar que, considerando que a festa da Anunciação do Senhor (25 de março) sempre cai na Quaresma, os ritos ocidentais não romanos a celebram justamente no Advento, destacando a participação da Virgem Maria no mistério da Encarnação: o Rito Hispano-Mozárabe no dia 18 de dezembro e o Rito Ambrosiano no domingo antes do Natal (“Domingo da Encarnação ou da Maternidade Divina”).
Confira nossa postagem sobre a história da Solenidade da Anunciação.
Maria grávida da "Palavra que se fez carne" (Jo 1,14) |
Uma vez que no sábado das Têmporas se celebrava uma solene vigília noturna, durante a qual o Bispo costumava conferir o Sacramento da Ordem, no domingo, o IV do Advento, não se celebrava outra Missa: era um “domingo vacante” (dominica vacans).
Assim, o III Domingo do Advento, que de certa forma marca a “metade” desse tempo, era particularmente solene. Esse é até hoje chamado “Domingo Gaudete”, em alusão à antífona de entrada: “Gaudéte in Dómino...”; “Alegrai-vos no Senhor...” (Fl 4,45).
Como no IV Domingo da Quaresma (Domingo Laetare), no III do Advento é permitido utilizar paramentos na cor rosa (mistura de roxo e branco, indicando a proximidade da festa) e se permite ornar o altar com flores, ainda que com certa moderação.
Podemos dizer que o Domingo Gaudete serve de “transição” entre as duas “etapas” do Advento:
- do I Domingo ao dia 16 de dezembro se acentua mais o caráter escatológico desse tempo, “tema” já presente nas últimas semanas do Tempo Comum, com a recordação do juízo final e o convite à vigilância e à conversão;
- de 17 a 24 de dezembro, por sua vez, meditamos os eventos que precedem diretamente o nascimento do Senhor.
4. A celebração do Advento hoje
“O Tempo do
Advento possui dupla característica: sendo um tempo de preparação para as
solenidades do Natal, em que se comemora a primeira vinda do Filho de Deus
entre os homens, é também um tempo em que, por meio desta lembrança, voltam-se
os corações para a expectativa da segunda vinda de Cristo no fim dos tempos.
Por este duplo motivo, o tempo do Advento se apresenta como um tempo de
piedosa e alegre expectativa” (Normas
Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, n. 39).
A reforma
litúrgica do Concílio Vaticano II, conservando sua dupla característica, enriqueceu o Tempo do Advento com diversas leituras e orações, uma vez que no anterior Missale Romanum
(1962) possuíam textos próprios apenas os quatro Domingos e os três dias das
Têmporas de dezembro.
O novo
Lecionário traz, pois, leituras próprias
para todos os dias do Advento, assim distribuídas:
a) Leituras
dos domingos do Advento:
Os Evangelhos,
seguindo o ciclo trienal (anos A-B-C), narram a última vinda do Senhor (1º
domingo), a pregação de João Batista (2º e 3º domingos) e os preparativos para
o nascimento de Jesus (4º domingo).
As leituras são tomadas das profecias
do Antigo Testamento sobre o Messias e das exortações dos Apóstolos sobre
alguns “temas” da espiritualidade do Advento.
b) Leituras
dos dias de semana do Advento:
Até o dia 16 de
dezembro, seguindo o ciclo anual, fazemos a leitura semicontínua da profecia de
Isaías. O Evangelho é escolhido em
sintonia com a leitura.
A partir da
quinta-feira da II semana o Evangelho está relacionado a São João Batista,
enquanto a leitura prossegue o relato de Isaías ou está em harmonia com
o Evangelho.
De 17 a 24 de
dezembro, por sua vez, tem lugar a leitura semicontínua dos “Evangelhos da
infância” (Mt e Lc), com leituras do Antigo Testamento em sintonia.
Confira nossa postagem sobre os critérios de escolha das leituras em cada tempo litúrgico.
A pregação de São João Batista com o convite à conversão (Johann Michael Wittmer) |
O Missal também foi amplamente enriquecido com várias orações, tomadas dos antigos Sacramentários (Veronense, Gelasiano, Gregoriano...), incluindo dois Prefácios próprios, um para cada etapa do Advento: De duobus adventibus Christi (As duas vindas de Cristo) e De duplici exspectatione Christi (A dupla espera de Cristo).
Ambos sintetizam perfeitamente a dupla dimensão desse tempo: “Revestido da nossa fragilidade, Ele veio a primeira vez... Revestido de sua glória, Ele virá uma segunda vez...” (Prefácio do Advento I).
A tradução brasileira do Missal, por sua vez, inclui ainda outros dois Prefácios, tomados da edição italiana: “Cristo, Senhor e Juiz da História” e “Maria, a nova Eva” [2]. Vale recordar que o Missal anterior à reforma não possuía nenhum Prefácio para o Advento.
Quanto à Liturgia das Horas, vale destacar
primeiramente os seis hinos próprios,
três para cada etapa do Advento, em sua maioria composições anônimas dos séculos
IX-X:
a) Tempo do Advento: até 16 de dezembro
Vésperas: Cónditor alme síderum (Eterna luz dos
homens);
Ofício das
Leituras: Verbum supérnum pródiens, a Patre
(O Verbo eterno do Pai);
Laudes: Vox
clara ecce íntonat (Em meio à treva escura).
b) Tempo do Advento: de 17 a 24 de
dezembro
Vésperas: Verbum salútis ómnium (Recebe, Virgem
Maria);
Ofício das
Leituras: Veni, redémptor géntium (Ó
vinde, depressa);
Laudes: Magnis prophétae vócibus (Os profetas,
com voz poderosa) [3].
Ainda em relação
à Liturgia das Horas, é impossível não mencionar aqui as sete Antífonas do Ó ou Antífonas maiores do
Advento, entoadas antes e depois do cântico evangélico das Vésperas (oração da
tarde), o Magnificat (Lc 1,46-55), de 17 a 23 de dezembro: Ó
Sabedoria, Ó Adonai, Ó Raiz de Jessé...
Quanto à piedade popular do tempo do Advento, já
possuímos uma série de postagens aqui em nosso blog: a coroa do Advento; o presépio; a árvore de Natal; a novena de Natal... [4].
5. O Advento nas Igrejas Orientais
O Advento é um
tempo litúrgico tipicamente ocidental: seu equivalente mais próximo nos Ritos Orientais
é o Tempo da Anunciação (Subara) da tradição siríaca, composto pelos
seis domingos anteriores ao Natal no Rito Siríaco-Ocidental ou Antioqueno e por
quatro domingos no Rito Siríaco-Oriental ou Caldeu. Nesses domingos se recordam
as anunciações a Zacarias, à Virgem Maria e a São José.
No Rito
Bizantino, por sua vez, embora se prescrevam 40 dias de jejum - de 15 de
novembro a 24 de dezembro, período às vezes referido como “Quaresma de São
Filipe” (celebrado nesse rito no dia 14 de novembro) - a preparação litúrgica
para o Natal concentra-se nos dois domingos anteriores à festa:
- o segundo
domingo antes do Natal (11 a 17 de dezembro) é o “Domingo dos Antepassados” e
celebra todos os justos do Antigo Testamento;
- o domingo
antes do Natal (18 a 24 de dezembro) é o “Domingo da Genealogia”, com a leitura
de Mt 1,1-25 e a recordação de todos
os antepassados diretos de Jesus.
Também no Rito
Romano, com efeito, os patriarcas e profetas do Antigo Testamento, sobretudo
Isaías, estão entre as figuras-modelo do Advento, junto com São João
Batista, São José e a Virgem Maria.
Confira nossas postagens sobre o culto aos santos do Antigo Testamento, o culto a São João Batista e o culto a São José.
Ele veio a
primeira vez, revestido da nossa fragilidade; Ele virá uma segunda vez,
revestido de sua glória. Enquanto “aguardamos na bendita esperança a vinda gloriosa
do Senhor” (cf. Tt 2,13), clamamos: Maranathá!
Vem, Senhor Jesus! (1Cor 16,22; Ap 22,20).
Notas:
[1] I Concílio
de Saragoça (380), cânon 4. In: CORDEIRO,
José de Leão [org.]. Antologia Litúrgica:
Textos Litúrgicos, Patrísticos e Canónicos do Primeiro Milénio. Fátima:
Secretariado Nacional de Liturgia, 2003, p. 562.
[2] cf. MISSAL ROMANO. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo:
Paulus, 1991, pp. 406-409.
[3] cf. OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da
segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. 1: Tempo do Advento e Tempo do Natal, pp. 103-105.277-280.
[4] cf. CONGREGAÇÃO
PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Diretório sobre Piedade
Popular e Liturgia. São Paulo: Paulinas, 2003, pp. 92-98.
Referências:
ADAM, Adolf. O Ano Litúrgico: Sua história e seu
significado segundo a renovação litúrgica. São Paulo: Loyola, 2019, pp.
93-100.
AUGÉ, Matias. Ano Litúrgico: É o próprio Cristo presente
na sua Igreja. São Paulo: Paulinas, 2019, pp. 233-246.
BERGAMINI,
Augusto. Cristo, festa da Igreja: O Ano Litúrgico.
São Paulo: Paulinas, 2004, pp. 177-194.
RIGHETTI, Mario.
Historia de la Liturgia, v. I:
Introducción general; El año litúrgico; El Breviario. Madrid: BAC, 1955,
pp. 677-686.
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