sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Homilia do Papa Bento XVI: Assunção de Maria (2005)

Nesta Solenidade da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria (que no Brasil é transferida para o domingo) recordamos a homilia e a meditação durante o Ângelus proferidas pelo Papa Bento XVI (†2022) nesta ocasião há 20 anos, no dia 15 de agosto de 2005.

O “Papa alemão” centrou sua homilia no cântico da Virgem Maria, o Magnificat (Lc 1,46-55):

Solenidade da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria
Homilia do Papa Bento XVI
Paróquia de Santo Tomás de Villanova, Castel Gandolfo
Segunda-feira, 15 de agosto de 2005

Caros irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Queridos irmãos e irmãs,
Antes de tudo dirijo uma cordial saudação a todos vós. É uma grande alegria para mim celebrar a Missa nesta bela igreja paroquial no dia da Assunção. Saúdo o Cardeal Angelo Sodano, o Bispo de Albano, todos os sacerdotes, o Presidente da Câmara e todos vós. Obrigado pela vossa presença. A festa da Assunção é um dia de alegria. Deus venceu. O amor venceu. Venceu a vida. Mostrou-se que o amor é mais forte do que a morte. Que Deus tem a verdadeira força e a sua força é bondade e amor.

Maria foi elevada ao céu em corpo e alma: também para o corpo existe um lugar em Deus. Para nós o céu já não é uma esfera muito distante e desconhecida. No céu temos uma Mãe. E a Mãe de Deus, a Mãe do Filho de Deus, é a nossa Mãe. Ele mesmo o disse. Ele constituiu-a nossa Mãe, quando disse ao discípulo e a todos nós: “Eis a tua Mãe!” (Jo 19,27). No céu temos uma Mãe. O céu está aberto, o céu tem um coração.


No Evangelho (Lc 1,39-56) ouvimos o Magnificat, esta grande poesia pronunciada pelos lábios, aliás, pelo coração de Maria, inspirada pelo Espírito Santo. Neste cântico maravilhoso reflete-se toda a alma, toda a personalidade de Maria. Podemos dizer que este seu cântico é um retrato, é um verdadeiro ícone de Maria, no qual podemos vê-la precisamente como é. Gostaria de realçar somente dois aspectos desse grande cântico. Ele inicia com a palavra “Magnificat”: a minha alma “engrandece” o Senhor, ou seja, “proclama grande” o Senhor. Maria deseja que Deus seja grande no mundo, seja grande na sua vida, esteja presente entre todos nós. Não teme que Deus possa ser um “concorrente” na nossa vida, que possa tirar algo da nossa liberdade, do nosso espaço vital com a sua grandeza. Ela sabe que, se Deus é grande, também nós somos grandes. A nossa vida não é oprimida, mas elevada e alargada: justamente então torna-se grande no esplendor de Deus.

O fato de que os nossos antepassados pensassem o contrário foi o núcleo do pecado original. Temiam que se Deus tivesse sido grande demais teria tirado algo da sua vida. Pensavam que deveriam pôr Deus de lado para ter espaço para si mesmos. Esta foi também a maior tentação da época moderna, dos últimos três ou quatro séculos. Sempre mais se pensou e também se disse: “Mas este Deus não nos deixa a nossa liberdade, torna estreito o espaço da nossa vida com todos os seus mandamentos. Portanto, Deus deve desaparecer; queremos ser autônomos, independentes. Sem este Deus nós mesmos seremos deuses, fazendo o que queremos”. Este também era o pensamento do filho pródigo, o qual não entendeu que, precisamente pelo fato de estar na casa do pai, era “livre”. Foi embora para cidades longínquas e consumiu o patrimônio da sua vida. No final compreendeu que, justamente por ter se distanciado do pai, em vez de ser livre, tornou-se escravo; entendeu que somente retornando à casa do pai poderia ser livre verdadeiramente, em toda a beleza da vida. Assim é também na época moderna. Antes pensava-se e acreditava-se que, afastando Deus e sendo autônomos, seguindo somente as nossas ideias, a nossa vontade, nos tornaríamos realmente livres, podendo fazer o que quiséssemos sem que ninguém pudesse dar-nos alguma ordem. Mas, onde desaparece Deus, o homem não se torna grande; ao contrário, perde a dignidade divina, perde o esplendor de Deus no seu rosto. No fim resulta somente o produto de uma evolução cega e, como tal, pode ser usado e abusado. Foi precisamente quanto a experiência desta nossa época confirmou.

Somente se Deus é grande o homem também é grande. Com Maria devemos começar a entender que é assim. Não devemos distanciar-nos de Deus, mas tornar Deus presente; fazer com que Ele seja grande na nossa vida; assim também nós nos tornamos divinos; todo o esplendor da dignidade divina então é nosso. Apliquemos isto à nossa vida. É importante que Deus seja grande entre nós, na vida pública e na vida privada. Na vida pública é importante que Deus esteja presente, por exemplo, através da cruz nos edifícios públicos, que Deus esteja presente na nossa vida comum, porque somente se Deus está presente temos uma orientação, uma estrada comum; senão os contrastes tornam-se inconciliáveis, deixando de existir o reconhecimento da dignidade comum.

Tornemos Deus grande na vida pública e na vida privada. Isto quer dizer dar espaço todos os dias a Deus na nossa vida, começando de manhã com a oração, e depois dando tempo a Deus, dando o domingo a Deus. Não perdemos o nosso tempo livre se o oferecermos a Deus. Se Deus entra no nosso tempo, todo o tempo se torna maior, mais amplo, mais rico.

Segunda observação. Essa poesia de Maria, o Magnificat, é toda original; contudo, ao mesmo tempo, é um “tecido” feito totalmente com “fios” do Antigo Testamento, feito de Palavra de Deus.

Dessa maneira, vemos que Maria estava, por assim dizer, “em casa” na Palavra de Deus, vivia da Palavra de Deus, estava imbuída da Palavra de Deus. Na medida em que falava com as palavras de Deus, pensava com as palavras de Deus, os seus pensamentos eram os pensamentos de Deus, as suas palavras eram as palavras de Deus. Era invadida pela luz divina e por isso era tão esplêndida, tão bondosa, tão radiante de amor e de bondade. Maria vive da Palavra de Deus, é inundada pela Palavra de Deus. E este estar imersa na Palavra de Deus, este ser totalmente familiar com a Palavra de Deus lhe dá também a luz interior da sabedoria. Quem pensa com Deus pensa bem, e quem fala com Deus fala bem. Tem critérios de juízo válidos para todas as coisas do mundo. Torna-se sábio, prudente e, ao mesmo tempo, bom: torna-se também forte e corajoso, com a força de Deus que resiste ao mal e promove o bem no mundo.

E, assim, Maria fala conosco, fala a nós, convida-nos a conhecer a Palavra de Deus, a amar a Palavra de Deus, a viver com a Palavra de Deus, a pensar com a Palavra de Deus. E podemos fazê-lo de diversos modos: lendo a Sagrada Escritura, sobretudo participando na Liturgia, na qual no decurso do ano a santa Igreja abre diante de nós todo o livro da Sagrada Escritura. Abre-o para a nossa vida e torna-o presente na nossa vida. Penso ainda no “Compêndio do Catecismo da Igreja Católica”, que recentemente publicamos, no qual a Palavra de Deus é aplicada à nossa vida, interpreta a realidade da nossa vida, ajuda-nos a entrar no grande “templo” da Palavra de Deus, a aprender a amá-la e a estar como Maria, imbuídos dessa Palavra. Desse modo a vida torna-se luminosa e temos o critério como base para julgar, recebemos bondade e força no mesmo momento.

Maria é elevada em corpo e alma à glória do céu e com Deus e em Deus é Rainha do céu e da terra. Porventura, está tão distante de nós? Em realidade é o contrário. Precisamente porque está com Deus e em Deus, está muito perto de cada um de nós. Quando estava na terra podia somente estar perto de algumas pessoas. Estando em Deus, que está próximo de nós, que está no “interior” de todos nós, Maria participa nesta aproximação de Deus. Estando em Deus e com Deus, está perto de cada um de nós, conhece o nosso coração, pode ouvir as nossas orações, pode ajudar-nos com a sua bondade materna e nos é dada, como disse o Senhor, como “Mãe”, à qual podemos dirigir-nos em todos os momentos. Ela escuta-nos sempre, está sempre perto, e sendo Mãe do Filho, participa no poder do Filho, na sua bondade. Podemos confiar sempre toda a nossa vida a esta Mãe, que não está longe de nós.

Neste dia de festa, damos graças ao Senhor pelo dom da Mãe e rezemos a Maria, a fim de que nos ajude a encontrar o caminho justo todos os dias. Amém.

Solenidade da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria
Papa Bento XVI
Ângelus
Segunda-feira, 15 de agosto de 2005

Queridos irmãos e irmãs,
Na hodierna Solenidade da Assunção contemplamos o mistério da passagem de Maria deste mundo para o Paraíso: celebramos, poderíamos dizer, a sua “páscoa”. Como Cristo ressuscitou dos mortos com o seu corpo glorioso e subiu ao Céu, assim a Virgem Santa, plenamente associada a Ele, foi elevada à glória celeste com toda a sua pessoa. Também nisso a Mãe seguiu mais de perto o seu Filho e precedeu todos nós. Ao lado de Jesus, novo Adão, que é “primícias” dos ressuscitados (cf. 1Cor 15,20.23), Maria, nova Eva, mostra-se como “primícias e imagem da Igreja” (Prefácio), “sinal de esperança segura” para todos os cristãos na peregrinação terrena (Lumen gentium, n. 68).

A festa da Assunção, tão querida à tradição popular, constitui para todos os fiéis uma ocasião útil para meditar sobre o verdadeiro sentido e sobre o valor da existência humana na perspectiva da eternidade. Queridos irmãos e irmãs, a nossa habitação definitiva é o Céu. Dali Maria encoraja-nos com o seu exemplo a aceitar a vontade de Deus, a não nos deixarmos seduzir pelas chamadas falazes de tudo o que é efêmero e passageiro, a não ceder às tentações do egoísmo e do mal que apagam no coração a alegria da vida.

Invoco a ajuda de Maria elevada ao Céu especialmente para os jovens participantes na Jornada Mundial da Juventude que, transferindo-se de outras Dioceses alemãs onde foram hóspedes durante alguns dias, ou provenientes diretamente dos seus países, encontram-se a partir de hoje em Colônia. Se Deus quiser também eu me juntarei a eles, na próxima quinta-feira, para viver juntos os vários momentos deste extraordinário acontecimento eclesial. Ápice da Jornada Mundial da Juventude será a solene Vigília de sábado à tarde e a Concelebração Eucarística de domingo. A Virgem Santa obtenha a todos os que nela participarem que sigam o exemplo dos Magos para encontrar Cristo, presente sobretudo na Eucaristia, para regressar depois para as vossas cidades e nações de origem com o firme propósito de testemunhar a novidade e a alegria do Evangelho.


Fonte: Santa Sé (Homilia / Ângelus). 

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