quinta-feira, 25 de julho de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 54

Continuando a refletir sobre a Ressurreição, “evento histórico e meta-histórico”, reproduzimos a 80ª Catequese do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo.

Para acessar a Introdução dessa série, com os links para todas as Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

80. A Ressurreição, evento histórico e meta-histórico
João Paulo II - 01 de março de 1989

1. A Ressurreição de Cristo tem o caráter de um evento, cuja essência é a passagem da morte à vida. Evento único que, como passagem (Páscoa), foi inscrito no contexto das festas pascais, durante as quais os filhos de Israel recordavam cada ano o êxodo do Egito, dando graças pela libertação da escravidão e, portanto, exaltando o poder de Deus-Senhor que se manifestou claramente naquela “passagem” antiga.

A Ressurreição de Cristo é a nova passagem, a nova Páscoa, a ser interpretada no contexto da Páscoa antiga, que a prefigurava e anunciava. De fato, assim foi considerada na comunidade cristã, segundo a chave de leitura que os Apóstolos e evangelistas ofereceram aos crentes a partir na palavra do próprio Jesus.

Ressurreição, detalhe (Andrea di Bonaiuto)

2. Na linha de quanto foi transmitido por aquelas antigas fontes, podemos ver na Ressurreição antes de tudo um evento histórico. Esta, com efeito, aconteceu em um quadro preciso de tempo e espaço: o “terceiro dia” depois da crucificação, em Jerusalém, no sepulcro oferecido por José de Arimateia (cf. Mc 15,46), no qual havia sido depositado o corpo de Cristo, retirado da cruz. Precisamente este sepulcro foi encontrado vazio ao amanhecer do terceiro dia (depois do sábado pascal).

Jesus, com efeito, tinha anunciado sua Ressurreição ao terceiro dia (cf. Mt 16,21; 17,23; 20,19). As mulheres que naquele dia foram ao sepulcro, encontraram um “anjo” que lhes disse: “Vós... procurais Jesus, o crucificado. Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito!” (Mt 28,5-6).

No relato evangélico a circunstância do “terceiro dia” está relacionada com a celebração judaica do sábado, que excluía trabalhos e viagens além de certa distância desde a tarde da véspera. Por isso o embalsamamento do cadáver, de acordo com o costume judaico, foi adiado para o primeiro dia depois do sábado.

3. Mas, embora sendo um evento determinado no espaço e no tempo, a Ressurreição transcende e supera a história.

Ninguém viu o fato em si. Ninguém pôde ser testemunha ocular do evento. Foram muitos os que viram a agonia e a morte de Cristo no Gólgota, alguns participaram na deposição do seu cadáver no sepulcro, bem selado e vigiado pelos guardas que “os sumos sacerdotes e os fariseus” se preocuparam em obter de Pilatos, recordando que Jesus havia dito: “Ao terceiro dia ressuscitarei”. “Manda, portanto, assegurar o sepulcro até o terceiro dia, para não acontecer que os discípulos venham roubar o corpo e digam ao povo: ‘Ele ressuscitou dentre os mortos!’” (Mt 27,64). Mas os discípulos não tinham pensado nessa operação. Foram as mulheres que, dirigindo-se ao sepulcro no manhã do terceiro dia com os aromas, descobriram que estava vazio, a pedra removida, e viram um jovem vestido de branco que lhes falou da Ressurreição de Jesus (cf. Mc 16,6). Certamente o corpo de Cristo já não estava ali. Na sequência foram muitos os que viram Jesus Ressuscitado. Mas ninguém foi testemunha ocular da Ressurreição. Ninguém pôde dizer como aconteceu em seu caráter físico. Menos ainda foi perceptível aos sentidos sua mais íntima essência de passagem para outra vida.

Este é o valor meta-histórico da Ressurreição, que deve ser considerado de modo especial se queremos de alguma forma captar o mistério desse evento histórico, mas também meta-histórico, como veremos a seguir.

4. Com efeito, a Ressurreição de Cristo não foi um retorno à vida terrena, como ocorreu no caso das ressurreições realizadas por Ele no período pré-pascal: a filha de Jairo, o jovem de Naim, Lázaro. Estes fatos eram eventos milagrosos (e, portanto, extraordinários), mas as pessoas envolvidas recuperaram, pelo poder de Jesus, a vida terrena “ordinária”. Em determinado momento elas morreram novamente, como observa várias vezes Santo Agostinho.

No caso da Ressurreição de Cristo a coisa é essencialmente distinta. Em seu corpo ressuscitado Ele passa do estado de morte a uma “outra” vida, ultratemporal e ultraterrena. Na Ressurreição, o corpo de Jesus é repleto do poder do Espírito Santo, é feito participante da vida divina no estado de glória, de modo que podemos dizer com São Paulo que Cristo é o “homo caelestis”, o “homem celeste” (cf. 1Cor 15,47s).

Nesse sentido a Ressurreição de Cristo se encontra além da pura dimensão histórica, é um evento que pertence à esfera meta-histórica e, portanto, foge aos critérios da mera observação empírica do homem. É verdade que Jesus, depois da Ressurreição, aparece aos seus discípulos, fala e até come com eles, convida Tomé a tocá-lo para que se certifique de sua identidade: mas esta dimensão real da sua plena humanidade encobre a outra vida, que já lhe pertence e que o afasta da “normalidade” da vida terrena ordinária e o submerge no “mistério”.

5. Outro elemento misterioso da Ressurreição de Cristo é constituído pelo fato de a passagem da morte à vida nova ter acontecido pela intervenção do poder do Pai que “ressuscitou” a Cristo, seu Filho (cf. At 2,32), e assim introduziu de modo perfeito a sua humanidade - inclusive seu corpo - na comunhão trinitária, de modo que Jesus foi revelado definitivamente, “segundo o Espírito”, como “Filho de Deus com poder, desde a Ressurreição dos mortos” (Rm 1,4). São Paulo insiste em apresentar a Ressurreição de Cristo como manifestação do poder de Deus (cf. Rm 6,4; 2Cor 13,4; Fl 3,10; Cl 2,12; Ef 1,19s; cf. também Hb 7,16) por obra do Espírito que, devolvendo a vida a Jesus, o colocou no estado glorioso de Senhor (Kyrios), no qual merece definitivamente, também como homem, o nome de Filho de Deus que lhe pertence eternamente (cf. Rm 8,11; 9,5; 14,9; Fl 2,9-11; cf. também Hb 1,1-5; 5,5...).

6. É significativo que muitos textos do Novo Testamento mostrem a Ressurreição de Cristo como ressurreição dos mortos”, realizada pelo poder do Espírito Santo. Mas, ao mesmo tempo, falam dela como um “ressurgir em virtude do próprio poder (em grego, ανέστη, anéste), como ademais a palavra “ressurreição” indica em muitas línguas. Este sentido ativo da palavra (substantivo e verbo) se encontra também nos discursos pré-pascais de Jesus, por exemplo, nos anúncios da Paixão, quando diz que o Filho do homem deverá sofrer muito, morrer, e depois ressuscitar (cf. Mc 8,31; 9,9.31; 10,34). No Evangelho de João Jesus afirma explicitamente: “Dou a minha vida para retomá-la... Tenho autoridade para dá-la e autoridade para retomá-la” (Jo 10,17-18). Também Paulo, na Primeira Carta aos Tessalonicenses, escreve: “Cremos que Jesus morreu e ressuscitou” (1Ts 4,14).

Nos Atos dos Apóstolos se proclama várias vezes que “Deus ressuscitou Jesus” (At 2,24.32; 3,15.26...), mas se fala também em sentido ativo da Ressurreição de Jesus (cf. At 10,41), e nesta perspectiva é resumida a pregação de Paulo na sinagoga de Tessalônica, onde, “partindo das Escrituras”, ele demonstra que “Cristo devia morrer e ressuscitar dos mortos...” (At 17,3).

Deste conjunto de textos emerge o caráter trinitário da Ressurreição de Cristo, que é “obra comum” do Pai e do Filho e do Espírito Santo e, portanto, inclui em si o próprio mistério de Deus.

7. A expressão “segundo as Escrituras”, que se encontra na Primeira Carta aos Coríntios (1Cor 15,3-4) e no Símbolo Niceno-Constantinopolitano, destaca o caráter escatológico do evento da Ressurreição de Cristo, no qual se cumprem os anúncios do Antigo Testamento. O próprio Jesus, segundo Lucas, falando da sua Paixão e da sua glória com os discípulos de Emaús, os repreende por ser lentos de coração “para crer em tudo o que os profetas falaram”, e então, “começando por Moisés e passando por todos os profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, o que se referia a Ele” (Lc 24,26-27). O mesmo aconteceu no último encontro com os Apóstolos, aos quais disse: “São estas as coisas que Eu vos falei quando ainda estava convosco: era necessário que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”. Então abriu-lhes a inteligência para que compreendessem as Escrituras e lhes disse: “Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dentre os mortos ao terceiro dia, e em seu nome será proclamado o arrependimento, para o perdão dos pecados, a todas as nações, começando por Jerusalém...” (vv. 44-47).

Era a interpretação messiânica dada pelo próprio Jesus a todo o Antigo Testamento, especialmente aos textos que se referiam mais diretamente ao Mistério Pascal, como os de Isaías sobre a humilhação e a “exaltação” do Servo do Senhor (Is 52,13–53,12) e o Salmo 109. A partir dessa interpretação escatológica de Jesus, que vinculava o Mistério Pascal ao Antigo Testamento e projetava sua luz sobre o futuro (a pregação a todas as nações), também os Apóstolos e evangelistas falaram da Ressurreição “segundo as Escrituras”, que depois foi fixada na fórmula do Creio. É outra dimensão do evento como mistério.

8. De tudo o que dissemos resulta claramente que a Ressurreição de Cristo é o maior evento da história da salvação e, mais ainda, podemos dizer da história da humanidade, pois dá sentido definitivo ao mundo. O mundo inteiro gira ao redor da Cruz, mas só na Ressurreição a Cruz alcança seu pleno significado de evento salvífico. Cruz e Ressurreição constituem o único Mistério Pascal, no qual a história do mundo tem seu centro. Por isso a Páscoa é a maior solenidade da Igreja: esta celebra e renova cada ano esse evento, carregado de todos os anúncios do Antigo Testamento, começando pelo “Protoevangelho” da redenção, e de todas as esperanças e expectativas escatológicas que se projetam rumo à “plenitude do tempo”, que ocorreu quando o Reino de Deus entrou definitivamente na história do homem e na ordem universal da salvação.

Ressurreição (Andrea di Bonaiuto)

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (01 de março de 1989). 

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