Dando continuidade às reflexões sobre “Deus Pai todo-poderoso”, trazemos aqui as Catequeses nn. 10-11 do Papa São João Paulo II sobre Deus Pai, .
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM DEUS PAI
10. Deus, Pai todo-poderoso
João Paulo II - 18 de setembro de 1985
1. “Creio em Deus, Pai todo-poderoso,
criador do céu e da terra...”.
Deus que revelou a Si mesmo, o
Deus da nossa fé, é espírito infinitamente perfeito. Disto falamos na Catequese
anterior. Enquanto espírito infinitamente perfeito, Ele é plenitude absoluta de
verdade e de bem, e deseja doar-se. Efetivamente, o bem se difunde: “Bonum est diffusivum sui” (Tomás de
Aquino, Summa Theologiae, I, q. 5, a. 4, ad. 2).
Esta verdade sobre Deus visto como
infinita plenitude é acolhida, em certo sentido, nos Símbolos da fé mediante a
afirmação de que Deus é o Criador do céu e da terra, de todas as
coisas visíveis e invisíveis. Ainda que sobre a verdade da criação nos
ocuparemos um pouco mais adiante, é oportuno que aprofundemos, à luz da
Revelação, aquilo que em Deus corresponde ao mistério da criação.
2. Deus, que a Igreja professa todo-poderoso (“Creio
em Deus, Pai todo-poderoso”), enquanto espírito infinitamente perfeito, é
também onisciente, isto é, que tudo penetra com seu conhecimento.
Este Deus onipotente e onisciente tem
o poder de criar, de chamar do não-ser, do nada, ao ser. “Existe
algo impossível para o Senhor?”, lemos em Gênesis
18,14.
“Tu somente podes desdobrar sempre
teu grande poder: quem, pois, poderia resistir à força do teu braço?”, anuncia o
Livro da Sabedoria (Sb 11,21). O Livro de Ester professa a mesma fé com as palavras “Senhor, Rei todo-poderoso,
em teu poder estão todas as coisas, e não há quem possa resistir à tua vontade”
(Est 4,17c). “Para Deus nada é impossível” (Lc 1,37), dirá
o Arcanjo Gabriel a Maria de Nazaré na Anunciação.
Deus, Pai todo-poderoso (Artus Quellinus II - Catedral de Bruges, Bélgica) |
3. O Deus, que revela a Si mesmo
pela boca dos profetas, é onipotente. Esta verdade impregna profundamente toda
a Revelação, desde as primeiras palavras do Livro
do Gênesis: “Deus disse: ‘Haja...’” (Gn 1,3). O ato criador se
manifesta como a onipotente Palavra de Deus: “Ele falou e tudo se fez” (Sl 32/33,9).
Criando tudo do nada, o ser do não-ser, Deus se revela como infinita plenitude
de bem, que se difunde. Aquele que é, o Ser subsistente, o Ser infinitamente
perfeito, em certo sentido se dá naquele “é”, chamando à existência fora
de si o cosmos visível e invisível: os seres
criados. Criando as coisas dá início à história do universo, criando o ser
humano como homem e mulher dá início à história da humanidade. Como
Criador é, pois, o Senhor da história. “Há diferentes atividades,
mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos” (1Cor 12,6).
4. O Deus que revela a Si mesmo
como Criador e, portanto, como Senhor da história do mundo e do homem, é o Deus
onipotente, o Deus vivo... “A Igreja crê e confessa que há um único Deus
vivo e verdadeiro, criador e Senhor do céu e da terra, onipotente”, afirma o
Vaticano I (Constituição Dei Filius,
1, 1-4). Este Deus, espírito infinitamente perfeito e onisciente, é
absolutamente livre e soberano também em relação ao próprio
ato da criação. Se Ele é o Senhor de tudo aquilo que cria, antes de tudo é Senhor
da própria vontade na obra da criação. Cria porque quer criar. Cria
porque isto corresponde à sua infinita sabedoria. Criando age com a inescrutável
plenitude de sua liberdade, por impulso de amor eterno.
5. O texto da Constituição Dei
Filius do Vaticano I, tantas vezes citado, sublinha a absoluta liberdade de
Deus na criação e em todas as suas ações. Deus é “beatíssimo em si e por si
mesmo”: tem em si mesmo e por si a total plenitude do bem e da felicidade.
Se chama à existência o mundo, o faz não
para completar ou integrar o bem que Ele é, mas única e
exclusivamente com o propósito de dar o bem de uma existência
multiforme ao mundo das criaturas visíveis e invisíveis. É uma participação
múltipla e variada do único, infinito, eterno bem, que coincide com o próprio
Ser de Deus.
Deste modo, Deus, absolutamente
livre e soberano na obra da criação, permanece fundamentalmente independente do
universo criado. Isto de forma alguma significa que Ele permaneça indiferente em
relação às criaturas; ao contrário, Ele as guia como eterna sabedoria, amor e
providência onipotente.
6. A Sagrada Escritura põe em
relevo o fato de que nesta obra Deus está sozinho. Eis aqui as
palavras do profeta Isaías: “Eu sou o Senhor, que faço todas as coisas: sozinho estendi os céus e expandi a
terra. Quem estava comigo?” (Is 44,24). A “solidão” de Deus na obra
da criação ressalta sua soberana liberdade e sua paterna onipotência.
“O Senhor, que criou os céus, Ele
é Deus, Aquele que formou a terra, que a fez e firmou suas bases. Não foi para
ficar vazia que Ele a criou, mas para ser habitada Ele a modelou” (Is 45,18).
À luz da autorrevelação de Deus,
que “falou pelos profetas” e por último “por meio do Filho” (Hb 1,1-2),
a Igreja confessa desde o princípio sua fé no “Pai todo-poderoso, criador do
céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis”. Este Deus onipotente
é também onisciente e onipresente. Ou melhor, podemos dizer que, enquanto
espírito infinitamente perfeito, Deus é ao mesmo tempo a própria onipotência,
onisciência e onipresença.
7. Deus está antes de tudo presente
em Si: em sua divindade una e trina. Ele está também presente
no universo que criou; está, em consequência, na obra da criação mediante o
poder criador (“per potentiam”),
na qual se faz presente sua própria essência transcendente (“per essentiam”). Esta presença supera o mundo, o
penetra e o mantém na existência. O mesmo pode repetir-se da presença de Deus
mediante o seu conhecimento, como olhar infinito que tudo vê, penetra e perscruta
(“per visionem” ou “per
scientiam”). Por fim, Deus
está presente de modo particular na história
da humanidade, que é também a história da salvação. Esta é (se podemos
expressar assim) a presença mais “pessoal” de Deus: sua presença mediante
a graça, cuja plenitude a humanidade recebeu em Jesus Cristo (cf. Jo 1,16-17). Deste
último mistério da fé falaremos em uma Catequese futura.
8. “Senhor, tu me sondas e
me conheces...” (Sl 138/139,1).
Enquanto repetimos as palavras
inspiradas deste Salmo, confessemos
juntamente com todo o povo de Deus, presente em todas as partes do mundo, a fé
na onipotência, onisciência e onipresença de Deus, que é nosso
Criador, Pai e Providência!
“N’Ele vivemos, nos movemos e
existimos” (At 17,28).
11. O Deus da Aliança
João Paulo II - 25 de setembro de 1985
1. Em nossas Catequeses buscamos responder
de modo progressivo à pergunta: “Quem é Deus?”. Trata-se de uma resposta autêntica,
porque fundada na palavra da autorrevelação divina. Esta resposta se caracteriza pela certeza da fé, mas também
pela convicção do intelecto humano iluminado pela fé. Fazemos referência, com
efeito, à Sagrada Escritura, à Tradição e ao Magistério da Igreja, isto é, ao seu
ensinamento, extraordinário e ordinário.
2. Voltemos mais uma vez aos pés
do monte Horeb, onde Moisés, que apascentava
o rebanho, ouviu do meio da sarça ardente a voz que dizia: “Tira
as sandálias dos teus pés, porque o lugar onde estás é solo sagrado” (Ex 3,5).
A voz continuou: “Eu sou o Deus de teu
pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó” (v. 6). É,
portanto, o Deus dos pais quem envia Moisés para libertar o seu povo da escravidão
egípcia.
Sabemos que, depois de ter recebido
esta missão, Moisés perguntou a Deus o seu nome. E recebeu a resposta:
“Eu Sou Aquele que Sou” (Ex 3,14). Na tradição exegética,
teológica e magisterial da Igreja, que foi retomada também por Paulo VI no
“Credo do Povo de Deus” (1968), esta resposta é interpretada como revelação de Deus como o “ser”.
Na resposta dada por Deus: “Eu Sou Aquele que Sou”, se pode ler à
luz da história da salvação uma ideia de Deus mais rica e mais precisa.
Enviando Moisés na força deste nome, Deus - Yahweh
- se revela sobretudo como o Deus da
aliança: “Eu sou Aquele que é para vós”; estou aqui como Deus desejoso da
aliança e da salvação, como o Deus que vos ama e vos salva. Esta chave de leitura
apresenta Deus como um ser que é pessoa e se autorrevela a pessoas, que trata
como tais. Deus, já ao criar o mundo, em certo sentido saiu da própria
“solidão”, para comunicar a Si mesmo, abrindo-se ao mundo e especialmente
aos homens, criados à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,26). A revelação do nome “Eu Sou Aquele que Sou” (Yahweh) parece ressaltar sobretudo a
verdade de que Deus é o ser-pessoa que conhece, ama, atrai a Si os homens, o
Deus da aliança.
Para saber mais sobre o tetragrama sagrado YHWH e suas interpretações, confira nossa postagem sobre a devoção ao Santíssimo Nome de Jesus.
3. No colóquio com Moisés, Deus
prepara uma nova etapa da aliança com os homens, uma nova
etapa da história da salvação. A iniciativa do Deus da aliança, com efeito,
marca o ritmo da história da salvação através de numerosos acontecimentos,
como revela a Oração Eucarística IV com as palavras: “Oferecestes muitas vezes
aliança aos homens e às mulheres” [1].
Conversando com Moisés aos pés do
monte Horeb, Deus - Yahweh - se apresenta
como “o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó”, isto é, o Deus que já
havia feito uma aliança com Abraão (cf. Gn 17,1-14) e com os seus descendentes, os
patriarcas, fundadores do povo eleito, que se tornou o povo de Deus.
4. As iniciativas do Deus da
aliança, no entanto, remontam a antes mesmo de Abraão. O Livro do Gênesis registra a aliança com Noé depois
do dilúvio (cf. Gn 9,1-17).
Se pode mesmo falar da aliança
originária antes do pecado original (cf. Gn 2,15-17). Podemos afirmar que a iniciativa
do Deus da aliança situa a história do homem desde o princípio na
perspectiva da salvação. A salvação é comunhão de vida sem fim com Deus,
cujo símbolo era representado no paraíso terrestre pela “árvore da vida” (cf. Gn 2,9). Todas as
alianças feitas depois do pecado original confirmam, da parte
de Deus, a mesma vontade de salvação. O Deus da aliança é o Deus
“que se doa” ao homem de modo misterioso: o Deus da Revelação e o Deus
da graça. Ele não só se dá a conhecer ao homem, mas o torna participante da
sua natureza divina (2Pd 1,4).
5. A aliança atinge sua etapa
definitiva em Jesus Cristo: a “nova” e “eterna aliança” (Hb 12,24; 13,20). Ela testemunha a total
originalidade daquela verdade sobre Deus que nós professamos no
“Creio” cristã. Na antiguidade pagã a divindade era antes o objeto da aspiração
do homem. A Revelação do Antigo e sobretudo do Novo Testamento mostra Deus
que busca o homem, que se aproxima dele. É Deus que quer fazer aliança com
o homem: “Serei vosso Deus, e vós sereis meu povo” (Lv 26,12); “Serei
o seu Deus e eles serão o meu povo” (2Cor 6,16).
6. A aliança é, como a criação, uma
iniciativa divina completamente livre e soberana. Ela revela de modo ainda mais eminente a importância e o sentido
da criação na profundidade da liberdade de Deus. A sabedoria e o amor que guiam a liberdade transcendente
do Deus-Criador sobressaem ainda mais na transcendente liberdade do Deus da
aliança.
7. É preciso acrescentar também
que, se mediante a aliança, especialmente aquela plena e definitiva em Jesus
Cristo, Deus se faz de certa forma imanente em relação ao mundo, Ele conserva totalmente a própria transcendência.
O Deus encarnado, e ainda mais o Deus crucificado, não só permanece um Deus incompreensível
e inefável, mas se torna ainda mais incompreensível e inefável para nós
precisamente porque se manifesta como Deus de um infinito e imperscrutável
amor.
8. Não quero antecipar temas que
constituirão o objeto de futuras Catequeses. Voltemos novamente a
Moisés. A revelação do nome de Deus aos pés do monte Horeb preparava a
etapa da aliança que o Deus dos pais faria com o seu povo no Sinai. Nela é
destacado de modo forte e expressivo o sentido monoteísta do
“Creio” baseado na aliança: “Creio em um só Deus!”. Deus é uno, é único.
Eis as palavras do Livro do Êxodo: “Eu sou o Senhor, teu Deus,
que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses
diante de mim” (Ex 20,2-3). No Deuteronômio
encontramos a fórmula fundamental do “Credo” veterotestamentário, expresso com
as palavras: “Escuta, Israel: o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um” (Dt 6,4;
cf. 4,39-40).
Isaías dará a este “Credo”
monoteísta do Antigo Testamento uma magnífica expressão profética: “Vós sois as
minhas testemunhas - diz o Senhor - vós e o meu servo, a quem escolhi, para que
saibais e acrediteis em mim, e compreendais que Eu sou. Antes de mim
nenhum deus se formou, e nenhum haverá depois de mim. Eu, Eu sou o Senhor, e
não há salvador além de mim... Vós sois as minhas testemunhas - diz o
Senhor - e Deus sou Eu! Desde sempre Eu
sou” (Is 43,10-13). “Voltai-vos para mim, e sereis salvos, todos
os confins da terra, pois Eu é que sou Deus e não há outro” (Is 45,22).
9. Esta verdade sobre o único Deus constitui o depósito
fundamental dos dois Testamentos. Na nova aliança o expressa, por exemplo,
São Paulo com as palavras: “Um só Deus e Pai de todos, acima de todos,
no meio de todos e em todos” (Ef 4,6). E é sempre Paulo, o qual
combatia o politeísmo pagão (cf. Rm 1,23; Gl 3,8),
com não menor ardor do que aquele presente no Antigo Testamento, quem com igual
firmeza proclama que este único verdadeiro Deus é Deus de
todos, tanto dos circuncisos como dos incircuncisos, tanto dos judeus como dos
pagãos (cf. Rm 3,29-30). A
revelação de um só verdadeiro Deus, dada na antiga aliança ao povo eleito de
Israel, era destinada a toda a humanidade, que no monoteísmo encontraria
a expressão da convicção à qual o homem pode chegar também com a luz da razão:
porque se Deus é o ser perfeito, infinito, subsistente, não pode ser senão uno.
Na nova aliança, por obra de Jesus Cristo, a verdade revelada no Antigo
Testamento tornou-se a fé da Igreja universal, que confessa: “Creio em
um só Deus”.
Deus se revela a Moisés na sarça ardente (Rafael Sanzio) |
Notas:
[1] MISSAL ROMANO. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para
o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, p. 489.
Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (18 de setembro e 25 de setembro de 1985).
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