Retomando as Catequeses do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo, trazemos sua meditação n. 59, com a qual tem início uma seção sobre a libertação do homem realizada em Cristo (nn. 59-63).
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
III. A libertação do homem realizada por Cristo
59. Jesus liberta o homem da escravidão do pecado
João Paulo II - 27 de julho de 1988
1. “Cumpriu-se o tempo e está
próximo o Reino de Deus. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15):
estas palavras relatadas por Marcos no início do seu Evangelho resumem e dão
forma ao que estamos explicando no presente ciclo de Catequeses cristológicas
sobre a missão messiânica de Jesus Cristo. Segundo essas palavras, Jesus
de Nazaré é aquele que anuncia a “proximidade
do Reino de Deus” na história terrena do homem. É aquele no qual o
Reino de Deus entrou de modo definitivo e irrevogável na história da humanidade,
e tende, através dessa “plenitude do tempo”, ao cumprimento escatológico na
eternidade do próprio Deus.
Jesus Cristo “transmite”
o Reino de Deus aos Apóstolos. Neles se apoia o edifício da sua Igreja que,
depois da sua partida, deve continuar a sua missão: “Como o Pai me enviou, Eu também
vos envio... Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,21-22).
Jesus, “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” |
2. Nesse contexto é preciso
considerar o que é essencial na missão messiânica de Jesus. O
Símbolo da fé o expressa com estas palavras: “Por nós, homens, e para nossa
salvação, desceu dos céus...” (Símbolo Niceno-Constantinopolitano). O essencial
em toda a missão de Cristo é a obra da salvação, que está indicada no próprio
nome “Jesus” (“Yeshua” = “Deus salva”). Este lhe foi dado juntamente
com o anúncio do nascimento do Filho de Deus, quando o anjo disse a José: “Ela (Maria)
dará à luz um filho, e tu lhe porás o nome de Jesus, pois Ele salvará o seu povo
dos seus pecados” (Mt 1,21). Com estas palavras, que José ouviu em
sonhos, se repete o que Maria tinha ouvido na Anunciação: “Lhe porás o nome de Jesus”
(Lc 1,31). Em breve os anjos anunciarão aos pastores nos arredores
de Belém a vinda ao mundo do Messias (Cristo) como Salvador: “Hoje, na cidade
de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11):
“pois Ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21).
3. “Salvar” quer
dizer libertar do mal. Jesus Cristo é o Salvador do mundo porque veio
para libertar o homem daquele mal fundamental que invadiu o seu íntimo ao longo
de toda a sua história, depois da primeira ruptura da aliança com o Criador. O
mal do pecado é precisamente este mal fundamental que
afasta da humanidade a realização do Reino de Deus. Jesus de Nazaré, que desde o
início da sua missão anuncia a “proximidade do Reino de Deus”, vem como
Salvador. Ele não só anuncia o Reino de Deus, mas elimina o obstáculo essencial à
sua realização, que é o pecado enraizado no homem segundo a lei
da herança original, e que fomenta nele os pecados pessoais (“fomes peccati”).
Jesus Cristo é o Salvador neste sentido fundamental da palavra: atinge a raiz
do mal que há no homem, a raiz que consiste em “dar as costas” a Deus,
aceitando o domínio do “pai da mentira” (Jo 8,44) que, como “príncipe
das trevas” (Cl 1,13), tornou-se, por meio do pecado (e sempre continua
a tornar-se), o “príncipe deste mundo” (Jo 12,31; 14,30; 16,11).
4. O significado mais imediato da
obra da salvação, já revelado com o nascimento de Jesus, será expresso por João
Batista no Jordão. Ele, com efeito, indicando em Jesus de Nazaré aquele
que “devia vir”, dirá: “Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o
pecado do mundo” (Jo 1,29). Estas palavras contêm uma
clara referência à imagem do Servo sofredor do Senhor de Isaías. O
Profeta fala dele como o “cordeiro que é levado ao matadouro” (Is 53,7),
que, em silêncio aceita a morte, por meio da qual “há de justificar
a muitos, pois ele mesmo carregará os seus pecados” (v. 11). Assim, a
definição “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, enraizada no Antigo
Testamento, indica que a obra da salvação - isto é, a libertação
dos pecados - se cumprirá à custa da Paixão e da morte de Cristo. O
Salvador é ao mesmo tempo o Redentor do homem (“Redemptor
hominis”). Ele realiza a salvação à custa do sacrifício salvífico de si mesmo.
5. Tudo isso, antes ainda de realizar-se
nos acontecimentos da Páscoa de Jerusalém, encontra expressão, passo a passo, em
toda a pregação de Jesus de Nazaré, como lemos nos Evangelhos: “O Filho do homem
veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). “O Filho
do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em
resgate por muitos” (Mc 10,45; Mt 20,28). Aqui
se descobre facilmente a referência à imagem referente do Servo de Yahweh
de Isaías. E se o Filho do homem, em toda a sua forma de agir, se dá a conhecer
como “amigo de publicanos e pecadores” (Mt 11,19), com isso
não faz más senão enfatizar a característica fundamental da sua missão
salvífica: “Deus enviou seu Filho ao mundo não para condenar o mundo, mas para
que o mundo seja salvo por meio d’Ele” (Jo 3,17).
6. Essas palavras do Evangelho
de João, o último a ser escrito, refletem o que aparece em todo o desenvolvimento
da missão de Jesus, que encontra confirmação, por fim, em sua Paixão, Morte
e Ressurreição. Os autores do Novo Testamento vêm agudamente, através do
prisma deste acontecimento definitivo - o Mistério Pascal -, a verdade de
Cristo, que realizou a libertação do homem do mal principal, o
pecado, mediante a redenção. Aquele que veio para “salvar o seu povo”
(cf. Mt 1,21), “o homem Cristo Jesus... se entregou como
resgate por todos” (1Tm 2,5-6). “Chegada a plenitude dos tempos,
Deus enviou seu Filho... para resgatar os que estavam sujeitos
à Lei, e para que todos recebêssemos a adoção filial” (cf. Gl 4,4-5).
“N’Ele, e por seu sangue, obtemos a redenção, o perdão de nossas faltas”
(Ef 1,7).
Este testemunho de Paulo é
completado pelas palavras da Carta aos Hebreus: Cristo “entrou no santuário...
com seu próprio sangue, uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna. (...) Em
virtude do Espírito eterno, Cristo se ofereceu a Deus como vítima sem mancha” (Hb 9,12.14).
7. As Cartas de
Pedro são tão unívocas como o “corpus paulinum”: “Fostes resgatados...
não ao preço de coisas perecíveis, como a prata ou o ouro, mas pelo sangue
precioso de Cristo, cordeiro sem defeito e sem mancha” (1Pd 1,18-19).
Ele “carregou nossos pecados em seu próprio corpo, sobre o lenho da cruz, a fim
de que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça. Por suas feridas fostes curados”
(1Pd 2,24).
O “resgate por todos”, o infinito “preço”
do Sangue do Cordeiro, a redenção “eterna”: este conjunto de conceitos, presentes
nos escritos do Novo Testamento, nos faz descobrir em suas próprias raízes a
verdade sobre Jesus (“Deus salva”), o qual, como Cristo (“Messias”,
“Ungido”), liberta a humanidade do mal do pecado, enraizado hereditariamente
no homem e cometido sempre de novo. Cristo-Libertador: Aquele que liberta diante
de Deus. E a obra da redenção é também a “justificação” realizada
pelo Filho do homem, como “mediador entre Deus e os homens” (1Tm 2,5)
através do sacrifício de si mesmo em nome de todos os homens.
8. O testemunho do
Novo Testamento é particularmente forte. Contém não só uma límpida
imagem da verdade revelada sobre a “libertação redentora”, mas remete à sua
altíssima fonte, que se encontra no próprio Deus. O seu nome é Amor.
Eis o que diz João: “Nisto
consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou
e enviou o seu Filho como oferenda de expiação pelos nossos
pecados” (1Jo 4,10).
Pois “o Sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1Jo 1,7).
“Ele é a oferenda de expiação pelos nossos pecados, e não só pelos nossos, mas também
pelos pecados do mundo inteiro” (1Jo 2,2). “Ele se manifestou para tirar
os pecados, e n’Ele não há pecado” (1Jo 3,5). Precisamente nisso
está contida a mais completa revelação do amor com que Deus amou
o homem: esta revelação se cumpriu em Cristo e por meio d’Ele. “Nisto conhecemos
o amor: Jesus deu a vida por nós...” (1Jo 3,16).
9. Encontramos em tudo isso uma surpreendente
coerência, quase uma profunda “lógica” da Revelação, que une entre
si os dois Testamentos - de Isaías à pregação de João Batista no Jordão - e chega
a nós através dos Evangelhos e dos testemunhos das Cartas apostólicas. O
Apóstolo Paulo expressa a seu modo as mesmas coisas presentes nas Cartas
de João. Depois de ter observado que “talvez alguém ouse morrer por um
justo”, ele declara: “A prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu
por nós, quando ainda éramos pecadores” (Rm 5,7-8).
Portanto, a redenção é o dom
de amor por parte de Deus em Cristo. O Apóstolo é consciente de que sua “vida
na carne” é a vida “na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”
(Gl 2,20). No mesmo sentido o autor do Apocalipse vê as hostes
da futura Jerusalém como aqueles que “vieram da “grande tribulação. Eles lavaram
e alvejaram suas vestes no Sangue do Cordeiro” (Ap 7,14).
10. O “Sangue do Cordeiro”: neste dom
de amor de Deus em Cristo, totalmente gratuito, tem início a obra da
salvação, isto é, a libertação do mal do pecado, na qual o Reino
de Deus “se aproximou” definitivamente, encontrou uma nova base, deu início à
sua realização na história do homem.
Assim, a Encarnação do
Filho de Deus tem o seu fruto na redenção. Na noite de Belém “nasceu”
verdadeiramente o “Salvador” do mundo (Lc 2,11).
Jesus Cristo Redentor (Giotto) |
Tradução nossa a partir do texto italiano
divulgado no site da Santa Sé (27 de julho de 1988).
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