quinta-feira, 11 de abril de 2024

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio: Jesus Cristo 39

Retomando as Catequeses do Papa São João Paulo II sobre Jesus Cristo, trazemos sua meditação n. 59, com a qual tem início uma seção sobre a libertação do homem realizada em Cristo (nn. 59-63).

Para acessar a postagem introdutória, com os links para todas as Catequeses, clique aqui.

Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO

III. A libertação do homem realizada por Cristo

59. Jesus liberta o homem da escravidão do pecado
João Paulo II - 27 de julho de 1988
 
1. “Cumpriu-se o tempo e está próximo o Reino de Deus. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15): estas palavras relatadas por Marcos no início do seu Evangelho resumem e dão forma ao que estamos explicando no presente ciclo de Catequeses cristológicas sobre a missão messiânica de Jesus Cristo. Segundo essas palavras, Jesus de Nazaré é aquele que anuncia a proximidade do Reino de Deus” na história terrena do homem. É aquele no qual o Reino de Deus entrou de modo definitivo e irrevogável na história da humanidade, e tende, através dessa “plenitude do tempo”, ao cumprimento escatológico na eternidade do próprio Deus.

Jesus Cristo “transmite o Reino de Deus aos Apóstolos. Neles se apoia o edifício da sua Igreja que, depois da sua partida, deve continuar a sua missão: “Como o Pai me enviou, Eu também vos envio... Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,21-22).

Jesus, “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”

2. Nesse contexto é preciso considerar o que é essencial na missão messiânica de Jesus. O Símbolo da fé o expressa com estas palavras: “Por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus...” (Símbolo Niceno-Constantinopolitano). O essencial em toda a missão de Cristo é a obra da salvação, que está indicada no próprio nome Jesus (“Yeshua” = “Deus salva”). Este lhe foi dado juntamente com o anúncio do nascimento do Filho de Deus, quando o anjo disse a José: “Ela (Maria) dará à luz um filho, e tu lhe porás o nome de Jesus, pois Ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21). Com estas palavras, que José ouviu em sonhos, se repete o que Maria tinha ouvido na Anunciação: “Lhe porás o nome de Jesus” (Lc 1,31). Em breve os anjos anunciarão aos pastores nos arredores de Belém a vinda ao mundo do Messias (Cristo) como Salvador: “Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11): “pois Ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21).

3. “Salvar” quer dizer libertar do mal. Jesus Cristo é o Salvador do mundo porque veio para libertar o homem daquele mal fundamental que invadiu o seu íntimo ao longo de toda a sua história, depois da primeira ruptura da aliança com o Criador. O mal do pecado é precisamente este mal fundamental que afasta da humanidade a realização do Reino de Deus. Jesus de Nazaré, que desde o início da sua missão anuncia a “proximidade do Reino de Deus”, vem como Salvador. Ele não só anuncia o Reino de Deus, mas elimina o obstáculo essencial à sua realização, que é o pecado enraizado no homem segundo a lei da herança original, e que fomenta nele os pecados pessoais (“fomes peccati”). Jesus Cristo é o Salvador neste sentido fundamental da palavra: atinge a raiz do mal que há no homem, a raiz que consiste em “dar as costas” a Deus, aceitando o domínio do “pai da mentira” (Jo 8,44) que, como “príncipe das trevas” (Cl 1,13), tornou-se, por meio do pecado (e sempre continua a tornar-se), o “príncipe deste mundo” (Jo 12,31; 14,30; 16,11).

4. O significado mais imediato da obra da salvação, já revelado com o nascimento de Jesus, será expresso por João Batista no Jordão. Ele, com efeito, indicando em Jesus de Nazaré aquele que “devia vir”, dirá: Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Estas palavras contêm uma clara referência à imagem do Servo sofredor do Senhor de Isaías. O Profeta fala dele como o “cordeiro que é levado ao matadouro” (Is 53,7), que, em silêncio aceita a morte, por meio da qual há de justificar a muitos, pois ele mesmo carregará os seus pecados (v. 11). Assim, a definição “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, enraizada no Antigo Testamento, indica que a obra da salvação - isto é, a libertação dos pecados - se cumprirá à custa da Paixão e da morte de Cristo. O Salvador é ao mesmo tempo o Redentor do homem (“Redemptor hominis”). Ele realiza a salvação à custa do sacrifício salvífico de si mesmo.

5. Tudo isso, antes ainda de realizar-se nos acontecimentos da Páscoa de Jerusalém, encontra expressão, passo a passo, em toda a pregação de Jesus de Nazaré, como lemos nos Evangelhos: “O Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10,45; Mt 20,28). Aqui se descobre facilmente a referência à imagem referente do Servo de Yahweh de Isaías. E se o Filho do homem, em toda a sua forma de agir, se dá a conhecer como “amigo de publicanos e pecadores” (Mt 11,19), com isso não faz más senão enfatizar a característica fundamental da sua missão salvífica: “Deus enviou seu Filho ao mundo não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por meio d’Ele” (Jo 3,17).

6. Essas palavras do Evangelho de João, o último a ser escrito, refletem o que aparece em todo o desenvolvimento da missão de Jesus, que encontra confirmação, por fim, em sua Paixão, Morte e Ressurreição. Os autores do Novo Testamento vêm agudamente, através do prisma deste acontecimento definitivo - o Mistério Pascal -, a verdade de Cristo, que realizou a libertação do homem do mal principal, o pecado, mediante a redenção. Aquele que veio para “salvar o seu povo” (cf. Mt 1,21), “o homem Cristo Jesus... se entregou como resgate por todos” (1Tm 2,5-6). “Chegada a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho... para resgatar os que estavam sujeitos à Lei, e para que todos recebêssemos a adoção filial” (cf. Gl 4,4-5). “N’Ele, e por seu sangue, obtemos a redenção, o perdão de nossas faltas” (Ef 1,7).

Este testemunho de Paulo é completado pelas palavras da Carta aos Hebreus: Cristo “entrou no santuário... com seu próprio sangue, uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna. (...) Em virtude do Espírito eterno, Cristo se ofereceu a Deus como vítima sem mancha” (Hb 9,12.14).

7. As Cartas de Pedro são tão unívocas como o “corpus paulinum”: “Fostes resgatados... não ao preço de coisas perecíveis, como a prata ou o ouro, mas pelo sangue precioso de Cristo, cordeiro sem defeito e sem mancha” (1Pd 1,18-19). Ele “carregou nossos pecados em seu próprio corpo, sobre o lenho da cruz, a fim de que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça. Por suas feridas fostes curados” (1Pd 2,24).

O “resgate por todos”, o infinito “preço” do Sangue do Cordeiro, a redenção “eterna”: este conjunto de conceitos, presentes nos escritos do Novo Testamento, nos faz descobrir em suas próprias raízes a verdade sobre Jesus (“Deus salva”), o qual, como Cristo (“Messias”, “Ungido”), liberta a humanidade do mal do pecado, enraizado hereditariamente no homem e cometido sempre de novo. Cristo-Libertador: Aquele que liberta diante de Deus. E a obra da redenção é também a justificação” realizada pelo Filho do homem, como “mediador entre Deus e os homens” (1Tm 2,5) através do sacrifício de si mesmo em nome de todos os homens.

8. O testemunho do Novo Testamento é particularmente forte. Contém não só uma límpida imagem da verdade revelada sobre a “libertação redentora”, mas remete à sua altíssima fonte, que se encontra no próprio Deus. O seu nome é Amor.

Eis o que diz João: “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o seu Filho como oferenda de expiação pelos nossos pecados” (1Jo 4,10). Pois “o Sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1Jo 1,7). “Ele é a oferenda de expiação pelos nossos pecados, e não só pelos nossos, mas também pelos pecados do mundo inteiro” (1Jo 2,2). “Ele se manifestou para tirar os pecados, e n’Ele não há pecado” (1Jo 3,5). Precisamente nisso está contida a mais completa revelação do amor com que Deus amou o homem: esta revelação se cumpriu em Cristo e por meio d’Ele. “Nisto conhecemos o amor: Jesus deu a vida por nós...” (1Jo 3,16).

9. Encontramos em tudo isso uma surpreendente coerência, quase uma profunda “lógica da Revelação, que une entre si os dois Testamentos - de Isaías à pregação de João Batista no Jordão - e chega a nós através dos Evangelhos e dos testemunhos das Cartas apostólicas. O Apóstolo Paulo expressa a seu modo as mesmas coisas presentes nas Cartas de João. Depois de ter observado que “talvez alguém ouse morrer por um justo”, ele declara: A prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando ainda éramos pecadores” (Rm 5,7-8).

Portanto, a redenção é o dom de amor por parte de Deus em Cristo. O Apóstolo é consciente de que sua “vida na carne” é a vida “na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). No mesmo sentido o autor do Apocalipse vê as hostes da futura Jerusalém como aqueles que “vieram da “grande tribulação. Eles lavaram e alvejaram suas vestes no Sangue do Cordeiro” (Ap 7,14).

10. O “Sangue do Cordeiro”: neste dom de amor de Deus em Cristo, totalmente gratuito, tem início a obra da salvação, isto é, a libertação do mal do pecado, na qual o Reino de Deus “se aproximou” definitivamente, encontrou uma nova base, deu início à sua realização na história do homem.

Assim, a Encarnação do Filho de Deus tem o seu fruto na redenção. Na noite de Belém “nasceu” verdadeiramente o “Salvador” do mundo (Lc 2,11).

Jesus Cristo Redentor (Giotto)

Tradução nossa a partir do texto italiano divulgado no site da Santa Sé (27 de julho de 1988).

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