As Catequeses de São João Paulo II sobre Jesus Cristo foram divididas em duas partes: a pessoa de Jesus (nn. 1-49) e a missão de Jesus Redentor (nn. 50-85). Dando início à segunda parte, confira a reflexão n. 50, sobre a missão de Cristo.
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Catequeses do Papa João Paulo II sobre o Creio
CREIO EM JESUS CRISTO
A MISSÃO DE JESUS CRISTO REDENTOR
I. A missão de Cristo
50. A missão de Cristo: “Para anunciar a boa-nova aos pobres”
João Paulo II - 20 de abril de 1988
1. Começa hoje a última fase das nossas
Catequeses sobre Jesus Cristo durante as Audiências Gerais das quartas-feiras. Até
agora buscamos demonstrar quem é Jesus Cristo: primeiramente, à luz
da Sagrada Escritura, sobretudo dos Evangelhos, e, depois, nas últimas Catequeses,
examinamos e ilustramos a resposta de fé que a Igreja deu à autorrevelação de Jesus
e ao testemunho e à pregação dos Apóstolos o longo dos primeiros séculos,
durante a elaboração das definições cristológicas dos primeiros Concílios
(entre os séculos IV e VII).
Jesus Cristo, verdadeiro Deus e
verdadeiro homem, consubstancial ao Pai (e ao Espírito Santo) no que diz
respeito à divindade; consubstancial a nós no que diz respeito à humanidade: Filho
de Deus nascido de Maria Virgem. Este é o dogma central da fé cristã, no qual
se expressa o mistério de Cristo.
Jesus prega na sinagoga de Nazaré (Lc 4,16-21) |
2. Também a missão de Jesus
Cristo pertence a esse mistério. O Símbolo da fé relaciona esta missão com a
verdade sobre o ser do Deus-Homem (“Theandrikos”), Cristo, quando diz de
modo conciso que “por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus...
e se fez homem”. Por isso, em nossas Catequeses, buscaremos desenvolver o
conteúdo dessas palavras do Creio, meditando sobre os diversos aspectos da missão
de Jesus Cristo.
3. Desde o começo da atividade messiânica,
Jesus manifesta antes de tudo a sua missão profética. Jesus anuncia o Evangelho.
Ele mesmo disse que “veio” do Pai (cf. Mc 1,38), que “foi
enviado” para “anunciar a boa-nova do Reino de Deus” (cf. Lc 4,43;
8,1).
Diferentemente do seu precursor, João
Batista, que ensinava às margens do rio Jordão, em um lugar deserto, àqueles que
se reuniam ali vindos de diversas partes, Jesus vai ao encontro daqueles
aos quais Ele deve anunciar a boa-nova. Podemos ver neste seu movimento em
direção às pessoas um reflexo do dinamismo próprio do mistério da Encarnação: Deus
que vai ao encontro dos homens.
Assim, os evangelistas nos dizem
que Jesus “percorria toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas” (Mt 4,23),
e que “percorria cidades e povoados” (Lc 8,1). Dos textos
evangélicos resulta que a pregação de Jesus ocorreu quase exclusivamente no território
da Palestina, isto é, entre a Galileia e a Judeia, com visitas também à Samaria
(cf., por exemplo, Jo 4,3-4), passagem obrigatória
entre as duas regiões principais. O Evangelho, porém, menciona ainda a “região
de Tiro e Sidônia”, ou seja, a Fenícia (cf. Mc 7,31; Mt 15,21),
e também a Decápole, isto é, “a região dos gerasenos”, na outra margem do lago
da Galileia (cf. Mc 5,1; 7,31). Essas referências provam
que às vezes Jesus saía dos confins de Israel (no sentido étnico), ainda que Ele
enfatizasse repetidamente que a sua missão se dirigia principalmente “à casa de Israel” (Mt 15,24).
Também quando envia os discípulos para uma primeira prova de apostolado missionário,
lhes recomenda explicitamente: “Não ireis aos gentios, nem entrareis em cidades
de samaritanos. Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10,5-6).
Ao mesmo tempo, porém, um dos seus diálogos messiânicos mais importantes ocorreu
na Samaria, junto ao poço de Siquém (cf. Jo 4,1-26).
Além disso, os próprios evangelistas
atestam que as multidões que seguiam Jesus eram compostas por pessoas
provenientes não só da Galileia, da Judeia e de Jerusalém, mas também “da Idumeia
e do outro lado do Jordão, e até da região de Tiro e Sidônia” (Mc 3,7-8;
cf. também Mt 4,12-15).
4. Ainda que Jesus afirme
claramente que a sua missão está ligada à “casa de Israel”, ao mesmo tempo dá a
entender que a doutrina pregada por Ele - a boa-nova - é destinada a
todo o gênero humano. Assim, por exemplo, referindo-se à profissão de fé do
centurião romano, Jesus anuncia: “Eu vos digo: muitos virão do Oriente e do Ocidente
e se sentarão à mesa no Reino dos céus, junto com, Abraão, Isaac e Jacó...” (Mt 8,11).
Contudo, só depois da Ressurreição Ele ordenará aos Apóstolos: “Ide, pois, e fazei
discípulos todos os povos” (Mt 28,19).
5. Qual é o conteúdo essencial do ensinamento
de Jesus? Podemos responder com uma palavra: o Evangelho, isto é, a boa-nova.
Ele, com feito, dá início à sua pregação com este convite: “Cumpriu-se o tempo e
está próximo o Reino de Deus. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).
O próprio termo “boa-nova”
indica o caráter fundamental da mensagem de Cristo. Deus quer responder
ao desejo de bem e de felicidade profundamente enraizado no homem. Podemos dizer
que o Evangelho, que é esta divina resposta, possui um caráter “otimista”. Este,
porém, não é um otimismo puramente temporal, um eudemonismo superficial;
não é um anúncio do “paraíso na terra”. A “boa-nova” de Cristo põe a quem a escuta exigências essenciais de
natureza moral; indica a necessidade de renúncias e sacrifícios; está
relacionada, definitivamente, com o mistério redentor da cruz.
No centro da “boa-nova”, com
efeito, está o programa das bem-aventuranças (cf. Mt 5,3-11),
que especifica de modo mais completo o tipo de felicidade que Cristo veio
anunciar e revelar à humanidade, todavia peregrina sobre a terra a caminho do seu
destino definitivo e eterno. Ele diz: “Bem-aventurados os pobres de Espírito,
pois deles é o Reino dos céus!” (v. 3). Cada uma das oito bem-aventuranças tem
uma estrutura semelhante a esta. Com o mesmo espírito, Jesus chama “bem-aventurado” o servo cujo senhor
“encontrar acordado - ou seja, ativo - quando chegar” (cf. Lc 12,37).
Aqui podemos vislumbrar também a perspectiva escatológica e eterna da felicidade
revelada e anunciada pelo Evangelho.
6. A bem-aventurança da pobreza
nos remonta ao início da atividade messiânica de Jesus, quando, falando na
sinagoga de Nazaré, Ele diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois Ele me ungiu para
anunciar a boa-nova aos pobres...” (Lc 4,18). Trata-se aqui daqueles
que são pobres não só e não tanto no sentido econômico-social (de “classe”), mas
daqueles que são espiritualmente abertos para acolher a verdade e a graça, que
provêm do Pai, como dom do seu amor, dom gratuito (“gratis dato”), porque interiormente livres do apego aos
bens da terra e dispostos a usá-los e compartilhá-los segundo as exigências da justiça
e da caridade. Por esta condição de pobres segundo Deus (“anawim”), Jesus “dá graças ao Pai” porque “escondeu
estas coisas (as grandes coisas de Deus) aos sábios e entendidos e as
revelou aos pequeninos” (cf. Lc 10,21). Mas isto não
significa que Jesus afaste de si as pessoas que se encontram em melhores situações
econômicas, como o publicano Zaqueu, que subiu em uma árvore para vê-lo (cf. Lc 19,2-9),
ou aqueles outros amigos de Jesus, cujos nomes nos foram transmitidos pelos Evangelhos.
Segundo as palavras de Jesus, são “bem-aventurados” os “pobres de espírito” (Mt 5,3) e “aqueles
que ouvem a Palavra de Deus e a observam” (Lc 11,28).
7. Outra característica da pregação
de Jesus é que Ele busca transmitir a mensagem evangélica a seus ouvintes de maneira
adequada à sua mentalidade e cultura. Tendo crescido e vivido entre eles nos anos
da sua vida oculta em Nazaré - enquanto “crescia em sabedoria” (cf. Lc 2,52)
-, conhecia a mentalidade, a cultura e a tradição do seu povo,
profundamente enraizada na herança do Antigo Testamento.
8. Precisamente por isso, muitas
vezes Ele reveste as verdades que anuncia da forma de parábolas,
como resulta dos textos evangélicos, por exemplo de Mateus: “Jesus falava tudo
isso em parábolas às multidões, e nada lhes falava sem usar de parábolas, para se
cumprir o que fora dito por meio do profeta: ‘Abrirei a boca para falar em parábolas,
proclamarei coisas escondidas desde a criação do mundo’ (Sl 77,2)”
(Mt 13,34-35).
Certamente o discurso em parábolas,
fazendo referência aos fatos e às questões da vida quotidiana, que ocorriam aos
olhos de todos, tornava mais fácil conectar inclusive com um ouvinte
pouco instruído (cf. Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica,
III, q. 42. a. 2). E, no entanto, “o mistério do Reino de Deus” escondido nas
parábolas necessitava explicações particulares, às vezes requeridas pelos próprios
Apóstolos (cf. Mc 4,11-12). Sua compreensão adequada não
podia ser obtida senão com a ajuda da luz interior que provém do Espírito Santo.
E Jesus prometia e dava esta luz.
9. Devemos destacar ainda uma terceira
característica da pregação de Jesus, enfatizada na Exortação Apostólica Evangelii
nuntiandi, publicada por Paulo VI depois do Sínodo de 1974 sobre o tema da
evangelização. Nela lemos: “O próprio Jesus, ‘Evangelho de Deus’, foi o
primeiro e o maior evangelizador. Ele o foi até o fim: até a perfeição, até o
sacrifício da sua vida terrena” (n. 7).
Sim. Jesus não só anunciava
o Evangelho, mas Ele mesmo era o Evangelho. Aqueles que acreditaram
n’Ele seguiram a palavra da sua pregação, mas ainda mais Aquele que a pregava.
Seguiram Jesus porque Ele oferecia “palavras de vida”, como confessou Pedro depois
do discurso do Mestre na sinagoga de Cafarnaum: “A quem iremos, Senhor? Tu
tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Esta identificação da
palavra e da vida, do pregador e do Evangelho pregado, se realiza de maneira
perfeita apenas em Jesus. Eis porque também nós cremos n’Ele e o seguimos quando
se manifesta a nós como o “único Mestre” (cf. Mt 23,8.10).
Tradução nossa a partir do texto italiano
divulgado no site da Santa Sé (20 de abril de 1988).
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