terça-feira, 30 de novembro de 2021

Leitura litúrgica dos Livros dos Macabeus

“O Rei do universo nos ressuscitará para uma vida eterna” (2Mc 7,9)

Os chamados “livros históricos” na Bíblia cristã são compostos na verdade por quatro grupos de escritos: a “história deuteronomista”, a “história cronística”, a “história helenística” e as “novelas bíblicas”.

Em nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura, após analisarmos as obras da “história deuteronomista” e da “história cronística”, nesta postagem contemplaremos os dois representantes da “história helenística”: os Livros dos Macabeus (1Mc e 2Mc).

Martírio dos sete irmãos narrado em 2Mc
(Attavante degli Attavanti)

1. Breve introdução aos Livros dos Macabeus

Como vimos nas postagens sobre a “história do Cronista”, a partir do ano 539 a. C. Israel passa a pertencer ao Império Persa Aquemênida. Em 331 a. C., porém, Alexandre Magno da Macedônia conquista os territórios persas, incluindo Israel.

Após a precoce morte de Alexandre, o Império foi dividido entre seus generais. Inicialmente Israel ficou sob o domínio da dinastia ptolomaica (ou lágida), do Egito. Porém, no contextos das guerras dos diádocos (sucessores), passou no ano 200 a. C. ao domínio da dinastia selêucida da Síria.

Os reis selêucidas inicialmente foram tolerantes com a religião judaica. Porém, sobretudo no governo de Antíoco IV Epífanes (175-164 a. C.), houve uma tentativa de adequar Jerusalém à cultura e a religião gregas, fenômeno conhecido como helenismo.

Os Livros dos Macabeus descrevem este período, marcada pela resistência judaica. Existem na verdade quatro livros com este título, sendo os dois últimos apócrifos. Os dois primeiros são considerados “deuterocanônicos”, isto é, da “segunda lista” (fazendo parte do Antigo Testamento grego, a Septuaginta, mas não da Bíblia Hebraica) [1].

O nome dos livros deve-se a Judas, filho do sacerdote Matatias, grande líder da revolta judaica. Seu apelido, “Macabeu” poderia significar “escolhido por Deus” ou “martelo” (contra os inimigos). Na Idade Média foi incluído entre os “Nove da Fama”, máximos exemplos de coragem, junto com outros dois personagens bíblicos (Josué e Davi).

Primeiro Livro dos Macabeus (1Mc), obra de um autor anônimo, provavelmente de Jerusalém. O livro narra acontecimentos que vão do ano 175 ao ano 134 a. C.:
a) 1Mc 1–2: Introdução, recapitulando as conquistas de Alexandre, o governo de Antíoco Epífanes e o início da revolta judaica com Matatias;
b) 1Mc 3,1–9,22: Atividade de Judas Macabeu, filho de Matatias ;
c) 1Mc 9,23–12,53: Atividade de Jônatas, irmão de Judas;
d) 1Mc 13,1–16,24: Atividade de Simão, irmão de Judas e Jônatas.

Simão é sucedido por seu filho, João Hircano. Nesse período Israel torna-se praticamente independente, governada pela dinastia judaica dos asmoneus, até sua conquista pelos romanos em 63 a. C.. A redação dos dois livros situa-se, pois, dentro desse período.

Judas Macabeu
(Igreja de Todos os Santos - Leek, Inglaterra)

O Segundo Livro dos Macabeus (2Mc) seria um resumo de uma obra maior, escrita por um certo Jasão de Cirene (colônia grega na atual Líbia). Este livro narra acontecimentos paralelos a 1Mc, entre os anos 175 e 161 a. C.:
a) 2Mc 1–2: Prólogo, com duas cartas aos judeus do Egito;
b) 2Mc 3,1–5,10: As causas da revolta;
c) 2Mc 5,11–7,42: A perseguição de Antíoco Epífanes;
d) 2Mc 8,1–15,36: A atividade de Judas Macabeu;
e) 2Mc 15,37-39: Epílogo.

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

I Domingo do Advento em Belém

Como de costume, o Custódio da Terra Santa, Padre Francesco Patton, presidiu as celebrações do I Domingo do Advento deste ano de 2021 na igreja de Santa Catarina, junto à Basílica da Natividade, em Belém.

Confira nossa postagem sobre a Basílica da Natividade e as demais igrejas de Belém clicando aqui.

O Custódio presidiu as I Vésperas do I Domingo do Advento no sábado, dia 27, e a Santa Missa no domingo, dia 28.

27 de novembro: I Vésperas

Acolhida do Custódio na igreja de Santa Catarina
Oração diante do Santíssimo Sacramento
Palavras do Custódio
Oração das I Vésperas do I Domingo do Advento

Ângelus do Papa: I Domingo do Advento - Ano C

Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 28 de novembro de 2021

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
O Evangelho da Liturgia de hoje, I Domingo do Advento, ou seja, o primeiro domingo de preparação para o Natal, fala-nos da vinda do Senhor no final dos tempos. Jesus anuncia eventos desoladores e tribulações, mas precisamente neste momento convida-nos a não ter medo. Por quê? Porque tudo vai correr bem? Não, mas porque Ele virá. Jesus voltará, Jesus virá, Ele prometeu-o. E diz: «Quando estas coisas começarem a acontecer, cobrai ânimo e levantai as vossas cabeças, porque a vossa libertação está próxima» (Lc 21,28). É bom ouvir esta palavra de encorajamento: erguermo-nos e levantemos a cabeça porque, precisamente nos momentos em que tudo parece ter acabado, o Senhor vem salvar-nos; esperar por Ele com alegria também no centro das tribulações, nas crises da vida e nos dramas da história. Esperar o Senhor. Mas como podemos levantar a cabeça, não nos deixamos absorver pelas dificuldades, pelos sofrimentos e pelas derrotas? Jesus indica-nos o caminho com um forte apelo: «Tende cuidado convosco: que os vossos corações não se tornem pesados (...). Velai, orando continuamente» (vv. 34.36).
“Velai”, a vigilância. Façamos uma pausa sobre este aspecto importante da vida cristã. Das palavras de Cristo vemos que a vigilância está ligada à atenção: estai atentos, vigiai, não vos distraiais, isto é, permanecei acordados! Vigiar significa isto: não permitir que o coração se torne preguiçoso e que a vida espiritual se amoleça na mediocridade. Prestai atenção porque podemos ser “cristãos adormecidos” - e nós sabemos: há muitos cristãos adormecidos, cristãos anestesiados pela mundanidade espiritual -, cristãos sem ímpeto espiritual, sem ardor na oração - rezam como papagaios -, sem entusiasmo pela missão, sem paixão pelo Evangelho. Cristãos que olham sempre para dentro, incapazes de olhar para o horizonte. E isto leva a “adormecer”:  continuar em frente por inércia, caindo na apatia, indiferentes a tudo exceto ao que convém. Esta é uma vida triste, continuar assim... não há felicidade nisto.
Precisamos estar vigilantes para não arrastar os dias no hábito, para não nos sobrecarregarmos - diz Jesus - com as preocupações da vida (v. 34). As preocupações da vida sobrecarregam-nos. Por conseguinte, hoje é uma boa ocasião para nos perguntarmos: o que torna o meu coração pesado? O que torna o meu espírito pesado? O que me faz sentar na poltrona da preguiça? É triste ver cristãos “na poltrona”! Quais são as mediocridades que me paralisam, os vícios, quais são os vícios que me esmagam e me impedem de levantar a cabeça? E em relação aos fardos que pesam sobre os ombros dos irmãos, estou atento ou indiferente? Estas perguntas fazem-nos bem, pois ajudam a proteger o coração da acídia. Mas, padre, diga-nos: o que é a acídia? É um grande inimigo da vida espiritual, também da vida cristã. A acídia é aquela preguiça que faz precipitar, deslizar na tristeza, que cancela o gosto pela vida e a vontade de fazer. É um espírito negativo, um espírito mau que prende a alma no torpor, roubando-lhe a alegria. Começa-se com aquela tristeza, escorrega-se, escorrega-se, e nenhuma alegria. O Livro dos Provérbios diz: «Vela com todo o cuidado sobre o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida» (Pr 4,23). Vela sobre o teu coração: isto significa vigiar, despertar! Estai despertos, protegei o vosso coração.
E acrescentemos um ingrediente essencial: o segredo para estar vigilante é a oração. Com efeito, Jesus diz: «Velai, orando continuamente» (Lc 21,36). É a oração que mantém acesa a lâmpada do coração. Especialmente quando sentimos que o entusiasmo se arrefece, a oração reacende-o, porque nos reconduz para Deus, para o centro das coisas. A oração desperta a alma do sono e concentra-a no que é importante, na finalidade da existência. Até nos dias mais movimentados, não negligenciemos a oração. Estava a assistir ao programa “À Sua Imagem”, uma bela reflexão sobre a oração: vê-lo nos ajudará, nos fará bem. Pode servir-nos de ajuda a oração do coração, repetir frequentemente pequenas invocações. No Advento, habituai-vos a dizer, por exemplo: “Vinde, Senhor Jesus”. Apenas isto, dizer: “Vinde, Senhor Jesus”. Este tempo de preparação para o Natal é bonito: pensemos no presépio, no Natal, e digamos de coração: “Vinde, Senhor Jesus, vem”.  Repitamos esta oração ao longo do dia, e o espírito permanecerá vigilante! “Vinde, Senhor Jesus”: é uma oração que podemos recitar três vezes, todos juntos. “Vinde, Senhor Jesus”, “Vinde, Senhor Jesus”, “Vinde, Senhor Jesus”.
E agora oremos a Nossa Senhora: ela, que esperou pelo Senhor com coração vigilante, nos acompanhe no caminho do Advento.

Juízo final (Círculo de Bernard van Orley)

Fonte: Santa Sé.

domingo, 28 de novembro de 2021

Postagens sobre o Advento e o Natal

“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).

Ao longo dos últimos dez anos, desde o início deste blog em dezembro de 2011, foram diversas as postagens publicadas sobre o Ano Litúrgico, através do qual a Igreja celebra “todo o mistério de Cristo, desde a Encarnação até a expectativa da última vinda do Senhor” (cf. Constituição Sacrosanctum Concilium, n. 102).

A seguir elencamos os links para as nossas principais postagens sobre o Ciclo da Manifestação do Senhor, isto é, sobre os Tempos do Advento e do Natal e sobre algumas festas a eles relacionadas.

No futuro publicaremos também os índices para os demais tempos litúrgicos:
Várias das postagens sobre o Advento e o Natal foram revistas e ampliadas recentemente, como indicamos a seguir. À medida que realizarmos novas postagens atualizaremos este índice:

1. TEMPO DO ADVENTO


A coroa do Advento (2012; atualizada em 2021)
As Quatro Têmporas (2020) - no Advento celebram-se as Têmporas de inverno (no hemisfério norte)

O presépio (2011; atualizada em 2021)
A novena de Natal (2012; atualizada em 2021)

As Antífonas do Ó (2012; atualizada em 2021)

Sobre as “figuras modelo” do Advento:


2. TEMPO DO NATAL

Solenidade do Natal do Senhor (25 de dezembro)


O canto da Kalenda na Noite de Natal (2015; atualizada em 2021)



sábado, 27 de novembro de 2021

Homilias dos Santos Padres: Ano C

“A Igreja, Esposa do Verbo Encarnado, instruída pelo Espírito Santo, se esforça em aceder, dia após dia, a uma compreensão sempre mais profunda das Sagradas Escrituras... com este intuito, incentiva o adequado estudo dos Santos Padres - tanto do Oriente como do Ocidente - assim como das Sagradas Liturgias” (Dei Verbum, n. 23).

Nesta afirmação da Constituição Dogmática Dei Verbum do Concílio Vaticano II confluem três “movimentos teológicos” do século XX: o Movimento Bíblico, o Movimento Litúrgico e o Movimento Patrístico.

Antes e após o Concílio, com efeito, a Igreja “redescobriu” o estudo dos Santos Padres (ou Pais da Igreja), escritores e teólogos dos primeiros séculos do Cristianismo (séculos II a VII-VIII).

Desde o Ano Litúrgico de 2015-2016, coincidindo com o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, temos publicado aqui em nosso blog homilias dos Santos Padres para os domingos e solenidades, buscando ler a Palavra de Deus, ao ritmo da Liturgia, iluminados pelos Padres.

São Lucas, Evangelista - Catedral do Cristo Salvador, Moscou

Essas homilias têm sido tomadas em sua maioria do excelente Lecionário Patrístico Dominical, compilado pelo Diácono Fernando José Bondan (Diocese de Novo Hamburgo - RS) e publicado pela Editora Vozes em 2013.

Outros textos, por sua vez, foram tomados da Liturgia das Horas: a 2ª leitura do Ofício das Leituras, com efeito, é sempre escolhida entre os textos dos Padres da Igreja ou de outros autores eclesiásticos.

A seguir publicamos os links para as homilias dos Santos Padres publicadas aqui no blog Pílulas Litúrgicas para os domingos e solenidades do Ano Litúrgico C, no qual a Igreja nos propõe a leitura do Evangelho segundo Lucas.

Para conhecer os critérios de escolha das leituras em cada tempo litúrgico, clique aqui.

Recomendamos vivamente aos nossos leitores adquirir o Lecionário Patrístico Dominical no site da Editora Vozes, no qual é possível encontrar também outras obras do Diácono Fernando José Bondan.

TEMPO DO ADVENTO

I Domingo do Advento
Jr 33,14-16 / Sl 24 / 1Ts 3,12–4,2 / Lc 21,25-28.34-36
Carta a Diogneto: Ó doce intercâmbio

II Domingo do Advento
Br 5,1-9 / Sl 125 / Fl 1,4-6.8-11 / Lc 3,1-6

Feliz Ano Novo (Litúrgico) 2021-2022!

“Através da participação consciente e ativa nas celebrações litúrgicas, somos educados para a compreensão do Ano Litúrgico, verdadeiro mestre da fé, e do significado do domingo, dia do Senhor e da comunidade cristã” (cf. Diretório para a Catequese, 2020, n. 82).

Como vimos em nossas postagens sobre o novo Diretório para a Catequese, o Ano Litúrgico é como uma espiral ascendente: girando em torno do núcleo fundamental, o querigma (Mistério Pascal da Morte-Ressurreição do Senhor), nos conduz gradativamente pela celebração dos mistérios da vida de Cristo (mistagogia).

Escada em espiral da Abadia de Melk (Áustria)

Ao pôr-do-sol deste sábado, 27 de novembro de 2021, com a oração das I Vésperas do I Domingo do Advento, a Igreja de Rito Romano inicia um novo Ano Litúrgico.


Concluindo o ciclo trienal de leituras para os domingos e festas, em 2021-2022 celebramos o Ano Litúrgico C, durante o qual somos convidados a meditar o Evangelho segundo Lucas.


Durante esse Ano Litúrgico concluiremos em nosso blog a série de Catequeses dos Papas João Paulo II e Bento XVI sobre os salmos e cânticos das Laudes e Vésperas da Liturgia das Horas, proferidas de 2001 a 2006, que estamos publicando semanalmente desde janeiro de 2021.

Na sequência, após a Páscoa de 2022, temos como projeto dar início à publicação da longa série de Catequeses do Papa São João Paulo II sobre o Creio, proferidas de 1984 a 1997.

Essas Catequeses nos ajudarão a prepararmo-nos para o Jubileu Ordinário de 2025, ocasião em que celebraremos o XVII Centenário do 1º Concílio de Niceia, o primeiro Concílio Ecumênico da Igreja, que teve lugar em 325.

Ao longo do ano de 2022 também daremos continuidade a outros projetos do blog, como as postagens:

A Cristo, que era, que é e que há de vir, Senhor do tempo e da história,
louvor e glória pelos séculos dos séculos. Amém. 

Cristo em glória com os quatro Evangelistas: Mateus, João, Lucas e Marcos
(Camillo Boccaccino - Cremona)

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Hinos da Liturgia das Horas: Saltério

“Do nascer do sol até o seu ocaso, louvado seja o nome do Senhor!” (Sl 112,3).

Já dedicamos quatro postagens aqui em nosso blog a apresentar os hinos da Liturgia das Horas (LH), oração oficial da Igreja para a santificação das horas do dia.

O hino, composição poética que expressa o sentido de cada hora, tempo ou festa litúrgica [1], está a serviço da glorificação de Deus e da santificação dos homens (cf. Constituição Sacrosanctum Concilium, n. 07), junto com os salmos e cânticos bíblicos.

Liturgia das Horas
(Laudes do domingo da I semana do Saltério)

Dos 291 hinos que integram a LH reformada pelo Concílio Vaticano II já elencamos os hinos:

- do Próprio do Tempo - Advento, Natal, Quaresma e Páscoa (58 hinos);


- do Próprio dos Santos (73 hinos);

- e dos Comuns dos Santos (50 hinos).

Nesta postagem, portanto, elencaremos os 64 hinos do “Saltério”. O termo “Saltério” em sentido estrito designa o Livro dos Salmos. Na LH, por sua vez, esse termo é usado para indicar o ciclo de quatro semanas no qual foi dividida a recitação dos salmos.

Os salmos, com efeito, são recitados seguindo esse ciclo de quatro semanas ao longo de todo o Ano Litúrgico. Porém, os hinos do Saltério só são recitados no Tempo Comum, uma vez que os demais tempos litúrgicos possuem hinos próprios.

Os hinos do Saltério estão organizados em duas séries de 28 hinos cada: os hinos da I e III semanas e os hinos da II e IV semanas. Ou seja, enquanto os salmos são retomados a cada quatro semanas, os hinos são retomados a cada duas.

Vale ressaltar que esses hinos aprofundam o sentido próprio de cada hora, além de celebrar uma série de aspectos do mistério da salvação, como a criação ou a Trindade.

Além disso, para o Ofício das Leituras são indicados dois hinos: um para quando o Ofício é recitado à noite ou de madrugada e outro para quando este é recitado durante o dia.

Completam os hinos da LH os dois hinos à escolha para cada uma das “Horas Menores” ou “Hora Média” (9h, 12h e 15h) e os dois hinos à escolha para a oração da noite ou Completas. Esses hinos são recitados ao longo de todo o Ano Litúrgico, salvo duas exceções:
- os tempos da Quaresma e da Páscoa possuem hinos próprios para a Hora Média;
- o Tempo da Páscoa possui um hino próprio para as Completas.

Os quatro volumes da Liturgia das Horas (em latim)
(I: Advento-Natal; II: Quaresma-Páscoa;
III: Tempo Comum 1-17; IV: Tempo Comum 18-34)

Segue, pois, o “índice” dos hinos do Saltério, que iremos atualizando com os links à medida que formos realizando postagens sobre cada uma das composições, com seu texto em latim e em português e uma análise sobre sua teologia.

1. SEMANAS I E III

Domingo - Semanas I e III
I Vésperas: Deus, creátor ómnium (Ó Deus, autor de tudo)
Ofício das Leituras (noite): Primo diérum ómnium (Cantemos todos este dia)
Ofício das Leituras (dia): Dies aetásque céteris (Santo entre todos, já fulgura)
Laudes: Aetérne rerum cónditor (Ó Criador do universo)
II Vésperas: Lucis creátor óptime (Criador generoso da luz)

2ª Catequese do Papa Francisco sobre São José

Na quarta-feira, 24 de novembro de 2021, o Papa Francisco proferiu a 2ª Catequese do novo ciclo de reflexões dedicado a São José, iniciado na semana anterior:

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 24 de novembro de 2021
São José (2): São José na história da salvação

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Na quarta-feira passada começamos o Ciclo de Catequeses sobre a figura de São José - o Ano dedicado a ele está terminando. Hoje continuamos este percurso centrando-nos no seu papel na história da salvação.
Jesus é referido nos Evangelhos como «filho de José» (Lc 3,23; 4,22; Jo 1,45; 6,42) e «filho do carpinteiro» (Mt 13,55; Mc 6,3). Os evangelistas Mateus e Lucas, ao narrar a infância de Jesus, dão espaço ao papel de José. Ambos compõem uma «genealogia» para realçar a historicidade de Jesus. Mateus, dirigindo-se sobretudo aos judeu-cristãos, parte de Abraão e chega a José, definido como «o esposo de Maria, de quem nasceu Jesus, que se chama Cristo» (Mt 1,16). Lucas, por sua vez, remonta até Adão, começando diretamente por Jesus, que «era filho de José», mas especifica: «como se supunha» (Lc 3,33). Portanto, ambos os Evangelistas apresentam José não como o pai biológico, mas como o pai de Jesus a pleno título. Através dele, Jesus cumpre a história da aliança e da salvação entre Deus e o homem. Para Mateus esta história começa com Abraão, para Lucas com a própria origem da humanidade, isto é, com Adão.
O evangelista Mateus ajuda-nos a compreender que a figura de José, embora aparentemente marginal, discreta, em segunda linha, representa antes de tudo um elemento central na história da salvação. José vive o seu protagonismo sem nunca querer apoderar-se da cena. Se pensarmos nisto, «as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns - habitualmente esquecidas - que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas (...) Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas crianças, com pequenos gestos, e com gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração! Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos» (Carta Apostólica Patris corde, n. 1). Assim, todos podem encontrar em São José, o homem que passa despercebido, o homem da presença diária, da presença discreta e escondida, um intercessor, um apoio e um guia em tempos de dificuldade. Ele lembra-nos que todos aqueles que aparentemente estão escondidos, ou na “segunda linha”, têm um protagonismo inigualável na história da salvação. O mundo precisa destes homens e destas mulheres: homens e mulheres na segunda linha, mas que apoiam o desenvolvimento da nossa vida, de cada um de nós, e que com a oração, com o exemplo, com o ensinamento nos apoiam no caminho da vida.
No Evangelho de Lucas, José aparece como o guardião de Jesus e de Maria. E por esta razão ele é também «o “Guardião da Igreja”: mas, se foi o guardião de Jesus e de Maria, trabalha, agora que está nos céus, e continua a ser o guardião, neste caso da Igreja; porque a Igreja é o prolongamento do Corpo de Cristo na história e ao mesmo tempo, na maternidade da Igreja, espelha-se a maternidade de Maria. José, continuando a proteger a Igreja - por favor, não vos esqueçais disto: hoje, José protege a Igreja - continua a proteger o Menino e sua mãe» (Patris Corde, n. 5). Este aspecto da guarda de José é a grande resposta ao relato do Gênesis. Quando Deus pede a Caim que preste conta da vida de Abel, ele responde: «Sou porventura o guarda do meu irmão?» (Gn 4,9). José, com a sua vida, parece querer dizer-nos que somos sempre chamados a sentirmo-nos guardas dos nossos irmãos, guardas dos que nos são próximos, daqueles que o Senhor nos confia através das muitas circunstâncias da vida.
Uma sociedade como a nossa, que foi definida “líquida”, pois parece que não tem consistência. Eu corrigiria aquele filósofo que cunhou esta definição [Zygmunt Bauman] e diria: mais do que líquida, gasosa, uma sociedade propriamente gasosa. Esta sociedade líquida, gasosa, encontra na história de José uma indicação muito clara da importância dos vínculos humanos. De fato, o Evangelho nos narra a genealogia de Jesus não só por uma razão teológica, mas também para recordar a cada um de nós que a nossa vida é constituída por laços que nos precedem e acompanham. O Filho de Deus escolheu o caminho dos vínculos para vir ao mundo, a via da história: não desceu ao mundo magicamente, não. Percorreu o caminho histórico que fazemos todos nós.
Estimados irmãos e irmãs, penso em tantas pessoas que lutam para encontrar relacionamentos significativos na sua vida, e por para isso mesmo lutam, sentem-se sozinhas, falta-lhes força e coragem para ir em frente. Gostaria de concluir com uma oração que ajude a eles e a todos nós a encontrar em São José um aliado, um amigo e um apoio:

São José, vós que guardastes o vínculo com Maria e Jesus, ajudai-nos a cuidar das relações na nossa vida.
Que ninguém experimente o sentimento de abandono que vem da solidão.
Que cada um de nós se reconcilie com a própria história, com aqueles que nos precederam, e reconheça inclusive nos erros cometidos um modo pelo qual a Providência abriu o seu caminho, e o mal não teve a última palavra.
Mostrai-vos amigo para aqueles que mais lutam, e como apoiastes Maria e Jesus nos momentos difíceis, assim apoiai também a nós no nosso caminho. Amém.


Fonte: Santa Sé.

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Hinos da Liturgia das Horas: Festas do Senhor e da Virgem Maria

“Cantai ao Senhor Deus um canto novo” (Sl 95,1)

A Liturgia das Horas (LH), oração oficial da Igreja para a santificação das horas do dia, além dos salmos e cânticos bíblicos, oferece-nos 291 hinos, composições poéticas que sintetizam o sentido de cada hora, tempo ou festa litúrgica [1].

Em postagens anteriores já elencamos os hinos do Próprio dos Santos (celebrações específicas dos principais santos), dos Comuns dos Santos (textos para as várias “categorias” de santos) e do Próprio do Tempo (Advento, Natal, Quaresma, Páscoa).

Religiosa recita a Liturgia das Horas

Nesta postagem elencaremos 46 hinos das Solenidades e Festas do Senhor e da Virgem Maria. À medida que formos realizando postagens sobre cada um dos hinos, trazendo seu texto em latim e em português e uma análise sobre sua teologia, atualizaremos os links neste “índice”.

Vale recordar que as Solenidades do Senhor com data móvel relacionam-se ao Próprio do Tempo, enquanto as Solenidades e Festas com data fixa constam no Próprio dos Santos nos livros litúrgicos.

Em nossa postagem anterior  sobre o Próprio do Tempo já apresentamos os hinos de uma Festa do Senhor (Festa da Sagrada Família) e de uma Solenidade da Virgem Maria (Solenidade da Santa Mãe de Deus), uma vez que estão diretamente relacionadas ao Tempo do Natal.

Em nossa próxima postagem, por fim, traremos os hinos do Tempo Comum, isto é, os hinos que acompanham a recitação ordinária do Saltério.

1. SOLENIDADES E FESTAS DO SENHOR

a) Celebrações com data móvel:

Solenidade da Santíssima Trindade
I e II Vésperas: Imménsa et una, Trínitas (Ó Trindade imensa e una)
Ofício das Leituras: Te Patrem summum genitúmque Verbum (A vós, Pai santo, ao Verbo)
Laudes: Trínitas, summo sólio corúscans (Ó Trindade, num sólio supremo)

Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (Corpus Christi)
I e II Vésperas: Pange, lingua, gloriósi córporis mystérium (Vamos todos louvar juntos) [2]
Ofício das Leituras: Sacris sollémniis iuncta sint gáudia (A Santa Festa alegres celebremos)
Laudes: Verbum supérnum pródiens nec Patris (Eis que o Verbo, habitando entre nós) [3]

Catequeses sobre os Salmos (44): Vésperas da quinta-feira da II semana

As duas últimas Catequeses do Papa João Paulo II sobre os salmos e cânticos da Liturgia das Horas em 2004 e a primeira de 2005 foram dedicadas às Vésperas da quinta-feira da II semana do Saltério: 01 de dezembro (Sl 71,1-11) e 15 de dezembro de 2004 (Sl 71,12-19) e 12 de janeiro de 2005 (Ap 11,17-18; 12,10b-12a).

128. O poder régio do Messias I: Sl 71(72),1-11
01 de dezembro de 2004

1. A Liturgia das Vésperas, cujos textos sálmicos e cânticos estamos comentando progressivamente, propõe em duas etapas um dos Salmos mais preciosos da tradição judaico-cristã, o Salmo 71, um canto real que os Padres da Igreja meditaram e voltaram a interpretar em chave messiânica.
Agora escutamos o primeiro grande movimento desta solene oração (vv. 1-11). Ele começa com uma intensa invocação coral a Deus para que conceda ao soberano aquele dom fundamental para o bom governo, a justiça. Ela é exercida sobretudo em relação aos pobres que, geralmente, são as vítimas do poder.
Observe-se a particular insistência com que o salmista realça o compromisso moral de governar o povo segundo a justiça e o direito: “Dai ao Rei vossos poderes, Senhor Deus, vossa justiça ao descendente da realeza! Com justiça ele governe o vosso povo, com equidade ele julgue os vossos pobres... Este Rei defenderá os que são pobres” (vv. 1-2.4).
Assim como o Senhor governa o mundo segundo a justiça (cf. Sl 35,7), também o rei, que é o seu representante visível sobre a terra - segundo a antiga concepção bíblica -, deve agir conforme a ação do seu Deus.

2. Quando se violam os direitos dos pobres, não só se realiza um ato politicamente injusto e iníquo do ponto de vista moral: para a Bíblia, perpetra-se também um ato contra Deus, um crime religioso, porque o Senhor é o tutor e o defensor dos miseráveis e dos oprimidos, das viúvas e dos órfãos (cf. Sl 67,6), ou seja, daqueles que não têm protetores humanos.
É fácil intuir como a tradição substituiu a figura, muitas vezes decepcionante, do rei dravídico - já a partir da queda da monarquia de Judá (séc. VI a. C.) -, pela fisionomia luminosa e gloriosa do Messias, na linha da esperança profética expressa por Isaías: “Ele julgará os pobres com justiça, e com equidade os humildes da terra” (Is 11,4). Ou então, segundo o anúncio de Jeremias: “Dias virão em que farei brotar de Davi um rebento justo que será rei, governará com sabedoria e exercerá no país o direito e a justiça oráculo do Senhor” (Jr 23,5).

"Os reis de toda a terra hão de adorá-lo" (Sl 71,11)
(Mosaico da Natividade na Basílica de Lourdes - França)

3. Depois desta profunda e apaixonada súplica pelo dom da justiça, o Salmo amplia o horizonte e contempla o reino messiânico-real no seu desenvolvimento ao longo das suas coordenadas, tanto do tempo como do espaço. Com efeito, por um lado exalta-se a sua duração na história (vv. 5.7). As imagens de tipo cósmico são vivazes: de fato, elas contêm o correr dos dias, cadenciados pelo sol e pela lua, mas também a passagem das estações, com a chuva e o florescimento.
Portanto, um reino fecundo e sereno, mas inserido sempre na linha daqueles valores que são capitais: a justiça e a paz (v. 7). Estes são os sinais do ingresso do Messias na nossa história. Nesta perspectiva, é iluminador o comentário dos Padres da Igreja, que veem naquele rei-Messias o rosto de Cristo, rei eterno e universal.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Hinos da Liturgia das Horas: Próprio do Tempo

“Cantai a Deus salmos, hinos e cânticos espirituais” (Cl 3,16)

Como vimos em postagens anteriores aqui em nosso blog, a Liturgia das Horas (LH), oração oficial da Igreja para a santificação das horas do dia, nos propõe atualmente 291 hinos, composições poéticas que, junto aos salmos e cânticos bíblicos, estão a serviço da glorificação de Deus e da santificação dos homens (cf. Constituição Sacrosanctum Concilium, n. 07).

Como indica a Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas (n. 173), os hinos, que iniciam cada hora do ofício, expressam o sentido particular de cada hora, tempo ou festa litúrgica [1].

Religiosa recita a Liturgia das Horas
(O marca-páginas remete à parábola do Bom Samaritano)

Assim, após publicarmos em nosso blog os “índices” dos 73 hinos do Próprio dos Santos e dos 50 hinos dos Comuns dos Santos, apresentamos aqui os 58 hinos que integram o “Próprio do Tempo”, isto é, os hinos para o Advento, o Natal, a Quaresma, a Semana Santa e a Páscoa.

Nas próximas postagens publicaremos também os “índices” dos hinos das Solenidades e Festas do Senhor e da Virgem Maria e do Saltério (Tempo Comum).

À medida que realizarmos postagens sobre cada hino, com o texto original em latim, a tradução oficial para o português do Brasil e comentários sobre a sua teologia, atualizaremos os links nesta postagem.

1. ADVENTO E NATAL

Tempo do Advento até 16 de dezembro
Vésperas: Cónditor alme síderum (Eterna luz dos homens)
Ofício das Leituras: Verbum supérnum pródiens, a Patre (O Verbo eterno do Pai) [2]
Laudes: Vox clara ecce íntonat (Em meio à treva escura)

Tempo do Advento de 17 a 24 de dezembro
Vésperas: Verbum salútis ómnium (Recebe, Virgem Maria)
Ofício das Leituras: Veni, redémptor géntium (Ó vinde, depressa)
Laudes: Magnis prophétae vócibus (Os profetas, com voz poderosa)

Tempo do Natal antes da Epifania
Vésperas: Christe, redémptor ómnium, ex Patre (Ó Redentor do mundo) [3]
Ofício das Leituras: Candor aetérnae Deitátis alme (Eterno esplendor da beleza divina)
Laudes: A solis ortus cárdine (Do sol nascente ao poente)

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Leitura litúrgica dos Livros de Esdras e Neemias

“A alegria do Senhor será a vossa força” (Ne 8,10)

Na postagem anterior da nossa série sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura analisamos, dentro do bloco dos “livros históricos”, os dois Livros das Crônicas (1Cr e 2Cr).

A história cronística, porém, continua com os livros de Esdras (Esd) e Neemias (Ne), sobre os quais nos deteremos nesta postagem.

1. Breve introdução aos Livros de Esdras e Neemias

Assim como Crônicas, Esdras-Neemias originalmente era um único livro, integrando os Ketubim (ou Ketuvim), os “Escritos” da Bíblia Hebraica. Os dois textos são também um único livro na tradução para o grego, a Septuaginta, sob o nome de 2 Esdras. O livro de 1 Esdras na Septuaginta é um texto apócrifo, uma versão distinta do nosso livro, com alguns acréscimos.

Ícone do escriba Esdras

Foi apenas na Vulgata, a tradução para o latim feita por São Jerônimo, que a obra foi dividida em duas partes, 2 e 3 Esdras, às quais somam-se outro relato apócrifo (4 Esdras, um texto apocalíptico utilizado sobretudo pela Igreja Ortodoxa Etíope) [1].

Posteriormente, os dois livros canônicos foram nomeados como os conhecemos hoje, em referência aos seus protagonistas: o escriba Esdras e o governador Neemias.

Solenidade de Cristo Rei em Cracóvia e Veneza

No último dia 21 de novembro a Igreja de Rito Romano celebrou este ano a Solenidade de nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo e a XXXVI Jornada Mundial da Juventude, celebrada este ano a nível diocesano, enquanto os jovens se preparam para a próxima edição internacional da JMJ, em Lisboa (Portugal), no ano de 2023.

Para ler a Mensagem do Papa Francisco para a ocasião, com o tema “Levanta-te! Eu te constituo testemunha do que viste!” (cf. At 26,16), clique aqui.

Nesta postagem registramos algumas imagens das celebrações da Solenidade de Cristo Rei em duas importantes Arquidioceses do mundo: Cracóvia (Polônia) e Veneza (Itália).

Em Cracóvia a Santa Missa de Cristo Rei foi presidida pelo pelo Arcebispo, Dom Marek Jędraszewski, na Catedral dos Santos Veneceslau e Estanislau, a Catedral de Wawel:

Jovens com uma réplica da cruz da JMJ no pátio da Catedral
Procissão de entrada
Evangelho
Veneração do Livro dos Evangelhos
Homilia

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Ângelus: Solenidade de Cristo Rei - Ano B

Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 21 de novembro de 2021

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
O Evangelho da Liturgia de hoje, último Domingo do Ano Litúrgico, culmina numa afirmação de Jesus, que diz: «Eu sou Rei» (Jo 18,37). Ele pronuncia estas palavras perante Pilatos, enquanto a multidão clama para condená-Lo à morte. Ele diz: “Eu sou rei”, e a multidão grita para condená-Lo à morte: que contraste! A hora crucial chegou. Anteriormente, parecia que Jesus não queria que o povo o aclamasse como rei: lembremo-nos daquela vez depois da multiplicação dos pães e dos peixes, quando se retirou sozinho para rezar (cf. Jo 6,14-15).

O fato é que a realeza de Jesus é bastante diferente daquela mundana. «O meu reino - diz a Pilatos - não é deste mundo» (Jo 18,36). Ele não vem para dominar, mas para servir. Não chega com sinais de poder, mas com o poder dos sinais. Não está vestido com insígnias preciosas, mas está nu na cruz. E é precisamente na inscrição colocada na cruz que Jesus é definido “rei” (cf. Jo 19,19). A sua realeza está deveras além dos parâmetros humanos! Poderíamos dizer que ele não é rei como os outros, mas é Rei para os outros. Pensemos nisto: Cristo, diante de Pilatos, diz que é rei no momento em que a multidão está contra Ele, ao passo que quando o seguia e o aclamava, Ele distanciou-se daquela aclamação. Por outras palavras, Jesus mostra-se soberanamente livre do desejo de fama e glória terrena. E nós - perguntemo-nos - sabemos imitá-lo nisto? Sabemos governar a nossa tendência a sermos continuamente procurados e aprovados, ou fazemos tudo para sermos estimados pelos outros? No que fazemos, particularmente no nosso compromisso cristão, pergunto-me: o que conta? Contam os aplausos ou conta o serviço?

Jesus não só evita qualquer procura de grandeza terrena, como também torna livre e soberano o coração de quem o segue. Ele, queridos irmãos e irmãs, liberta-nos da submissão ao mal. O seu Reino é libertador, não há nada de opressivo. Ele trata cada discípulo como um amigo, não como súdito. Cristo, embora esteja acima de todos os soberanos, não traça linhas de separação entre si e os outros; em vez disso, deseja irmãos com quem partilhar a sua alegria (cf. Jo 15,11). Ao segui-lo, não se perde, nada se perde, mas se ganha dignidade. Porque Cristo não quer servilismo à sua volta, mas pessoas livres. E - perguntemo-nos agora - de onde vem a liberdade de Jesus? Descobrimo-lo ao voltar à sua declaração perante Pilatos: «Eu sou Rei. Para isso nasci e para isto vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade» (Jo 18,37).

A liberdade de Jesus vem da verdade. É a sua verdade que nos liberta (cf. Jo 8,32). Mas a verdade de Jesus não é uma ideia, algo abstrato: a verdade de Jesus é uma realidade, é Ele próprio que faz a verdade dentro de nós, liberta-nos das ficções, das falsidades que temos dentro, da linguagem dupla. Ao estarmos com Jesus, tornamo-nos verdadeiros. A vida do cristão não é uma recitação na qual se possa usar a máscara mais conveniente. Porque quando Jesus reina no coração, liberta-o da hipocrisia, do subterfúgio, da duplicidade. A melhor prova de que Cristo é o nosso rei é o desprendimento do que polui a vida, tornando-a ambígua, opaca, triste. Quando a vida é ambígua, um pouco aqui, um pouco ali, é triste, é muito triste. Certamente, temos sempre de fazer as contas com limitações e falhas: somos todos pecadores. Mas, quando se vive sob o senhorio de Jesus, não nos tornamos corruptos, não nos tornamos falsos, propensos a encobrir a verdade. Não se leva uma vida dupla. Recordai bem: pecadores sim, todos somos, corruptos nunca! Pecadores sim, corruptos jamais. Que Nossa Senhora nos ajude a procurar todos os dias a verdade de Jesus, Rei do Universo, que nos liberta da escravidão terrena e nos ensina a dominar os nossos vícios.

Jesus diante de Pilatos
(Basílica de Santo Apolinário Novo, Ravenna)

Fonte: Santa Sé.

Fotos da Solenidade de Cristo Rei no Vaticano

No último dia 21 de novembro o Papa Francisco celebrou a Santa Missa da Solenidade de nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo (ano B) na Basílica de São Pedro por ocasião da XXXVI Jornada Mundial da Juventude, celebrada este ano a nível diocesano, enquanto os jovens se preparam para a próxima edição internacional da JMJ, em Lisboa (Portugal), no ano de 2023.

Para ler a Mensagem do Papa Francisco para a ocasião, com o tema “Levanta-te! Eu te constituo testemunha do que viste!” (cf. At 26,16), clique aqui.

Na Missa o Santo Padre foi assistido pelos Monsenhores Diego Giovanni Ravelli e Ján Dubina. O livreto da celebração pode ser visto aqui.

Procissão de entrada
Ósculo do altar
Incensação
Ritos iniciais
Liturgia da Palavra

Homilia do Papa: Solenidade de Cristo Rei - Ano B

Solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo
Homilia do Papa Francisco
Basílica de São Pedro
Domingo, 21 de novembro de 2021

Duas imagens, tiradas da Palavra de Deus que ouvimos, ajudam-nos a abeirar-nos de Jesus Rei do Universo. A primeira, tomada do Apocalipse de São João e antecipada pelo profeta Daniel na 1ª Leitura, aparece descrita com estas palavras: «Ele vem no meio das nuvens» (Ap 1,7; cf. Dn 7,13). Refere-se à vinda gloriosa de Jesus como Senhor e fim da história. A segunda imagem é a do Evangelho, quando Cristo, encontrando-Se diante de Pilatos, lhe diz: «Eu sou rei» (Jo 18,37). Faz-nos bem, queridos jovens, parar a contemplar estas imagens de Jesus, no momento em que iniciamos o caminho para a Jornada Mundial de 2023, em Lisboa.

Detenhamo-nos então na primeira: Jesus que vem no meio das nuvens. É uma imagem que alude à vinda de Cristo na glória, no fim dos tempos: faz-nos compreender que a última palavra sobre a nossa existência será a de Jesus; não a nossa! Ele - lê-se ainda na Escritura - é Aquele que «cavalga sobre as nuvens» (Sl 68,5) e, nos céus, manifesta o seu poder (cf. Sl 68,34-35). Em outras palavras: o Senhor vem do alto, e o seu reino jamais terá ocaso; Ele sobrevive a tudo o que passa, n’Ele está a nossa confiança eterna e inabalável. É o Senhor. Esta profecia de esperança ilumina as nossas noites. Diz-nos que Deus vem, que Deus está presente em ação e dirige a história para Ele, para o bem. Vem «no meio das nuvens» para nos tranquilizar, como se dissesse: «Não vos deixo sozinhos, quando a vossa vida é envolvida por nuvens escuras. Estou sempre convosco. Venho para aclarar e restabelecer o sereno».

Entretanto, o profeta Daniel especifica que viu o Senhor vir no meio das nuvens, «contemplando a visão noturna» (Dn 7,13). Na visão noturna, ou seja, Deus vem durante a noite, por entre as nuvens muitas vezes tenebrosas que se acumulam sobre a nossa vida. Cada um de nós conhece estes momentos. É preciso reconhecê-Lo, olhar além da noite, levantar o olhar para O ver no meio da obscuridade.

Queridos jovens, contemplar na visão noturna: que significa isto? Ter olhos lúcidos mesmo no meio das trevas, não cessar de procurar a luz no meio das trevas que muitas vezes trazemos no coração e vemos ao nosso redor. Levantar o olhar da terra, na direção do alto, não para fugirmos, mas para vencermos a tentação de permanecer deitados nos pavimentos dos nossos medos. Este é o perigo: que nos dominem os nossos medos. Não fiquemos fechados nos nossos pensamentos a chorar a nossa sorte. Levanta o olhar, levanta-te: este é o convite. Levanta o olhar, levanta-te: é o convite que o Senhor nos dirige e que fiz ecoar na Mensagem que dediquei a vós, jovens, para acompanhar este ano da caminhada. Trata-se da tarefa mais árdua, mas constitui a tarefa fascinante que vos é confiada: permanecer de pé enquanto tudo parece desmoronar; ser sentinelas que sabem ver a luz na visão noturna; ser construtores no meio das ruínas - e há tantas no mundo atual, tantas! -; ser capazes de sonhar. E, para mim, aqui está a chave: um jovem que não é capaz de sonhar, coitado, envelheceu antes do tempo! Ser capazes de sonhar, pois é isto que faz quem sonha: não se deixa absorver pela noite, mas acende uma chama, acende uma luz de esperança que anuncia o amanhã. Sonhai, sede diligentes e olhai para o futuro com coragem.

Quero dizer-vos que nós, todos nós, vos estamos gratos quando sonhais. «Mas será verdade isto? Os jovens quando sonham, às vezes fazem barulho...». Fazei barulho, porque o vosso barulho é o fruto dos vossos sonhos. Significa que não quereis viver na noite, quando fazeis de Jesus o sonho da vossa vida e O abraçais com alegria, com um entusiasmo contagiante que nos faz bem. Obrigado! Obrigado por todas as vezes que sois capazes de realizar os sonhos com coragem, por todas as vezes que não cessais de acreditar na luz mesmo dentro das noites da vida, por todas as vezes que vos empenhais com paixão em tornar mais belo e humano o nosso mundo. Obrigado por todas as vezes que cultivais o sonho da fraternidade, por todas as vezes que tendes a peito as feridas da criação, lutais pela dignidade dos mais frágeis e propagais o espírito da solidariedade e da partilha; e obrigado sobretudo porque, num mundo que, fixado nos lucros do presente, tende a sufocar os grandes ideais, não perdestes a capacidade de sonhar. Não viver dormentes nem anestesiados. Isto não; sonhar vivos. Isso ajuda-nos a nós, adultos, e à Igreja. Sim, também como Igreja, precisamos de sonhar, temos necessidade do entusiasmo, temos necessidade do ardor dos jovens para sermos testemunhas de Deus, que é sempre jovem.

E gostaria de vos dizer outra coisa: muitos dos vossos sonhos correspondem aos do Evangelho. A fraternidade, a solidariedade, a justiça, a paz são os mesmos sonhos que Jesus tem para a humanidade. Não tenhais medo de vos abrir ao encontro com Ele, que ama os vossos sonhos e vos ajuda a realizá-los. O Cardeal Martini dizia que são úteis à Igreja e à sociedade «sonhadores que nos mantenham abertos às surpresas do Espírito Santo» (Conversazioni notturne a Gerusalemme. Sul rischio della fede, p. 61). Sonhadores que nos mantenham abertos às surpresas do Espírito Santo. É bom sê-lo! Espero que estejais entre estes sonhadores!

E agora passemos à segunda imagem: Jesus que diz a Pilatos «Eu sou rei». Impressionam a sua determinação, coragem e liberdade suprema. Foi preso, trouxeram-No ao Pretório, está a ser interrogado por quem pode condená-Lo à morte. E numa circunstância assim, teria podido deixar prevalecer um direito natural a defender-Se, procurando talvez «ajustar as coisas» com um compromisso. Em vez disso, Jesus não esconde a própria identidade, não disfarça as suas intenções, não aproveita uma réstia de salvação que o próprio Pilatos deixava aberta. Não, não aproveita. Com a coragem da verdade, responde: «Eu sou rei». Responde com a sua vida: vim para uma missão e vou até ao fim para testemunhar o Reino do Pai. «Para isto nasci, e para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade» (Jo 18,37). Jesus é assim. Sem qualquer simulação, proclama com a própria vida que o seu Reino é diferente dos reinos do mundo: Deus não reina, para aumentar o seu poder e esmagar os outros; não reina com os exércitos e com a força. O Seu é o Reino do amor: «Eu sou rei», mas deste reino do amor; «Eu sou rei», do reino de quem dá a própria vida pela salvação dos outros.

Queridos jovens, fascina a liberdade de Jesus! Deixemos que nos toque dentro, comova e suscite em nós a coragem da verdade. E nós podemos perguntar-nos: aqui e agora, se eu estivesse no lugar de Pilatos com Jesus diante de mim olhos nos olhos, de que sentiria vergonha? Perante a verdade de Jesus, a verdade que é Jesus, quais são as minhas falsidades que não se aguentam de pé, as minhas duplicidades de que Ele não gosta? Cada um de nós as temos. Procurai-as, procurai-as. Todos nós temos estas duplicidades, estes comprometimentos, este «ajustar as coisas» para que a cruz se afaste. Temos de nos colocar diante de Jesus para verificar a verdade em nós. Precisamos adorá-Lo para sermos livres por dentro, iluminarmos a vida e não nos deixarmos enganar pelas modas do momento, pelos fogos de artifício deste consumismo que cega e paralisa. Amigos, não estamos aqui para nos fazer encantar pelas sereias do mundo, mas para assumirmos a nossa vida, aferrarmos a vida vivendo-a plenamente.

Assim, na liberdade de Jesus, encontramos também a coragem de ir contracorrente. Esta é uma expressão que quero evidenciar: ir contracorrente, ter a coragem de ir contracorrente; não contra alguém - que é a tentação de todos os dias -, como os que se fazem de vítima e os intrigantes que sempre dão a culpa aos outros. Isso não; mas contra a corrente doentia do nosso eu egoísta, fechado e rígido, que muitas vezes procura aliados para sobrevier. Não, isto não. Ir contracorrente para seguirmos os passos de Jesus. Ele ensina a lançar-nos contra o mal só com a força mansa e humilde do bem; sem atalhos, sem falsidades nem duplicidades. O nosso mundo, ferido por tantos males, não precisa de outros compromissos ambíguos, de pessoas que giram para cá e para lá como as ondas do mar - vão para onde as leva o vento, para onde as levam os próprios interesse -, de quem se posiciona com um pé à direita e outro à esquerda, depois de ter sondado o que convém. Os «equilibristas». Um cristão que age assim, parece mais um equilibrista do que um cristão. Os equilibristas buscam sempre uma via para não sujar as mãos, para não comprometer a vida, para não apostar a sério. Por favor, tende medo de ser jovens equilibristas. Sede livres, sede autênticos; sede consciência crítica da sociedade. Não tenhais medo de criticar! Precisamos das vossas críticas. Muitos de vós estão a criticar, por exemplo, a poluição ambiental. Precisamos disso! Sede livres nas críticas. Tende a paixão da verdade, para poderdes dizer com os vossos sonhos: a minha vida não está escravizada às lógicas deste mundo, porque reino com Jesus em prol da justiça, do amor e da paz! Queridos jovens, espero que cada um de vós possa sentir a alegria de dizer: «Com Jesus, também eu sou rei». Sou rei: sou um sinal vivo do amor de Deus, da sua compaixão e da sua ternura. Sou um sonhador encandeado pela luz do Evangelho, e contemplo esperançado na visão noturna. E, quando caio, encontro em Jesus de novo a coragem de lutar e ter esperança, a coragem de voltar a sonhar. E isto, em todas as idades da vida.


Fonte: Santa Sé.