sábado, 30 de março de 2019

Homilia: IV Domingo da Quaresma - Ano C

São Gregório Magno
Sermão sobre o filho pródigo
“O filho pródigo recebeu o anel quando uniu a si, mediante a fé, a Igreja tirada da gentilidade”

Disse o pai a seus servos: Trazei depressa a primeira túnica para vestir meu filho. A primeira túnica é a veste abençoada da inocência, que nosso primeiro pai, Adão, recebeu, tendo sido criado com sabedoria pela mão de Deus, e depois a perdeu sendo enganado pelo demônio. E assim, após nossos primeiros pais terem pecado conheceram que estavam nus, e como pessoas que haviam perdido aquela glória da imortalidade, revestiram-se de peles de animais mortais. Pelos servos aos quais o Pai deu esta ordem, entendemos todos os santos pregadores: estes trouxeram a primeira veste, quando com sua santa doutrina não só converteram os homens, mas também mostraram claramente que, guardando a devida justiça em suas obras, seriam sublimados a tanta graça, que não seriam apenas cidadãos dos anjos, mas também herdeiros de Deus e co-herdeiros de Jesus Cristo.
E colocai o anel no seu dedo. Este é o costume que, com o anel, sejam seladas as coisas íntimas; e assim, pelo anel podemos entender o selo da fé, com a qual se selam no coração dos fiéis todas as coisas que da parte de Deus lhes são prometidas. Também é costume que a esposa confirme com um anel a fidelidade com seu esposo, e assim podemos entender por este anel a graça que Cristo nosso Redentor dá para a Igreja, sua Esposa. E diremos, então, que o filho pródigo recebeu o anel quando uniu a si, mediante a fé, a Igreja tirada da gentilidade. E com razão se põe o anel na mão, para mostrar que, com as obras, se confirmará a fé, e com a fé as obras.
E sandálias nos pés. Pelos sapatos entende-se o ofício da pregação, porque assim o afirma a Sagrada Escritura quando diz: Quão formosos são os pés dos mensageiros da paz, e que pregam o bem; e o glorioso Apóstolo confirmando isto, escrevendo de Éfeso, diz: Tende, irmãos, os pés calçados, e estai preparados para a pregação do Santo Evangelho. Diremos, pois, que voltando o filho pródigo à misericórdia do pai, adornam-lhe os pés e as mãos. Adornam-lhe as mãos para ensinar a nós e a todos os fiéis que vivamos com obras de justiça; e os pés para que, levando em consideração o exemplo dos santos, trabalhemos para caminhar ao céu.
Trazei um novilho gordo e matai-o. Por este novilho gordo entende-se o próprio Filho de Deus, Jesus Cristo, nosso Senhor e Redentor: porque na verdade, para a nossa alma, sua carne é de uma gordura e virtude espiritual de tão abundante graça, que se nos dispusermos a recebê-la, muito nos confortará no caminho em que peregrinamos, pois só ela foi capaz de apagar os pecados do mundo inteiro. Mandou, pois, trazer o novilho e matar-lhe, na mesma ocasião em que ordenou que os mistérios de sua vida santíssima e de sua Morte e Paixão fossem publicados pelos santos Apóstolos. Porque parece que este novilho santíssimo acabou de ser sacrificado para alguém, quando de novo volta a crer nele; e então é comido, quando é recebido sacramentalmente na alma limpa, quando se faz memória de sua Paixão com alma limpa.
Este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado. Deveis observar que disse “comamos”, falando em plural, por onde podemos entender que da carne santíssima deste novilho tão santo, não só come o filho que estava morto e reviveu, perdido e foi achado, mas também comeu o pai e os criados da casa. Nisto se vê que nossa conversão e saúde é a alegria do Pai celestial, e sua alegria é o perdão de nossos pecados. E este gozo não é só do Pai soberano, mas também do Filho e do Espírito Santo, porque a obra, a alegria e o amor da Santíssima Trindade é una.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 571-572. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de Santo Agostinho para este domingo clicando aqui.

Liturgia e oração: Encontro de Pastoral Litúrgica 2011

Continuando nossa série de postagens sobre os Encontros Nacionais de Pastoral Litúrgica (ENPL), promovidos anualmente pelo Secretariado Nacional de Liturgia de Portugal no Santuário de Fátima. 

Nesta postagem recordamos o 37º ENPL, ocorrido em julho de 2011, com o tema: "Liturgia: A Igreja em oração". Um tema similar foi abordado no encontro de 2018: Liturgia e Espiritualidade.

Seguem os áudios de quatro conferências, disponibilizados pelo Secretariado Nacional de Liturgia:

1ª Conferência: Oração cristã e Liturgia
Côn. Dr. Luís Manuel Pereira da Silva

Pe. Dr. José Manuel Garcia Cordeiro

Côn. Dr. João da Silva Peixoto

Pe. Dr. Pedro Miguel Franco Lourenço


sexta-feira, 29 de março de 2019

A viagem do Papa ao Marrocos


Nos dias 30 e 31 de março de 2019 o Papa Francisco realiza sua 28ª Viagem Apostólica fora da Itália, com destino ao Marrocos. Esta será a 3ª viagem de Francisco à África e a segunda visita de um Papa ao país, depois de São João Paulo II em 19 de agosto de 1985 (no contexto de uma viagem a diversos países africanos).

Logotipo da viagem
Esta viagem, juntamente com a anterior aos Emirados Árabes Unidos no mês de fevereiro, insere-se no contexto das comemorações dos 800 anos do encontro entre São Francisco de Assis e o sultão do Egito, Malik Al-Kamil. Este foi um importante passo no diálogo entre cristãos e muçulmanos, tema este que estará no centro da viagem do Papa, juntamente com a promoção da paz (lembrando que Francisco já esteve no Egito em abril de 2017).

O programa da breve viagem é o seguinte:

Dia 30, sábado:
Pela manhã o Papa parte de Roma, chegando ao Aeroporto da capital marroquina, Rabat, no início da tarde. Segue-se a acolhida oficial e o encontro com as autoridades na Esplanada da Mesquita Hassan. Em seguida Francisco visita o mausoléu do Rei Mohammed V e encontra-se com o Rei Mohammed VI no Palácio Real. No fim da tarde, o Santo Padre visita um instituto de estudos para imãs e pregadores, encerrando o dia com um encontro com os migrantes na sede da Caritas diocesana de Rabat.
             
Dia 31, domingo:
Pela manhã, o Papa visita um centro rural de serviços sociais em Témara, cidade vizinha a Rabat. De volta à capital, encontra-se com o clero, religiosos e o Conselho Ecumênico de Igrejas na Catedral. Ao final deste encontro reza a oração do Ângelus com os fiéis, antes do almoço com os Bispos do Marrocos. Na parte da tarde, Francisco preside a Santa Missa do IV Domingo da Quaresma no Complexo Esportivo Príncipe Moulay Abdellah em Rabat (cf. a homilia e as fotos da celebração). Após a Missa, o Santo Padre dirige-se ao aeroporto para a cerimônia de despedida e o retorno a Roma.

Imagem do encontro entre São Francisco e o Sultão

Alguns dados da Igreja Católica no Marrocos:

Número de católicos: 23.000 (0,07% da população)
Dioceses: 02
Paróquias: 35

Bispos: 04
Sacerdotes diocesanos: 15
Sacerdotes religiosos: 31
Religiosos (as): 188
Seminaristas: 14

Escolas católicas: 34 (11.891 estudantes)
Hospitais e ambulatórios: 08
Asilos: 02
Orfanatos: 10
Outras instituições sociais: 05


Com informações do site da Santa Sé.

Raniero Cantalamessa: III Pregação de Quaresma 2019

Padre Raniero Cantalamessa, OFMCap
III pregação de Quaresma
29 de março de 2019

“A idolatria, a antítese do Deus vivo

Todas as manhãs, quando acordamos, temos uma experiência única, que quase nunca notamos. Durante a noite, as coisas à nossa volta existiam, eram como as tínhamos deixado na noite anterior: a cama, a janela, o quarto. Talvez o sol já esteja brilhando lá fora, mas não o vemos porque nossos olhos estão fechados e nossas cortinas estão abaixadas. Só agora, quando acordo, é que as coisas começam ou voltam a existir para mim, porque me dou conta delas, as percebo. Antes era como se elas não existissem, como se eu não existisse.
A mesma coisa acontece com Deus. Ele está sempre ali; “nele nos movemos, respiramos e somos”, disse Paulo aos atenienses (At 17,28); mas geralmente isso acontece como no sono, sem que nos demos conta. O espírito também precisa de um despertar, um aumento da consciência. É por isso que a Escritura nos exorta tantas vezes a despertar do sono: “Acordai vós que dormis, despertai dos mortos, e Cristo vos iluminará” (Ef 5,14), “Agora é tempo de vos despertar do sono!” (Rm 13,11). É o que nos propomos para continuar, na Quaresma, a busca do Deus vivo que começou no Advento.

Idolatria antiga e nova
O Deus “vivo” da Bíblia é assim definido para distingui-lo dos ídolos que são coisas mortas. É a batalha que une todos os livros do Antigo e do Novo Testamento.  Basta abrir quase ao acaso uma página dos profetas ou dos salmos para encontrar os sinais desta luta épica em defesa do único Deus de Israel. A idolatria é a antítese exata do Deus vivo. Dos ídolos, diz um salmo:
“Os ídolos dos povos são prata e ouro,
trabalho das mãos do homem.
Eles têm boca e não falam,
têm olhos e não conseguem ver,
têm ouvidos e não ouvem,
têm narinas e não cheiram.
Têm mãos e não apalpam,
têm pés e não andam;
Da garganta não fazem barulho” (Sl 114,3-7).
Do contraste com os ídolos, o Deus vivo aparece como um Deus que “faz o que quer”, que fala, que vê, que ouve, um Deus “que respira”! O sopro de Deus também tem um nome na Escritura: é chamado de Ruah Iahweh, o Espírito de Deus. É o sopro que Deus soprou sobre Adão quando ainda era um simulacro de argila (Gn 2,7); é o sopro que o Ressuscitado soprou sobre os discípulos na noite de Páscoa: “Soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’” (Jo 20,22).
A batalha contra a idolatria infelizmente não terminou com o fim do paganismo histórico; ela está sempre em ato. Os ídolos mudaram de nome, mas estão mais presentes do que nunca. Mesmo dentro de cada um de nós, veremos, há um que é o mais assustador de todos. Por conseguinte, vale a pena insistir, por uma vez, neste problema, como um problema atual, e não apenas do passado.
Aquele que fez da idolatria a análise mais lúcida e profunda é o apóstolo Paulo. Deixemo-nos guiar por ele para a descoberta do “bezerro de ouro” que se esconde em cada um de nós. No início da carta aos Romanos nós lemos estas palavras:
“Na realidade, a ira de Deus é revelada do céu contra toda a impiedade e toda injustiça dos homens que sufocam a verdade na injustiça, pois o que pode ser conhecido de Deus é manifesto a eles; o próprio Deus o manifestou a eles. Com efeito, desde a criação do mundo em diante, as suas perfeições invisíveis podem ser contempladas com o intelecto nas suas obras, como seu eterno poder e divindade; são, portanto, indesculpáveis, porque, embora conheçam a Deus, não lhe deram glória nem graças como Deus, mas vaguearam em seus raciocínios e as suas mentes obtusas foram obscurecidas” (Rm 1,18-21).
Nas mentes dos que estudaram teologia, estas palavras estão quase exclusivamente ligadas à tese da cognoscibilidade natural da existência de Deus a partir das criaturas. Portanto, uma vez resolvido este problema, ou depois de ter deixado de ser tão atual como no passado, acontece que estas palavras raramente são lembradas e valorizadas. Mas a do conhecimento natural de Deus é, no contexto, um problema completamente marginal. As palavras do Apóstolo têm muito mais a nos dizer; elas contêm um desses “trovões de Deus” capazes de derrubar também os cedros do Líbano.
O Apóstolo está empenhado em demonstrar a situação da humanidade antes de Cristo e fora dele; em outras palavras, onde começa o processo de redenção. Ele não parte de zero, da natureza, mas de subzero, do pecado. Todos pecaram, ninguém excluído. O Apóstolo divide o mundo em duas categorias: Gregos e judeus, isto é, pagãos e crentes, e começa sua acusação precisamente a partir do pecado dos pagãos. Identifica o pecado fundamental do mundo pagão na impiedade e na injustiça. Diz que este é um ataque à verdade; não a esta ou aquela verdade, mas à verdade original de todas as coisas.
O pecado fundamental, o objeto primário da ira divina, é identificado na asebeia, isto é, na impiedade. Em que consiste exatamente esta impiedade, o Apóstolo explica imediatamente, dizendo que consiste na recusa de “glorificar” e de “agradecer” a Deus. Em outras palavras, ao recusar reconhecer Deus como Deus, ao não lhe dar a consideração que lhe é devida. Consiste, poderíamos dizer, em “ignorar” a Deus, onde, no entanto, ignorar não significa tanto “não saber que existe” mas “fazer como se ele não existisse”.
No Antigo Testamento ouvimos Moisés que grita ao povo: “Reconhece que Deus é Deus!” (cf. Dt 7,9) e um salmista retoma este grito, dizendo: “Reconhecei que o Senhor é Deus: Ele fez-nos e nós somos seus!” (Sl 100,3). Reduzido ao seu núcleo germinativo, o pecado é negar este “reconhecimento”; é a tentativa, por parte da criatura, de anular a diferença qualitativa infinita que existe entre a criatura e o Criador, recusando-se a depender dele. Esta recusa tomou forma, concretamente, na idolatria, em que a criatura é adorada em vez do Criador (cf. Rm 1,25). Os pagãos, continua o Apóstolo, “vaguearam nos seus raciocínios e escureceram as suas mentes obtusas. Como se declararam sábios, tornaram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível com a imagem e a figura do homem corruptível, dos pássaros, quadrúpedes e répteis” (Rm 1,22-23).
O Apóstolo não quer dizer que todos os pagãos, sem distinção, devam ter vivido subjetivamente neste tipo de pecado (mais tarde ele falará de pagãos que se tornam aceitos a Deus seguindo a lei de Deus escrita em seus corações; cf. Rm 2,14ss); ele só quer dizer qual é a situação objetiva do homem diante de Deus depois do pecado. O homem, criado “reto” (no sentido físico de ereto e no sentido moral de justo), com o pecado tornou-se “curvo”, isto é, dobrado sobre si mesmo, e “perverso”, orientado para si mesmo, mais do que para Deus.
Na idolatria, o homem não “aceita” Deus, mas se faz um deus. As partes são invertidas: o homem torna-se o oleiro e Deus o vaso que molda ao seu gosto (cf. Rm 9,20ss). Em tudo isto há uma referência, pelo menos implicitamente, ao relato da criação (cf. Gn 1,26-27).  Ali se diz que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança; aqui se diz que o homem trocou por Deus a imagem e a figura do homem corruptível. Em outras palavras, Deus fez o homem à sua imagem, agora o homem faz Deus à sua imagem. Porque o homem é violento, eis que fará da violência um deus, Marte; porque é cobiçoso, fará da luxúria uma deusa, Vênus, e assim por diante. Faz de Deus a projeção de si mesmo.

XI Catequese do Papa sobre o Pai Nosso: O pão nosso

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 27 de março de 2019
Pai Nosso (11): “O pão nosso de cada dia”

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Passamos hoje a analisar a segunda parte do “Pai Nosso”, aquela em que apresentamos a Deus as nossas necessidades. Esta segunda parte começa com uma palavra que perfuma o cotidiano: o pão.
A oração de Jesus parte de uma pergunta impelente, que muito assemelha à imploração de um mendigo: “Dai-nos o pão cotidiano!”. Esta oração provém de uma evidência que muitas vezes esquecemos, quer dizer que não somos criaturas autossuficientes, e que todos os dias precisamos nos nutrir.
As escrituras nos mostram que para tanta gente o encontro com Jesus se realizou a partir de uma pergunta. Jesus não pede invocações refinadas, antes, toda a existência humana, com os seus problemas mais concretos e cotidianos, pode se tornar oração. Nos Evangelhos, encontramos uma multidão de mendigos que suplicam libertação e salvação. Quem pede o pão, a cura; alguns a purificação, outros a visão; ou que uma pessoa querida possa reviver… Jesus nunca passa indiferente a esses pedidos e a essas dores.
Portanto, Jesus nos ensina a pedir ao Pai o pão cotidiano. E nos ensina a fazê-lo unidos a tantos homens e mulheres para os quais esta oração é um grito – muitas vezes mantido dentro – que acompanha a ansiedade do dia. Quantas mães e pais, ainda hoje, vão dormir com o tormento de não ter no dia seguinte pão suficiente para os próprios filhos! Imaginemos esta oração rezada não na segurança de um cômodo apartamento, mas na precariedade de um quarto onde as pessoas se adaptam, onde falta o necessário para viver. As palavras de Jesus assumem uma força nova. A oração cristã começa deste nível. Não é um exercício para ascetas; parte da realidade, do coração, da carne de pessoas que vivem na necessidade, ou que partilham a condição de quem não tem o necessário para viver. Nem mesmo os mais altos místicos cristãos podem prescindir da simplicidade desta pergunta. “Pai, faz com que para nós e para todos, hoje, haja o pão necessário”. E “pão” está também para água, remédios, casa, trabalho…Pedir o necessário para viver.
O pão que o cristão pede na oração não é o “meu” mas é o “nosso” pão. Assim quer Jesus. Ensina-nos a pedi-lo não somente para si mesmo, mas para toda a fraternidade do mundo. Se não se reza deste modo, o “Pai nosso” deixa de ser uma oração cristã. Se Deus é nosso Pai, como podemos nos apresentar a Ele sem que nos pegue pelas mãos? Todos nós. E se o pão que Ele nos dá o roubamos entre nós, como podemos nos dizer seus filhos? Esta oração contém uma atitude de empatia, uma atitude de solidariedade. Na minha fome sinto a fome das multidões e então rezarei a Deus a fim de que seus pedidos sejam respondidos. Assim Jesus educa a sua comunidade, a sua Igreja, a levar a Deus as necessidades de todos: “Somos todos teus filhos, ó Pai, tenha piedade de nós!”. E agora nos fará bem parar um pouco e pensar nas crianças que passam fome. Pensemos nas crianças que estão em países em guerra: as crianças que passam fome no Iêmen, as crianças que passam fome na Síria, em tantos países onde não há o pão, no Sudão do Sul. Pensemos nestas crianças e pensando nelas digamos juntas, em voz alta, a oração: “Pai, dai-nos hoje o pão cotidiano”. Todos juntos.
O pão que pedimos ao Senhor na oração é aquele mesmo que um dia nos acusará. Nos chamará a atenção pelo pouco hábito de partilhá-lo com quem está próximo, o pouco hábito de partilhá-lo. Era um pão entregue a toda a humanidade e, ao invés, foi consumido somente por alguns: o amor não pode tolerar isto. O nosso amor não pode suportá-lo; e nem mesmo o amor de Deus pode tolerar este egoísmo de não partilhar o pão.
Uma vez havia uma grande multidão diante de Jesus; era gente que tinha fome. Jesus perguntou se alguém tinha algo e encontrou apenas um menino disposto a partilhar o seu mantimento: cinco pães e dois peixes. Jesus multiplicou aquele gesto generoso (cf. Jo 6,9). Aquele menino tinha entendido a lição do “Pai nosso”: que o alimento não é propriedade privada – coloquemos isso na cabeça: o alimento não é propriedade privada – mas providência a partilhar, com a graça de Deus.
O verdadeiro milagre realizado por Jesus naquele dia não foi tanto a multiplicação – que é verdade – mas a partilha: dai aquilo que tens e eu farei o milagre. Ele mesmo, multiplicando aquele pão oferecido, antecipou a oferta de Si no pão eucarístico. De fato, somente a Eucaristia é capaz de saciar a fome de infinito e o desejo de Deus que anima cada homem, também na busca do pão cotidiano.


quinta-feira, 28 de março de 2019

Solenidade da Anunciação do Senhor em Cracóvia

Dom Marek Jędraszewski, Arcebispo de Cracóvia, celebrou a Santa Missa da Solenidade da Anunciação do Senhor no último dia 25 de março na Basílica de Santa Maria em Cracóvia.

A Missa foi precedida por um momento de adoração e bênção eucarística.

Adoração Eucarística

Bênção
Procissão de entrada


Solenidade da Anunciação do Senhor em Nazaré

O Administrador Apostólico do Patriarcado de Jerusalém, Dom Pierbattista Pizzaballa, celebrou no último dia 25 de março, Solenidade da Anunciação do Senhor, a Santa Missa  na Basílica da Anunciação em Nazaré, construída no local onde, segundo a tradição, aconteceu este evento.

Na véspera, dia 24, Dom Pizzaballa fez sua entrada solene na cidade e foi acolhido oficialmente na Basílica:

Dia 24: Acolhida solene

O Bispo caminha até a Basílica
O Guardião da Basílica aguarda na porta
Oração pelo Bispo
Bênção
Dia 25: Santa Missa

Procissão de entrada

Ângelus do Papa: Solenidade da Anunciação em Loreto

Depois da Missa no Santuário de Nossa Senhora em Loreto, o Papa Francisco encontrou-se com os fiéis na Praça do Santuário. Segue seu discurso, que precedeu a oração do Ângelus, no qual o Santo Padre reflete sobre o mistério da Anunciação:

Visita do Papa Francisco a Loreto
Encontro do Santo Padre com os fiéis
Praça do Santuário de Loreto
Segunda-feira, 25 de março de 2019

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
E obrigado pelas vossas calorosas boas-vindas! Obrigado!

As palavras do anjo Gabriel a Maria: «Ave, ó cheia de graça!» (Lc 1,28), ressoam de modo singular neste Santuário, lugar privilegiado para contemplar o mistério da Encarnação do Filho de Deus. Com efeito, aqui estão conservadas as paredes que, segundo a tradição, provêm de Nazaré, onde a Virgem Santa pronunciou o seu “sim”, tornando-se a Mãe de Jesus. Desde que aquela que é denominada a “casa de Maria” se tornou presença venerada e amada sobre esta colina, a Mãe de Deus não cessa de obter benefícios espirituais para aqueles que, com fé e devoção, vêm aqui rezar. Hoje também eu me ponho entre eles, e dou graças a Deus que me concedeu, exatamente na festa da Anunciação.

Saúdo as Autoridades, com gratidão pelas boas-vindas e pela colaboração. Saúdo Dom Fabio Dal Cin, que se fez intérprete dos sentimentos de todos vós. Além dele, saúdo os demais Prelados, os sacerdotes, as pessoas consagradas, com um pensamento especial aos Padres Capuchinhos, aos quais foi confiada a guarda deste insigne Santuário, tão querido ao povo italiano. São bons estes Capuchinhos! Sempre no confessionário, sempre, a ponto que quando se entra no Santuário há sempre pelo menos um deles, ou dois, três, quatro, mas sempre, quer seja de dia, quer no final do dia, e este é um trabalho difícil! São bons e agradeço-lhes de maneira especial este precioso ministério do confessionário, contínuo durante o dia inteiro. Obrigado! E dirijo a minha cordial saudação a todos vós, cidadãos de Loreto e peregrinos aqui reunidos!

A este oásis de silêncio e de piedade vêm muitas pessoas, da Itália e de todas as partes do mundo, para haurir força e esperança. Penso em particular nos jovens, nas famílias e nos doentes.

A Santa Casa é a casa dos jovens, porque aqui a Virgem Maria, a Jovem cheia de graça, continua a falar às novas gerações, acompanhando cada um na busca da própria vocação. Foi por isso que eu quis assinar aqui a Exortação Apostólica, fruto do Sínodo dedicado aos jovens. Intitula-se “Christus vivit - Cristo vive”. No evento da Anunciação manifesta-se a dinâmica da vocação expressa nos três momentos que cadenciaram o Sínodo: 1) escuta da Palavra-projeto de Deus; 2) discernimento; 3) decisão.

O primeiro momento, o da escuta, é manifestado por aquelas palavras do Anjo: «Não temas, Maria (...) Eis que conceberás e darás à luz um Filho, ao qual porás o nome de Jesus» (vv. 30-31). É sempre Deus quem toma a iniciativa de chamar para o seguir. É Deus quem toma a iniciativa, é Ele que nos precede sempre, Ele precede, Ele abre caminho na nossa vida. A chamada à fé e a um coerente caminho de vida cristã, ou de consagração especial é um irromper discreto mas forte de Deus na vida de um jovem, para lhe oferecer o dom do seu amor. É preciso estar pronto e disponível para ouvir e acolher a voz de Deus, a qual não se reconhece no barulho nem na agitação. O seu desígnio sobre a nossa vida pessoal e social não se sente, permanecendo na superfície, mas descendo a um nível mais profundo, onde agem as forças morais e espirituais. É ali que Maria convida os jovens a descer e a sintonizar-se com a ação de Deus!

O segundo momento de cada vocação é o discernimento, expresso nas palavras de Maria: «Como acontecerá isto?» (v. 34). Maria não duvida; a sua pergunta não é uma falta de fé; ao contrário, exprime precisamente o seu desejo de descobrir as “surpresas” de Deus. Nela há a atenção para entender todas as exigências do projeto de Deus para a sua vida, para o conhecer nas suas facetas, para tornar a própria colaboração mais responsável e mais completa. Trata-se da atitude própria do discípulo: cada colaboração humana na iniciativa gratuita de Deus se deve inspirar num aprofundamento das capacidades e atitudes pessoais, conjugado com a consciência de que é sempre Deus quem doa e age; assim, também a pobreza e a pequenez de quantos o Senhor chama a segui-lo no caminho do Evangelho se transforma na riqueza da manifestação do Senhor e na força do Todo-Poderoso.

decisão é a terceira passagem que caracteriza cada vocação cristã, e é explicitada pela resposta de Maria ao Anjo: «Faça-se em mim segundo a tua palavra!» (v. 38). O seu “sim” ao projeto de salvação de Deus, atuado por meio da Encarnação, é a entrega de toda a própria vida a Ele. É o “sim” da confiança plena e da disponibilidade total à vontade de Deus. Maria é o modelo de todas as vocações e a inspiradora de qualquer pastoral vocacional: os jovens que estão em busca ou que se interrogam sobre o seu futuro, podem encontrar em Maria Aquela que os ajuda a discernir o desígnio de Deus para eles, e a força para lhe aderir.

Penso em Loreto como um lugar privilegiado, onde os jovens podem vir à procura da própria vocação, na escola de Maria! Um polo espiritual ao serviço da pastoral vocacional. Por isso, desejo que seja relançado o Centro “João Paulo II”, ao serviço da Igreja na Itália e a nível internacional, em continuidade com as indicações salientadas pelo Sínodo. Um lugar onde os jovens e os seus educadores podem sentir-se recebidos, acompanhados e ajudados a discernir. Por isso, peço também calorosamente aos Frades Capuchinhos um serviço adicional: o serviço de prolongar o horário de abertura da Basílica e da Santa Casa no fim do dia e também no início da noite, quando há grupos de jovens que vêm rezar e discernir a sua vocação. O Santuário da Santa Casa de Loreto, também em virtude da sua posição geográfica, no centro da Península, presta-se para se tornar, para a Igreja que está na Itália, lugar de proposta para uma continuação dos encontros mundiais dos jovens e da família. Com efeito, é necessário que ao entusiasmo da preparação e celebração destes acontecimentos corresponda em seguida a atualização pastoral, que dê corpo à riqueza dos conteúdos, mediante propostas de aprofundamento, de oração e de partilha.

A Casa de Maria é também a casa da família. Na delicada situação do mundo contemporâneo, a família fundada no matrimônio entre um homem e uma mulher assume uma importância e uma missão essenciais. É preciso voltar a descobrir o desígnio traçado por Deus para a família, a fim de reiterar a sua grandeza e insubstitibilidade, ao serviço da vida e da sociedade. Na casa de Nazaré, Maria viveu a multiplicidade dos relacionamentos familiares como filha, noiva, esposa e mãe. Por isso cada família, nos seus vários componentes, encontra aqui o acolhimento e a inspiração a viver a própria identidade. A experiência doméstica da Virgem Santa consiste em indicar que família e jovens não podem ser dois setores paralelos da pastoral das nossas comunidades, mas devem caminhar estreitamente unidos, porque muitas vezes os jovens são aquilo que a família lhes proporcionou durante o período do crescimento. Esta perspectiva volta a compor na unidade uma pastoral vocacional atenta a expressar o rosto de Jesus nos seus múltiplos aspetos, como sacerdote, esposo, pastor.

A Casa de Maria é a casa dos enfermos. Aqui encontram acolhimento quantos sofrem no corpo e no espírito, e a Mãe leva a todos a misericórdia do Senhor, de geração em geração. A enfermidade fere a família e os doentes devem ser recebidos no seio da família. Por favor, não caiamos naquela cultura do descarte, que é proposta pelas múltiplas colonizações ideológicas que hoje nos atacam. A casa e a família são o primeiro tratamento do enfermo, amando-o, apoiando-o, encorajando-o e cuidando dele. Eis por que razão o Santuário da Santa Casa é símbolo de cada casa hospitaleira e Santuário dos enfermos. Daqui transmito a todos eles, onde quer que estejam no mundo, um pensamento afetuoso e digo-lhes: vós estais no centro da obra de Cristo, porque compartilhais e carregais de maneira mais concreta atrás d’Ele a cruz de todos os dias. O vosso sofrimento pode tornar-se uma colaboração decisiva para o advento do Reino de Deus.

Caros irmãos e irmãs! A vós e a quantos estão ligados a este Santuário, Deus, por meio de Maria, confia uma missão nesta nossa época: levar o Evangelho da paz e da vida aos nossos contemporâneos, muitas vezes distraídos, levados pelos interesses terrenos ou imersos num clima de aridez espiritual. Há necessidade de pessoas simples e sábias, humildes e intrépidas, pobres e generosas. Em síntese, pessoas que, na escola de Maria, acolham incondicionalmente o Evangelho na própria vida. Assim, através da santidade do povo de Deus, deste lugar continuarão a propagar-se na Itália, na Europa e no mundo, testemunhos de santidade em todos os estados de vida, para renovar a Igreja e animar a sociedade com o fermento do Reino de Deus.

A Virgem Santa ajude todos, especialmente os jovens, a percorrer o caminho da paz e da fraternidade, fundamentadas no acolhimento e no perdão, no respeito pelo próximo e no amor, que é dom de si mesmo. A nossa Mãe, Estrela luminosa de alegria e de serenidade, conceda às famílias, santuários do amor, a bênção e a alegria da vida. Maria, fonte de toda a consolação, leve ajuda e conforto a quantos se encontram na provação.
Agora, com estas intenções, unamo-nos na oração do Ângelus...


Fonte: Santa Sé.

Fotos da Missa do Papa em Loreto

No último dia 25 de março, Solenidade da Anunciação do Senhor, o Papa Francisco celebrou a Santa Missa no Santuário de Nossa Senhora em Loreto.

O Santo Padre celebrou de maneira privada, sem proferir homilia, na pequena capela da Santa Casa de Nazaré. No final da celebração Francisco assinou a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christus vivit, fruto do Sínodo sobre os Jovens, que será publicada no próximo dia 02 de abril.

O Papa reza antes da Missa na Capela da Santa Casa
 
Procissão de entrada
Oração do dia
Liturgia da Palavra

quarta-feira, 27 de março de 2019

III Catequese do Papa João Paulo II sobre a Quaresma: O jejum

João Paulo II
Audiência Geral
Quarta-feira, 21 de março de 1979
Quaresma (3): O jejum penitencial e o desenvolvimento da pessoa

1. Ordenai um jejum (Jl 1,14). São as palavras que ouvimos na primeira leitura de Quarta-feira de Cinzas. Escreveu-as o Profeta Joel, e a Igreja, em conformidade com elas, estabelece a prática da Quaresma ordenando o jejum. Hoje a prática da Quaresma, definida por Paulo VI na Constituição «Poenitemini», está notavelmente mitigada em comparação com o que era antigamente. Nesta matéria o Papa deixou muito à decisão das Conferências Episcopais de cada país, às quais, por conseguinte, toca a missão de adaptar as exigências do jejum às circunstâncias em que se encontram as respectivas sociedades. Recordou também que a essência da penitência quaresmal é constituída não só pelo jejum, mas também pela oração e pela esmola (obra de misericórdia). É necessário pois decidir segundo as circunstâncias, uma vez que o jejum pode mesmo ser «substituído» por obras de misericórdia e pela oração. A finalidade deste período especial na vida da Igreja é, sempre e em toda a parte, a penitência, isto é, a conversão para Deus. A penitência, de fato, entendida como conversão, isto é «metánoia», forma um conjunto que a tradição do Povo de Deus já na Antiga Aliança, e em seguida o próprio Cristo, ligaram em certo modo à oração, à esmola e ao jejum.
Por que o jejum?
Neste momento vêm-nos talvez à lembrança as palavras com que Jesus respondeu aos discípulos de João Batista quando o interrogavam: por que não jejuam os teus discípulos? Jesus respondeu: Porventura podem os companheiros do esposo estar tristes enquanto o esposo está com eles? Dias hão de vir em que lhes tirarão o esposo e então jejuarão (Mt 9,15). Na verdade, o tempo da Quaresma recorda-nos que o esposo nos foi tirado. Tirado, detido, preso, esbofeteado, flagelado, coroado de espinhos e crucificado... O jejum no tempo da Quaresma é a expressão da nossa solidariedade com Cristo. Tal foi o significado da Quaresma através dos séculos e assim hoje se mantém.
«O meu amor foi crucificado e já não há em mim a chama que deseja as coisas materiais», como escreve o Bispo de Antioquia, Inácio, na carta aos Romanos (Santo Inácio de Antioquia, Ad Romanos, VII, 2).
2. Por que o jejum?
A esta pergunta é preciso dar uma resposta mais extensa e profunda, para que fique clara a relação à «metánoia», isto é, aquela transformação espiritual, que aproxima o homem de Deus. Esforcemo-nos portanto por concentrar-nos não só na prática da abstenção do alimento ou das bebidas - isto de fato significa «jejum» no sentido ordinário - mas no significado mais profundo desta prática que, aliás, pode e deve às vezes ser «substituída» por alguma outra. O alimento e as bebidas são indispensáveis para o homem viver, disso se serve e deve servir-se, mas não lhe é lícito abusar seja da forma que for. A tradicional abstenção do alimento e das bebidas tem como finalidade introduzir na existência do homem não só o equilíbrio necessário, mas também o desprendimento daquilo que poderia definir-se «atitude consumista». Tal atitude tornou-se nos nossos tempos uma das características da civilização e em particular da civilização ocidental. A atitude consumista! O homem orientado para os bens materiais, múltiplos bens materiais, muitas vezes abusa deles. Não se trata aqui unicamente do alimento e das bebidas. Quando o homem está orientado exclusivamente para a posse e o uso dos bens materiais, isto é, das coisas, então também toda a civilização é medida segundo a quantidade e qualidade das coisas que se encontra capaz de fornecer ao homem e não se mede com a medida adequada ao homem. Esta civilização fornece de fato, os bens materiais não só para que sirvam ao homem a exercer as atividades criativas e úteis, mas cada vez mais... a satisfazer os sentidos, a excitação que disso deriva, o prazer momentâneo e a multiplicidade de sensações cada vez maior.
Ouve-se às vezes dizer que o aumento excessivo dos meios audiovisuais nos países ricos nem sempre ajuda o desenvolvimento da inteligência, particularmente nas crianças; pelo contrário, às vezes contribui para lhes deter o desenvolvimento. A criança vive só de sensações, procura sensações sempre novas ... E torna-se assim, sem se dar conta, escrava desta paixão atual. Saciando-se de sensações, fica muitas vezes intelectualmente passiva; a inteligência não se abre à busca da verdade; a vontade fica presa ao hábito, a que não sabe opor-se.
Disto resulta que o homem contemporâneo deve jejuar, isto é, abster-se não só do alimento ou das bebidas, mas de muitos outros meios de consumo, como de estimular e satisfazer os sentidos. Jejuar significa abster-se, renunciar a alguma coisa.
3. Porque renunciar a alguma coisa? Porque privarmo-nos dela? Já em parte respondemos a esta pergunta. Não será todavia completa a resposta, se não nos dermos conta de o homem ser ele próprio, também por conseguir privar-se dalguma coisa, capaz de dizer a si mesmo «não». O homem é ser composto de corpo e alma. Alguns escritores contemporâneos apresentam esta estrutura composta do homem sob a forma de estratos, e falam, como exemplo, de estratos exteriores na superfície da nossa personalidade, contrapondo-os aos estratos em profundidade. A nossa vida parece estar dividida nestes estratos e desenvolve-se através deles. Enquanto os estratos superficiais estão ligados à nossa sensualidade, os estratos profundos são expressão da espiritualidade do homem, isto é, da vontade consciente, da reflexão, da consciência e da capacidade de viver os valores superiores.
Esta imagem da estrutura da personalidade humana pode servir para se compreender o significado do jejum para o homem. Não se trata aqui somente do significado religioso, mas de um significado que se exprime através da chamada «organização» do homem com sujeito-pessoa. O homem desenvolve-se regularmente quando os estratos mais profundos da sua personalidade encontram suficiente expressão, quando o âmbito dos seus interesses e das suas aspirações não se limita só aos estratos exteriores e superficiais, ligados com a sensualidade humana. Para facilitar este desenvolvimento, devemos por vezes desapegar-nos conscientemente do que serve para satisfazer a sensualidade, quer dizer, daqueles estratos exteriores superficiais. Devemos portanto renunciar a tudo quanto os «alimenta».
Eis, em breves palavras, a interpretação do jejum dos dias de hoje.
A renúncia às sensações, aos estímulos, aos prazeres e ainda ao alimento ou às bebidas, não é fim de si mesma. Deve apenas, por assim dizer, preparar o caminho para conteúdos mais profundos, de que «se alimenta» o homem interior. Tal renúncia, tal mortificação deve servir para criar no homem as condições para poder viver os valores superiores, de que ele está, a seu modo, «faminto».
Eis o significado «pleno» do jejum na linguagem de hoje. Todavia, quando lemos os autores cristãos da antiguidade ou os Padres da Igreja, encontramos neles a mesma verdade, muitas vezes expressa com linguagem tão «atual» que nos surpreende. Diz, por exemplo, São Pedro Crisólogo: «O jejum é paz do corpo, força dos espíritos e vigor das almas» (São Pedro Crisólogo, Sermo VII: de ieiunio 3), e ainda: «O jejum é o leme da vida humana e governa todo o navio do nosso corpo» (São Pedro Crisólogo, Sermo VII: de ieiunio 1).
E Santo Ambrósio responde assim às possíveis objecções contra o jejum: «A carne, pela sua condição mortal, tem algumas concupiscências suas próprias: a respeito delas foi-te concedido o direito de as refrear. A tua carne está-te sujeita (...): Não sigas as solicitações ilícitas, mas refreia-as algum tanto, mesmo no que diz respeito às coisas lícitas. De fato, quem não se abstém de nenhuma das coisas lícitas, está também perto das ilícitas» (Santo Ambrósio, Sermo de utilitate ieiunii III. V. VII). Até escritores, que não pertencem ao cristianismo, declaram a mesma verdade. Esta é de alcance universal. Faz parte da sabedoria universal da vida.
4. É-nos agora certamente mais fácil compreender porque unem Cristo Senhor e a Igreja o apelo ao jejum com a penitência, isto é, com a conversão. Para nos convertermos a Deus, é necessário descobrirmos em nós mesmos aquilo que nos torna sensíveis a quanto pertence a Deus, portanto: os conteúdos espirituais, os valores superiores, que falam à nossa inteligência, à nossa consciência e ao nosso «coração» (segundo a linguagem bíblica). Para nos abrirmos a estes conteúdos espirituais e a estes valores, é preciso desapegarmo-nos de tudo quanto serve apenas ao consumismo, à satisfação dos sentidos. Na abertura da nossa personalidade humana para Deus, o jejum entendido quer no modo «tradicional» quer no «atual» - deve acompanhar ao mesmo passo a oração porque esta dirige-nos diretamente para Ele.
Por outro lado, o jejum, isto é a mortificação dos sentidos e o domínio do corpo conferem à oração maior eficácia que o homem descobre em si mesmo. Descobre, de fato, que é «diverso», que é mais «senhor de si mesmo» e que se tornou interiormente livre. E disso se dá conta pois a conversão e o encontro com Deus, por meio da oração, frutificam nele.
Destas nossas reflexões de hoje resulta claro que o jejum não é só o «resíduo» duma prática religiosa dos séculos passados, mas é também indispensável ao homem de hoje, aos cristãos do nosso tempo. É necessário refletir profundamente sobre este tema, precisamente durante o período da Quaresma.


Fonte: Santa Sé

Angelus do Papa: III Domingo da Quaresma - Ano C

Papa Francisco
Angelus
III Domingo da Quaresma, 24 de março de 2019

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
O Evangelho deste terceiro domingo de Quaresma (cf. Lc 13,1-9) fala-nos da misericórdia de Deus e da nossa conversão. Jesus conta a parábola da figueira estéril. Um homem plantou uma figueira na sua vinha, e no verão vai muito confiante procurar o seu fruto mas não o encontra, pois aquela árvore é estéril. Levado por aquela desilusão que se repetiu por três anos, pensa em cortar a figueira, para plantar outra árvore. Chama então o camponês que está na vinha e manifesta-lhe a sua insatisfação, intimando-lhe que corte a árvore, para que não ocupe inutilmente o terreno. Mas o vinhateiro pede ao dono que tenha paciência e que conceda um ano de tempo, durante o qual ele mesmo se preocupará por dedicar um cuidado mais atento e delicado à figueira, para estimular a sua produtividade. Esta é a parábola. O que representa esta parábola? O que representam as personagens desta parábola?
O dono representa Deus Pai e o vinhateiro é imagem de Jesus, enquanto a figueira é símbolo da humanidade indiferente e árida. Jesus intercede junto do Pai a favor da humanidade - e fá-lo sempre - pedindo-lhe para aguardar e conceder ainda mais tempo, a fim de que ela possa produzir os frutos do amor e da justiça. A figueira que o dono da parábola quer extirpar representa uma existência estéril, incapaz de doar, incapaz de praticar o bem. É símbolo de quem vive para si mesmo, satisfeito e tranquilo, instalado nas próprias comodidades, incapaz de dirigir o olhar e o coração para quantos estão ao seu lado em condições de sofrimento, pobreza e dificuldade. A esta atitude de egoísmo e de esterilidade espiritual, contrapõe-se o grande amor do vinhateiro em relação à figueira: pede ao dono que espere, ele tem paciência, sabe esperar, dedica-lhe o seu tempo e o seu trabalho. Promete ao dono que terá um cuidado especial para com a árvore infeliz.
E esta similitude do vinhateiro manifesta a misericórdia de Deus, que nos concede um tempo para a conversão. Todos temos necessidade de nos converter, de dar um passo em frente, e a paciência de Deus, a misericórdia, acompanha-nos nisto. Não obstante a esterilidade, que às vezes marca a nossa existência, Deus tem paciência e oferece-nos a possibilidade de mudar e fazer progressos no caminho do bem. Mas a dilação implorada e concedida na expetativa de que a árvore finalmente frutifique indica também a urgência da conversão. O vinhateiro diz ao dono: «Senhor, deixa-a mais este ano» (v. 8). A possibilidade da conversão não é ilimitada; por conseguinte é necessário colhê-la imediatamente; caso contrário perder-se-ia para sempre. Podemos pensar nesta Quaresma: o que devo fazer para me aproximar mais ao Senhor, para me converter, e “cortar” o que não está bem? “Não, esperarei a próxima Quaresma”. Mas estarei vivo na próxima Quaresma? Pensemos hoje, cada um de nós: o que devo fazer face a esta misericórdia de Deus que me espera e perdoa sempre? O que devo fazer? Podemos confiar infinitamente na misericórdia de Deus, mas sem abusar dela. Não devemos justificar a preguiça espiritual, mas aumentar o nosso esforço para corresponder prontamente a esta misericórdia com sinceridade de coração.
No tempo de Quaresma, o Senhor convida-nos à conversão. Cada um de nós deve sentir-se interpelado por esta chamada, corrigindo algo na própria vida, no modo de pensar, de agir e viver as relações com o próximo. Ao mesmo tempo, devemos imitar a paciência de Deus que confia na capacidade que todos têm de se poderem “reerguer” e retomar o caminho. Deus é Pai e não apaga a chama ténue, mas acompanha e ampara quem é débil para que se fortaleça e ofereça o seu contributo de amor à comunidade. A Virgem Maria nos ajude a viver estes dias de preparação para a Páscoa como um tempo de renovação espiritual e de abertura confiante à graça de Deus e à sua misericórdia.


Fonte: Santa Sé

segunda-feira, 25 de março de 2019

Ordenação Episcopal de Dom Carlos José de Oliveira

No último dia 19 de março, Solenidade de São José, aconteceu no Santuário de Nossa Senhora da Piedade em Lençóis Paulista (SP) a Santa Missa para a Ordenação Episcopal de Dom Carlos José de Oliveira, nomeado pelo Papa Francisco no dia 12 de dezembro de 2018 como novo Bispo de Apucarana (PR).

O ordenante principal foi Dom Giovanni d’Aniello, Núncio Apostólico no Brasil. Os co-ordenantes foram Dom Maurício Grotto de Camargo, Arcebispo de Botucatu (SP), diocese de origem do novo Bispo, e Dom Celso Antônio Marchiori, Bispo de São José dos Pinhais (PR), que foi Bispo de Apucarana de 2009 a 2017.

Entrada do novo Bispo
Oração diante da imagem de Nossa Senhora da Piedade
Procissão de entrada

Ritos iniciais

Homilia: Solenidade da Anunciação do Senhor

São Leão Magno
Carta 28 a Flaviano
“O sacramento da nossa reconciliação”

A humildade foi assumida pela majestade, a fraqueza, pela força, a mortalidade, pela eternidade. Para saldar a dívida de nossa condição humana, a natureza impassível uniu-se à natureza passível. Deste modo, como convinha à nossa recuperação, o único mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, podia submeter-se à morte através de sua natureza humana e permanecer imune em sua natureza divina.
Por conseguinte, numa natureza perfeita e integral de verdadeiro homem, nasceu o verdadeiro Deus, perfeito na sua divindade, perfeito na nossa humanidade. Por “nossa humanidade” queremos significar a natureza que o Criador desde o início formou em nós, e que assumiu para renová-la. Mas daquelas coisas que o Sedutor trouxe, e o homem enganado aceitou, não há nenhum vestígio no Salvador; nem pelo fato de se ter irmanado na comunhão da fragilidade humana, tornou-se participante dos nossos delitos.
Assumiu a condição de escravo, sem mancha de pecado, engrandecendo o humano, sem diminuir o divino. Porque o aniquilamento, pelo qual o invisível se tornou visível, e o Criador de tudo quis ser um dos mortais, foi uma condescendência da sua misericórdia, não uma falha do seu poder. Por conseguinte, aquele que, na sua condição divina se fez homem, assumindo a condição de escravo, se fez homem.
Entrou, portanto, o Filho de Deus neste mundo tão pequeno, descendo do trono celeste, mas sem deixar a glória do Pai; é gerado e nasce de modo totalmente novo. De modo novo porque, sendo invisível em si mesmo, torna-se visível como nós; incompreensível, quis ser compreendido; existindo antes dos tempos, começou a existir no tempo. O Senhor do universo assume a condição de escravo, envolvendo em sombra a imensidão de sua majestade; o Deus impassível não recusou ser homem passível, o imortal submeteu-se às leis da morte.
Aquele que é verdadeiro Deus, é também verdadeiro homem; e nesta unidade nada há de falso, porque nele é perfeita respectivamente tanto a humanidade do homem como a grandeza de Deus.
Nem Deus sofre mudança com esta condescendência da sua misericórdia nem o homem é destruído com sua elevação a tão alta dignidade. Cada natureza realiza, em comunhão com a outra, aquilo que lhe é próprio: o Verbo realiza o que é próprio do Verbo, e a carne realiza o que é próprio da carne.
A natureza divina resplandece nos milagres, a humana, sucumbe aos sofrimentos. E como o Verbo não renuncia à igualdade da glória do Pai, também a carne não deixa a natureza de nossa raça.
É um só e o mesmo – não nos cansaremos de repetir – verdadeiro Filho de Deus e verdadeiro Filho do homem. É Deus, porque no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus: e o Verbo era Deus. É homem, porque o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,1.14).


Fonte: Liturgia das Horas, v. II, pp. 1506-1507.