sábado, 29 de outubro de 2016

Homilia: XXXI Domingo do Tempo Comum - Ano C

São João Crisóstomo
Sermão (atribuído) sobre Zaqueu
Ó confissão sincera que brota de um coração verdadeiro e cheio de fé

Entrou Jesus em Jericó e atravessava a cidade. Um homem chamado Zaqueu, chefe de publicanos e rico, procurava ver quem era Jesus.
Veja-o correr, ardendo em desejos de Deus, subir a uma árvore e olhar ao seu redor, procurando ver a Jesus para conhecer a fonte de vida. Ao ver Jesus, Zaqueu saciou a curiosidade de seus olhos, mas sentiu o coração incendiar-se de um desejo muito mais intenso.
Observa o desejo deste homem. Procurava ver quem era Jesus, mas não conseguia, por causa da multidão, pois era muito baixo. Então ele correu à frente e subiu numa figueira para ver Jesus, que devia passar por ali. Zaqueu, baixo em estatura, mas grande em ponderação do espírito, procurava ver Jesus; procurava ver ao Deus que distribui entre os homens os dons celestiais. Não tinha a dulcíssima alegria de conhecer a Deus, mas desejava ver o Profeta do amor. Enfermo, desejava ver a saúde; faminto, buscava o pão do céu; sedento, suspirava pelo manancial de água. Desejava ver aquele que concede aos sacerdotes uma vida nova e tinha despertado Lázaro do sono da morte.
Zaqueu viu o Senhor, e a chama de seu amor aumentava continuamente; Cristo tocou o seu coração, e ele se converteu em outro homem: de publicano, em homem cheio de zelo; de infiel, em fiel. Quem ama tanto ao pai e à mãe, quem jamais amou a mulher e aos filhos como Zaqueu amou o Senhor, conforme testemunham os fatos?
Por amor de Cristo repartiu os seus bens aos pobres, e devolveu quatro vezes mais para aqueles de quem tinha se aproveitado. Que boa disposição no discípulo, que discrição e poder o de Deus, que induziu para a ação somente por ter visto Jesus! Todavia, Zaqueu ainda não tinha falado – somente tinha sido visto por quem tanto desejava – e já a potência da fé elevava ao alto aquele coração cheio de desejo.
“Zaqueu, desce depressa, apressa-te a entrar na tua casa, porque ali tenho que me abrigar, porque me recolho onde existe fé; vou onde existe o amor. Já sei o que tu vais fazer: sei que darás teus bens aos pobres e, sobretudo, irás restituir quatro vezes mais àqueles de quem te aproveitaste. Eu entro de boa vontade na casa deste tipo de homens”.
Zaqueu desceu em seguida, foi para a sua casa e hospedou a Jesus. Cheio de alegria e de pé, disso: Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e se me aproveitei de alguém, lhe restituirei quatro vezes mais.
Ó confissão sincera que brota de um coração verdadeiro cheio de fé, resplandecente de justiça! Tal justiça se digne conceder a nós o Deus do universo, pela graça e bondade de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 749-750. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Catequese do Papa: Vestir os nus, acolher os peregrinos

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 26 de outubro de 2016
Jubileu (34): Vestir os nus, acolher os peregrinos

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Prossigamos a reflexão sobre as obras de misericórdia corporais, que o Senhor Jesus nos confiou a fim de que a nossa fé se mantenha sempre viva e dinâmica. De facto, estas obras tornam evidente que os cristãos não estão cansados nem são preguiçosos na expetativa do encontro final com o Senhor, mas que todos os dias vão ter com Ele, reconhecendo o seu rosto naquele de tantas pessoas que pedem ajuda. Hoje meditemos sobre esta palavra de Jesus: «Era estrangeiro e acolhestes-me; estava nu e vestistes-me» (Mt 25,35-36). No nosso tempo é atual como nunca a obra relativa aos estrangeiros. A crise econômica, os conflitos armados e as mudanças climáticas impelem muitas pessoas a emigrar. Contudo, as migrações não são um fenômeno novo, mas pertencem à história da humanidade. Consiste em falta de memória histórica pensar que elas sejam próprias apenas da nossa época.
A Bíblia oferece-nos muitos exemplos concretos de migração. É suficiente pensar em Abraão. A chamada de Deus impeliu-o a deixar o seu país e ir para outro: «Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrar» (Gn 12,1). E assim aconteceu também para o povo de Israel, que do Egito, onde era escravo, caminhou durante quarenta dias no deserto até alcançar a terra prometida por Deus. A própria Sagrada Família - Maria, José e o menino Jesus - foi obrigada a emigrar para fugir das ameaças de Herodes: «José levantou-se durante a noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito. Ali permaneceu até à morte de Herodes» (Mt 2,14-15). A história da humanidade é feita de migrações: em cada latitude não há povo que não tenha conhecido o fenômeno migratório.
A propósito, durante os séculos assistimos a grandes expressões de solidariedade, embora não tenham faltado também tensões sociais. Hoje, o contexto de crise econômica infelizmente favorece o emergir de comportamentos de fechamento e não acolhimento. Nalgumas partes do mundo erguem-se muros e barreiras. Às vezes parece que a obra silenciosa de muitos homens e mulheres que, de várias maneiras, se prodigalizam para ajudar e assistir os refugiados e os migrantes seja obscurecida pelo rumor de outros que dão voz a um egoísmo instintivo. Contudo o fechamento não é uma solução, pelo contrário, acaba por favorecer os tráficos criminosos. A única solução é a solidariedade. Solidariedade com o migrante, solidariedade com o estrangeiro...
Hoje o compromisso dos cristãos neste âmbito é urgente assim como era no passado. Observando só o século passado, recordamos a admirável figura de Santa Francisca Cabrini, que dedicou a sua vida juntamente com as suas companheiras aos migrantes rumo aos Estados Unidos da América. Também hoje precisamos destes testemunhos a fim de que a misericórdia possa alcançar muitos necessitados. É um compromisso que envolve todos, sem exclusão. As dioceses, as paróquias, os institutos de vida consagrada, as associações e os movimentos, assim como cada cristão, todos são chamados a acolher os irmãos e as irmãs que fogem da guerra, da fome, da violência e das condições de vida desumanas. Todos juntos somos uma grande força de apoio para quantos perderam pátria, família, trabalho e dignidade. Há alguns dias aconteceu uma pequena história urbana. Havia um refugiado à procura de uma rua e uma senhora aproximando-se dele, disse-lhe: «O senhor está a procurar algo?». O refugiado, que estava descalço, respondeu: «Gostaria de ir à praça de São Pedro para atravessar a Porta Santa». E a senhora pensou: «Mas sem sapatos como fará para caminhar?». E chamou um táxi. Mas o migrante, aquele refugiado cheirava mal e o motorista do táxi quase não o deixava entrar, mas no final aceitou levá-lo. E a senhora, ao lado dele, durante o percurso perguntou-lhe sobre a sua história de refugiado e de migrante: dez minutos para chegar à praça. O homem narrou a sua história de dor, de guerra, de fome e a razão pela qual fugiu da sua pátria para migrar para aqui. Quando chegaram, a senhora abriu a bolsa para pagar o táxi e o taxista, que no início não queria que o migrante entrasse porque cheirava mal, disse à senhora: «Não, senhora, sou eu que devo pagar-lhe porque me fez ouvir uma história que mudou o meu coração». Esta senhora sabia o que significa a dor de um migrante porque tem sangue armênio e conhece o sofrimento do seu povo. Quando fazemos algo deste tipo, no início não aceitamos porque nos incomoda um pouco, «... o mau cheiro...». Mas no final, a história perfuma-nos a alma e faz-nos mudar. Pensai nesta história e pensemos no que podemos fazer pelos refugiados.
Outro aspeto é vestir quem está nu: o que significa senão restituir dignidade a quem a perdeu? Certamente, dando roupas a quem não as tem; mas pensemos também nas mulheres vítimas do tráfico obrigadas a estar pelas ruas, ou noutras pessoas, são demasiados os modos de usar o corpo humano como mercadoria, até dos menores. E também não ter um trabalho, uma casa, um salário justo é uma forma de nudez, ou ser discriminados pela raça, pela fé, são todas formas de «nudez», diante das quais como cristãos somos chamados a estar atentos, vigilantes e prontos a agir.
Queridos irmãos e irmãs, não caiamos na armadilha de nos fecharmos em nós mesmos, indiferentes às necessidades dos irmãos e preocupados só com os nossos interesses. É precisamente na medida em que nos abrimos aos outros que a vida se torna fecunda, as sociedades restabelecem a paz e as pessoas recuperam a sua plena dignidade. E não vos esqueçais daquela senhora, do migrante que cheirava mal, nem do taxista ao qual o migrante mudou a alma.


Fonte: Santa Sé

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Angelus do Papa: XXX Domingo do Tempo Comum

Papa Francisco
Angelus
Praça São Pedro
Domingo, 23 de outubro de 2016

Amados irmãos e irmãs, bom dia!
A segunda leitura da Liturgia do dia apresenta-nos a exortação de São Paulo a Timóteo, seu colaborador e filho dileto, na qual reconsidera a própria existência de apóstolo totalmente consagrado à missão (cf. 2 Tm 4, 6-8.16-18). Vendo já próximo o fim do seu caminho terreno, descreve-o com referência a três estações: o presente, o passado, o futuro.
presente, interpreta-o com a metáfora do sacrifício: «a hora já chegou de eu ser sacrificado» (v. 6). No respeitante ao passado, Paulo indica a sua vida passada com as imagens do «bom combate» e da «corrida» de um homem que foi coerente com os próprios compromissos e responsabilidades (cf. v. 7); por conseguinte, para o futuro confia no reconhecimento por parte de Deus, que é «juiz justo» (v. 8). Mas a missão de Paulo só resultou eficaz, justa e fiel graças à proximidade e à força do Senhor, que fez dele um anunciador do Evangelho a todos os povos. Eis a sua expressão: «Mas o Senhor assistiu-me e fortaleceu-me, para que, por mim, fosse cumprida a pregação e todos os gentios a ouvissem» (v. 17).
Nesta narração autobiográfica de São Paulo reflete-se a Igreja, especialmente hoje, Dia Missionário Mundial, cujo tema é «Igreja missionária, testemunha de misericórdia». Em Paulo a comunidade cristã encontra o seu modelo, na convicção de que é a presença do Senhor que torna eficaz o trabalho apostólico e a obra de evangelização. A experiência do Apóstolo dos gentios recorda-nos que nos devemos comprometer nas atividades pastorais e missionárias, por um lado, como se o resultado dependesse dos nossos esforços, com o espírito de sacrifício do atleta que não pára nem sequer diante das derrotas; mas por outro lado, sabendo que o verdadeiro sucesso da nossa missão é dom da Graça: é o Espírito Santo que torna eficaz a missão da Igreja no mundo.
Hoje é tempo de missão e de coragem! Coragem para reforçar os passos vacilantes, de retomar o gosto de se consumir pelo Evangelho, de readquirir confiança na força que a missão tem em si. É tempo de coragem, mesmo se ter coragem não significa ter garantia de um sucesso. É-nos pedida a coragem para lutar, não necessariamente para vencer; para anunciar, não necessariamente para converter. É-nos pedida a coragem de sermos alternativos no mundo, sem contudo jamais sermos polémicos ou agressivos. É-nos pedida a coragem de nos abrirmos a todos, sem nunca diminuir o absoluto e a unicidade de Cristo, único salvador de todos. É-nos pedida a coragem para resistir à incredulidade, sem nos tornarmos arrogantes. É-nos pedida também a coragem do publicano do Evangelho de hoje, que com humildade nem sequer ousava erguer os olhos ao céu, mas batia a mão no peito dizendo: «Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador». Hoje é tempo de coragem! Hoje é necessária coragem!
A Virgem Maria, modelo da Igreja «em saída» e dócil ao Espírito Santo, nos ajude a sermos todos, em virtude do nosso Batismo, discípulos missionários para levar a mensagem da salvação à inteira família humana.


Fonte: Santa Sé
O Papa centrou sua reflexão na segunda leitura. Para uma reflexão do Papa Francisco sobre o Evangelho (Lc 18,9-14), clique aqui.

Missa no Jubileu dos Corais

No último dia 23 de outubro Dom Rino Fisichella, Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, celebrou na Basílica de São Pedro a Santa Missa do XXX Domingo do Tempo Comum por ocasião do Jubileu dos Corais no Ano da Misericórdia.

Ritos iniciais


Homilia
Oração Eucarística

Catequese jubilar do Papa: Misericórdia e diálogo

Jubileu Extraordinário da Misericórdia
Papa Francisco
Audiência Jubilar
Sábado, 22 de outubro de 2016
Misericórdia e diálogo

Amados irmãos e irmãs, bom dia!
O trecho do evangelho de João que ouvimos (cf. 4,6-15) narra o encontro de Jesus com uma mulher samaritana. O que surpreende deste encontro é o diálogo muito conciso entre a mulher e Jesus. Isto permite-nos frisar hoje um aspeto muito importante da misericórdia, que é precisamente o diálogo.
O diálogo permite que as pessoas se conheçam e compreendam as exigências uns dos outros. Antes de tudo, ele é um sinal de grande respeito, porque coloca as pessoas numa atitude de escuta e na condição de compreender os aspetos melhores do interlocutor. Em segundo lugar, o diálogo é expressão de caridade, porque, mesmo sem ignorar as diferenças, pode ajudar a procurar e a partilhar o bem comum. Além disso, o diálogo convida-nos a pormo-nos diante do outro vendo-o como um dom de Deus, que nos interpela e nos pede para ser reconhecido.
Muitas vezes nós não nos encontramos com os irmãos, mesmo vivendo ao lado deles, sobretudo quando fazemos prevalecer a nossa posição sobre a do outro. Não dialogamos quando não ouvimos o suficiente ou quando tendemos a interromper o outro para demonstrar que temos razão. Mas quantas vezes, quantas vezes estamos a ouvir uma pessoa e impedimos que continue a falar dizendo: «Não, não! Não é assim!» e não deixamos que a pessoa acabe de explicar o que pretende dizer. E isto impede o diálogo: esta é agressão. O verdadeiro diálogo, ao contrário, necessita de momentos de silêncio, nos quais captar o dom extraordinário da presença de Deus no irmão.
Queridos irmãos e irmãs, dialogar ajuda as pessoas a humanizar as relações e a superar as incompreensões. Há tanta necessidade de diálogo nas nossas famílias, e como se resolveriam mais facilmente as questões se aprendêssemos a ouvirmo-nos reciprocamente! É assim no relacionamento entre marido e esposa, e entre pais e filhos. Quanta ajuda pode vir também do diálogo entre os professores e os seus alunos; ou entre dirigentes e trabalhadores, para descobrir as exigências melhores do trabalho.
Também a Igreja vive de diálogo com os homens e as mulheres de todos os tempos, para compreender as necessidades que estão no coração de cada pessoa e para contribuir para a realização do bem comum. Pensemos no grande dom da criação e na responsabilidade que todos temos de salvaguardar a nossa casa comum: o diálogo sobre um tema tão central é uma exigência iniludível. Pensemos no diálogo entre as religiões, para descobrir a verdade profunda da sua missão no meio dos homens, a fim de contribuir para a construção da paz e de uma rede de respeito e de fraternidade (cf. Enc. Laudato si’, 201).
Para concluir, todas as formas de diálogo são expressão da grande exigência de amor de Deus, que vai ao encontro de todos e lança em cada um a semente da sua bondade, para que possa colaborar na sua obra criadora. O diálogo derruba os muros das divisões e das incompreensões; cria pontes de comunicação e não permite que alguém se isole, fechando-se no seu pequeno mundo. Não vos esqueçais: dialogar significa ouvir o que me diz o outro e dizer com mansidão aquilo que penso. Se as coisas correrem assim, a família, o bairro, o lugar de trabalho serão melhores. Mas se eu não deixo que o outro diga tudo o que tem no coração e começo a gritar - hoje grita-se muito - esta relação não terá bom êxito; o relacionamento entre marido e esposa, entre pais e filhos não terá bom êxito. Ouvir, explicar, com mansidão, não agredir o outro, não gritar, mas ter um coração aberto.
Jesus sabia bem o que a samaritana, uma grande pecadora, tinha no coração; não obstante, não lhe negou a possibilidade de se expressar, deixou que falasse até ao fim, e entrou pouco a pouco no mistério da sua vida. Este ensinamento é válido também para nós. Através do diálogo, podemos fazer crescer os sinais da misericórdia de Deus e fazer deles instrumento de acolhimento e de respeito.


Fonte: Santa Sé

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Instrução sobre a conservação das cinzas da cremação

Congregação para a Doutrina da Fé
Instrução Ad resurgendum cum Christo
a propósito da sepultura dos defuntos
e da conservação das cinzas da cremação

1. Para ressuscitar com Cristo, é necessário morrer com Cristo, isto é, “exilarmo-nos do corpo para irmos habitar junto do Senhor” (2 Cor 5, 8). Com a Instrução Piam et constantem, de 5 de Julho de 1963, o então chamado Santo Ofício, estabeleceu que “seja fielmente conservado o costume de enterrar os cadáveres dos fiéis”, acrescentando, ainda, que a cremação não é “em si mesma contrária à religião cristã”. Mais ainda, afirmava que não devem ser negados os sacramentos e as exéquias àqueles que pediram para ser cremados, na condição de que tal escolha não seja querida “como a negação dos dogmas cristãos, ou num espírito sectário, ou ainda, por ódio contra a religião católica e à Igreja”. [1] Esta mudança da disciplina eclesiástica foi consignada no Código de Direito Canónico (1983) e no Código dos Cânones da Igreja Oriental (1990).
Entretanto, a prática da cremação difundiu-se bastante em muitas Nações e, ao mesmo tempo, difundem-se, também, novas ideias contrastantes com a fé da Igreja. Depois de a seu tempo se ter ouvido a Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos e numerosas Conferências Episcopais e Sinodais dos bispos das Igrejas Orientais, a Congregação para a Doutrina da Fé considerou oportuno publicar uma nova Instrução, a fim de repôr as razões doutrinais e pastorais da preferência a dar à sepultura dos corpos e, ao mesmo tempo, dar normas sobre o que diz respeito à conservação das cinzas no caso da cremação.
2. A ressurreição de Jesus é a verdade culminante da fé cristã, anunciada come parte fundamental do Mistério pascal desde as origens do cristianismo: “Transmiti-vos em primeiro lugar o que eu mesmo recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e apareceu a Pedro e depois aos Doze” (1 Cor 15, 3-5).
Pela sua morte e ressurreição, Cristo libertou-nos do pecado e deu-nos uma vida nova: “como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, também nós vivemos uma vida nova” (Rom 6, 4). Por outro lado, Cristo ressuscitado é princípio e fonte da nossa ressurreição futura: “Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram….; do mesmo modo que em Adão todos morreram, assim também em Cristo todos serão restituídos à vida” (1 Cor 15, 20-22).
Se é verdade que Cristo nos ressuscitará “no último dia”, é também verdade que, de certa forma já ressuscitámos com Cristo. De facto, pelo Baptismo, estamos imersos na morte e ressurreição de Cristo e sacramentalmente assimilados a Ele: “Sepultados com Ele no baptismo, também com Ele fostes ressuscitados pela fé que tivestes no poder de Deus, que O ressuscitou dos mortos” (Col 2, 12). Unidos a Cristo pelo Baptismo, participamos já, realmente, na vida de Cristo ressuscitado (cf. Ef  2, 6).
Graças a Cristo, a morte cristã tem um significado positivo. A liturgia da Igreja reza: “Para os que crêem em vós, Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma; e, desfeita a morada deste exílio terrestre, adquirimos no céu uma habitação eterna”. [2] Na morte, o espírito separa-se do corpo, mas na ressurreição Deus torna a dar vida incorruptível ao nosso corpo transformado, reunindo-o, de novo, ao nosso espírito. Também nos nossos dias a Igreja é chamada a anunciar a fé na ressurreição: “A ressurreição dos mortos é a fé dos cristãos: acreditando nisso somos o que professamos”. [3]
3. Seguindo a antiga tradição cristã, a Igreja recomenda insistentemente que os corpos dos defuntos sejam sepultados no cemitério ou num lugar sagrado. [4]
Ao lembrar a morte, sepultura e ressurreição do Senhor, mistério à luz do qual se manifesta o sentido cristão da morte, [5] a inumação é, antes de mais, a forma mais idónea para exprimir a fé e a esperança na ressurreição corporal. [6]
A Igreja, que como Mãe acompanhou o cristão durante a sua peregrinação terrena, oferece ao Pai, em Cristo, o filho da sua graça e entrega à terra os restos mortais na esperança de que ressuscitará para a glória. [7]
Enterrando os corpos dos fiéis defuntos, a Igreja confirma a fé na ressurreição da carne, [8]e deseja colocar em relevo a grande dignidade do corpo humano como parte integrante da pessoa da qual o corpo condivide a história. [9] Não pode, por isso, permitir comportamentos e ritos que envolvam concepções erróneas sobre a morte: seja o aniquilamento definitivo da pessoa; seja o momento da sua fusão com a Mãe natureza ou com o universo; seja como uma etapa no processo da reincarnação; seja ainda, como a libertação definitiva da “prisão” do corpo.
Por outro lado, a sepultura nos cemitérios ou noutros lugares sagrados responde adequadamente à piedade e ao respeito devido aos corpos dos fiéis defuntos, que, mediante o Baptismo, se tornaram templo do Espírito Santo e dos quais, “como instrumentos e vasos, se serviu santamente o Espírito Santo para realizar tantas boas obras”. [10]
O justo Tobias é elogiado pelos méritos alcançados junto de Deus por ter enterrado os mortos, [11] e a Igreja considera a sepultura dos mortos como uma obra de misericórdia corporal. [12]
Ainda mais, a sepultura dos corpos dos fiéis defuntos nos cemitérios ou noutros lugares sagrados favorece a memória e a oração pelos defuntos da parte dos seus familiares e de toda a comunidade cristã, assim como a veneração dos mártires e dos santos.
Mediante a sepultura dos corpos nos cemitérios, nas igrejas ou em lugares específicos para tal, a tradição cristã conservou a comunhão entre os vivos e os mortos e opõe-se à tendência a esconder ou privatizar o acontecimento da morte e o significado que ela tem para os cristãos.
4. Onde por razões de tipo higiénico, económico ou social se escolhe a cremação; escolha que não deve ser contrária à vontade explícita ou razoavelmente presumível do fiel defunto, a Igreja não vê razões doutrinais para impedir tal práxis; uma vez que a cremação do cadáver não toca o espírito e não impede à omnipotência divina de ressuscitar o corpo. Por isso, tal facto, não implica uma razão objectiva que negue a doutrina cristã sobre a imortalidade da alma e da ressurreição dos corpos. [13]
A Igreja continua a preferir a sepultura dos corpos uma vez que assim se evidencia uma estima maior pelos defuntos; todavia, a cremação não é proibida, “a não ser que tenha sido preferida por razões contrárias à doutrina cristã”. [14]
Na ausência de motivações contrárias à doutrina cristã, a Igreja, depois da celebração das exéquias, acompanha a escolha da cremação seguindo as respectivas indicações litúrgicas e pastorais, evitando qualquer tipo de escândalo ou de indiferentismo religioso.
5. Quaisquer que sejam as motivações legítimas que levaram à escolha da cremação do cadáver, as cinzas do defunto devem ser conservadas, por norma, num lugar sagrado, isto é, no cemitério ou, se for o caso, numa igreja ou num lugar especialmente dedicado a esse fim determinado pela autoridade eclesiástica.
Desde o início os cristãos desejaram que os seus defuntos fossem objecto de orações e de memória por parte da comunidade cristã. Os seus túmulos tornaram-se lugares de oração, de memória e de reflexão. Os fiéis defuntos fazem parte da Igreja, que crê na comunhão “dos que peregrinam na terra, dos defuntos que estão levando a cabo a sua purificação e dos bem-aventurados do céu: formam todos uma só Igreja”. [15]
A conservação das cinzas num lugar sagrado pode contribuir para que não se corra o risco de afastar os defuntos da oração e da recordação dos parentes e da comunidade cristã. Por outro lado, deste modo, se evita a possibilidade de esquecimento ou falta de respeito que podem acontecer, sobretudo depois de passar a primeira geração, ou então cair em práticas inconvenientes ou supersticiosas.
6. Pelos motivos mencionados, a conservação das cinzas em casa não é consentida. Em casos de circunstâncias gravosas e excepcionais, dependendo das condições culturais de carácter local, o Ordinário, de acordo com a Conferência Episcopal ou o Sínodo dos Bispos das Igrejas Orientais, poderá autorizar a conservação das cinzas em casa. As cinzas, no entanto, não podem ser dividias entre os vários núcleos familiares e deve ser sempre assegurado o respeito e as adequadas condições de conservação das mesmas
7. Para evitar qualquer tipo de equívoco panteísta, naturalista ou niilista, não seja permitida a dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água ou, ainda, em qualquer outro lugar. Exclui-se, ainda a conservação das cinzas cremadas sob a forma de recordação comemorativa em peças de joalharia ou em outros objectos, tendo presente que para tal modo de proceder não podem ser adoptadas razões de ordem higiénica, social ou económica a motivar a escolha da cremação.
8. No caso do defunto ter claramente manifestado o desejo da cremação e a dispersão das mesmas na natureza por razões contrárias à fé cristã, devem ser negadas as exéquias, segundo o direito. [16]
O Sumo Pontífice Francisco, na Audiência concedida ao abaixo-assinado, Cardeal Prefeito, em 18 de Março de 2016, aprovou a presente Instrução, decidida na Sessão Ordinária desta Congregação em 2 de Março de 2016, e ordenou a sua publicação.
Roma, Congregação para a Doutrina da Fé, 15 de Agosto de 2016, Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria.

Gerhard Card. Müller
Prefeito
Luis F. Ladaria, S.I.
Arcebispo titular de Thibica - Secretário

[1] AAS 56 (1964), 822-823.
[2] Missal Romano, Prefácio dos Defuntos I.
[3] Tertuliano, De resurrectione carnis, 1,1: CCL 2, 921.
[4] Cf. CDC, can. 1176, § 3; can. 1205; CCIO, can. 876, § 3; can. 868.
[6] Cf. CDC, can. 1176, § 3; can. 1205; CCIO, can. 876, § 3; can. 868.
[8] Cf. Santo Agostinho, De cura pro mortuis gerenda, 3, 5: CSEL 41, 628.
[9] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Constituição pastoral Gaudium et spes, n. 14.
[10] Cf. Santo Agostinho, De cura pro mortuis gerenda, 3, 5: CSEL 41, 627.
[11] Cf. Tb 2, 9; 12, 12.
[13] Cf. Suprema e Sagrada Congregação do Santo Ofício, Instrução Piam et constantem, de 5 de Julho de 1963: AAS 56 (1964), 822.
[14] CDC, can. 1176, §3; cf. CCIO, can. 876, §3.
[16] CDC, can. 1184; CCIO, can. 876, § 3.


Fonte: Santa Sé

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Homilia: XXX Domingo do Tempo Comum - Ano C

São João Crisóstomo
Sermão II sobre a penitência
Sê humilde e te livrarás dos laços do pecado

Eis aqui enumerado diversos canais de penitência, para tornar-te fácil, mediante a diversidade de caminhos, o acesso à salvação. E qual é, então, este terceiro canal? A humildade. Sê humilde e te livrarás dos laços do pecado. Também aqui a Escritura nos oferece uma demonstração na parábola do fariseu e do publicano. Subiram - diz - ao templo para orar um fariseu e um publicano. O fariseu começou a narrar suas virtudes: Eu - diz - não sou pecador como os outros homens, nem como esse publicano. Miserável e desventurada alma! Condenaste a todo mundo, por que te metes também com teu próximo? Não te bastava condenar todo mundo, mas tens que condenar também o publicano?
E o que fazia o publicano? Adorou com a cabeça profundamente inclinada, e disse: Ó Deus, tem compaixão deste pecador! E, ao mostrar-se humilde, acabou justificado. Assim, ao descer do templo o fariseu tinha perdido a justiça, o publicano a tinha recuperado: as palavras venceram as obras. De fato, o fariseu, apesar das obras, perdeu a justiça; o publicano, porém, alcançou a justiça pela humildade de suas palavras. Embora seja verdade que a sua não era propriamente humildade: a humildade, de fato, se dá quando alguém que é grande se humilha a si mesmo. A atitude do publicano não foi humildade, mas verdade: suas palavras eram verdadeiras, pois ele era pecador.
Porque, existe coisa pior que um publicano? Buscava tirar proveito das desgraças do próximo, aproveitando-se dos suores alheios; e sem o menor respeito pelas aflições dos demais, somente estava atento a aumentar os seus lucros. Era enorme, em consequência, o pecado do publicano. Entretanto, se o publicano, ainda sendo um pecador, ao dar mostras de humildade, alcançou um dom tão grande, quanto mais não o conseguirá aquele que está adornado de virtudes e se comporta com humildade?
Portanto, se confessas os teus pecados e és humilde, ficas justificado. Queres saber quem é verdadeiramente humilde? Observas Paulo, que era verdadeiramente humilde: ele, o mestre universal, pregador espiritual, instrumento escolhido, porto tranquilo que, apesar do seu físico modesto, percorreu o mundo inteiro como se tivesse asas nos pés.
Vede com que humildade e modéstia se define a si mesmo como inexperiente e amante da sabedoria, como indigente e rico. Humilde era quando dizia: Eu sou o menor dos apóstolos e não sou digno de chamar-me apóstolo. Isto é ser verdadeiramente humilde: rebaixar-se em tudo e declarar-se o menor de todos. Pensa em quem era aquele que pronunciava estas palavras: Paulo, cidadão do céu, ainda que revestido do corpo, coluna das igrejas, homem celeste. É tal, de fato, a potência da virtude, que transforma o homem em anjo e faz que a alma, como se estivesse dotada de asas, se eleve ao céu.
Que Paulo nos ensine esta virtude: procuremos ser imitadores desta virtude.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 743-744. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de São Cipriano de Cartago para este domingo clicando aqui.

Catequese do Papa: Dar de comer, dar de beber

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 19 de outubro de 2016
Jubileu (33): Dar de comer, dar de beber

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Uma das consequências do chamado «bem-estar» é que as pessoas tendem a fechar-se em si mesmas, tornando-se insensíveis às exigências dos outros, iludindo-se com a apresentação de modelos de vida efémeros, que desaparecem depois de alguns anos, como se a nossa vida fosse uma moda para seguir e mudar em cada estação. Não é assim. A realidade deve ser recebida e enfrentada pelo que é, e com frequência nos deparamos com situações de necessidade urgente. É por isso que, entre as obras de misericórdia, encontramos a referência à fome e à sede: dar de comer aos famintos - há muitos hoje em dia - e de beber aos sedentos. Quantas vezes os meios de comunicação informam sobre populações que sofrem por falta de alimentos e de água, com graves consequências, especialmente para as crianças.
Face a determinadas notícias e sobretudo a certas imagens, a opinião pública comove-se e têm início campanhas de ajuda para estimular a solidariedade. As doações são generosas e deste modo podemos contribuir para aliviar o sofrimento de muitos. Esta forma de caridade é importante, mas talvez não nos envolve diretamente. Quando, ao contrário, indo pelas ruas, nos cruzamos com uma pessoa em necessidade, ou um pobre bate à porta da nossa casa, é muito diferente porque já não estamos diante de uma imagem, mas somos envolvidos em primeira pessoa. Já não há distância alguma entre mim e ele ou ela, e sinto-me interpelado. A pobreza em abstrato não nos interpela, mas faz-nos pensar, faz-nos lamentar; contudo quando vemos a pobreza na carne de um homem, de uma mulher, de uma criança, isto nos interpela! E portanto, o hábito que temos de fugir dos necessitados, de não nos aproximarmos deles, colorindo um pouco a realidade dos necessitados com os hábitos da moda para nos afastar dela. Quando me cruzo com o pobre já não há distância alguma entre nós. Neste caso, qual é a minha reação? Desvio o olhar e sigo em frente? Ou paro para falar e interesso-me do seu estado? E se fizermos isto haverá alguém que diz «Este é louco porque fala com um pobre!». Verifico se posso acolher a pessoa de algum modo ou procuro livrar-me dela rapidamente? Mas talvez ela peça só o necessário: algo para comer e beber. Pensemos um momento: quantas vezes recitamos o «Pai-Nosso», e no entanto não prestamos atenção àquelas palavras: «O pão nosso de cada dia nos dai hoje».
Na Bíblia, um Salmo diz que Deus é aquele que «dá o alimento a todos os viventes» (136,25). A experiência da fome é dura. Quantos viveram períodos de guerra ou carestia sabem-no. Entretanto esta experiência repete-se todos os dias e convive ao lado da abundância e do desperdício. São sempre atuais as palavras do apóstolo Tiago: «De que aproveitará, irmãos, a alguém dizer que tem fé, se não tiver obras? Acaso esta fé poderá salvá-lo? Se a um irmão ou a uma irmã faltarem roupas e o alimento quotidiano, e algum de vós lhes disser: “Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos”, mas não lhes der o necessário para o corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se não tiver obras, está morta em si mesma» (2,14-17) porque é incapaz de realizar obras, de praticar caridade, de amar. Há sempre alguém que sente fome e sede e precisa de mim. Não posso delegar outra pessoa. Este pobre precisa de mim, da minha ajuda, da minha palavra, do meu compromisso. Estamos todos envolvidos nisto.
Também este é o ensinamento daquela página do Evangelho na qual Jesus, vendo o povo que há horas o seguia, pergunta aos seus discípulos: «Onde compraremos pão para que todos estes tenham o que comer?» (cf. Jo 6,5). E os discípulos respondem: «É impossível, é melhor que os dispense...», Mas Jesus diz-lhes: «Não. Dai-lhes vós mesmos de comer» (cf. Mc 14,16). Então entregaram a Jesus os poucos pães e peixes que traziam consigo, e Ele benzeu-os, partiu-os e fez com que fossem distribuídos a todos. É uma lição muito importante para nós. Diz-nos que o pouco que temos, se nos confiarmos às mãos de Jesus e o partilharmos com fé, torna-se uma riqueza superabundante.
O Papa Bento XVI, na Encíclica Caritas in veritate, afirma: «Dar de comer aos famintos é um imperativo ético para toda a Igreja. [...] O direito à alimentação e à água revestem um papel importante para a consecução de outros direitos [...] É necessária a maturação duma consciência solidária que considere a alimentação e o acesso à água como direitos universais de todos os seres humanos, sem distinções nem discriminações» (n. 27). Não nos esqueçamos das palavras de Jesus: «Eu sou o pão da vida» (Jo 6,35) e «Venha a mim quem tem sede» (Jo 7,37). Para todos nós, crentes, estas palavras são uma provocação a reconhecer que, através do dar de comer aos famintos e de beber aos sedentos, passa a nossa relação com Deus, um Deus que revelou em Jesus o seu rosto de misericórdia.


Fonte; Santa Sé

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Fotos da Canonização de 7 novos Santos

No último dia 16 de outubro o Papa Francisco celebrou na Praça São Pedro a Santa Missa do XXIX Domingo do Tempo Comum por ocasião da Canonização de sete novos Santos.

O Santo Padre foi assistido pelos Monsenhores Guido Marini e Kevin Gillespie. O livreto da celebração pode ser visto aqui.

São Salomão Leclercq, presbítero e mártir
São José Sanchez del Río, leigo e mártir
São Manuel González Garcia, Bispo
São Ludovico Pavoni, presbítero
Santo Afonso Maria Fusco, presbítero

Homilia do Papa na Canonização de 7 novos Santos

Santa Missa e Canonização dos Beatos
Salomão Leclercq, José Sanchez del Río, Manuel González García, Ludovico Pavoni
Afonso Maria Fusco, José Gabriel del Rosario Brochero, Elisabete da Santíssima Trindade
Homilia do Papa Francisco
Praça São Pedro
Domingo, 16 de outubro de 2016

Ao princípio da celebração de hoje, dirigimos esta oração ao Senhor: «Criai em nós um coração generoso e fiel, para podermos servir-Vos, sem cessar, com lealdade e pureza de espírito» (Oração Coleta).
Sozinhos, não somos capazes de formar em nós um coração assim; só Deus pode fazê-lo e, por isso, Lho pedimos na oração, Lho suplicamos como um dom, como uma «criação» d’Ele. Desta forma, fomos introduzidos no tema da oração, que aparece no centro das leituras bíblicas deste domingo e nos interpela também a nós aqui reunidos para a canonização de alguns Santos e Santas novos. Estes alcançaram a meta, tiveram um coração generoso e fiel, graças à oração: rezaram com todas as forças, lutaram e venceram.
Rezaram… como Moisés, que foi sobretudo homem de Deus, homem de oração. Hoje, no episódio da batalha contra Amalec, vemo-lo de pé no cimo da colina com os braços erguidos; mas de vez em quando, com o peso, caíam-lhe os braços e, nesses momentos, o povo perdia; então Aarão e Hur fizeram Moisés sentar-se numa pedra e sustentavam os seus braços erguidos, até à vitória final.
Este é o estilo de vida espiritual que a Igreja nos pede: não para vencer a guerra, mas para vencer a paz!
No episódio de Moisés, há uma lição importante: o compromisso da oração exige que nos apoiemos uns aos outros. O cansaço é inevitável; por vezes, já não a conseguimos fazer, mas, com o apoio dos irmãos, a nossa oração pode continuar, até que o Senhor leve a bom termo a sua obra.
Escrevendo a Timóteo, seu discípulo e colaborador, São Paulo recomenda-lhe que permaneça firme naquilo que aprendeu e crê firmemente (cf. 2 Tm 3, 14). Contudo, também Timóteo não o conseguiria sozinho: não se vence a «batalha» da perseverança sem a oração. Não uma oração esporádica, intermitente, mas feita como Jesus ensina no Evangelho de hoje: «orar sempre, sem desfalecer» (Lc 18, 1). Esta é a maneira cristã de agir: ser firme na oração para se manter firme na fé e no testemunho. Entretanto, dentro de nós, surge uma voz: «Mas, Senhor, como é possível não nos cansarmos? Somos seres humanos; o próprio Moisés se cansou!» É verdade, cada um de nós cansa-se. Mas não estamos sozinhos, fazemos parte dum Corpo. Somos membros do Corpo de Cristo, a Igreja, cujos braços estão dia e noite erguidos para o céu, graças à presença de Cristo ressuscitado e do seu Espírito Santo. E só na Igreja e graças à oração da Igreja é que podemos permanecer firmes na fé e no testemunho.
Ouvimos a promessa de Jesus no Evangelho: Deus fará justiça aos seus eleitos, que a Ele clamam dia e noite (cf. Lc 18, 7). Eis o mistério da oração: grita, não te canses e, se te cansares, pede ajuda para manteres as mãos erguidas. Esta é a oração que Jesus nos revelou e deu no Espírito Santo. Rezar não é refugiar-se num mundo ideal, não é evadir-se numa falsa tranquilidade egoísta. Pelo contrário, rezar é lutar e deixar que o próprio Espírito Santo reze em nós. É o Espírito Santo que nos ensina a rezar, guia na oração e faz rezar como filhos.
Os Santos são homens e mulheres que se entranham profundamente no mistério da oração. Homens e mulheres que lutam mediante a oração, deixando rezar e lutar neles o Espírito Santo; lutam até ao fim, com todas as suas forças; e vencem, mas não sozinhos: o Senhor vence neles e com eles. Também estas sete testemunhas, que hoje foram canonizadas, travaram o bom combate da fé e do amor através da oração. Por isso permaneceram firmes na fé, com o coração generoso e fiel. Que Deus nos conceda também a nós, pelo exemplo e intercessão delas, ser homens e mulheres de oração; gritar a Deus dia e noite, sem nos cansarmos; deixar que o Espírito Santo reze em nós, e orar apoiando-nos mutuamente para permanecermos com os braços erguidos, até que vença a Misericórdia Divina.


Fonte: Santa Sé

sábado, 15 de outubro de 2016

Homilia: XXIX Domingo do Tempo Comum - Ano C

São Basílio Magno
Tesouro espiritual
A oração nos une com Deus

Após a leitura seguem as orações. As almas nas quais o amor de Deus brotou cumprem com mais rapidez e perseverança. A oração que eleva a mente a Deus é boa. Precisamente nisto está a vida de Deus em nós, quando nos recordamos que o Senhor vive em nós. Desta forma somos templos de Deus, procurando que esta união não se interrompa por causa das preocupações terrenas, das inquietudes e quando as paixões desorientam o intelecto. Quem, portanto, ama a Deus e foge de tudo isto, orienta-se para Deus, afastando de seu coração as paixões que o conduzem ao pecado e permanece na luta que o leva às virtudes.
A força da oração reside no sentimento da alma e das obras virtuosas de toda a nossa vida. São Paulo fala: Portanto, quer comais, quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus. Então, quando te sentas à mesa, reza; quando tomas o pão, agradece ao doador. Quando revitalizas o teu corpo fraco com o vinho, então pensa naquele que te concede estes dons para alegrar-te e reforçar-te nas fraquezas. E, apesar de teu escasso tempo para o alimento, recorda-te sempre de teu benfeitor, jamais te esqueças. Quando te vestes, agradece àquele que te deu as roupas. Se o dia passou, agradece ao Senhor que nos deu o sol para trabalhar e na noite a lua para iluminar.
A noite também teu seu motivo de oração. Quando contemplas o céu e admiras sua beleza, então ora ao Senhor de todo o mundo visível; reza ao grande Criador de todo o mundo visível; reza ao grande Criador de todo o mundo. Por todo ser vivente que descansa na noite, reza novamente àquele que interrompe nossa atividade com o sono e, logo após um breve descanso, nos permite recuperar todas as nossas forças. À noite, portanto, não será apenas para dormir. Não permitas que a metade da tua vida passe em sono inútil, mas distribui a noite entre o sono e a oração. Maior tempo, mesmo que o do sono, tem que ser para a perfeição espiritual... Então assim poderás rezar sem interrupção, sem limitá-la a orações de meras palavras, e todo o teu comportamento estará sempre unido a Deus; assim toda a tua vida será uma oração contínua e sem interrupção.
E o que pode ser melhor, mas na terra, do que imitar os coros angélicos? Quando a cada ocupação precede a oração, quando com cantos, como sal temperamos as ocupações, os belos e espirituais cantos concedem à alma alegria e esperançosa tranquilidade. Ir à madrugada para a oração, com cantos e hinos, louvando ao Criador e, em seguida, quando o sol despontar, voltar ao trabalho.
Os salmos são tranquilidade para a alma, princípio de paz, que tranquiliza os atormentados e inquietos pensamentos, que não só dominam a turbulenta ira, a despertada cólera espiritual, mas a conduz à misericórdia. Os salmos fortificam aos consagrados, reconciliam aos ofendidos e, entre amigos, induzem ao amor. Quem, então, pode ter por inimigo àquele com o qual juntos elevam salmos a Deus? E o esforço de salmos une com aquele bem maior que é o amor.
Este cantoé como se encontrasse algum porvir, uma esperança, uma predisposição a uma atitude conciliadora; o povo com um coro une-se em uma melodiosa sinfonia. Os demônios fogem dos hinos e chega à proteção dos anjos. Os salmos são uma boa arma contra os temores noturnos e para descanso nos trabalhos cotidianos. Os salmos são a segurança para as crianças, beleza para os jovens, alegria para os anciãos e a melhor defesa para as mulheres. Os salmos, para os principiantes, são começo; crescimento para os perfeitos; são a voz da Igreja, alegria para os dias festivos, que afugentam a tristeza para a salvação em Deus. Os salmos fazem brotar lágrimas do coração de pedra. Os salmos são corpo dos anjos, estadia celestial, incenso espiritual.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 738-739. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de São Gregório de Nissa para este domingo clicando aqui.

Catequese do Papa: As obras de misericórdia

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 12 de outubro de 2016
Jubileu (32): As obras de misericórdia

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Nas catequeses precedentes entramos gradualmente no grande mistério da misericórdia de Deus. Meditamos sobre a ação do Pai no Antigo Testamento e depois, através das narrações evangélicas, vimos que Jesus, nas suas palavras e nos seus gestos, é a encarnação da Misericórdia. Ele, por sua vez, ensinou aos seus discípulos: «Sede misericordiosos como o Pai» (Lc 6,36). É um compromisso que interpela a consciência e a ação de cada cristão. Com efeito, não é suficiente experimentar a misericórdia de Deus na própria vida; é necessário que quem a recebe se torne também sinal e instrumento para os outros. Além disso, a misericórdia não está reservada só para alguns momentos particulares, mas abraça toda a nossa existência diária.
Por conseguinte, como podemos ser testemunhas de misericórdia? Não pensemos que se trata de realizar grandes esforços nem gestos sobre-humanos. Não, não é assim. O Senhor indica-nos um caminho muito simples, feito de pequenos gestos que contudo aos seus olhos têm um grande valor, a tal ponto que nos disse que com base neles seremos julgados. De facto, uma das páginas mais bonitas do Evangelho de Mateus oferece-nos o ensinamento que poderíamos considerar, de qualquer maneira, como «o testamento de Jesus» por parte do evangelista, que experimentou diretamente sobre si a ação da Misericórdia. Jesus diz que todas as vezes que damos de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede, que vestimos uma pessoa nua e acolhemos um estrangeiro, que visitamos um doente ou um preso, é a Ele que o fazemos (cf. Mt 25,31-46). A Igreja definiu estes gestos «obras de misericórdia corporal», porque socorrem as pessoas nas suas necessidades materiais.
Contudo, há também outras sete obras de misericórdia chamadas «espirituais», relativas a outras exigências igualmente importantes, sobretudo hoje, porque tocam o íntimo das pessoas e com frequência fazem sofrer mais. Certamente todos se recordam de uma que entrou na linguagem comum: «Suportar pacientemente as pessoas inoportunas». E há; há muitas pessoas inoportunas! Poderia parecer algo sem importância, que nos faz sorrir, mas contém um sentimento de caridade profunda; e assim é também para as outras seis, que é bom recordar: aconselhar os que têm dúvidas, ensinar os ignorantes, advertir os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, rezar a Deus pelos vivos e pelos mortos. São ações diárias! «Sinto-me aflito...» - «Mas Deus ajudar-te-á, não tenho tempo...». Não! Paro, ouço, perco o meu tempo e consolo a pessoa, este é um gesto de misericórdia que é feito não só a ela mas também a Jesus!
Nas próximas Catequeses refletiremos sobre estas obras, que a Igreja nos apresenta como o modo concreto de viver a misericórdia. Ao longo dos séculos, muitas pessoas simples as puseram em prática, dando assim testemunho genuíno da fé. Por outro lado, a Igreja, fiel ao seu Senhor, nutre um amor preferencial pelos mais débeis. Frequentemente são as pessoas mais próximas de nós que precisam da nossa ajuda. Não devemos ir em busca de sabe-se lá quais feitos a realizar. É melhor iniciar pelas mais simples, que o Senhor nos indica como as mais urgentes. Infelizmente num mundo atingido pelo vírus da indiferença, as obras de misericórdia são o melhor antídoto. De facto, orientam a nossa atenção para as exigências mais elementares dos nossos «irmãos mais necessitados» (Mt 25,40), nos quais Jesus está presente. Jesus está sempre presente neles. Onde houver uma necessidade, uma pessoa carente, quer material quer espiritualmente, Jesus está ali. Reconhecer o seu rosto no de quem é carente é um verdadeiro desafio contra a indiferença. Permite que estejamos sempre vigilantes, evitando que Cristo passe ao nosso lado sem que o reconheçamos. Vem à mente a frase de Santo Agostinho: «Timeo Iesum transeuntem» (Serm., 88,14,13), «Temo que o Senhor passe» e eu não o reconheça, que o Senhor passe ao meu lado numa dessas pessoas simples, necessitadas e eu não me dê conta de que é Jesus. Tenho medo de que o Senhor passe e não o reconheça! Perguntei-me por que Santo Agostinho disse que temia a passagem de Jesus. Infelizmente, a resposta está nos nossos comportamentos: porque com frequência estamos distraídos, somos indiferentes, e quando o Senhor passa ao nosso lado nós perdemos a ocasião do encontro com Ele.
As obras de misericórdia despertam em nós a exigência e a capacidade de tornar viva e operante a fé com a caridade. Estou convicto de que através destes simples gestos diários podemos realizar uma verdadeira revolução cultural, como aconteceu no passado. Se cada um de nós, todos os dias, realizar uma delas, isto será uma revolução no mundo! Mas todos, cada um de nós! Quantos Santos ainda hoje são recordados não pelas grandes obras que realizaram mas pela caridade que souberam transmitir! Pensemos na Madre Teresa de Calcutá, que foi canonizada recentemente: não nos lembramos dela por tantas casas que abriu no mundo mas porque se inclinava sobre cada pessoa que encontrava no meio da rua para lhe restituir a dignidade. Quantas crianças abandonadas abraçou; quantos moribundos acompanhou até ao limiar da eternidade, segurando-os pela mão! Estas obras de misericórdia são os traços do Rosto de Jesus Cristo que cuida dos seus irmãos mais débeis para levar a cada um a ternura e a proximidade de Deus. Que o Espírito Santo nos ajude, que o Espírito Santo acenda em nós o desejo de viver este estilo de vida: pelo menos de fazer uma por dia, pelo menos! Memorizemos de novo as obras de misericórdia corporais e espirituais e peçamos ao Senhor que nos ajude a pô-las em prática diariamente e no momento em que vemos Jesus numa pessoa carente.


Fonte: Santa Sé