quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Homilia: Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus

Santo Agostinho
Sermão atribuído na Natividade
Aquela que o deu à luz é mãe e virgem

Nosso Salvador, por quem foi feito todo dia e nascido do Pai sem dia, quis que este dia que hoje celebramos fosse a data de seu nascimento na terra. Quem quer que sejas tu que te admiras deste dia, admira-te, antes, do Dia Eterno que permanece ante todo dia, que cria todo dia, que nasce no dia e livra da malícia do dia. Admira-te ainda mais: aquela que o deu à luz é mãe e virgem; o nascido não fala, sendo a Palavra. Com razão falaram os céus, se congratularam os anjos, se alegraram os pastores, se transformaram os magos, se estremeceram os reis e foram coroados os meninos.

Amamenta, ó Mãe, ao nosso alimento; amamenta ao pão que vem do céu e foi colocado em um presépio como sustento para os piedosos jumentos. Ali o boi conheceu a seu dono, e o asno o presépio de seu amo, ou seja, a circuncisão e o prepúcio, unindo-se na pedra angular, cujas primícias foram os pastores e os magos. Amamenta a quem te fez tal que Ele mesmo pode fazer-se em ti; a quem te concedeu o dom da fecundidade ao concebê-lo sem privar-te ao nascer da honra da virgindade; a quem já antes de nascer elegeu o seio e o dia em que ia nascer. Ele mesmo criou o que elegeu para sair dali como esposo de seu tálamo, a fim de poder ser contemplado por olhos mortais a atestar, mediante o aumento da luz nesses dias do ano, que havia vindo como luz das mentes.

Os profetas pregaram que o Criador do céu e da terra iria aparecer na terra entre os homens; o anjo anunciou que o Criador da carne e do espírito viria na carne. João saudou desde o seio ao Salvador, que estava também no seio; o ancião Simeão reconheceu a Deus no menino que não falava; a viúva Ana, a virgem Mãe.

Estes são os testemunhos de teu nascimento, Senhor Jesus, antes que as ondas se submetessem a ti quando as pisavas e as ordenavas acalmarem-se; antes que o vento se calasse por tua ordem, que o morto voltasse à vida diante do teu chamamento, que o sol se obscurecesse diante de tua morte, que a terra estremecesse ao ressuscitar, que o céu se abrisse em tua ascensão; antes que fizesses estas e outras maravilhas na idade juvenil de teu corpo. Ainda te levavam os braços de tua mãe e já eras reconhecido como Senhor do orbe. Tu eras um menino pequeno da raça de Israel, e tu também eras o Emanuel, o Deus conosco.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 295-296. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de São Basílio de Selêucia para essa Solenidade clicando aqui.

XX Catequese do Papa sobre a oração

Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 30 de dezembro de 2020
A oração (20): A oração de ação de graças

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje gostaria de meditar sobre a oração de ação de graças. Inspiro-me num episódio narrado pelo evangelista Lucas. Enquanto Jesus está a caminho, dez leprosos vão ao seu encontro e imploram: «Jesus, Mestre, tem piedade de nós!» (Lc 17,13). Sabemos que para os doentes de lepra, o sofrimento físico era acompanhado de marginalização social e de marginalização religiosa. Eram marginalizados. Jesus não evita um encontro com eles. Muitas vezes vai além dos limites impostos pelas leis e toca o doente - que não se podia fazer - abraça-o, cura-o. Neste caso, não há contato. À distância, Jesus convida-os a apresentar-se aos sacerdotes (v. 14), que, segundo a lei, estavam encarregados de certificar a cura. Jesus não diz mais nada. Ouviu o seu pedido, ouviu o seu grito de piedade, e envia-os imediatamente aos sacerdotes.
Aqueles dez confiam n’Ele, não permanecem lá até ao momento de serem curados, não: confiam e partem imediatamente, e enquanto caminham, os dez são curados. Então, os sacerdotes poderiam ter verificado a sua cura e readmiti-los na vida normal. Mas aqui está o ponto mais importante: daquele grupo, apenas um, antes de ir ter com os sacerdotes, volta para agradecer a Jesus e louvar a Deus pela graça recebida. Só um, os outros nove continuam o caminho. E Jesus observa que aquele homem era samaritano, uma espécie de “herege” para os judeus daquela época. Jesus comenta: «Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro?» (Lc 17,18). A narração é comovedora!
Esta narração, por assim dizer, divide o mundo em dois: os que não agradecem e os que o fazem; os que tomam tudo como se lhes fosse devido, e os que aceitam tudo como dom, como graça. O Catecismo escreve: «Qualquer acontecimento e qualquer necessidade podem transformar-se em oferenda de ação de graças» (n. 2638). A oração de ação de graças começa sempre a partir do reconhecer-se precedidos pela graça. Fomos pensados antes que aprendêssemos a pensar; fomos amados antes que aprendêssemos a amar; fomos desejados antes que brotasse um desejo no nosso coração. Se olharmos para a vida desta forma, então o “agradecimento” torna-se o motivo-guia dos nossos dias. Muitas vezes esquecemos até de dizer “obrigado”.
Para nós, cristãos, a ação de graças deu o nome ao Sacramento mais essencial que existe: a Eucaristia. Com efeito, a palavra grega significa exatamente isto: agradecimento. Como todos os crentes, os cristãos bendizem a Deus pelo dom da vida. Viver é, sobretudo, ter recebido a vida. Todos nós nascemos porque alguém desejou a vida para nós. E esta é apenas a primeira de uma longa série de dívidas que contraímos vivendo. Dívidas de gratidão. Na nossa existência, mais do que uma pessoa fitou-nos com um olhar puro, gratuitamente. Muitas vezes são educadores, catequistas, pessoas que desempenharam o seu papel além da medida exigida pelo dever. E eles fizeram surgir em nós a gratidão. A amizade é também um dom pelo qual devemos estar sempre gratos.
Este “obrigado”, que devemos pronunciar continuamente, este obrigado que o cristão partilha com todos, dilata-se no encontro com Jesus. Os Evangelhos atestam que a passagem de Jesus suscitava frequentemente alegria e louvor a Deus naqueles que o encontravam. As histórias de Natal são povoadas de orantes, cujos corações foram alargados pela vinda do Salvador. E também nós fomos chamados a participar neste imenso júbilo. Isto também é sugerido pelo episódio dos dez leprosos que foram curados. Naturalmente, todos eles ficaram felizes por ter recuperado a saúde, podendo assim sair daquela interminável quarentena forçada que os excluía da comunidade. Mas entre eles havia um que acrescentou alegria à alegria: além da cura, regozijou-se por ter encontrado Jesus. Não só está livre do mal, mas agora também tem a certeza de ser amado. Este é o núcleo: quando agradeces, expressas a certeza de seres amado. Este é um passo grande: ter a certeza de ser amado. É a descoberta do amor como a força que governa o mundo. Dante disse: o Amor «que move o sol e as outras estrelas» (Paraíso, XXXIII, 145). Já não somos viajantes que vagueiam por aqui e por ali, não: temos uma casa, habitamos em Cristo, e desta “morada” contemplamos o resto do mundo, e parece-nos infinitamente mais bonito. Somos filhos do amor, somos irmãos do amor. Somos homens e mulheres de graça.
Portanto, irmãos e irmãs, procuremos estar sempre na alegria do encontro com Jesus. Cultivemos a alegria. O diabo, ao contrário, depois de nos ter enganado - com qualquer tentação - deixa-nos sempre tristes e sozinhos. Se estivermos em Cristo, nenhum pecado nem ameaça nos pode impedir de continuar o nosso percurso com alegria, com os nossos numerosos companheiros de caminho.
Acima de tudo, não deixemos de agradecer: se formos portadores de gratidão, o mundo também se tornará melhor, talvez só um pouco, mas é suficiente para lhe transmitir um pouco de esperança.  O mundo precisa de esperança e com a gratidão, com esta atitude de dizer obrigado, transmitimos um pouco de esperança. Tudo está unido, tudo está interligado, e cada um pode desempenhar a sua parte onde quer que esteja. O caminho para a felicidade é aquele que São Paulo descreveu no final de uma das suas cartas: «Orai sem cessar. Dai graças em todas as circunstâncias, pois a respeito de vós esta é a vontade de Deus, em Jesus Cristo. Não extingais o Espírito!» (1Ts 5,17-19). Não extingais o Espírito, bom programa de vida! Não extinguir o Espírito que temos dentro leva-nos à gratidão.


Fonte: Santa Sé

Ângelus: Festa da Sagrada Família - Ano B

Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 27 de dezembro de 2020

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Depois do Natal, a Liturgia convida-nos a fixar o olhar na Sagrada Família de Jesus, Maria e José. É bom refletir que o Filho de Deus, como todas as crianças, quis ter necessidade do calor de uma família. Precisamente por esta razão, porque é a de Jesus, a família de Nazaré é modelo, na qual todas as famílias do mundo podem encontrar o seu seguro ponto de referência e inspiração. Em Nazaré floresceu a primavera da vida humana do Filho de Deus, no momento em que foi concebido por obra do Espírito Santo no ventre virginal de Maria. Dentro das paredes hospitaleiras da Casa de Nazaré, a infância de Jesus teve lugar na alegria, rodeada pelos cuidados maternais de Maria e de José, na qual Jesus pôde ver a ternura de Deus (cf. Carta Apostólica Patris corde, 2).

À imitação da Sagrada Família, somos chamados a redescobrir o valor educativo do núcleo familiar: ele deve fundar-se no amor que sempre regenera as relações e abre horizontes de esperança. A comunhão sincera pode ser experimentada na família quando é uma casa de oração, quando os afetos são sérios, profundos e puros, quando o perdão prevalece sobre a discórdia, quando a dureza diária da vida é suavizada pela ternura mútua e pela serena adesão à vontade de Deus. Deste modo, a família abre-se à alegria que Deus concede a todos os que sabem doar alegremente. Ao mesmo tempo, encontra a energia espiritual para se abrir ao mundo exterior, aos outros, ao serviço dos irmãos, à colaboração para a construção de um mundo sempre novo e melhor; por conseguinte, capaz de se tornar portadora de estímulos positivos; a família evangeliza através do exemplo de vida. É verdade, em todas as famílias há problemas, e por vezes até discussões. “Padre, discuti...” - somos humanos, somos fracos e às vezes todos nós discutimos em família. Digo-vos uma coisa: se discutirmos em família, não terminemos o dia sem fazer as pazes. “Sim, discuti”, mas antes que o dia acabe, faz as pazes. E sabes por quê? Porque a "guerra fria" do dia seguinte é muito perigosa. Não ajuda. E depois, na família há três palavras, três palavras a conservar para sempre: “com licença”, “obrigado”, “desculpa”. “Com licença”, para não ser indiscreto na vida dos outros. “Com licença: posso fazer alguma coisa? Achas que posso fazer isto?”. “Com licença”. Sempre, não sejais indiscretos. “Com licença”, a primeira palavra. “Obrigado”: muitas ajudas, tantos serviços que prestamos uns aos outros em família.  Agradecer sempre. A gratidão é o sangue da alma nobre. “Obrigado”. E depois, o mais difícil de dizer: “Desculpa”. Porque cometemos sempre erros e muitas vezes alguém fica ofendido por isto. “Desculpa”, “desculpa”. Não vos esqueçais das três palavras: “com licença”, “obrigado”, “desculpa”. Se numa família, no ambiente familiar, existirem estas três palavras, a família estará bem.

A festa de hoje evoca-nos o exemplo de evangelizar com a família, repropondo-nos o ideal do amor conjugal e familiar, como foi evidenciado na Exortação Apostólica Amoris laetitia, cujo quinto aniversário de promulgação será no próximo dia 19 de março. Haverá um ano de reflexão sobre a Amoris laetitia e será uma oportunidade para aprofundar o conteúdo do documento (19 de março de 2021 - 26 de junho de 2022).

Estas reflexões serão postas à disposição das comunidades eclesiais e das famílias, para acompanhá-las no seu percurso. Desde já, convido todos a aderir às iniciativas que serão promovidas durante o Ano e que serão coordenadas pelo Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. Confiemos à Sagrada Família de Nazaré, em particular a São José, esposo e pai solícito, este caminho com as famílias do mundo inteiro.

A Virgem Maria, a quem agora nos dirigimos com a oração do Ângelus, faça com que as famílias de todo o mundo sejam cada vez mais fascinadas pelo ideal evangélico da Sagrada Família, de modo a tornar-se fermento de nova humanidade e de solidariedade concreta e universal.

Sagrada Família
(Vitral da Catedral de Dili, Timor Leste)

Fonte: Santa Sé.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

O hino Te Deum

"A vós, ó Deus, louvamos, a vós, Senhor, cantamos...".

Além dos salmos e dos cânticos bíblicos do Antigo e do Novo Testamento, a Igreja louva o Senhor com uma série de hinos que são frutos da tradição, compostos ao longo de sua história.

Dentre estas composições, uma das mais eminentes é o Te Deum laudamus (A vós, ó Deus, louvamos), entoado na Liturgia das Horas, mais especificamente no Ofício das Leituras dos domingos (exceto na Quaresma), nas Oitavas da Páscoa e do Natal e nas solenidades e festas (Introdução Geral da Liturgia das Horas, n. 68).

O Te Deum é previsto ainda como hino de ação de graças em algumas das celebrações mais solenes do Rito Romano:

- na Ordenação Episcopal, enquanto o novo Bispo percorre a igreja abençoando os fiéis (Cerimonial dos Bispos, n. 594);

- na Bênção de Abade ou Abadessa, como canto final (Cerimonial dos Bispos, nn. 693.714);

- na conclusão de um Concílio ou Sínodo (Cerimonial dos Bispos, n. 1175) e, tradicionalmente, também dos Jubileus;

- no Conclave, após o novo Papa revestir suas vestes próprias na Capela Sistina (Ordo Rituum Conclavis, n. 73);

- ao longo da história era previsto nas coroações dos reis católicos e em outros acontecimentos importantes da nação;

- no encerramento do ano civil, diante do Santíssimo Sacramento exposto (Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, n. 114).

Triunfo do Cristianismo (Gustave Doré)

A origem do Te Deum

Uma versão lendária atribui a origem do hino a Santo Ambrósio e a Santo Agostinho, como ação de graças pelo Batismo desse último (ano 387). Porém, uma hipótese mais aceita atualmente é sua autoria por Nicetas, Bispo de Remesiana (na atual Sérvia), que viveu entre 335 e 414.

Porém, é importante considerar as diferenças existentes nos termos, no ritmo e na melodia entre as diversas partes do hino, razão pela qual se propõe que diferentes textos dos séculos III a V foram unidos em sua composição. Alguns sugerem inclusive que, pela presença do Sanctus na primeira parte, alguns trechos poderiam ser fragmentos de uma Anáfora, isto é, uma Oração Eucarística antiga.

Não obstante, a partir do século VI já consta na Liturgia romana como hino para o Ofício das Matinas dos domingos, além de outras celebrações mais solenes. Além disso, tornou-se muito popular entre os monges: São Cesário de Arles e seu sucessor, São Aureliano, assim como São Bento prescrevem sua recitação em suas Regras monásticas.

Partitura medieval do Te Deum

O texto do Te Deum

Em latim, o texto é dividido em três partes, cada uma com sete estrofes. A primeira (Te Deum laudamus), provavelmente a mais antiga, é um louvor ao Pai no céu e na terra - louvor este entoado pelos anjos e santos (Apóstolos, Profetas e Mártires) no céu e pela Igreja na terra -, concluindo com uma doxologia que estende a adoração ao Filho e ao Espírito Santo.

A segunda parte (Tu rex gloriae, Christe) é dirigida ao Filho, glorificando-o por sua obra redentora: Encarnação, Morte e Exaltação, concluindo com uma súplica, pedindo o dom da salvação.

Por fim, a terceira parte (Salvum fac pópulum tuum, Dómine) não fazia originalmente parte do hino, razão pela qual é facultativa na recitação litúrgica. É composta por frases inspiradas nos Salmos, nas quais predomina o caráter de súplica.

Segue, pois, o texto do Te Deum em português e em latim conforme constam na Liturgia das Horas e no Pontifical Romano (pp. 579-580). Cumpre notar que, embora existam versões "populares" do Te Deum com letras distintas, nas celebrações litúrgicas deve-se entoar o hino em sua versão oficial:

A vós, ó Deus, louvamos, a vós, Senhor, cantamos.
A vós, Eterno Pai, adora toda a terra.

A vós cantam os anjos, os céus e seus poderes:
Sois Santo, Santo, Santo, Senhor, Deus do universo!

Proclamam céus e terra a vossa imensa glória.
A vós celebra o coro glorioso dos Apóstolos,

Festa de Santo Estêvão em Jerusalém

No último dia 26 de dezembro, Festa de Santo Estêvão, Diácono e Protomártir, uma pequena representação dos franciscanos da Custódia da Terra Santa e de outros religiosos que vivem em Jerusalém participaram de um momento de oração na igreja que marca o local, segundo a tradição, do martírio deste santo, junto à "Porta dos Leões", confiada aos cuidados da Igreja Greco-Ortodoxa.

As Vésperas em honra de Santo Estêvão foram presididas pelo Padre Stéphane Milovitch, Diretor do Ofício de Bens Culturais da Custódia Franciscana da Terra Santa.

Oração das Vésperas


Incensação durante o Magnificat

Ângelus: Festa de Santo Estêvão (2020)

Festa de Santo Estêvão, Protomártir
Papa Francisco
Ângelus
Sábado, 26 de dezembro de 2020

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Ontem o Evangelho falou de Jesus como a «verdadeira luz» que veio ao mundo, luz que «resplandece nas trevas» e que «as trevas não venceram» (Jo  1,9.5). Hoje vemos a testemunha de Jesus , Santo Estêvão, que brilha na escuridão. As testemunhas brilham com a luz de Jesus, não têm luz própria. A Igreja também não tem luz própria; é por isso que os antigos Padres chamavam a Igreja “o mistério da lua”. Assim como a lua não tem luz própria, as testemunhas não têm luz própria, são capazes de receber a luz de Jesus e de refleti-la. Estêvão é falsamente acusado e apedrejado com brutalidade, mas na escuridão do ódio, no tormento da lapidação, ele faz resplandecer a luz de Jesus: reza pelos seus assassinos e perdoa-os, como Jesus na cruz. É o primeiro mártir, ou seja, a primeira testemunha, o primeiro de uma multidão de irmãos e irmãs que, até hoje, continuam a trazer luz às trevas: pessoas que respondem ao mal com o bem, que não cedem à violência nem à mentira, mas interrompem a espiral do ódio com a mansidão do amor. Estas testemunhas iluminam a aurora de Deus nas noites do mundo.

Mas como nos tornamos testemunhas? Imitando Jesus, recebendo a luz de Jesus. Este é o caminho para cada cristão: imitar Jesus, receber a luz de Jesus. Santo Estêvão dá-nos o exemplo: Jesus veio para servir e não para ser servido (cfMc  10,45), e ele vive para servir e não para ser servido; vem para servir: Estêvão é eleito diácono, torna-se diácono, ou seja, servidor, e assiste os pobres à mesa (cfAt  6,2). Procura imitar o Senhor todos os dias e fá-lo também no final: como Jesus, é capturado, condenado e morto fora da cidade e, como Jesus, reza e perdoa. Enquanto o apedrejam, diz: «Senhor, não lhes atribuas este pecado» (At   7,60). Estêvão é testemunha porque imita Jesus.

Contudo, poderia surgir uma pergunta: são realmente necessários estes testemunhos de bondade, quando no mundo se alastra a perversidade? Para que serve rezar e perdoar? Só para dar um bom exemplo? Mas para que serve isto? Não, há muito mais. Descobrimo-lo através de um pormenor. Entre aqueles por quem Estêvão rezava e perdoava, o texto diz: «um jovem, chamado Saulo» (v. 58), que «aprovou a sua morte» (At   8,1). Pouco depois, pela graça de Deus, Saulo converte-se, recebe a luz de Jesus, aceita-a, converte-se e torna-se Paulo, o maior missionário da história. Paulo nasce precisamente da graça de Deus, mas através do perdão de Estêvão, mediante o testemunho de Estêvão. Eis a semente da sua conversão. É a prova de que os gestos de amor mudam a história: até os pequeninos, escondidos, diários. Pois Deus guia a história através da coragem humilde de quem reza, ama e perdoa. Muitos santos escondidos, os santos da porta ao lado, testemunhas ocultas da vida, com pequenos gestos de amor, mudam a história.

É válido também para nós ser testemunhas de Jesus. O Senhor deseja que façamos da vida uma obra extraordinária, através de gestos comuns, dos gestos de cada dia. Onde vivemos, em família, no trabalho, em toda a parte, somos chamados a ser testemunhas de Jesus, até dando a luz de um sorriso, luz que não é nossa: é de Jesus, e também fugindo das sombras das tagarelices e dos mexericos. E depois, quando vemos algo errado, em vez de criticar, de falar mal e de reclamar, oremos por quem errou e por aquela situação difícil. E quando em casa surge uma discussão, em vez de procuramos prevalecer, tentemos desativá-la, recomeçando sempre de novo, perdoando quem ofendeu. Pequenas coisas, mas mudam a história, porque abrem a porta, abrem a janela à luz de Jesus. Enquanto recebia as pedras do ódio, Santo Estêvão restituía palavras de perdão. Assim mudou a história. Também nós, todos os dias, podemos transformar o mal em bem, como sugere um bonito provérbio, que reza: «Faz como a palmeira, atiram-lhe pedras e ela deixa cair tâmaras».

Hoje oremos por quantos sofrem perseguições pelo nome de Jesus. Infelizmente, são numerosos. São mais do que nos primeiros tempos da Igreja. Confiemos a Nossa Senhora estes nossos irmãos e irmãs, que respondem à opressão com mansidão e, como verdadeiras testemunhas de Jesus, vencem o mal com o bem.

Apedrejamento de Santo Estêvão (Annibale Carracci)

Fonte: Santa Sé.

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Formações sobre o Missal (7): Uma mistagogia dos sentidos espirituais

Prosseguimos nesta postagem com a tradução do subsídio “Un Messale per le nostre Assemblee: La terza edizione italiana del Messale Romano tra Liturgia e Catechesi” (Um Missal para as nossas Assembleias: A terceira edição italiana do Missal Romano entre Liturgia e Catequese), publicado pelo Ofício Litúrgico da Conferência Episcopal Italiana (CEI) em preparação à 3ª edição do Missal Romano. Ainda sobre o tema da mistagogia (conduzir ao mistério), o 7º encontro formativo destaca a importância dos cinco "sentidos" na Celebração Eucarística.

7. Uma mistagogia dos sentidos espirituais

«Nos sacramentos “comunica-se uma memória encarnada, ligada aos lugares e épocas da vida, associada com todos os sentidos. (...) O despertar da fé passa pelo despertar de um novo sentido sacramental na vida do homem e na existência cristã, mostrando como o visível e o material se abrem para o mistério do eterno” (Papa Francisco, Encíclica Lumen fidei, n. 40)» (CEI, Apresentação da 3ª edição do Missal Romano, n. 9).

A Eucaristia e os sentidos do corpo

O Missal é um livro no qual o texto está a serviço do gesto, a tradução está a serviço da ação do rezar e do escutar, do encontrar e do agradecer. A ação litúrgica da Eucaristia é chamada a envolver o corpo pessoal e comunitário dos fiéis no Mistério da Páscoa do Senhor. Neste encontro, todos os sentidos do fiel são reunidos e envolvidos, em uma progressão que vai do ver ao escutar, até ao contato mais íntimo que se dá na experiência do comer e do beber.

A Mesa da Palavra: exercitar o sentido da audição

Sob o olhar do Senhor misericordioso: Os ritos iniciais

No início é envolvido de modo particular o sentido da visão. Nos “ritos do limiar”, que têm por objetivo reunir a comunidade e dispô-la à celebração, a assembleia assume a própria fisionomia de corpo reunido em torno da mesa da Palavra e do Pão, para reconhecer-se imediatamente como Corpo de Cristo e família de Deus. Reunindo-se “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, a assembleia se reconhece já visitada pela presença do Senhor prometida aos que se reúnem em seu nome (cf. Mt 18,20). Antes de ver qualquer coisa, nós olhamos para nós mesmos como irmãos e irmãs na fé; revivemos a memória de que a fé - como a vida - vem da comunhão e tende à comunhão; colocamo-nos diante do olhar do Senhor misericordioso. O Kyrie eleison, que na nova edição italiana do Missal foi conservado em grego, na língua original com a qual os Evangelhos foram escritos, é um rito autônomo em relação ao Ato Penitencial: é uma aclamação a Cristo e, ao mesmo tempo, uma invocação do olhar do Senhor misericordioso sobre nós, para acolher a sua benevolência e o seu perdão. Neste sentido, os ritos iniciais parecem invocar uma imagem do Senhor para a qual todos, presidente e assembleia, podem orientar-se: uma imagem epifânica - seja do Crucificado ou do Senhor glorioso - que requer atenção especial ao espaço acima e atrás do altar (abside).
A nova edição do Missal nos repropõe a forma ritual dos ritos iniciais sem variações relevantes. Sabemos como nas preocupações da vida é particularmente difícil atravessar o limiar da oração para sentirmo-nos envolvidos na “morada da Liturgia”: por este motivo, a atenção aos ritos iniciais e aos seus gestos que vão em busca do Senhor misericordioso constituirá um ponto de particular importância na recepção da nova edição do livro litúrgico.

Em escuta e em diálogo de oração: Liturgia da Palavra

Fotos da Missa do Dia de Natal em Lisboa

O Cardeal Manuel José Macário do Nascimento Clemente, Patriarca de Lisboa, celebrou no último dia 25 de dezembro a Santa Missa do Dia na Solenidade do Natal do Senhor na Catedral Patriarcal de Santa Maria Maior, a Sé de Lisboa.

Conforme o costume em Lisboa, nas Missas do Dia da Páscoa e do Dia de Natal é o próprio Patriarca a proclamar o Evangelho desde a cátedra, como podemos ver nas imagens a seguir:

Presépio da Catedral
Procissão de entrada

Incensação
Evangelho

Homilias do Patriarca de Lisboa: Natal 2020

Publicamos aqui as homilias de Natal (Missa da Noite e Missa do Dia) do Patriarca de Lisboa, Cardeal Manuel José Macário do Nascimento Clemente neste ano de 2020:

Homilia na Missa da Noite de Natal
O modo de Deus acontecer no mundo

Celebremos verdadeiramente o Natal. Celebremo-lo sem passar depressa demais pelas palavras e pelo difícil contexto em que o fazemos este ano, tão marcado pela pandemia e as suas consequências no campo da saúde, do trabalho e da vida em geral.
É neste contexto que celebramos o Natal de Cristo. Sabemos como se tornou motivo direto e indireto de outras coisas, legítimas certamente, como a reunião familiar, as iluminações e as prendas, as saudações e os bons votos a presentes e ausentes. Ainda bem que assim foi e continua a ser, embora condicionados pelas atuais restrições. Não se reduza a boa vontade, que encontra sempre modo de chegar aos outros, pois o coração vence as distâncias.
Importa, porém, não deixar que outros motivos diluam ou encubram o que realmente originou o Natal. Muito menos que o contradigam, como se fizéssemos deste dia algo diferente do que ele foi.
Natal significa nascimento - e nascimento de Jesus Cristo. Os Evangelhos da Infância de Jesus dizem-nos o que aconteceu, no mais profundo desse acontecer. Estão envoltos em motivos bíblicos, que preenchem o significado do presépio de Belém. Se bem repararmos, o essencial é ter sido assim, de modo tão original e interpelante, hoje como então.
A originalidade do nascimento de Cristo, como admirou na altura e nos admira agora, interroga-nos a todos e esclarece os crentes sobre aquilo a que podemos chamar a surpresa de Deus neste mundo.
Reparemos que há muitos séculos se vinha desenvolvendo na tradição profética de Israel a expetativa de um Messias (= Cristo), cheio do Espírito de Deus para anunciar a Boa Nova aos pobres. Assim se apresentou Jesus, anos mais tarde, na sinagoga de Nazaré (cf. Lc 4,18). Aliás, entre os próprios romanos, havia quem anunciasse a chegada duma nova idade do mundo, coincidente com o Império de Octávio César Augusto...
Grandes expectativas, mas dificilmente aproximáveis do modo, tão desprovido e simples, como Jesus nasceu, viveu e morreu. Ou como os crentes O sentem agora, bem presente nas suas vidas, tão forte como discreto “Emanuel”, que que dizer “Deus conosco” - proposta permanente e imposição nenhuma.
Deus conosco, como Deus acontece no mundo e nas vidas. Não O imaginemos doutra forma, pois só nos veríamos a nós, mais ou menos sonhados e fantasiados. Fixemo-nos no Presépio e no concreto daquela situação e respetivos circunstantes.

Creio que esta fixação no presépio de Belém nos ajudará especialmente no momento atual, com as dificuldades sobrevindas e que a muitos atingem gravemente, por esse mundo além ou aquém. Contemplado com persistência e devoção, aquele Menino reflete-se em tantos outros, nascidos ou por nascer, cujas famílias também não encontram lugar apropriado e capaz. Entrevemo-Lo já, no seu percurso depois, próximo dos pobres de todas as pobrezas, inteiramente solidário em palavras e obras.
Mas tudo começou daquele modo, num lugar recôndito e tão diverso de Roma com o seu imperador, ou mesmo de Jerusalém com o seu rei. Isto mesmo nos importa, para sabermos como fazer agora, diante da vida própria e alheia, como nos toca a todos e a tanta gente pesa.
Se quisermos realmente celebrar e viver este Natal de 2020, façamo-lo à única luz daquela noite em Belém de Judá. Aceitemos cada um como sinal de Deus a aparecer neste mundo, sobretudo nos mais carentes e frágeis. O presépio onde nasceu pode ser agora a cama dum hospital, ou o leito doméstico dum doente. A solidão que envolvia aquele reduzido grupo, pode ser hoje a que entristece tantas pessoas sós e à espera da visita que tarda ou da mensagem que não chega. Sejamos para os outros os presentes que o Menino não teve. Neles nos espera, no grande presépio do mundo.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Fotos das Missas de Natal em Manila

Neste ano de 2020, a Solenidade do Natal do Senhor foi celebrada na Arquidiocese de Manila (Filipinas) com a Missa da Noite presidida por Dom Broderick Pabillo, Administrador Apostólico, na Catedral Metropolitana da Imaculada Conceição no dia 24 de dezembro.

No dia 25, a Missa do Dia de Natal foi presidida pelo Núncio Apostólico nas Filipinas, Dom Charles John Brown, nomeado pelo Papa Francisco no último dia 28 de setembro.

Dia 24: Missa da Noite

Imagem do Menino Jesus diante do altar
Proclamação do Natal (Kalenda)
O Bispo incensa a imagem
Incensação do altar

Fotos da Missa da Noite de Natal em Londres

Em Londres (Inglaterra), o Cardeal Vincent Gerard Nichols, Arcebispo de Westminster, celebrou no último dia 24 de dezembro a Santa Missa da Noite na Solenidade do Senhor na Catedral do Preciosíssimo Sangue, sem a presença de fiéis.

Imagem do Menino Jesus diante do altar
Ritos iniciais
Liturgia da Palavra
Genuflexão durante o Creio
Oração sobre as oferendas

Fotos das Missas de Natal em Milão

Dom Mario Enrico Delpini, Arcebispo de Milão, presidiu a Missa da Noite e a Missa do Dia na Solenidade do Natal do Senhor em Rito Ambrosiano na Catedral de Santa Maria Nascente, o Duomo de Milão, respectivamente nos últimos dias 24 e 25 de dezembro:

Missa da Noite

O Arcebispo entroniza a imagem do Menino Jesus

Saudação inicial
Procissão com o Livro dos Evangelhos
Evangelho

Fotos das Missas de Natal em Cracóvia

Na Arquidiocese de Cracóvia (Polônia), a Santa Missa da Noite na Solenidade do Natal do Senhor foi celebrada pelo Arcebispo, Dom Marek Jędraszewski, no último dia 24 de dezembro na Catedral dos Santos Venceslau e Estanislau, a Catedral de Wawel.

Ao mesmo tempo, o Arcebispo Emérito, Cardeal Stanisław Dziwisz, presidiu a Santa Missa no Santuário de São João Paulo II.

Catedral de Wawel: Missa da Noite

Imagem do Menino Jesus diante do altar
Arcebispo durante as leituras
Evangelho
Homilia
Incensação do altar

domingo, 27 de dezembro de 2020

Fotos da Missa da Noite de Natal em Belém

O Patriarca de Jerusalém, Dom Pierbatista Pizzaballa, presidiu no último dia 24 de dezembro as celebrações da Solenidade do Natal do Senhor na igreja de Santa Catarina, junto à Basílica da Natividade.

À tarde foram celebradas as I Vésperas da Solenidade e, à meia-noite, a Santa Missa da Noite, precedida da oração do Ofício das Leituras. No final da celebração, a imagem do Menino Jesus foi levada em procissão até a gruta da Natividade.

Esta é a primeira vez que Dom Pizzaballa preside a Solenidade do Natal como Patriarca, após sua nomeação pelo Papa Francisco no último dia 24 de outubro e sua posse na Basílica do Santo Sepulcro no dia 04 de dezembro.

I Vésperas:

Acolhida do Patriarca
Veneração da cruz
Oração diante do Santíssimo Sacramento
Oração das I Vésperas do Natal
Incensação do altar durante o Magnificat

Fotos da Bênção Urbi et Orbi de Natal no Vaticano

No último dia 25 de dezembro o Papa Francisco concedeu a tradicional Bênção Urbi et Orbi (à cidade e ao mundo) por ocasião da Solenidade do Natal do Senhor, porém, diferentemente dos outros anos, não do balcão central da Basílica de São Pedro, mas sim da Sala das Bênçãos do Palácio Apostólico.

O Santo Padre foi assistido pelo Monsenhor Guido Marini e pelo Cardeal Ângelo Comastri, Arcipreste da Basílica de São Pedro.

Discurso do Santo Padre




Mensagem Urbi et Orbi do Papa: Natal 2020

Mensagem Urbi et Orbi do Papa Francisco
Natal 2020
Sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Queridos irmãos e irmãs, feliz Natal!
Gostaria de fazer chegar a todos a mensagem que a Igreja anuncia nesta festa, com as palavras do profeta Isaías: «Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado» (Is 9,5).
Nasceu um menino: o nascimento é sempre fonte de esperança, é vida que desabrocha, é promessa de futuro. E este Menino - Jesus - «nasceu para nós»: um «nós» sem fronteiras, sem privilégios nem exclusões. O Menino, que a Virgem Maria deu à luz em Belém, nasceu para todos: é o «filho» que Deus deu à família humana inteira.
Graças a este Menino, todos podemos dirigirmo-nos a Deus chamando-Lhe «Pai», «Papai». Jesus é o Unigênito; ninguém mais conhece o Pai, senão Ele. Mas Ele veio ao mundo precisamente para nos revelar o rosto do Pai celeste. E assim, graças a este Menino, todos podemos chamarmo-nos e ser realmente irmãos: de continentes diversos, de qualquer língua e cultura, com as nossas identidades e diferenças, mas todos irmãos e irmãs.
Neste momento histórico, marcado pela crise ecológica e por graves desequilíbrios econômicos e sociais, agravados pela pandemia do coronavírus, precisamos mais do que nunca de fraternidade. E Deus no-la oferece, dando-nos o seu Filho Jesus: não uma fraternidade feita de palavras bonitas, ideais abstratos, vagos sentimentos... Não! Uma fraternidade baseada no amor real, capaz de encontrar o outro diferente de mim, de compadecer-me dos seus sofrimentos, aproximar-me e cuidar dele mesmo que não seja da minha família, da minha etnia, da minha religião; é diferente de mim, mas é meu irmão, é minha irmã. E isto é válido também nas relações entre os povos e as nações: todos irmãos.
No Natal, celebramos a luz de Cristo que vem ao mundo e vem para todos: não apenas para alguns. Hoje, neste tempo de escuridão e incerteza devido à pandemia, aparecem várias luzes de esperança, como a descoberta das vacinas. Mas, para que estas luzes possam iluminar e dar esperança ao mundo inteiro, hão de ser colocadas à disposição de todos. Não podemos deixar que os nacionalismos fechados nos impeçam de viver como a verdadeira família humana que somos. Nem podemos deixar que nos vença o vírus do individualismo radical, tornando-nos indiferentes ao sofrimento dos outros irmãos e irmãs. Não posso passar à frente dos outros, colocando as leis do mercado e das patentes de invenção acima das leis do amor e da saúde da humanidade. Peço a todos, nomeadamente aos líderes dos Estados, às empresas, aos organismos internacionais, que promovam a cooperação, e não a concorrência, na busca de uma solução para todos: vacinas para todos, especialmente para os mais vulneráveis e necessitados em todas as regiões da Terra. Em primeiro lugar, os mais vulneráveis e necessitados!
Por isso, que o Menino de Belém nos ajude a estar disponíveis, a ser generosos e solidários, especialmente para com as pessoas mais frágeis, os doentes e quantos neste tempo se encontram desempregados ou estão em graves dificuldades pelas consequências econômicas da pandemia, bem como as mulheres que nestes meses de confinamento sofreram violências domésticas.
Perante um desafio que não conhece fronteiras, não se podem erguer barreiras. Estamos todos no mesmo barco. Cada pessoa é um meu irmão. Em cada um vejo refletido o rosto de Deus e, nos que sofrem, vislumbro o Senhor que pede a minha ajuda. Vejo-O no doente, no pobre, no desempregado, no marginalizado, no migrante e no refugiado: todos irmãos e irmãs!
No dia em que o Verbo de Deus Se faz menino, reparemos em tantas crianças que em todo o mundo, especialmente na Síria, Iraque e Iêmen, ainda estão a pagar o alto preço da guerra. Os seus rostos sensibilizem as consciências dos homens de boa vontade, para que se enfrentem as causas dos conflitos e se trabalhe com coragem para construir um futuro de paz.
Que este seja o tempo propício para aliviar as tensões em todo o Oriente Médio e no Mediterrâneo oriental.
Jesus Menino cure as feridas do amado povo sírio, que está exausto com um decênio de guerra e suas consequências, agravadas ainda mais pela pandemia. Leve conforto ao povo iraquiano e a todos os povos incluídos no caminho da reconciliação, em particular os yazidis duramente atingidos pelos últimos anos de guerra. Dê paz à Líbia e permita que a nova fase de negociações em curso ponha fim a todas as formas de hostilidade no país.
O Menino de Belém conceda fraternidade à terra que O viu nascer. Possam israelitas e palestinos recuperar a confiança mútua para procurarem uma paz justa e duradoura através de um diálogo direto, capaz de vencer a violência e superar ressentimentos endêmicos, testemunhando ao mundo a beleza da fraternidade.
A estrela que iluminou a noite de Natal sirva de guia e encorajamento para o povo libanês, a fim de não perder a esperança no meio das dificuldades que tem vindo a enfrentar, com o apoio da comunidade internacional. O Príncipe da Paz ajude os responsáveis do país a deixar de lado interesses particulares e empenhar-se com seriedade, honestidade e transparência para que o Líbano possa empreender um caminho de reformas e continuar na sua vocação de liberdade e convivência pacífica.
O Filho do Altíssimo sustente o empenho da comunidade internacional e dos países envolvidos na manutenção do cessar-fogo no Nagorno-Karabakh, bem como nas regiões orientais da Ucrânia, promovendo o diálogo como único caminho que conduz à paz e reconciliação.
O Deus Menino alivie o sofrimento das populações do Burkina Faso, Mali e Níger, atingidas por uma grave crise humanitária, na base da qual estão extremismos e conflitos armados, mas também a pandemia e outros desastres naturais; Ele faça cessar as violências na Etiópia, onde muitas pessoas são forçadas a fugir devido aos confrontos; o Deus Menino dê conforto aos habitantes da região de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, vítimas da violência do terrorismo internacional; Ele incite os responsáveis do Sudão do Sul, Nigéria e Camarões a continuar pelo caminho de fraternidade e diálogo empreendido.
O Verbo eterno do Pai seja fonte de esperança para o continente americano, particularmente afetado pelo coronavírus, que exacerbou os inúmeros sofrimentos que o oprimem, muitas vezes agravados pelas consequências da corrupção e do narcotráfico. Ajude a superar as recentes tensões sociais no Chile e a pôr fim aos sofrimentos do povo venezuelano.
O Rei do Céu proteja as populações flageladas por calamidades naturais no sudeste asiático, de modo particular nas Filipinas e no Vietnam, onde numerosas tempestades têm causado inundações com devastadoras repercussões sobre as famílias, que moram naquelas terras, em termos de perdas de vidas humanas, danos ao meio ambiente e consequências para as economias locais.
E pensando na Ásia, não posso esquecer o povo rohingya: Jesus, nascido pobre entre os pobres, leve esperança às suas tribulações.
Queridos irmãos e irmãs!
«Um menino nasceu para nós» (Is 9,5). Veio para nos salvar! Anuncia-nos que o sofrimento e o mal não são a última palavra. Resignar-se à violência e à injustiça significaria recusar a alegria e a esperança do Natal.
Neste dia de festa, dirijo uma saudação particular a todas as pessoas que não se deixam subjugar pelas circunstâncias adversas, mas esforçam-se por levar esperança, consolação e ajuda, socorrendo quem sofre e acompanhando quem está sozinho.
Jesus nasceu num estábulo, mas envolvido pelo amor da Virgem Maria e de São José. Nascendo na carne, o Filho de Deus consagrou o amor familiar. Neste momento, penso de modo especial nas famílias que hoje não se podem reunir, como também naquelas que são obrigadas a permanecer em casa. E, para todos, seja o Natal a ocasião propícia para redescobrirem a família como berço de vida e de fé, lugar de amor acolhedor, de diálogo, perdão, solidariedade fraterna e alegria partilhada, fonte de paz para toda a humanidade.
Feliz Natal para todos!

Após a Bênção:
Queridos irmãos e irmãs, renovo os meus votos de Feliz Natal a todos vós que de todo o mundo estais conectados através da rádio, televisão e outros meios de comunicação. Agradeço a vossa presença espiritual neste dia, marcado pela alegria. Nestes dias em que o clima do Natal convida os seres humanos a tornarem-se melhores e mais fraternos, não nos esqueçamos de rezar pelas famílias e comunidades atribuladas por tantos sofrimentos. E, por favor, continuai a rezar também por mim. Bom almoço de Natal! Adeus.


Fonte: Santa Sé

sábado, 26 de dezembro de 2020

Homilia: Festa da Sagrada Família - Ano B

São Cirilo de Alexandria
Sermão 12 sobre diversas matérias
Ao assumir a condição de escravo, Cristo, de certo modo, foi contado entre os servos

Acabamos de ver ao Emanuel recostado em um presépio como um menino recém-nascido, envolto em panos conforme o costume humano, porém divinamente celebrado pelo santo exército dos anjos. Serão eles os encarregados de anunciar aos pastores o seu nascimento, pois Deus Pai concedeu aos espíritos celestes este altíssimo privilégio: serem os primeiros em anunciar a Cristo.

Também acabamos de ver hoje como Cristo se submete às leis mosaicas; ainda mais, temos visto como Deus, o legislador, se submetia como um homem comum a suas próprias leis. Esta é a razão pela qual o sapientíssimo Paulo nos dá esta lição: Quando éramos menores estávamos escravizados pelo rudimentar do mundo. Porém, quando se cumpriu o tempo, enviou Deus a seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da lei, para resgatar aos que estavam sob a lei.

Assim, Cristo resgatou da maldição da lei aos que estavam debaixo dela, porém não aos que eram observantes da lei. E como os resgatou? Cumprindo-a, ou, dito de outra forma, mostrando-se e obediente em tudo a Deus Pai, a fim de reparar os pecados de prevaricação cometidos em Adão. Pois está escrito que assim como pela desobediência de um só homem todos foram estabelecidos como pecadores, assim também pela obediência de um só todos serão constituídos justos. Portanto, submeteu como nós a cerviz ao jugo da lei, e o fez por razões de justiça.

Convinha, na realidade, que Ele cumprisse toda a justiça. Pois ao assumir realmente a condição de servo, ficava, por sua humanidade, inscrito no número dos súditos: pagou, como muitos, aos que cobravam o imposto das duas dracmas, e mesmo quando por sua qualidade de Filho era naturalmente livre e isento do tributo.

Contudo, ao ver-lhe observar a lei, cuidado, não te escandalizes nem o classifique entre os servos, a Ele que é livre; esforça-te mais em penetrar a profundidade do plano divino. Ao cumprir-se, pois, os oito dias, em cuja data e por prescrição da lei era costume praticar a circuncisão da carne, impuseram-lhe um nome, e precisamente o nome de Jesus, que significa salvação do povo.

Tal foi, de fato, o nome que Deus Pai escolheu para seu Filho, nascido de mulher segundo a carne. Pois foi certamente nesse momento, quando de maneira muito singular se levou a bom termo a salvação do povo: e não só de um povo, mas de muitos, ou melhor, de todas as nações e da universalidade da terra. Ao mesmo tempo foi circuncidado e lhe impuseram o nome, convertendo-se Cristo realmente em luz que ilumina as nações e, ao mesmo tempo, em glória de Israel. E embora existissem em Israel alguns injustos, obstinados e insensatos, apesar disso houve um resto que foi salvo e glorificado por Cristo. As primícias foram os discípulos do Senhor, cuja glória resplandece em todo o mundo. Outra glória de Israel é que Cristo, segundo a carne, procede de sua raça, se bem que, enquanto Deus, está acima de todos e é bendito pelos séculos. Amém.

Presta-nos, pois, um bom serviço o sábio Evangelista ao relatar-nos tudo o que por nós e para nós suportou o Filho feito carne, sem fazer pouco caso em assumir a nossa pobreza, a fim de que o glorifiquemos como Redentor, como Senhor, como Salvador e como Deus, porque a Ele, e, com Ele a Deus Pai, lhe é devida a glória e o poder, juntamente com o Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amém.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 292-293. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também outra homilia de São Cirilo de Alexandria para essa Festa clicando aqui.

O ícone da Sinaxe da Mãe de Deus

Fiéis ao seu costume de celebrar no dia seguinte a uma festa litúrgica os personagens nela envolvidos, os cristãos de Rito Bizantino celebram no dia 26 de dezembro [1], após a Natividade do Senhor, a Sinaxe da Santíssima Mãe de Deus (Συναξη Της Υπεραγιας Θεοτοκου).

A palavra “sinaxe” (do grego σύναξις) indica uma assembleia reunida para uma celebração litúrgica, sendo utilizada na tradição bizantina para nomear as comemorações de grupos de santos (como a Sinaxe dos Santos Anjos, a 08 de novembro, ou a Sinaxe dos Doze Apóstolos, no dia 30 de junho) ou as comemorações de personagens após as grandes festas (como a Sinaxe de São João Batista no dia 07 de janeiro, após a Teofania - para saber mais sobre as celebrações desse santo, clique aqui).

Como afirmamos em nossa postagem sobre os ícones da Mãe de Deus, sua Sinaxe tecnicamente não possui um ícone próprio, uma vez que continua exposto no proskinetárion o ícone do Natal do Senhor. Além disso, temos os ícones “genéricos” de Maria, isto é, aqueles que fazem referência não a um evento específico, mas sim à totalidade do mistério (a Hodigítria, a Eleoússa e a Orante).

Porém, existe um ícone “didático” associado à comemoração de 26 de dezembro, cujas representações mais antigas remontam aos séculos XIII-XIV. O nomeamos “didático” porque este ícone é a versão em imagens de um hino entoado nas Vésperas da Festa da Natividade do Senhor:

O que te ofereceremos, ó Cristo, por te haveres mostrado sobre a terra como homem?
Cada uma das criaturas por ti criada oferece-te a sua gratidão:
os anjos, o cântico; os céus, a estrela;
os magos, os dons; os pastores, a sua admiração;
a terra, uma gruta; o deserto, um presépio;
mas nós, uma Mãe Virgem!
Ó Deus, existente antes dos séculos, tem piedade de nós!” [2].


O hino, assim como o respectivo ícone, expressa a “dimensão cósmica” do mistério da Encarnação, “a união escatológica do celestial e do terreno”, como vimos na postagem sobre o ícone do Natal do Senhor, com o qual este possui muitas semelhanças.

A Mãe e o Menino:

No centro, assim como no ícone do Natal, encontra-se a Virgem Maria com o Menino. Porém, enquanto no ícone do Natal o Menino está reclinado na manjedoura e a Mãe está ao seu lado, contemplando-o, no ícone da Sinaxe a Virgem está sentada em um trono com o Menino no colo.

Em algumas versões do ícone o trono é guarnecido de um manto vermelho, símbolo da humanidade que Deus assumiu no seio de Maria. Em volta dos dois há um grande halo ou auréola, símbolo da santidade de ambos.


Os anjos e o céu:

Na parte superior do ícone encontramos a esfera celeste: os anjos que oferecem seu cântico (Lc 2,13-14), geralmente em número de seis para harmonizar com os grupos de três magos e três pastores; e os céus, que oferecem uma estrela (Mt 2,2.9).

A estrela costuma ser representada com oito pontas, indicando que em Cristo começa uma nova criação (o “sete” recorda a primeira criação em Gn 1,1–2,4a, enquanto o “oito” simboliza o tempo messiânico, o “dia eterno”, sendo por isso também associado com o Batismo, pelo qual entramos no mistério de Deus).

A estrela é representada dentro de um facho de luz vindo do céu que, ao aproximar-se de Cristo e da Virgem, divide-se em três raios, em alusão à Trindade.

Os magos e os pastores:

No centro do ícone, na mesma linha da Virgem, encontramos de um lado os três magos, que oferecem seus presentes (Mt 2,10-11), e do outro lado os pastores (geralmente também três, por uma questão de simetria), oferecendo “a sua admiração” (Lc 2,15-20). O primeiro dos pastores aparece às vezes cobrindo os olhos com a mão ao contemplar a estrela, em um gesto de reverência diante do mistério.

A terra e o deserto:

Nos cantos inferiores do ícone temos duas mulheres, as representações da terra (γῆ) e do deserto (έρημη). A terra, à esquerda, costuma ser retratada em vestes nobres e até mesmo como uma coroa: ela estende os braços para a Virgem e o Menino, oferecendo a gruta.

O deserto, por sua vez, é retratado em vestes verdes, indicando sua “fecundidade espiritual”, sendo o lugar por excelência do encontro com Deus na tradição oriental. O deserto tem nas mãos a manjedoura, que oferece a Maria.

“Nós”, os Santos:

Por fim, no centro da parte inferior do ícone temos “nós”, isto é, a Igreja, representada pelos santos. “’Que é a Igreja senão a assembleia de todos os santos?’. A comunhão dos santos é precisamente a Igreja” [3].

Os santos aqui retratados - Bispos, religiosos, leigos - representam na verdade não apenas a Igreja, mas toda a humanidade, que oferece a Deus uma Mãe virgem.

Além disso, os santos são retratados em um contextos litúrgico, isto é, em atitude de louvor a Deus, o que é demonstrado pelo destaque dado aos hinógrafos, como São João Damasceno e São Cosme de Maiúma, representados com o pergaminho de suas composições em honra da Mãe e do Filho.

“Verdadeiramente é digno e justo que te bendigamos, ó bem-aventurada Mãe de Deus. Tu, mais venerável que os Querubins e incomparavelmente, mais gloriosa que os Serafins, deste à luz o Verbo de Deus, conservando intacta a glória da tua virgindade. Nós te glorificamos, ó Mãe de nosso Deus!”
(Aclamação à Mãe de Deus na Anáfora de São João Crisóstomo) [4]


Notas:

[1] 08 de janeiro para as igrejas que seguem o calendário juliano, com uma diferença de 13 dias em relação ao calendário gregoriano.

[2] DONADEO, Madre Maria. O Ano Litúrgico Bizantino. São Paulo: Ave Maria, 1998, p. 48.

[3] Catecismo da Igreja Católica, n. 946. O trecho entre aspas simples é uma citação da Explanatio Symboli (Explanação sobre o Símbolo) de São Nicetas de Remesiana.

[4] SPERANDIO, João Manoel; TAMANINI, Paulo Augusto (orgs.). Hieratikon: Pequeno Missal bizantino. Teresina: Editora da Universidade Federal do Piauí, 2015, p. 65.