sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Fotos da Visita do Papa à Paróquia S. Patrício

Chegada à paróquia
Saudação do pároco
Assembleia
Assembleia
Oração Eucarística

Homilia do Papa no III Domingo do Advento

Visita à Paróquia Romana de São Patrício no Bairro Colle Prenestino
Homilia do Papa Bento XVI
III Domingo de Advento - "Gaudete
16 de dezembro de 2012

Amados irmãos e irmãs da Paróquia de São Patrício
Estou muito feliz por me encontrar no meio de vós e por celebrar a Sagrada Eucaristia convosco e para vós. Antes de tudo, gostaria de vos transmitir alguns pensamentos, à luz da Palavra de Deus que há pouco ouvimos. Neste terceiro Domingo de Advento, chamado Domingo «Gaudete», a Liturgia convida-nos à alegria. O Advento é um tempo de compromisso e de conversão, para preparar a vinda do Senhor, mas hoje a Igreja faz-nos antegozar o júbilo do Natal já próximo. Com efeito, o Advento é também tempo de alegria, porque desperta nos corações dos fiéis a expectativa do Salvador, e esperar a vinda de uma pessoa amada é sempre motivo de alegria. Este aspecto jubiloso está presente nas primeiras leituras bíblicas deste Domingo. O Evangelho, ao contrário, corresponde a uma outra dimensão característica do Advento: a da conversão em vista da manifestação do Salvador, anunciado por João Batista.
A primeira Leitura, que há pouco ouvimos, constitui um convite insistente à alegria. O trecho começa com esta expressão: «Alegra-te, filha de Sião! ... Exulta e rejubila-te com todo o teu coração, filha de Jerusalém!» (Sf 3,14), que é semelhante à do anúncio do anjo a Maria: «Ave, cheia de graça!» (Lc 1,26). O motivo essencial pelo qual a filha de Sião pode exultar é expresso na afirmação que há pouco ouvimos: «O Senhor, está no meio de ti» (Sf 3,15.17); literalmente, seria «está no teu ventre», com uma clara referência à permanência de Deus na Arca da Aliança, colocada sempre no meio do povo de Israel. O profeta quer dizer-nos que já não há qualquer motivo de desconfiança, de desânimo e de tristeza, independentemente da situação que devemos enfrentar, porque estamos certos da presença do Senhor, a única que é suficiente para tranquilizar e rejubilar os corações. Além disso, o profeta Sofonias deixa entender que esta alegria é recíproca: somos convidados a alegrar-nos, mas também o Senhor se rejubila pela sua relação conosco; com efeito, o profeta escreve: «Ele rejubila-se por causa de ti, e renova-te o seu amor. Exulta de alegria por ti» (v. 17). A alegria que é prometida neste texto profético encontra o seu cumprimento em Jesus, que se encontra no seio de Maria, a «Filha de Sião», e assim estabelece a sua morada no meio de nós (cf. Jo 1,14). Com efeito, vindo ao mundo Ele doa-nos a sua alegria, como Ele mesmo confia aos seus discípulos: «Disse-vos essas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa» (Jo 15,11). Jesus traz aos homens a salvação, uma nova relação com Deus que vence o mal e a morte, e traz a verdadeira alegria mediante esta presença do Senhor que vem iluminar o nosso caminho, que muitas vezes é oprimido pelas trevas e pelo egoísmo. E podemos ponderar se realmente estamos conscientes da presença do Senhor no meio de nós, que não é um Deus distante mas um Deus conosco, um Deus no meio de nós, que está conosco aqui na Sagrada Eucaristia, que está conosco na Igreja viva. E nós temos que ser portadores desta presença de Deus. E assim Deus alegra-se por nós e também nós podemos rejubilar: Deus existe, Deus é bom, Deus está próximo.
Na segunda Leitura, que há pouco ouvimos, são Paulo convida os cristãos de Filipos a alegrar-se no Senhor. Podemos alegrar-nos? E por que motivo é necessário rejubilar? A resposta de São Paulo é: porque «o Senhor está próximo!» (Fl 4,5). Daqui a poucos dias celebraremos o Natal, a festividade da vinda de Deus, que se fez menino e nosso irmão para permanecer conosco e compartilhar a nossa condição humana. Devemos alegrar-nos por esta sua proximidade, por esta sua presença, procurando compreender cada vez mais que realmente Ele está próximo, e para assim sermos penetrados pela realidade da bondade de Deus, da alegria que Cristo está conosco. O apóstolo Paulo diz com força, numa outra sua Carta, que nada pode separar-nos do amor de Deus, que se manifestou em Cristo. Unicamente o pecado nos afasta dele, mas este é um facto de separação que nós mesmos introduzimos na nossa relação com o Senhor. Porém, mesmo quando nos afastamos, Ele não deixa de nos amar e continua a permanecer próximo de nós com a sua misericórdia, com a sua disponibilidade a perdoar e a acolher-nos no seu amor. Por isso, assim continua são Paulo, nunca devemos angustiar-nos, pois podemos expor sempre ao Senhor os nossos pedidos, as nossas necessidades e as nossas preocupações «com orações e súplicas» (v. 6). E este é já um grande motivo de alegria: saber que é sempre possível pedir ao Senhor, e que Ele, o Senhor, nos atende, que Deus não está distante mas ouve realmente, que Ele nos conhece, e saber que nunca rejeita as nossas preces, embora não responda sempre do modo como nós desejamos, mas responde. E o apóstolo acrescenta: orai «com ações de graças» (ibidem). O júbilo que o Senhor nos comunica deve encontrar em nós o amor reconhecido. Efetivamente, a alegria só é completa quando reconhecemos a sua misericórdia, quando nos tornamos atentos aos sinais da sua bondade, se realmente sentirmos que esta bondade de Deus está conosco, e se lhe agradecermos aquilo que recebemos dele todos os dias. Quem acolhe os dons de Deus de modo egoísta não encontra a verdadeira alegria: ao contrário, aqueles que encontram nas dádivas recebidas de Deus ocasiões para o amar com gratidão sincera e para transmitir aos demais o seu amor, têm o coração verdadeiramente repleto de alegria. Recordemo-lo!
Depois das duas Cartas, analisemos o Evangelho. O Evangelho hodierno diz-nos que para acolher o Senhor que vem devemos preparar-nos, prestando muita atenção à nossa conduta de vida. Às várias pessoas que lhe perguntam o que devem fazer a fim de estar prontas para a vinda do Messias (cf. Lc 3,10.12.14), João Batista responde que Deus não exige nada de extraordinário, mas que cada um viva em conformidade com critérios de solidariedade e de justiça; sem elas não é possível preparar-se para o encontro com o Senhor. Por conseguinte, perguntemos também nós ao Senhor o que espera e o que deseja que façamos, e comecemos a compreender que Ele não exige gestos extraordinários, mas que levemos uma vida comum em retidão e bondade. Finalmente, João Batista indica quem devemos seguir com fidelidade e coragem. Antes de tudo, nega que ele mesmo é o Messias, e depois proclama com determinação: «Eu batizo-vos com a água, mas eis que virá Outro, mais poderoso do que eu, a quem não sou digno de lhe desatar a correia das sandálias» (v. 16). Aqui observamos a grande humildade de João, ao reconhecer que a sua missão consiste em preparar o caminho para Jesus. Afirmando «Eu batizo-vos com a água», quer dar a entender que a sua unção é simbólica. Com efeito, ele não pode eliminar nem perdoar os pecados: batizando com a água, ele só pode indicar que é necessário mudar de vida. Ao mesmo tempo, João anuncia a vinda do «mais poderoso», que «vos batizará no Espírito Santo e no fogo» (ibidem). E, como ouvimos, este grande profeta recorre a imagens vigorosas para convidar à conversão, e não o faz com a finalidade de incutir temor, mas fá-lo sobretudo para estimular a receber bem o Amor de Deus, o Único que pode purificar verdadeiramente a vida. Deus faz-se homem como nós, para nos outorgar uma esperança que é certeza: se o seguirmos, se vivermos com coerência a nossa existência cristã, Ele atrair-nos-á a si, levar-nos-á à comunhão consigo; e, no nosso coração, haverá a alegria verdadeira e a paz autêntica, inclusive no meio das dificuldades, também nos momentos de fragilidade.
Estimados amigos! Estou feliz por rezar convosco ao Senhor, que se torna presente na Eucaristia para permanecer sempre conosco. Saúdo cordialmente o Cardeal Vigário, o Bispo Auxiliar do Setor, o vosso Pároco, Pe. Fabio Fasciani, a quem agradeço as amáveis palavras com as quais me explicou a situação da paróquia, a riqueza espiritual da vida paroquial, e saúdo ainda todos os Sacerdotes aqui presentes. Saúdo quantos trabalham no âmbito da paróquia: os catequistas, os membros do coro e dos vários grupos paroquiais, assim como os seguidores do Caminho Neocatecumenal, aqui comprometidos no campo da missão. Vejo com alegria muitas crianças que seguem a palavra de Deus a diversos níveis, preparando-se para a Comunhão, para a Crisma e para o pós-Crisma, para a vida. Bem-vindos! Estou feliz por ver aqui uma Igreja viva! Dirijo o meu pensamento às Oblatas de Nossa Senhora do Rosário, presentes no território da paróquia, bem como a todos os habitantes do bairro, especialmente aos idosos, aos doentes e às pessoas em dificuldades. Nesta Santa Missa rezo por todos e cada um.
A vossa paróquia, que se formou no bairro do Colle Prenestino entre o final dos anos 60 e os meados dos anos 80, depois das dificuldades iniciais, devidas à falta de estruturas e de serviços, dotou-se de uma nova e bonita igreja, inaugurada em 2007, após uma longa espera. Portanto, este edifício sagrado seja um espaço privilegiado para crescer no conhecimento e no amor por Aquele que, daqui a poucos dias, receberemos na alegria da Natividade como Redentor do mundo e nosso Salvador. Não deixeis de vir encontrá-lo com frequência, para sentir ainda mais a sua presença que fortalece. Alegro-me pelo sentido de pertença à comunidade paroquial que, ao longo destes anos, amadureceu e se consolidou cada vez mais. Encorajo-vos a fim de que aumente cada vez mais a co-responsabilidade pastoral numa perspectiva de comunhão autêntica entre todas as realidades presentes, chamadas a viver a complementaridade na diversidade. De modo particular, desejo evocar a todos vós a importância e a centralidade da Eucaristia na vida pessoal e comunitária. A Santa Missa seja o centro do vosso Domingo, que deve ser redescoberto e vivido como dia de Deus e da comunidade, dia no qual louvar e celebrar Aquele que morreu e ressuscitou pela nossa salvação e que nos pede para viver juntos na alegria de uma comunidade aberta e pronta para acolher cada pessoa sozinha ou em dificuldade. Do mesmo modo, exorto-vos a aproximar-vos com regularidade do sacramento da Reconciliação, sobretudo neste tempo de Advento.
Sei quanto levais a cabo na preparação dos adolescentes e dos jovens para os Sacramentos da vida cristã. O Ano da fé, que agora vivemos, deve tornar-se uma ocasião para fazer crescer e consolidar a experiência da catequese, de modo a permitir que todo o bairro conheça e aprofunde o Credo da Igreja e encontre o Senhor como uma Pessoa viva. Dirijo um pensamento especial às famílias, com os bons votos de que possam realizar plenamente a própria vocação ao amor com generosidade e perseverança. E desejo dirigir uma especial palavra de carinho e de amizade também a vós, caríssimos adolescentes e jovens que me ouvis, bem como aos vossos coetâneos que vivem nesta paróquia. Senti-vos autênticos protagonistas da nova evangelização, colocando as vossas energias vigorosas, o vosso entusiasmo e as vossas capacidades ao serviço de Deus e do próximo, no seio da comunidade.
Caros irmãos e irmãs, como já dissemos no início desta celebração, a liturgia deste dia exorta-nos à alegria e à conversão. Abramos o nosso espírito a este convite; corramos ao encontro do Senhor que vem, invocando e imitando são Patrício, grande evangelizador, e a Virgem Maria que, silenciosa e orante, esperou e preparou a Natividade do Redentor. Amém!


Fonte: Santa Sé

Catequese do Papa: Maria, ícone da fé

Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Ano da Fé (10): Virgem Maria, ícone da fé obediente

Queridos irmãos e irmãs!
No caminho do Advento, a Virgem Maria ocupa um lugar especial, como Aquela que de maneira singular esperou a realização das promessas de Deus, acolhendo na fé e na carne Jesus, o Filho de Deus, em plena obediência à vontade divina. Hoje, gostaria de meditar brevemente convosco a propósito da fé de Maria, a partir do grande mistério da Anunciação.
«Chaîre kecharitomene, ho Kyrios meta sou», «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo!» (Lc 1,28). São estas as palavras - citadas pelo evangelista Lucas - com as quais o arcanjo Gabriel se dirige a Maria. À primeira vista, o termo chaîre, “ave”, parece uma saudação normal, usual no âmbito grego, mas estas palavras, se forem lidas no contexto da tradição bíblica, adquirem um significado muito mais profundo. Este mesmo termo aparece quatro vezes na versão grega do Antigo Testamento e sempre como anúncio de alegria pela vinda do Messias (cf. Sf  3,14; Gl 2,21; Zc 9 9; Lm 4,21). Portanto, a saudação do anjo a Maria constitui um convite à alegria, a um júbilo profundo, anuncia o fim da tristeza que existe no mundo, diante do limite da vida, do sofrimento, da morte, da maldade e da obscuridade do mal que parece ofuscar a luz da bondade divina. Trata-se de uma saudação que marca o início do Evangelho, da Boa Nova.
Mas por que Maria é convidada a alegrar-se deste modo? A resposta encontra-se na segunda parte da saudação: “o Senhor está contigo”. Também aqui, para compreender bem o sentido desta expressão, devemos consultar o Antigo Testamento. No Livro de Sofonias encontramos esta expressão: «Alegra-te, filha de Sião... O rei de Israel, que é o Senhor, está no meio de ti... O Senhor teu Deus está no meio de ti como Salvador poderoso» (3,14-17). Nestas palavras existe uma promessa dupla feita a Israel, à filha de Sião: Deus virá como Salvador e fará a sua morada precisamente no meio do seu povo, no ventre da filha de Sião. No diálogo entre o anjo e Maria realiza-se exatamente esta promessa: Maria é identificada com o povo desposado por Deus, é verdadeiramente a Filha de Sião em pessoa; é nela que se cumpre a expectativa da vinda definitiva de Deus, é nela que o Deus vivo faz a sua morada.
Na saudação do anjo, Maria é chamada «cheia de graça»; em grego o termo «graça», charis, tem a mesma raiz linguística da palavra «alegria». Também nesta expressão é ulteriormente esclarecida a nascente do alegrar-se de Maria: o júbilo provém da graça, ou seja, deriva da comunhão com Deus, do facto de manter um vínculo tão vital com Ele, a ponto de ser morada do Espírito Santo, totalmente plasmada pela obra de Deus. Maria é a criatura que de modo singular abriu totalmente a porta ao seu Criador, colocando-se nas suas mãos sem quaisquer limites. Ela vive inteiramente da na relação com o Senhor; põe-se em atitude de escuta, atenta a captar os sinais de Deus no caminho do seu povo; está inserida numa história de fé e de esperança nas promessas de Deus, que constitui o tecido da sua existência. E submete-se de maneira livre à palavra recebida, à vontade divina na obediência da fé.
O evangelista Lucas narra a vicissitude de Maria através de um paralelismo requintado com a vicissitude de Abraão. Do mesmo modo como o grande Patriarca é o pai dos crentes, que respondeu à chamada de Deus para sair da terra em que vivia, das suas seguranças, para começar a percorrer o caminho rumo a uma terra desconhecida e possuída só na promessa divina, assim Maria entrega-se com plena confiança à palavra que lhe anuncia o mensageiro de Deus, tornando-se modelo e mãe de todos os crentes.
Gostaria de sublinhar mais um aspecto importante: a abertura da alma a Deus e à sua obra na fé inclui também o elemento da obscuridade. A relação do ser humano com Deus não cancela a distância entre Criador e criatura, não elimina aquilo que o apóstolo Paulo afirma perante as profundezas da sabedoria de Deus: «Quão impenetráveis são os seus juízos e inexploráveis os seus caminhos!» (Rm 11,33). Mas precisamente aquele que - como Maria - está aberto de modo total a Deus, consegue aceitar a vontade divina, ainda que seja misteriosa, embora muitas vezes não corresponda à própria vontade e seja uma espada que trespassa a alma, como profeticamente o velho Simeão dirá a Maria no momento em que Jesus é apresentado no Templo (cf. Lc 2,35). O caminho de fé de Abraão abrange o momento de alegria pelo dom do filho Isaac, mas inclusive o momento da obscuridade, quando deve subir ao monte Moriá para cumprir um gesto paradoxal: Deus pede-lhe que sacrifique o filho que lhe tinha acabado de doar. No monte, o anjo ordena-lhe: «Não estendas a tua mão sobre o menino, e não lhe faças nada; agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o teu único filho» (Gn 22,12); a confiança plena de Abraão no Deus fiel às promessas não esmorece nem sequer quando a sua palavra é misteriosa e difícil, quase impossível, de aceitar. É assim que acontece para Maria, pois a sua fé vive a alegria da Anunciação, mas passa inclusive através da obscuridade da crucifixão do seu Filho, para poder chegar até à luz da Ressurreição.
Não é diferente inclusive para o caminho de fé de cada um de nós: encontramos momentos de luz, mas vivemos também outros nos quais Deus parece ausente; o seu silêncio pesa no nosso coração e a sua vontade não corresponde à nossa, àquilo que nós gostaríamos. Mas quanto mais nos abrirmos a Deus, acolhermos o dom da fé, depositarmos totalmente nele a nossa confiança - como Abraão e como Maria - tanto mais Ele nos torna capazes, mediante a sua presença de viver cada situação da vida na paz e na certeza da sua fidelidade e do seu amor. No entanto, isto significa sair de nós mesmos e dos nossos projetos, a fim de que a Palavra de Deus seja a lâmpada orientadora dos nossos pensamentos e das nossas ações.
Gostaria de refletir ainda sobre um aspecto que sobressai das narrações sobre a Infância de Jesus, escritas por são Lucas. Maria e José levam o Filho a Jerusalém, ao Templo, para o apresentar e consagrar ao Senhor, como prescreve a lei de Moisés: «Todo o primogénito varão será consagrado ao Senhor» (cf. Lc 2,22-24). Este gesto da Sagrada Família adquire um sentido ainda mais profundo, se o interpretarmos à luz da ciência evangélica de Jesus com doze anos que, depois de três dias de procura, é encontrado no Templo a dialogar com os doutores. Às palavras cheias de preocupação de Maria e José: «Filho, porque nos fizeste isto? Olha que teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura», corresponde a resposta misteriosa de Jesus: «Por que me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» (Lc 2,48-49). Ou seja, na propriedade do Pai, na casa do Pai, como o é um filho. Maria deve renovar a fé profunda com que disse «sim» na Anunciação; deve aceitar que a precedência seja do verdadeiro Pai de Jesus; deve saber deixar livre aquele Filho que gerou, a fim de que siga a sua missão. E o «sim» de Maria à vontade de Deus, na obediência da fé, repete-se ao longo de toda a sua vida, até ao momento mais difícil da Cruz.
Diante de tudo isto, podemos interrogar-nos: como foi que Maria conseguiu viver este caminho ao lado do Filho, com uma fé tão sólida, também nas obscuridades, sem perder a confiança completa na obra de Deus? Existe uma atitude de fundo que Maria assume perante aquilo que se verifica na sua vida. Na Anunciação, Ela sente-se perturbada ao ouvir as palavras do anjo - trata-se do temor que o homem sente quando é tocado pela proximidade de Deus - mas não é a atitude de quantos têm medo diante daquilo que Deus pode pedir. Maria medita, interroga-se a respeito do significado de tal saudação (cf. Lc 1,29). O termo grego utilizado no Evangelho para definir este «meditar», «dielogizeto», evoca a raiz da palavra «diálogo». Isto significa que Maria entra em diálogo íntimo com a Palavra de Deus que lhe foi anunciada, não a considera superficialmente, mas detém-se, deixa-a penetrar na sua mente e no seu coração para compreender aquilo que o Senhor deseja dela, o sentido do anúncio. Outra referência à atitude interior de Maria diante da obra de Deus encontramo-la, ainda no Evangelho de são Lucas, no momento da Natividade de Jesus, depois da adoração dos pastores. Afirma-se que Maria «conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (Lc 2,19); em grego, o termo é symballon; poderíamos dizer que Ela «mantinha unidos», «reunia» no seu coração todos os eventos que lhe estavam a acontecer; colocava cada um dos elementos, cada palavra, cada acontecimento no interior do tudo confrontando-o, conservando-o e reconhecendo que tudo deriva da vontade de Deus. Maria não se limita a uma primeira compreensão superficial daquilo que acontece na sua vida, mas sabe olhar em profundidade, deixa-se interpelar pelos eventos, elabora-os, discerne-os e alcança aquele entendimento que só a fé pode garantir. É a humildade profunda da fé obediente de Maria, que acolhe em si mesma também aquilo que não compreende no agir de Deus, deixando que seja Deus quem abre a sua mente e o seu coração. «Feliz daquela que acreditou que teria cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor» (Lc 1,45), exclama a sua prima Isabel. É precisamente pela sua fé, que todas as gerações lhe chamarão ditosa.
Caros amigos, a solenidade do Natal do Senhor, que daqui a pouco celebraremos, convida-nos a viver esta mesma humildade e obediência de fé. A glória de Deus não se manifesta no triunfo e no poder de um rei, não resplandece numa cidade famosa, num palácio luxuoso, mas faz a sua morada no ventre de uma virgem, revela-se na pobreza de um menino. A omnipotência de Deus, também na nossa vida, age com a força, muitas vezes silenciosa, da verdade e do amor. Então, a fé diz-nos que no final o poder indefeso daquele Menino vence o ruído das potências do mundo.


Fonte: Santa Sé

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A celebração da Solenidade da Santa Mãe de Deus

“Salve, ó Santa Mãe de Deus, vós destes à luz o Rei que governa o céu e a terra pelos séculos eternos” (Antífona de entrada da Solenidade da Santa Mãe de Deus).

No dia 01 de janeiro, início do ano civil, a Igreja de Rito Romano celebra a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus.

Tal tradição remonta ao século IV, sob a influência das “festas associadas” da tradição bizantina: após a comemoração de um evento da história da salvação celebram-se os personagens que dele participaram.

Para conhecer o simbolismo do ícone da Sinaxe da Santa Mãe de Deus, festa celebrada pelos orientais no dia 26 de dezembro, clique aquiPara os diferentes tipos de ícones de Nossa Senhora, por sua vez, clique aqui.

O Papa Francisco incensa a imagem da Santa Mãe de Deus
(01 de janeiro de 2018)

Com o tempo, porém, uma vez que o dia 01 de janeiro é também o oitavo dia após a Solenidade do Natal do Senhor, a Solenidade da Santa Mãe de Deus deu lugar à Festa da Circuncisão do Senhor, à luz de Lc 1,21. O Papa Pio XI (†1939) recuperaria a Festa da Mãe de Deus em 1931, transferindo-a para o dia 11 de outubro, até que a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, por fim, “devolveu-a” ao dia 01 de janeiro.

“No ordenamento do período natalício, conforme foi recomposto, parece-nos que as atenções de todos se devem voltar para a reatada Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus. Esta, colocada como está, segundo o que aconselhava o uso antigo da Urbe, no dia 1° de janeiro, destina-se a celebrar a parte tida por Maria neste mistério de salvação e, a exaltar a dignidade singular que daí advém para a ‘santa Mãe, pela qual recebemos o Autor da vida’’’ (São Paulo VI, Exortação Apostólica Marialis Cultus, n. 5).

A celebração do dia 31 de dezembro

A celebração dos domingos e das solenidades inicia-se sempre na tarde do dia anterior, com as chamadas I Vésperas (cf. Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, n. 11).

Assim, pela manhã ou à tarde do dia 31 de dezembro celebra-se a Missa do 7º dia na oitava do Natal (Missal Romano, p. 158) ou a Memória facultativa de São Silvestre, Papa (p. 726). A partir do pôr-do-sol do dia 31 de dezembro, porém, celebra-se necessariamente a Missa da Solenidade da Santa Mãe de Deus (pp. 159-160).

Quando, porém, o dia 01 de janeiro cai na segunda-feira, no dia 31 de dezembro, que neste caso é o domingo após o Natal, celebra-se a Festa da Sagrada Família (Missal Romano, p. 155). A partir do pôr-do-sol, do dia 31, porém, celebra-se sempre a Solenidade da Santa Mãe de Deus.

Essa Missa não possui nenhuma particularidade litúrgica, exceto:
- toma-se o Prefácio da Virgem Maria I (p. 445), no qual, ao invés de dizer “e na festa de Maria...” diz-se “e na maternidade de Maria...”;
- recomenda-se utilizar a Oração Eucarística I (Cânon Romano), uma vez que o texto do Communicantes (Em comunhão com...) é próprio, o mesmo recitado na Solenidade do Natal do Senhor e durante toda a oitava (n. 365).

Além disso, uma vez que o dia 31 de dezembro é a conclusão do ano civil, o Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia (n. 114) recomenda realizar nesse dia:
- a exposição prolongada do Santíssimo Sacramento;
- e o canto do hino Te Deum em ação de graças pelo encerramento do ano.

Catequeses do Papa: São João

Dando continuidade a nossa série de postagens sobre os Apóstolos durante o Ano da Fé, publicamos as catequeses do Papa Bento XVI sobre São João, Apóstolo e Evangelista, cuja Festa celebramos dia 27 de dezembro.

Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 5 de julho de 2006
João, filho de Zebedeu

Queridos irmãos e irmãs! 
Dedicamos o encontro de hoje à recordação de outro membro muito importante do colégio apostólico: João, filho de Zebedeu e irmão de Tiago. O seu nome, tipicamente judaico, significa "o Senhor fez a graça". Estava a consertar as redes na margem do lago de Tiberíades, quando Jesus o chamou juntamente com o irmão (cf. Mt 4,21; Mc 1,19). João pertence também ao grupo restrito, que Jesus chama em determinadas ocasiões.
Está com Pedro e com Tiago quando Jesus, em Cafarnaum, entra em casa de Pedro para curar a sua sogra (cf. Mc 1,29); com os outros dois segue o Mestre na casa de Jairo, chefe da sinagoga, cuja filha será chamada à vida (cf. Mc 5,37); segue-o quando ele sobe ao monte para ser transfigurado (cf. Mc 9,2); está ao lado dele no Monte das Oliveiras quando, face à imponência do Templo de Jerusalém, pronuncia o sermão sobre o fim da cidade e do mundo (cf. Mc 13,3); e, finalmente, está ao seu lado quando, no Horto do Getsêmani, se retira para rezar ao Pai antes da Paixão (cf. Mc 14,33). Pouco antes da Páscoa, quando Jesus escolhe dois discípulos para os enviar a preparar a sala para a Ceia, confia a ele e a Pedro esta tarefa (cf. Lc 22,8). 
Esta sua posição de relevo no grupo dos Doze torna de certa forma compreensível a iniciativa tomada um dia pela mãe: ela aproximou-se de Jesus para lhe pedir que os dois filhos, precisamente João e Tiago, pudessem sentar-se um à sua direita e outro à sua esquerda no Reino (cf. Mt 20,20-21). Como sabemos, Jesus respondeu fazendo por sua vez uma pergunta: pediu que eles estivessem dispostos a beber do cálice que ele mesmo estava para beber (cf. Mt 20,22). 
A intenção que estava por detrás daquelas palavras era a de despertar os dois discípulos, introduzi-los no conhecimento do mistério da sua pessoa e de os fazer refletir sobre a futura chamada a ser suas testemunhas até à prova suprema do sangue. 
De fato, pouco depois Jesus esclareceu que não veio para ser servido mas para servir e dar a própria vida em resgate pela multidão (cf. Mt 20,28). Nos dias seguintes à ressurreição, encontramos "os filhos de Zebedeu" empenhados com Pedro e outros discípulos numa noite infrutuosa, à qual se segue, pela intervenção do Ressuscitado, a pesca milagrosa: será "o discípulo que Jesus amava" quem reconhece primeiro "o Senhor" e quem o indica a Pedro (cf. Jo 21,1-13). 
Na Igreja de Jerusalém, João ocupou um lugar de realce na orientação do primeiro agrupamento de cristãos. De fato, Paulo o inclui entre os que ele chama as "colunas" daquela comunidade (cf. Gl 2,9). Na realidade, nos Atos, Lucas apresenta-o juntamente com Pedro quando vão rezar no Templo (cf. At 3,1-4.11) ou estão diante do Sinédrio para testemunhar a própria fé em Jesus Cristo (cf. At 4,13.19). Juntamente com Pedro é enviado pela Igreja de Jerusalém para confirmar aqueles que na Samaria aceitaram o Evangelho, pregando por eles a fim de que recebam o Espírito Santo (cf. At 8 14-15). 
Em particular, deve recordar-se o que afirma, juntamente com Pedro, diante do Sinédrio que os está a processar: "Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos" (At 4,20). Precisamente esta franqueza ao confessar a própria fé permanece um exemplo e uma admoestação para todos nós a estarmos sempre prontos para declarar com determinação a nossa inabalável adesão a Cristo, antepondo a fé a qualquer cálculo ou interesse humano. 
Segundo a tradição, João é "o discípulo predileto", que no quarto Evangelho apoia a cabeça no peito do Mestre durante a Última Ceia (cf. Jo 13,21), encontra-se aos pés da Cruz juntamente com a Mãe de Jesus (cf. Jo 19,25) e, por fim, é testemunha quer do túmulo vazio quer da própria presença do Ressuscitado (cf. Jo 20,2; 21,7). 
Sabemos que esta identificação hoje é debatida pelos estudiosos, alguns dos quais veem nele simplesmente o protótipo do discípulo de Jesus. Deixando aos exegetas a tarefa de resolver a questão, contentamo-nos com receber uma lição importante para a nossa vida: o Senhor deseja fazer de cada um de nós um discípulo que vive uma amizade pessoal com Ele. Para realizar isto não é suficiente segui-lo e ouvi-lo exteriormente; é preciso também viver com e como Ele. 
Isto é possível apenas no contexto de uma relação de grande familiaridade, repleto do calor de uma total confiança; por isso um dia Jesus disse: "Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos... Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai" (Jo 15,13.15). 
Nos apócrifos Atos de João, o Apóstolo é apresentado não como fundador de Igrejas nem sequer como guia de comunidades já constituídas, mas em contínua itinerância como comunicador da fé no encontro com "almas capazes de ter esperança e de ser salvas" (18,10; 10,8). Tudo é movido pela intenção paradoxal de mostrar o invisível. De fato, ele é chamado pela Igreja oriental simplesmente "o Teólogo", isto é, aquele que é capaz de falar das coisas divinas em termos acessíveis, revelando um arcano acesso a Deus mediante a adesão a Jesus. 
O culto de João apóstolo afirmou-se a partir da cidade de Éfeso, onde, segundo uma antiga tradição, trabalhou por muito tempo, falecendo ali com uma idade extraordinariamente avançada, sob o Imperador Trajano. Em Éfeso o imperador Justiniano, no século VI, mandou construir em sua honra uma grande basílica, da qual permanecem ainda imponentes ruínas. 
Precisamente no Oriente ele gozou e goza ainda de grande veneração. Na iconografia bizantina é representado com frequência muito idoso - segundo a tradição morreu sob o imperador Trajano - e em intensa contemplação, quase na atitude de quem convida ao silêncio. 
De fato, sem adequado recolhimento não é possível aproximar-se do mistério supremo de Deus e da sua revelação. Isto explica porque, há anos, o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Atenágoras, aquele que o Papa Paulo VI abraçou num memorável encontro, afirmou: "João está na origem da nossa mais alta espiritualidade. Como ele, os 'silenciosos' conhecem aquele misterioso intercâmbio dos corações, invocando a presença de João e o seu coração inflama-se" (O. Clément, Diálogos com Atenágoras, Turim, 1972, p. 159). O Senhor nos ajude a pormo-nos na escola de João para aprender a grande lição do amor, de modo que nos sintamos amados por Cristo "até ao fim" (Jo 13,1) e empreguemos a nossa vida por Ele. 

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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 9 de Agosto de 2006
João, o teólogo

Queridos irmãos e irmãs! 
Antes das férias eu tinha começado a fazer pequenos retratos dos doze Apóstolos. Os Apóstolos eram companheiros de vida de Jesus, amigos de Jesus e este caminho deles com Jesus não era só um caminho exterior, da Galileia a Jerusalém, mas um caminho interior no qual aprenderam a fé em Jesus Cristo, não sem dificuldades porque eram homens como nós. Mas precisamente por isto, porque eram companheiros de vida de Jesus, amigos de Jesus que num caminho não fácil aprenderam a fé, são também guias para nós, que nos ajudam a conhecer Jesus Cristo, a amá-lo e a ter fé n'Ele. Eu já tinha falado sobre quatro dos doze Apóstolos: de Simão Pedro, do seu irmão André, de Tiago, o irmão de São João, e do outro Tiago, chamado "o Menor", que escreveu uma Carta que encontramos no Novo Testamento. E eu tinha começado a falar de João, o evangelista, mencionando na última audiência antes das férias os dados essenciais que traçam a fisionomia deste Apóstolo. Agora gostaria de concentrar a atenção sobre o conteúdo do seu ensinamento. Por conseguinte, os escritos dos quais hoje desejamos ocupar-nos são o Evangelho e as Cartas que têm o seu nome. 
Se existe um assunto característico que mais sobressai nos escritos de João, é o amor. Não foi por acaso que quis iniciar a minha primeira Carta encíclica com as palavras deste Apóstolo: "Deus é amor (Deus caritas est); quem está no amor habita em Deus e Deus habita nele" (1Jo 4,16). É muito difícil encontrar textos do gênero noutras religiões. Portanto, tais expressões põem-nos diante de um dado verdadeiramente peculiar do cristianismo. Certamente João não é o único autor das origens cristãs que fala do amor. Sendo este um elemento essencial do cristianismo, todos os escritores do Novo Testamento falam dele, mesmo se com acentuações diferentes. Se agora nos detemos a refletir sobre este tema em João, é porque ele nos traçou com insistência e de modo incisivo as suas linhas principais. Portanto, confiemo-nos às suas palavras. Uma coisa é certa: ele não reflete de modo abstrato, filosófico, ou até teológico, sobre o que é o amor. Não, ele não é um teórico. De fato, o verdadeiro amor, por sua natureza, nunca é meramente especulativo, mas faz referência direta, concreta e verificável a pessoas reais. Pois bem, João, como apóstolo e amigo de Jesus mostra-nos quais são os componentes ou melhor as fases do amor cristão, um movimento caracterizado por três momentos. 
O primeiro refere-se à própria Fonte do amor, que o Apóstolo coloca em Deus, chegando, como ouvimos, a afirmar que "Deus é amor" (1Jo 4,8.16). João é o único autor do Novo Testamento que nos dá uma espécie de definição de Deus. Ele diz, por exemplo, que "Deus é Espírito" (Jo 4,24) ou que "Deus é luz" (1Jo 1,5). Aqui proclama com intuição resplandecente que "Deus é amor". Observe-se bem: não é simplesmente afirmado que "Deus ama", nem sequer que "o amor é Deus"! Por outras palavras: João não se limita a descrever o agir divino, mas procede até às suas raízes. Além disso, não pretende atribuir uma qualidade a um amor genérico e talvez impessoal; não se eleva do amor a Deus, mas dirige-se diretamente a Deus para definir a sua natureza com a dimensão infinita do amor. Com isto, João deseja dizer que o constitutivo essencial de Deus é o amor e, portanto, toda a atividade de Deus nasce do amor e está orientada para o amor: tudo o que Deus faz é por amor, mesmo se nem sempre podemos compreender imediatamente que Ele é amor, o verdadeiro amor. 
Mas, a este ponto é indispensável dar um passo em frente e esclarecer que Deus demonstrou concretamente o seu amor entrando na história humana mediante a pessoa de Jesus Cristo, que encarnou, morreu e ressuscitou por nós. Este é o segundo momento constitutivo do amor de Deus. Ele não se limitou às declarações verbais, mas, podemos dizer, empenhou-se verdadeiramente e "pagou" em primeira pessoa. Como escreve precisamente João, "Tanto amou Deus o mundo (isto é: todos nós) que lhe entregou o seu Filho Unigênito" (Jo 3,16). Agora, o amor de Deus pelos homens concretiza-se e manifesta-se no amor do próprio Jesus. João escreve ainda: Jesus "que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo" (Jo 13,1). Em virtude deste amor oblativo e total nós somos radicalmente resgatados do pecado, como escreve ainda São João: "Filhinhos meus... se alguém pecar, temos junto do Pai um advogado, Jesus Cristo, o Justo, pois Ele é a vítima que expia os nossos pecados, e não somente os nossos, mas também os de todo o mundo" (1Jo 2,1-2; cf. 1,7). Eis até onde chegou o amor de Jesus por nós:  até à efusão do próprio sangue para a nossa salvação! O cristão, detendo-se em contemplação diante deste "excesso" de amor, não pode deixar de refletir sobre qual é a resposta obrigatória. E penso que sempre e de novo cada um de nós deve interrogar-se sobre isto. 
Esta pergunta introduz-nos no terceiro momento da dinâmica do amor: de destinatários receptivos de um amor que nos precede e nos domina, somos chamados ao compromisso de uma resposta ativa, que para ser adequada só pode ser uma resposta de amor. João fala de um "mandamento". De fato, ele refere estas palavras de Jesus: "Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei" (Jo 13,34). Onde está a novidade à qual Jesus se refere? Ela consiste no fato de que não se contenta de repetir o que já era exigido no Antigo Testamento e que lemos nos outros Evangelhos: "Ama o próximo como a ti mesmo" (Lv 19,18; cf. Mt 22,37-39; Mc 12,29-31; Lc 10,27). No antigo preceito o critério normativo era presumido a partir do homem ("como a ti mesmo"), enquanto que no preceito mencionado por João, Jesus apresenta como motivo e norma do nosso amor a sua própria pessoa: "Como Eu vos amei". É assim que o amor se torna verdadeiramente cristão, levando em si a novidade do cristianismo: quer no sentido de que ele deve destinar-se a todos sem distinções, quer porque deve sobretudo chegar até às últimas consequências, tendo unicamente como medida chegar ao extremo. Aquelas palavras de Jesus, "como Eu vos amei", convidam-nos e ao mesmo tempo preocupam-nos; são uma meta cristológica que pode parecer inalcançável, mas são, ao mesmo tempo, um estímulo que não nos permite acomodar-nos no que podemos realizar. Não permite que nos contentemos do que somos, mas estimula-nos a permanecer a caminho rumo a esta meta. 
Aquele texto áureo de espiritualidade que é o pequeno livro do final da Idade Média intitulado Imitação de Cristo escreve a este propósito: "O nobre amor de Jesus estimula-nos a realizar coisas grandes e a desejar coisas sempre mais perfeitas. O amor quer estar no alto e não ser aprisionado por baixeza alguma. O amor quer ser livre e separado de qualquer afeto mundano... de fato, o amor nasceu de Deus, e só pode repousar em Deus acima de todas as coisas criadas. Quem ama voa, corre e rejubila, é livre, e nada o retém. Dá tudo a todos e tem tudo em todas as coisas, porque encontra repouso no Único grande que está acima de todas as coisas, do qual brota e provém qualquer bem" (livro III, cap. 5). Qual melhor comentário do que o "mandamento novo", enunciado por João? Pedimos ao Pai que o possamos viver, mesmo se sempre de modo imperfeito, tão intensamente que contagiemos a todos os que encontrarmos no nosso caminho. 

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Papa Bento XVI
Audiência Geral
Quarta-feira, 23 de agosto de 2006
João, o vidente de Patmos

Queridos irmãos e irmãs! 
Na última catequese tínhamos chegado à meditação sobre a figura do Apóstolo João. Primeiro, tínhamos procurado ver quanto se pode saber da sua vida. Depois, numa segunda catequese, tínhamos meditado acerca do conteúdo central do seu Evangelho, das suas Cartas:  a caridade, o amor. E hoje estamos ainda empenhados com a figura de João, desta vez para meditar sobre o Vidente do Apocalipse. E fazemos imediatamente uma observação:  enquanto nem o quarto Evangelho nem as Cartas atribuídas ao Apóstolo trazem o seu nome, o Apocalipse faz referência ao nome de João por quatro vezes (cf. 1,1.4.9; 22,8). É evidente que o autor, por um lado, não tinha motivo algum para não mencionar o próprio nome e, por outro, sabia que os seus primeiros leitores o podiam identificar com clareza. Sabemos também que, já no século III, os estudiosos discutiam sobre a verdadeira identidade anagráfica do João do Apocalipse. Contudo, poderíamos também chamá-lo "o Vidente de Patmos", porque a sua figura está ligada com o nome desta ilha do Mar Egeu, onde, segundo o seu próprio testemunho autobiográfico, ele se encontrava como deportado "por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus" (Ap 1,9). Precisamente em Patmos, "no dia do Senhor, o espírito arrebatou-me" (Ap 1,10), João teve visões grandiosas e ouviu mensagens extraordinárias, que influenciarão bastante a história da Igreja e toda a cultura cristã. Por exemplo, do título do seu livro Apocalipse, Revelação, foram introduzidas na nossa linguagem as palavras "apocalipse, apocalíptico", que recordam, embora de modo impróprio, a ideia de uma catástrofe iminente. 
O livro deve ser compreendido no quadro da dramática experiência das sete Igrejas da Ásia (Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia, Laodiceia), que nos finais do século I tiveram que enfrentar grandes dificuldades, perseguições e tensões também internas no seu testemunho a Cristo. João dirige-se a elas mostrando profunda sensibilidade pastoral em relação aos cristãos perseguidos, que ele exorta a permanecer firmes na fé e a não se identificarem com o mundo pagão, tão forte. O seu objeto é constituído em definitiva pela revelação, a partir da morte e ressurreição de Cristo, do sentido da história humana. De fato, a primeira e fundamental visão de João refere-se à figura do Cordeiro, que é imolado mas que está de pé (cf. Ap 5,6), colocado no meio do trono onde já está sentado o próprio Deus. Com isto, João quer dizer-nos antes de tudo duas coisas: a primeira é que Jesus, mesmo tendo sido morto com um ato de violência, em vez de cair no chão, paradoxalmente está bem firme sobre os seus pés, porque com a ressurreição venceu definitivamente a morte; a outra é que o próprio Jesus, precisamente porque morto e ressuscitado, já é plenamente partícipe do poder real e salvífico do Pai. Esta é a visão fundamental. Jesus, o Filho de Deus, nesta terra é um Cordeiro indefeso, ferido, morto. E contudo está erguido, de pé, está diante do trono de Deus e é partícipe do poder divino. Ele tem nas suas mãos a história do mundo. E assim o Vidente quer dizer-nos: tende confiança em Jesus, não tenhais medo dos poderes contrastantes, da perseguição! O Cordeiro ferido e morto vence! Segui o Cordeiro Jesus, confiai-vos a Jesus, caminhai pelo seu caminho! Mesmo se neste mundo é só um Cordeiro que parece frágil, é Ele o vencedor! 
Uma das principais visões do Apocalipse tem por objeto este Cordeiro no ato de abrir um livro, primeiro fechado com sete selos que ninguém tinha sido capaz de abrir. João é inclusivamente apresentado no gesto de abrir o livro e de o ler (cf. Ap 5,4). A história permanece indecifrável, incompreensível. Ninguém a pode ler. Talvez este pranto de João diante do mistério da história tão obscuro expresse a perturbação das Igrejas asiáticas pelo silêncio de Deus diante das perseguições a que estavam expostas naquele momento. É uma perturbação na qual se pode refletir bem o nosso horror face às graves dificuldades, incompreensões e hostilidades que também hoje a Igreja sofre em várias partes do mundo. São sofrimentos que a Igreja sem dúvida não merece, assim como o próprio Jesus não mereceu o seu suplício. Contudo eles revelam quer a maldade do homem, quando se abandona às sugestões do mal, quer a orientação superior dos acontecimentos por parte de Deus. Pois bem, só o Cordeiro imolado é capaz de abrir o livro selado e de revelar o seu conteúdo, de dar sentido a esta história aparentemente com tanta frequência absurda. Só Ele pode tirar indicações e ensinamentos para a vida dos cristãos, aos quais a sua vitória sobre a morte traz o anúncio e a garantia da vitória que também eles sem dúvida obterão. Toda a linguagem intensamente imaginária da qual João se serve oferece este conforto. 
No centro das visões que o Apocalipse expõe estão também aquelas muito significativas da Mulher que dá à luz um Filho varão, e a complementar do Dragão precipitado do céu, mas que ainda é muito poderoso. Esta Mulher representa Maria, a Mãe do Redentor, mas representa ao mesmo tempo toda a Igreja, o Povo de Deus de todos os tempos, a Igreja que em todos os tempos, com grande sofrimento, dá à luz Cristo sempre de novo. E está sempre ameaçada pelo poder do Dragão. Parece indefesa, frágil. Mas enquanto está ameaçada, perseguida pelo Dragão está também protegida pela consolação de Deus. E esta Mulher no final vence. O Dragão não vence. Eis a grande profecia deste livro, que nos dá confiança! A Mulher que sofre na história, a Igreja que é perseguida, no final torna-se a Esposa maravilhosa, figura da nova Jerusalém onde não há mais lágrimas nem pranto, imagem do mundo transformado, do novo mundo cuja luz é o próprio Deus, cuja lâmpada é o Cordeiro. 
Por este motivo, o Apocalipse de João, mesmo estando cheio de referências contínuas a sofrimentos, tribulações e pranto - a face obscura da história - está de igual modo repleto de frequentes cantos de louvor, que representam quase a face luminosa da história. Assim, por exemplo, lê-se nele que uma grande multidão, que canta quase gritando: "Aleluia! O Senhor nosso Deus, o Todo-Poderoso, começou o seu reinado! Alegremo-nos, rejubilemos, demos-lhe glória, porque chegou o momento das núpcias do Cordeiro, a sua esposa já está pronta" (Ap 19,6-7). Estamos diante do típico paradoxo cristão, segundo o qual o sofrimento nunca precipita como última palavra, mas é visto como ponto de passagem para a felicidade. Aliás, ele mesmo já está misteriosamente cheio da alegria que brota da esperança. Precisamente por isto, João, o Vidente de Patmos, pode encerrar o seu livro com uma última aspiração, palpitante de expectativa trepidante. Ela invoca a vinda do Senhor: "Vinde, Senhor Jesus!" (Ap 22,20). É uma das orações centrais da cristandade nascente, traduzida também por São Paulo na forma aramaica: "Marana tha". E esta oração "Vinde, Senhor Jesus!" (1Cor 16,22) tem diversas dimensões. Naturalmente é antes de tudo expectativa da vitória definitiva do Senhor, da nova Jerusalém, do Senhor que vem e transforma o mundo. Mas, ao mesmo tempo, é também oração eucarística: "Vinde Jesus, agora!". E Jesus vem, antecipa esta sua chegada definitiva. Assim com alegria dizemos ao mesmo tempo: "Vinde agora e de modo definitivo!". Esta oração tem também um terceiro significado: "Já viestes, Senhor! Temos a certeza da vossa presença entre nós. É uma experiência jubilosa. "Mas vinde de modo definitivo!". E assim, com São Paulo, com o Vidente de Patmos, com a cristandade nascente, também nós rezamos: "Vinde, Jesus! Vinde e transformai o mundo! Vinde já hoje e vença a paz!" Amém.



Fonte: Santa Sé

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Missa do Dia de Natal em Butiatuvinha

No último dia 25 de Dezembro, o Revmo. Pe. Elmo Heck presidiu a Missa do Dia na Solenidade do Natal do Senhor na Paróquia Nossa Senhora da Conceição em Butiatuvinha.

Procissão de entrada

Incensação do altar
Incensação da cruz
Incensação do presépio

Missa da Noite do Natal em Butiatuvinha

No último dia 24 de Dezembro, o Revmo. Pe. Elmo Heck presidiu a Missa da Noite na Solenidade do Natal do Senhor na Paróquia Nossa Senhora da Conceição em Butiatuvinha.

Canto das Kalendas antes da Missa
Imagem do Menino Jesus diante do altar sendo descoberta
Procissão de entrada

Incensação do altar

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Homilia: Solenidade do Natal do Senhor

São Leão Magno, Papa
Sermão I no Natal do Senhor
Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade

Hoje, amados filhos, nasceu o nosso Salvador. Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida; uma vida que, dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com a promessa da eternidade.
Ninguém está excluído da participação nesta felicidade. A causa da alegria é comum a todos, porque nosso Senhor, vencedor do pecado e da morte, não tendo encontrado ninguém isento de culpa, veio libertar a todos. Exulte o justo, porque se aproxima da vitória; rejubile o pecador, porque lhe é oferecido o perdão; reanime-se o pagão, porque é chamado à vida.
Quando chegou a plenitude dos tempos, fixada pelos insondáveis desígnios divinos, o Filho de Deus assumiu a natureza do homem para reconciliá-lo com seu Criador, de modo que o demônio, autor da morte, fosse vencido pela mesma natureza que antes vencera.
Eis por que, no nascimento do Senhor, os anjos cantam jubilosos: Glória a deus nas alturas; e anunciam: Paz na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14). Eles veem a Jerusalém celeste ser formada de todas as nações do mundo. Diante dessa obra inexprimível do amor divino, como não devem alegrar-se os homens, em sua pequenez, quando os anjos, em sua grandeza, assim se rejubilam?
Amados filhos, demos graças a Deus Pai, por seu Filho, no Espírito Santo; pois, na imensa misericórdia com que nos amou, compadeceu-se de nós. E quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo (Ef 2,5) para que fôssemos nele uma nova criação, nova obra de suas mãos.
Despojemo-nos, portanto, do velho homem com seus atos; e tendo sido admitidos a participar do nascimento de Cristo, renunciemos às obras da carne.
Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade. E já que participas da natureza divina, não voltes aos erros de antes por um comportamento indigno de tua condição. Lembra-te de que cabeça e de corpo és membro. Recorda-te que foste arrancado do poder das trevas e levado para a luz e o reino de Deus.
Pelo sacramento do batismo te tornaste templo do Espírito Santo. Não expulses com más ações tão grande hóspede, não recaias sob o jugo do demônio, porque o preço de tua salvação é o sangue de Cristo.

São Leão Magno

Responsório

Hoje, a paz verdadeira desceu-nos do céu:.
R. Hoje, os céus e a terra espalham doçura.

Raiou hoje o dia do novo resgate de eterna alegria há muito esperado
R. Hoje, os céus e a terra espalham doçura.

Oração
Ó Deus, que admiravelmente criastes o ser humano e mais admiravelmente restabelecestes a sua dignidade, dai-nos participar da divindade do vosso Filho, que se dignou assumir a nossa humanidade. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

Fonte: Liturgia das Horas, vol. I, pp. 362-364.

domingo, 23 de dezembro de 2012

A história da Solenidade do Natal do Senhor

“Hoje nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor!” (Lc 2,11).

Nos primeiros três séculos do Cristianismo a única celebração litúrgica era a Páscoa: a Páscoa semanal, celebrada a cada domingo, dia do Senhor; e a Páscoa anual, celebrada na primeira lua cheia da primavera (no hemisfério norte).

Podemos dizer que os próprios Evangelhos foram escritos “de trás para frente”: a primeira comunidade cristã centrou-se no anúncio da “obra” de Jesus mais do que no de sua “pessoa”, particularmente no Mistério Pascal de sua Morte e Ressurreição, que constitui o chamado querigma, isto é, a essência da mensagem cristã [1].

Será a partir do século IV, pois, que se desenvolverá uma celebração do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo segundo a carne, como veremos ao longo desta postagem.

Natividade - Adoração dos pastores
(Bartolomé Esteban Murillo - séc. XVII)

1. A origem da celebração do Natal

São Clemente de Alexandria (†215) em sua obra Stromata afirma que em seu tempo eram várias as hipóteses sobre o dia do nascimento de Jesus, o qual não é mencionado no Evangelho. O anônimo De Pascha Computus, escrito em torno de 243, associa o nascimento de Cristo com o dia 28 de março, por ser o “dia da criação do sol” (considerando o dia 25 de março como o início da criação, como veremos adiante).

O primeiro registro da celebração do Natal é de meados do século IV, em Roma: a Depositio Martyrum, um calendário das memórias dos mártires que integra o Cronógrafo Filocaliano, compilado por Fúrio Dionísio Filócalo em 354, começa justamente no dia 25 de dezembro com a inscrição: “Octavo Kalendas Januarii: Natus Christus in Bethleem Judeae” [2]. O Natal, porém, provavelmente era celebrado já desde o ano 336 ou mesmo antes, durante o pontificado do Papa São Silvestre I (†335).

Duas são as hipóteses principais sobre a razão da escolha dessa data, ambas relacionadas com o simbolismo do solstício de inverno no hemisfério norte, dado que a passagem das estações é um marco importante em várias culturas e tradições religiosas:

- segundo a hipótese apologética, a celebração do Natal no dia 25 de dezembro estava associada originalmente à festa do “sol invencível” (Natalis Solis Invictis) introduzida pelo Imperador Aureliano no ano de 274.

Uma vez que o solstício de inverno é o dia mais curto do ano e a partir dele os dias vão ficando gradativamente mais longos, os romanos celebravam no dia 25 de dezembro a “vitória do deus sol”. Os cristãos, portanto, teriam contraposto a esta festa a celebração do nascimento de Cristo, verdadeiro “sol nascente que nos veio visitar” (cf. Lc 1,78-79).

Representação do Sol Invictus (séc. II)

- a hipótese do cômputo, por sua vez, remete-nos a uma antiga tradição segundo a qual Jesus teria vivido um número exato de anos. Assim, sua concepção teria acontecido no mesmo dia da sua morte.

Essa mesma tradição fixa a Paixão no dia 25 de março, data associada ao início da primavera no hemisfério norte e à própria criação do mundo, ligando a Morte-Ressurreição do Senhor ao ciclo do “renascimento” da natureza, sendo uma “nova criação” [3].

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A celebração da Solenidade do Natal do Senhor

“Alegremo-nos todos no Senhor: hoje nasceu o Salvador do mundo, desceu do céu a verdadeira paz!” (Antífona de entrada da Missa da Noite de Natal).

O Cerimonial dos Bispos, em seu n. 237, exorta a que “se festeje com piedade e verdadeiro espírito cristão a Solenidade do Natal do Senhor, na qual se celebra o mistério da Encarnação, em que o Verbo de Deus se dignou assumir a nossa humanidade, para nos tornar participantes da sua divindade”.

Imagem do Menino Jesus venerada na Basílica de São Pedro no Vaticano

A Solenidade do Natal do Senhor possui três Missas, as quais se caracterizam por seu horário e pela respectiva perícope evangélica:
- a Missa da Noite, celebrada após o pôr-do-sol do dia 24 de dezembro, conhecida popularmente como “Missa do Galo” (Lc 2,1-14);
- a Missa da Aurora, celebrada ao nascer-do-sol do dia 25 (Lc 2,15-20);
- a Missa do Dia, celebrada ao longo do dia 25 (Jo 1,1-18).

É prevista ainda a Missa da Vigília do Natal, a ser celebrada na tarde do dia 24 de dezembro, na qual se proclama o Evangelho da genealogia de Jesus (Mt 1,1-25).

Para acessar nossa postagem sobre a história da celebração do Natal do Senhor, clique aqui.

As três Missas do Natal, embora não possuam ritos litúrgicos particulares (como, por exemplo, as celebrações do Tríduo Pascal), podem ser enriquecidas por alguns elementos da tradição litúrgica e da piedade popular, que indicaremos nesta postagem.

1. O que se deve preparar:

- Todo o necessário para a celebração da Missa;

- Uma vez que durante o Tempo do Advento se recomendava moderação na ornamentação da igreja, “de modo a não antecipar a plena alegria do Natal do Senhor” (Cerimonial dos Bispos, n. 236), nas Missas dessa Solenidade o altar seja convenientemente ornado com flores;

- Sendo uma das principais solenidades do Ano Litúrgico, convém dispor seis velas sobre o altar ou junto dele (ou sete se a Missa for presidida pelo Bispo Diocesano). Porém, podem ser colocadas quatro ou mesmo duas velas (Instrução Geral sobre o Missal Romano, [IGMR], 3ª edição, n. 117);

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Entrevista do Monsenhor Guido Marini sobre o Natal

O Natal do Ano da Fé:
Uma conversa com o Mestre das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice sobre os ritos presididos por Bento XVI
 Por Gianluca Biccini

A trama que na história cristã une a Terra Santa ao sepulcro do Apóstolo Pedro se enriquece neste Ano da Fé dos seguintes vínculos: provém de fato de Belém uma das estátuas do Menino que serão expostas na Basílica Vaticana, durante as celebrações presididas por Bento XVI. E não só: também as intenções da Oração Universal ou Oração dos Fieis proclamadas durante as Missas da Vigília de Natal e de 1º de Janeiro estão sendo preparadas pelos frades franciscanos da Custódia da Terra Santa. O antecipa ao nosso jornal o Mestre de Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice, Monsenhor Guido Marini, que nesta entrevista fala dos ritos natalinos presididos pelo Papa.


Pode ilustrar brevemente o calendário das celebrações?
As celebrações do tempo de natal iniciam com a Santa Missa da Noite, em 24 de dezembro na Basílica Vaticana, e se concluem com a Festa do Batismo de Jesus, no domingo 13 de janeiro, com a administração do Sacramento do Batismo a 22 recém-nascidos, na Capela Sistina. No total, Bento XVI presidirá quatro Missas e uma celebração de Vésperas, além de conceder a bênção “Urbi et Orbi” na manhã de Natal. Este ano, além disso, em 29 de dezembro, o Santo Padre presidirá a oração de Taizé, por ocasião do 35º Encontro Europeu de Jovens.

Quanto é importante a Liturgia na vida da Igreja?
A Liturgia conduz ao coração da vida da Igreja: nela é a fonte e o ápice. A Liturgia é o “espaço” no qual se faz presente, “hoje”, o mistério da salvação. Nesta perspectiva as celebrações do Natal não são simplesmente uma recordação ou uma cerimônia que se resolve no cumprimento de gestos exteriores. Trata-se acima de tudo, como recorda a Sacrosanctum Concilium, de uma atualização – para o nosso tempo e para a nossa vida – da obra da redenção. Os sinais externos são importantes se vinculam um tal conteúdo de graça e favorecem uma autêntica participação no agir de Cristo em sua Igreja. Portanto, antes de ater-se aos detalhes, que seguramente têm a sua importância e suscitam interesse, necessita-se partir de que a Liturgia é a vida da Igreja, da Liturgia brota a perene vitalidade e novidade da experiência da fé.

A propósito dos gestos e dos detalhes, podes indicar alguns presentes na celebração da Noite?
A Missa será precedida de um tempo de preparação e da vigília que, como no ano passado, consistirá na celebração do Ofício das Leituras. Ao término do Ofício será entoado o solene canto da Kalenda; um texto muito belo, que faz perceber como a fé cristã está intimamente ligada com a história, com a nossa história: o Filho de Deus se faz homem, entra nos acontecimentos dos homens, para salvar-lhes e introduzir-lhes na intimidade da vida de filhos de Deus. À procissão de entrada da Santa Missa tomarão parte algumas crianças, que colocarão ramos de flores junto à imagem do Menino Jesus, descoberta pelo diácono ao término da Kalenda. Estas mesmas crianças, ao término da celebração, se aproximarão do presépio, preparado próximo a Capela da Apresentação, no altar de São Pio X, para depor os ramos de flores junto a manjedoura do Menino Jesus. As crianças serão dez, representando os vários continentes: particularmente significativa, entre eles, é a presença de dois brasileiros: aquele país hospedará a próxima Jornada Mundial da Juventude. E do momento que o Menino usado durante a Missa da Noite será deposto na manjedoura do presépio, na celebração seguinte, aos pés do altar da Confissão, será colocada uma outra imagem do Santo Menino, feita por artesãos cristãos de Belém, cópia daquela imagem que é colocada cada ano no lugar do nascimento do Salvador, na Basílica da Natividade.

Missa da Noite do Natal (2011)
Quando será possível, portanto, ver o novo Menino na Basílica Vaticana?
O novo menino será introduzido por ocasião da Missa de 1º de janeiro. Mas esta será precedida pela última celebração de 2012, aquela de 31 de dezembro, quando o Papa celebra as Primeiras Vésperas da Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, que terá como momento conclusivo a exposição do Santíssimo Sacramento, o tradicional canto do Te Deum, em ação de graças pela conclusão do ano civil, e a bênção eucarística. Nesta ocasião, a Igreja se recolhe em oração diante de seu Senhor para reviver o ano que está para concluir-se, considerando-o como um tempo guiado pela Providência e pelo qual rende graças. Ao mesmo tempo, pela intercessão de Maria Santíssima confiamos a bondade do senhor o novo ano que está para iniciar.

Esta celebração se prolonga, de alguma forma, no dia seguinte com a Missa do primeiro dia do ano?
Com efeito é assim: com as Primeiras Vésperas se está já na Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, por ocasião da qual se celebra também a Jornada Mundial da Paz, como é tradição de quarenta anos. A solenidade mariana e a oração pela paz resultam providencialmente ligadas. O Senhor Jesus, o Salvador, é o Príncipe da paz. Neste sentido a Santa Virgem é aquele que intercede junto ao seu Filho para obter o dom da paz a nosso favor e para o mundo inteiro.

Missa na Solenidade da Santa Mãe de Deus (2012)
Vemos que a celebração da Epifania este ano é particularmente significativa. O Papa, de fato, conferirá a Ordenação Episcopal a alguns de seus estreitos colaboradores.
Com a Solenidade da Epifania, a Igreja celebra a manifestação do Senhor aos povos. Resplandece, deste modo, a universalidade da salvação dada por Deus no seu Filho feito carne. A humanidade inteira é convocada ao local do nascimento do Redentor. A presença dos Magos, homens sábios do oriente antigo, sublinha a catolicidade do evento salvífico da noite de Natal. Com a ordenação de alguns novos bispos esta universalidade é de alguma forma posteriormente sublinhada. O episcopado, de fato, é dado pelo Senhor para a Igreja inteira e para o mundo inteiro.

O Papa, por fim, celebrará a Festa do batismo de Jesus no esplêndido ambiente da Capela Sistina...
Do ponto de vista litúrgico se celebra o Batismo de Jesus, ou o mistério da partilha do Senhor de nossa condição humana. Ao mesmo tempo, se renova a manifestação do Senhor a humanidade, mediante a palavra solene que o Pai dirige a todos os presentes. Neste dia, tradicionalmente o Santo Padre administra o batismo a algumas crianças, às quais é dado o inestimável dom da fé, que as acompanhará por toda a vida e que deverá ser, também graças às famílias, guardado, cultivado, levado à maturidade. Do ponto de vista do rito, junto a fonte batismal já usada no ano passado, será colocado um novo candelabro.

Missa na Festa do Batismo do Senhor (2012)
Uma última palavra sobre vestes litúrgicas. Por ocasião das canonizações de 21 de outubro passado, Bento XVI utilizou o fânon, uma capa muito simples e leve que, a partir do X-XII século, é utilizada como veste litúrgica tipicamente papal. O fará de novo?
Aparecerá nas duas grandes solenidades: da Noite de Natal e da Epifania. O termo fânon deriva do latim e significa "pano". Foi habitualmente usado pelos Pontífices até João Paulo II. Bento XVI tem procurado preservar o uso desta simples e significativa veste litúrgica. Durante o tempo foi-se desenvolvida uma simbologia em relação a este indumento. Diz-se que representa o escudo da fé que protege a Igreja. Nesta leitura simbólica, as faixas verticais de cor ouro e prata exprimem a unidade e a indissolubilidade da Igreja latina e oriental, que se colocam aos ombros do Sucessor de Pedro. Parece-me uma simbologia muito bela. E é muito significativo recordá-la durante o Ano da Fé.

L'Osservatore Romano, 19 de dezembro de 2012

(O presente texto é uma tradução livre do autor deste blog, a partir do original publicado no site da Santa Sé)