terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Vésperas no encerramento do ano de 1999

Na tarde de 31 de dezembro de 1999 o Papa São João Paulo II presidiu, como de costume, as I Vésperas da Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus com o canto do Te Deum em ação de graças pelo encerramento do ano civil na Basílica de São Pedro.

Embora esta celebração não tenha sido parte do calendário oficial do Grande Jubileu do ano 2000, na homilia da Missa de abertura da Porta Santa da Basílica de Santa Maria Maior, no dia seguinte, o Papa cita a sua homilia proferida nesta celebração, razão pela qual a reproduzimos aqui:

Te Deum no encerramento do ano
I Vésperas da Solenidade de Maria Mãe de Deus
Homilia do Papa João Paulo II
Basílica de São Pedro
31 de dezembro de 1999

1. “Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher” (Gl 4,4).
O que é a plenitude dos tempos” de que fala o Apóstolo? A experiência faz-nos constatar que tempo passa inexorável. Ao correr do tempo estão submetidas todas as criaturas; somente o homem, porém, se dá conta do próprio passar no tempo. Ele percebe que ao fluir dos dias está ligada a sua história pessoal.
Consciente do próprio “passar”, a humanidade escreve a sua história: a história dos indivíduos, dos Estados e dos continentes, das culturas e das religiões. Nesta tarde perguntamo-nos: o que sobretudo caracterizou o milénio que agora caminha para o final? Como se apresentava, há mil anos, a geografia dos países, a situação dos povos e das nações? Quem sabia então da existência de outro grande continente a oeste do Oceano Atlântico? O descobrimento da América, que deu início a uma nova era na história da humanidade, constitui sem dúvida um elemento qualificante na avaliação do milénio que termina.
Também este último século foi caracterizado por profundas e às vezes rápidas transformações, que incidiram na cultura e nas relações entre os povos. Basta pensar nas duas oprimentes ideologias, responsáveis por inúmeras vítimas, que nelas se consumiram. Quantos sofrimentos, quantos dramas! Mas também quantas conquistas exaltantes! Estes anos, confiados pelo Criador à humanidade, trazem consigo os sinais dos esforços do homem, das suas derrotas e vitórias (cfGaudium et spes, 2).
O perigo maior, nesta viragem de época, talvez seja que “muitíssimos dos nossos contemporâneos são incapazes de discernir os valores verdadeiramente perenes e de os harmonizar com os novamente descobertos” (Gaudium et spes, 4). Eis um grande desafio para nós, homens e mulheres que nos preparamos para entrar no Ano 2000.


2. “Ao chegar a plenitude dos tempos!”. A Liturgia fala-nos da “plenitude dos tempos” e ilumina-nos sobre o conteúdo dessa plenitudeNa história da grande família humana, Deus quis introduzir o seu Verbo eterno, fazendo com que Ele assumisse uma humanidade como a nossa. Foi mediante o evento sublime da Encarnação que o tempo humano e cósmico atingiu a própria plenitude: “Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher... para que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4,4-5). Eis o grande mistério: a Palavra eterna de Deus, Verbum Patris, tornou-se presente nos eventos de que se compõe a história terrena do homem. Com a encarnação do Filho de Deus, a eternidade entrou no tempo, a história do homem abriu-se a uma transcendente realização no absoluto de Deus.
Assim é oferecida ao homem uma perspectiva impensável: ele pode aspirar a ser filho no Filho, herdeiro com Ele do mesmo destino de glória. A peregrinação da vida terrena é, portanto, um caminho que acontece no tempo de Deus. A meta é o próprio Deus, plenitude do tempo na eternidade.

Homilia: Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

Rufino de Aquileia
Explicação do Símbolo Apostólico
Nasceu da Virgem Maria

Que nasceu da Virgem Maria por obra do Espírito Santo. Este nascimento entre os homens é devido à compensação divina, o resultado da sua condescendência; ao passo que o anterior (na eternidade) é da própria substância divina, da essência de sua natureza. Nasceu da Virgem Maria por obra do Espírito Santo. Aqui é imperioso um ouvido casto e um espírito puro, a fim de que compreendas que o Espírito Santo preparou um templo no recôndito do ventre de uma virgem para Aquele de quem você, algum tempo atrás, aprendeu que nascera de modo inefável do Pai. E assim como na santificação do Espírito Santo nenhum pensamento de imperfeição deve ser admitido, da mesma forma no nascimento virginal nenhuma contaminação deve ser imaginada. Por este nascimento foi um novo nascimento dado a este mundo, e apropriadamente chamado novo. Pois Aquele que é o único Filho no céu, é, por consequência, o único Filho na terra; e nasceu de forma singular, assim como nenhum outro jamais foi ou poderá ser.
As palavras dos profetas a respeito d’Ele: A virgem conceberá e dará à luz um filho, são conhecidas por todos, e são citadas nos Evangelhos mais uma vez. O profeta Ezequiel também previu a maneira extraordinária no nascimento, chamando Maria figurativamente “o pórtico do Senhor”; isto é, o pórtico através do qual o Senhor veio ao mundo. Pois ele disse: O pórtico que está fronteiro ao Oriente ficará fechado. Ninguém o abrirá, ninguém aí passará, porque o Senhor, Deus de Israel, aí passou; ele permaneceu fechado. O que poderia ser dito com mais clara referência à preservação da condição  inviolável da virgem? Esse portão da virgindade foi fechado; através dele o Senhor Deus de Israel entrou; através dele saiu do seio da virgem para este mundo; e o estado virginal manteve-se inviolável, e o pórtico da virgem permaneceu fechado para sempre. Portanto, o Espírito Santo é mencionado como o criador da carne do Senhor e do seu templo.
Partindo deste ponto podes compreender igualmente a majestade do Espírito Santo, pois o Evangelho dá testemunho dele quando o anjo disse à virgem: Eis que darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo de seus pecados; e ela respondeu: Como se fará isso, pois não conheço homem? E o anjo replicou: O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso, o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus. Veja aqui a Trindade como descendo sobre a virgem, e o poder do Altíssimo encobrindo-a com sua sombra. Qual é o poder do Altíssimo senão o próprio Cristo, que é o poder e a sabedoria de Deus? Quem é este poder? A força do Altíssimo. Existe aqui, então, o Altíssimo; existe também o poder do Altíssimo; existe igualmente o Espírito Santo. Esta é a Trindade, em todos os lugares oculta, e em toda parte manifesta, distinta nos nomes e nas pessoas, mas inseparável na substância da divindade. E embora só o Filho tenha nascido da virgem, contudo aí está presente igualmente o Altíssimo, aí está presente também o Espírito Santo, para que sejam santificados tanto a concepção quanto o parto da Virgem.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 45-46. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também uma homilia de Santo Agostinho para esta Solenidade clicando aqui.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

O domingo: Encontro de Pastoral Litúrgica 2003

Estamos chegando ao fim de mais um ano civil. Antes, porém, gostaríamos de recordar aqui, como temos feito no final de cada mês, os Encontros de Pastoral Litúrgica (ENPL) promovidos pelo Secretariado Nacional de Liturgia de Portugal.

Neste mês, em nossa retrospectiva, recordamos o 29º ENPL, que aconteceu em julho de 2003, com o tema "O domingo e a sua celebração".

Cumpre dizer que este tema é extremamente atual, como vimos em nossa análise das Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023, que destacam em três parágrafos a importância do domingo, advertindo contra iniciativas que desfocam sua centralidade na vida cristã.

Para aprofundar este tema, vale a pena a leitura da Carta Apostólica Dies Domini (O dia do Senhor) do Papa João Paulo II, publicada em 1998.

Seguem os áudios de quatro conferências deste Encontro de Pastoral Litúrgica:

Pe. Dr. João da Silva Peixoto

Para além de alguns dados estatísticos sobre a frequência à Missa em Portugal, o palestrante traz valiosos testemunhos dos primeiros cristãos sobre a importância do domingo e pertinentes questionamentos sobre a nossa participação na Eucaristia dominical hoje.

Pe. Dr. Luís Manuel Pereira da Silva

Aqui, após destacar a revalorização do domingo pela reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, tanto em seu Lecionário (leituras) quanto no Missal (orações), o palestrante reflete sobre o ministério da presidência da Eucaristia em sua relação com os demais ministérios litúrgicos.

Pe. Dr. Manuel Joaquim F. da Costa

Nesta palestra se lança a corajosa proposta de promover a oração da Liturgia das Horas nos domingos em nossas comunidades, a fim de "abraçar na oração a totalidade do tempo". O palestrante traça também um breve histórico da oração comunitária do Ofício Divino, destacando a Liturgia de Jerusalém no século IV descrita pela peregrina Etéria (ou Egéria) em seu Itinerarium.

Pe. Dr. Carlos Manuel Patrício de Aquino

Partindo do conceito de “assembleia celebrante”, o palestrante reflete sobre as celebrações dominicais na ausência do presbítero, destacando a centralidade da Palavra de Deus. Por fim, há espaço ainda para recordar outras iniciativas de santificação do domingo: adoração eucarística, peregrinações a santuários, momentos de oração em família, entre outros.

Domingo: nosso encontro semanal com o Ressuscitado

Ângelus do Papa: Sagrada Família - Ano A

Papa Francisco
Ângelus
Domingo, 29 de dezembro de 2019

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
E hoje é realmente um dia maravilhoso... Hoje celebramos a festa da Sagrada Família de Nazaré. O termo “sagrada” insere esta família no âmbito da santidade, que é dom de Deus mas, ao mesmo tempo, é adesão livre e responsável aos desígnios de Deus. Assim aconteceu com a família de Nazaré: ela permaneceu totalmente aberta à vontade de Deus.
Como não nos surpreendermos, por exemplo, com a docilidade de Maria à ação do Espírito Santo, que lhe pede para se tornar a mãe do Messias? Pois Maria, como todas as jovens da sua época, estava prestes a realizar o seu projeto de vida, ou seja, casar-se com José. Mas quando se dá conta de que Deus a chama para uma missão particular, não hesita em proclamar-se sua “serva” (cf. Lc 1,38). Dela Jesus exaltará a grandeza, não tanto pelo seu papel de mãe, mas pela sua obediência a Deus. Jesus disse: «Felizes, antes, os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 11,28), como Maria. E quando não compreende plenamente os acontecimentos que a envolvem, em silêncio Maria medita, reflete e adora a iniciativa divina. A sua presença aos pés da Cruz consagra esta disponibilidade total.
Além disso, no que diz respeito a José, o Evangelho não nos transmite nem sequer uma única palavra: ele não fala, mas age obedecendo. É o homem do silêncio, o homem da obediência. A página do Evangelho de hoje (cf. Mt 2,13-15.19-23) recorda três vezes esta obediência do justo José, referindo-se à fuga para o Egito e ao regresso à terra de Israel. Sob a orientação de Deus, representado pelo Anjo, José afasta a sua família das ameaças de Herodes, salvando-a. Desta forma, a Sagrada Família mostra-se solidária para com todas as famílias do mundo que são obrigadas ao exílio, solidariza com todos aqueles que são forçados a abandonar a sua terra por causa da repressão, da violência, da guerra.
Por fim, a terceira pessoa da Sagrada Família, Jesus. Ele é a vontade do Pai: n'Ele, diz São Paulo, não havia “sim” e “não”, mas apenas “sim” (cf. 2Cor 1,19). E isto manifestou-se em muitos momentos da sua vida terrena. Por exemplo, o episódio no templo quando, aos pais que o procuravam angustiados, Ele respondeu: «Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» (Lc 2, 49); a sua repetição contínua: «O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou» (Jo 4,34); a sua oração no horto das oliveiras: «Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, faça-se a tua vontade» (Mt 26,42). Todos estes acontecimentos constituem a perfeita realização das próprias palavras de Cristo, que diz: «Tu não quiseste sacrifício nem oferenda [...]. Então eu disse: “Aqui estou [...] para fazer a tua vontade”» (Hb 10,5-7; Sl 40,7-9).
Maria, José, Jesus: a Sagrada Família de Nazaré, que representa uma resposta coral à vontade do Pai: os três membros desta família ajudam-se uns aos outros a descobrir o plano de Deus. Eles rezavam, trabalhavam, comunicavam. E eu pergunto-me: tu, na tua família, sabes comunicar, ou és como aqueles jovens à mesa, cada qual com o celular, enquanto conversam no chat? Naquela mesa parece que há um silêncio como se estivessem na Missa... Mas não comunicam entre si. Temos que retomar o diálogo em família: pais, filhos, avós e irmãos devem comunicar entre si... Eis o dever de hoje, precisamente no dia da Sagrada Família. Que a Sagrada Família possa ser modelo das nossas famílias, a fim de que pais e filhos se ajudem mutuamente na adesão ao Evangelho, fundamento da santidade da família.
Confiemos a Maria “Rainha da família”, todas as famílias do mundo, especialmente aquelas provadas pelo sofrimento ou pela dificuldade, e invoquemos sobre elas o seu amparo maternal.


Fonte: Santa Sé

sábado, 28 de dezembro de 2019

Homilia: Festa da Sagrada Família - Ano A

São João Crisóstomo
Sermão 9 sobre o Evangelho de Mateus
Para que se cumprisse que seria chamado nazareno

Morto já Herodes, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e lhe disse: Levanta-te, pega o menino e sua mãe, e vai para a terra de Israel. Já não disse foge, mas vai. Aconselha o descanso depois da prova. Porque José voltou do desterro, regressou à sua pátria e pode ver o assassino dos meninos inocentes já morto. Mas apenas retornou para a pátria e se encontrou com as relíquias dos antigos perigos. Porque vivia e reinava um filho do tirano. Perguntarás: como foi que Arquelau reinasse na Judeia, sendo governador Pilatos? A morte de Herodes era recente, e seu reino ainda não tinha se dividido em várias partes. Pela morte de Herodes, ficou com o poder seu filho. Mas porque o irmão de Arquelau também se chamava Herodes, o evangelista o distinguiu e disse: Em lugar de seu pai Herodes.
Mas se José temia a Judeia por causa de Arquelau, na Galileia era-lhe necessário temer a Herodes filho. Contudo, uma vez que José mudou de lugar, a questão acabou no esquecimento, pois o ataque tinha sido contra Belém e seus territórios. De maneira que Arquelau, uma vez concluída a matança, pensou que tudo tinha terminado e que aquele a quem ele buscava já havia perecido entre os muitos que morreram. Por outro lado, tendo visto como seu pai morreu, ele se tornou um tanto moderado e não quis continuar a perseguição nem compartir na perversidade. Assim regressou José a Nazaré, tanto para fugir do perigo, como para viver em sua amada pátria. E para que procedesse com maior confiança, recebeu acerca disso o oráculo da parte do anjo.
Entretanto, Lucas não diz que José tinha ido a Nazaré por força da profecia; mas que, tendo terminado o rito da purificação, desceram a Nazaré. O que dizer sobre isto? Que Lucas o disse falando do tempo que precedeu a fuga ao Egito. Porque não disse que foram lá antes da purificação, a fim de que em nada se transgredisse a lei; mas que esperaram até que concluíssem a purificação e regressassem a Nazaré, e depois foram ao Egito. Já regressados do Egito, diz o evangelista que retornaram a Nazaré. Na primeira vez nenhum oráculo lhes avisou que regressassem, mas que por vontade própria fossem à sua amada pátria. Não tendo ido a Belém a não ser por motivo do censo, e não tendo encontrado lugar na hospedaria para deter-se, apenas terminada a questão voltaram a Nazaré.
Agora, ao invés disso, o anjo os faz regressar à sua casa, para que ali se estabeleçam. E isto não sem motivo, mas porque assim estava profetizado. Para que se cumprisse o que foi dito pelos profetas, que se chamaria nazareno. Qual dos profetas disse isso? Não o perguntes, nem o examines com vã curiosidade. Muitos livros proféticos pereceram, como pode ver-se pelos Paralipômenos...


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 42-43. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

Confira também outra homilia de São João Crisóstomo para esta Festa clicando aqui.

Ângelus: Festa de Santo Estêvão (2019)

Festa de Santo Estêvão, Protomártir
Papa Francisco
Ângelus
Quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Celebra-se hoje a Festa de Santo Estêvão, primeiro mártir. O Livro dos Atos dos Apóstolos fala-nos dele (cf. At 6–7) e, na página da Liturgia de hoje, apresenta-o nos momentos finais da sua vida, quando é capturado e apedrejado (At 6,12; 7,54-60). Na atmosfera alegre do Natal, esta memória do primeiro cristão morto pela sua fé poderia parecer inapropriada. Contudo, precisamente na perspectiva da fé, a celebração de hoje está em sintonia com o verdadeiro significado do Natal. Com efeito, no martírio de Estêvão a violência é derrotada pelo amor, a morte pela vida: na hora do testemunho supremo, ele contempla os céus abertos e concede o perdão aos perseguidores (v. 60).

Este jovem servo do Evangelho, cheio do Espírito Santo, soube narrar Jesus com as palavras e, sobretudo, com a sua vida. Olhando para ele, vemos tornar-se realidade a promessa de Jesus aos seus discípulos: «Quando vos maltratarem por minha causa, o Espírito do Pai vos dará a força e as palavras para dardes testemunho» (Mt 10,19-20). Na escola de Santo Estêvão, que se tornou semelhante ao seu Mestre tanto na vida como na morte, também nós fixamos o olhar em Jesus, testemunha fiel do Pai. Aprendemos que a glória do Céu, a glória que dura para a vida eterna, não é feita de riqueza nem de poder, mas de amor e doação de si mesmo.

Precisamos manter o olhar fixo em Jesus, «autor e aperfeiçoador da nossa fé» (Hb 12,2), para poder dizer a razão da esperança que nos foi doada (1Pd 3,15), através dos desafios e provações que enfrentamos diariamente. Para nós cristãos, o céu já não está longe, separado da terra: em Jesus, o céu desceu à terra. E graças a Ele, com o poder do Espírito Santo, podemos assumir tudo o que é humano e orientá-lo para o Céu. Para que o primeiro testemunho seja precisamente o nosso modo de ser humanos, um estilo de vida moldado segundo Jesus: manso e corajoso, humilde e nobre, não violento.

Estêvão era um diácono, um dos primeiros sete diáconos da Igreja (At 6,1-6). Ele ensina-nos a anunciar Cristo através de gestos de fraternidade e de caridade evangélica. O seu testemunho, que culmina no martírio, é fonte de inspiração para a renovação das nossas comunidades cristãs. Elas são chamadas a tornarem-se cada vez mais missionárias, todas propensas para a evangelização, determinadas a alcançar os homens e as mulheres nas periferias existenciais e geográficas, onde há maior sede de esperança e de salvação. Comunidades que não seguem a lógica do mundo, que não põem no centro a si mesmas, a sua imagem, mas apenas a glória de Deus e o bem do povo, especialmente dos pequeninos e dos pobres.

A festa deste primeiro mártir Estêvão chama-nos a recordar todos os mártires de ontem e de hoje - hoje são muitos! - a sentir-nos em comunhão com eles e a pedir-lhes a graça de viver e morrer com o nome de Jesus no  coração e nos lábios. Que Maria, Mãe do Redentor, nos ajude a viver este tempo de Natal com o olhar fixo em Jesus, para nos tornarmos cada dia mais semelhantes a Ele.


Fonte: Santa Sé.

Homilias do Patriarca de Lisboa: Natal 2019

Publicamos aqui as homilias de Natal (Missa da Noite e Missa do Dia) do Patriarca de Lisboa, Cardeal Manuel José Macário do Nascimento Clemente neste ano de 2019:

Homilia no Natal do Senhor (Missa da Noite)
A luz divina nos transfigure agora

Por vezes, o mais recorrente não é o mais apercebido. Pode acontecer também com o Natal, enquanto época do ano, habitual apenas. É habitual o calendário, mas não devemos estar habituados nós, antes disponíveis e atentos à novidade que traz. Se assim não fosse, também não seria divino, de Deus que nos surpreende sempre. É esta a sua marca autêntica.
Surpresa significa diferença. Deixar-se surpreender é o princípio da conversão. Como luz que subitamente desponta, para contrastar o dia antecipado com a noite onde estávamos. Importa muito aceitar tal contraste, irredutível.
Celebra Natal quem teve Advento. O roxo litúrgico dá lugar ao branco, como a conversão à festa. Doutro modo não poderia ser. Não vale muito termos as ruas artificialmente iluminadas, se não tivermos a alma luminosa. Nem valem montras atrativas de mil coisas, se não tivermos ganho a única qualidade que importa. Não valem os presentes só por si, sem nos tornarmos nós presentes aos outros: atentos, prestáveis e realmente próximos. 
Nenhuma luz de fora nos dará o Natal de Cristo. Pode até distrair-nos do essencial, da conversão à luz divina que desponta nas boas consciências. Na consciência de quem se reconhece e diz como aquele cego do Evangelho: «Senhor, fazei que eu veja!» Para O seguir depois e sempre.
Anoiteçamos nós, para que tudo amanheça. Não é mero acaso estarmos aqui de noite, quase à antiga hora do “cantar do galo”. A Liturgia do Advento, com os seus hinos, toca-nos sempre e muito, em especial neste ponto, da luz ansiada. Sucedem-se os versos, quase decorados, que sempre nos despertam: «Não demoreis, ó Salvador do mundo / Erguei-vos, ó divina claridade / Ó Sol do novo dia, Luz, Verdade / Vencei da noite o sono tão profundo». Ou ainda estes: «Uma voz que vem de longe / Faz estremecer a noite / Prometendo a madrugada / Que anuncia a luz de Cristo». E igualmente: «Vós que sois luz infinita / Vinde já ao nosso mundo /Iluminar a cegueira / Para vermos o caminho». Ouvimos há pouco ao Profeta: «O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz começou a brilhar». Quando pela primeira vez o disse, dirigia-se a um reino perdido, para reavê-lo. Mas agora se refere a nós, se nos deixarmos irromper das trevas que tivermos. Das trevas em que muito infelizmente podemos permanecer. Ou distrair, tomando por luz qualquer fogo-fátuo. Não faltam, infelizmente, esses clarões rápidos e vazios.
Quando a Liturgia não descura o ato penitencial, íntimo, sincero e verdadeiro, coloca-nos no ponto certo, em penitência ativa. Reconhecemo-nos trevas e buscamos luz. Nesse mesmo ponto acertamos com Deus, que aí mesmo nos espera e ilumina.
Realiza-se a profecia e vislumbra-se o Natal. Ganham realismo as palavras que também ouvimos, como grandeza que nasce pequena, quando à nossa humilhação corresponde a humildade de Deus: «Porque um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado. Tem o poder sobre os ombros e será chamado “Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz”».

Assim aconteceu no Natal de Cristo: «Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos e guardavam de noite os rebanhos. O Anjo do Senhor aproximou-se deles e a glória do Senhor cercou-os de luz…» (Lc 2,1ss). Reparemos que era noite, quando o Anjo os envolveu em luz. Ficaram naturalmente assustados, por serem sobrenaturalmente surpreendidos.
Trata-se da mesma sucessão, litúrgica também, como há pouco passamos do ato penitencial à exultação do Glória, que ainda nos ecoa por dentro, como foi sobre o presépio de Belém. E eles foram, os pastores, como nós havemos de ir agora, convertidos das trevas à luz, da noite escura ao amanhecer do dia. Sempre e só assim, numa cadência realmente natalícia.   
Pois se trata disso mesmo, como ouvimos ao Apóstolo: «Manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens. Ela nos ensina a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos para vivermos, no tempo presente, com temperança, justiça e piedade aguardando a ditosa esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo».
A presença de Cristo, ressuscitado agora, é um “Natal” permanente a que devemos acorrer, sem adiar a conversão. – Porque havíamos de retardar em nós a glória que se manifesta n’Ele? - Porque havíamos de demorar aos outros o reflexo da luz de Cristo, como tantos no-la refletem também - os que realmente são «como astros no mundo», no expressivo dizer de São Paulo (cf. Fl 2,15).
Sim, há muito Natal neste mundo, em muitas vidas que dissipam trevas com a luz de Cristo. Somemo-nos nós, incidindo luminosamente nas famílias, nas comunidades, nos vários setores da vida social em que o Evangelho conosco se fará vida. 
Porque as trevas persistem, impedindo-nos de ver os outros e a Deus nos outros, por vezes bem próximos e a reclamar atenção e auxílio - como o Menino do Presépio requeria para si. Trevas não faltam, quando também nos ensombram notícias de perseguição aos cristãos e a minorias, quase genocídio por vezes, perante tanta indiferença e contradição com direitos consignados e boas intenções propaladas. Trevas não faltam, quando a própria natureza se contamina e ofusca - ela que, em si mesma, proclama a glória de Deus e o seu poder criador. Trevas não faltam… Reconheçamo-las então. Deixemos que a luz divina nos ilumine em cheio e nos transfigure a nós. Há muita gente à espera dessa luz, do Natal que lhe devemos. Rezemos ainda mais convictamente nas próximas Laudes estes versículos do Benedictus: «... graças ao coração misericordioso do nosso Deus / Que das alturas nos visita como sol nascente / Para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte / E dirigir os nossos passos no caminho da paz».     
O Natal está divinamente garantido, como luz que rebrilha. Dissipemos as nuvens que em nós o ofusquem. - Desejemos aos outros o “feliz Natal” que lhes daremos!

Sé de Lisboa, 25 de dezembro de 2019

+ Manuel, Cardeal-Patriarca

Homilia no Natal do Senhor (Missa do Dia)
Para que o Natal de Cristo continue no mundo

«Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais pelos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por seu Filho, a quem fez herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o universo», assim ouvimos há pouco, na Carta aos Hebreus. E impressiona sempre o fato de, nas primeiras gerações cristãs, já se resumir o que a teologia tem de essencial para nos dizer e quase o Credo que nos define.
A palavra ativa é “falou”: falou Deus pelos profetas, falou-nos Deus por seu Filho. Da criação à finalização deste mundo, tudo é criação divina, absolutamente dita e feita. E, assim como a primeira criação culminou no ser humano, a nova criação culmina na humanização do ser divino, para que toda a promessa se cumpra pelo único poder que a sustenta.
A esta luz, plenamente natalícia, podemos entender muita coisa. Podemos entender-nos sobretudo a nós, tanto no que sempre nos move, como no estarmos hoje aqui. Move-nos, como seres humanos, o desejo de mais e melhor, a esperança de que possa ser assim. Fere-nos o contrário, em nós e à nossa volta, na contradição repetida disso mesmo que almejamos. Dói-nos, por nós e pelos outros, o despiste do desejo, a frustração do projeto, o esvaimento da esperança.
O aparente retorno de fatos e circunstâncias não nos apazigua a mente e o coração. Nem o conseguem o alheamento de si ou a dispensa de sentido. Porque a humanidade como um todo, e o melhor dela em cada um dos seus membros, algo avançou de facto, embora nem sempre como devia. Sobrou ao menos a experiência, ainda que as chamadas “lições da História” nunca tenham alunos bastantes.
Foi assim até há dois mil anos e continua a sê-lo em quem ainda não chegou ao Natal de Cristo. Num tempo que já não é cronológico, antes ultimado da parte de Deus, que em Cristo nos diz tudo quanto finalmente nos resolve. Lembro, de modo um tanto prosaico, a resposta que uma vez ouvi a alguém a quem perguntara porque continuava cristão e praticante. Respondeu-me simplesmente: «Porque com Cristo a conversa nunca mais acaba!»
Creio que podemos dizer todos o mesmo, os que aqui estamos a celebrar o Natal. Reconhecemos em Cristo, da glória do Presépio à glória da Cruz, a resposta divina a tudo quanto o mesmo Deus nos pôs no peito, no desejo profundo só assim preenchido, sem mais adiamento ou desvio.    
Pedro disse-o um dia, por todos nós, os de antes, durante ou depois: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna! Por isso nós cremos e sabemos que Tu és o Santo de Deus» (Jo 6,68-69). Outro autor, pelo fim do século segundo, explica-nos o porquê de acontecer só então: «[Deus] preparava o tempo atual da justiça, a fim de que, tendo-nos convencido, naquele tempo [de iniquidade], de que pelas nossas próprias obras éramos indignos da vida, nos tornássemos dignos dela pela benignidade divina e, reconhecendo claramente a nossa impossibilidade de entrar pelas próprias forças no reino de Deus, pudéssemos ter acesso a ele mediante o poder de Deus» (Epístola a Diogneto, Ofício das Leituras, 18 de dezembro).    
Também Jesus o dissera: «Sem mim, nada podeis fazer» (Jo 15,5). Isto mesmo e no coração de cada um, que Deus alargou a confins que só Ele pode alcançar. Ao seu modo singular e espantoso, na paradoxal pequenez do «eterno nascido de ainda agora», como um dos nossos clássicos se referia ao Menino do Presépio (Padre Manuel Bernardes). 

Assim «o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito, cheio de graça e de verdade»: Quão magnífico é contemplar hoje este mistério e que importante é dar-lhe a consequência!
Para o contemplarmos, aqui estamos hoje, como o guardaremos na memória agradecida e orante. Na oração quotidiana do Rosário, os mistérios gozosos reenviam-nos ao Presépio de Belém, como a tudo o mais da infância de Jesus. É uma contemplação inesgotável, que fazemos com os olhos e o coração da Mãe de Cristo e certamente acompanhados por José. Depois, sim, podemos partir, como os pastores e os magos, a testemunhar o que vimos. Para regressar sempre e partir melhor.
Para ser visível e audível, o Verbo fez-se carne e habitou entre nós. É iniludivelmente o facto cristão. Também isto aqui nos traz, por se tratar dum acontecimento concreto e preciso, hoje como então, em Cristo e nos seus, verdadeiramente seus.
O sentimento religioso é universal e configurou-se em várias tradições e cultos, como no cristianismo sociocultural também. Manifestando a condição humana, tanto no que a sua fragilidade requer como no que a sua transcendência vislumbra, é absolutamente respeitável e deve ser juridicamente garantido. Lamentamos que nem sempre seja assim e tanta gente sofra hoje em dia, cristãos e não cristãos, por falta de liberdade religiosa. Tristíssimas notícias nos dão conta disso em muitas partes do mundo, ostensivamente por vezes, disfarçadamente outras tantas.
Com Cristo, porém, não se trata meramente de ideia, sentimento, ou costume. Trata-se duma pessoa, dum fato concreto e situado, que ganhou dimensão universal a partir do que viveu, do que disse e do que fez - do presépio à cruz e da cruz à glória, porque a luz de Belém resplendeu na Páscoa.
Impregnou tão divinamente o seu presépio, que o alastrou a todos presépios do mundo, ou seja, aonde a vida nasce e requer o nosso envolvimento e cuidado - e da concepção à morte natural, convém repetir. Habitou e trabalhou em Nazaré da Galileia, mas fê-lo tão totalmente que conferiu à atividade humana uma dignidade imensa e irrecusável. Trilhou os caminhos do Israel da altura, assumindo e reforçando todo o bem que se realize, quando e onde for. Sofreu por todos nós aquela morte, para aí mesmo nos acompanhar na nossa, preenchendo-a com a ressurreição que nos ganhou. Celebrar coerentemente o Natal interroga-nos sobre o real cumprimento destes itens e empenha-nos a todos na sua efetivação.
Verbo encarnado, assim foi Jesus e de algum modo havemos de ser também nós. Não teve grande repercussão e alarido na altura, naquele vasto Império em que viveu. Mas foi tão absoluta a sua vida, traduzindo em humanidade a divindade, que alastrou depois, como alastra agora, irredutível na verdade, bondade e beleza que são inteiramente suas e se impõem por si, hoje como então.
Na sócio-cultura de hoje em dia, tão espessa como contraditória em si mesma, tão descrente de formas e de fórmulas, sejam estas quais forem, só nos resta o caminho estreito da coerência evangélica. Coerência que, por ser divinamente impulsionada, prolongará em nós a encarnação do Verbo. Como também ouvimos e convictamente agradecemos: «Àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus».
É precisamente assim, só assim, que o Natal de Cristo continuará no mundo.                

Sé de Lisboa, 25 de dezembro de 2019

+ Manuel, Cardeal-Patriarca


Fonte: Patriarcado de Lisboa

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Fotos das Missas de Natal em Milão

Na Arquidiocese de Milão as celebrações da Solenidade do Natal do Senhor neste ano de 2019 foram presididas pelo Arcebispo, Dom Mário Enrico Delpini, na Catedral de Santa Maria Nascente, o Duomo de Milão:

Missa da Noite:

Procissão de entrada

Deposição da imagem do Menino Jesus diante do altar
Homilia
Palavras finais do Arcebispo

Fotos da Missa da Noite de Natal em Manila

O Cardeal Luis Antonio Gokim Tagle, até então Arcebispo de Manila (nomeado pelo Papa Francisco como novo Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos) presidiu no último dia 24 de dezembro a Missa da Noite na Solenidade do Natal do Senhor na Catedral Metropolitana da Imaculada Conceição.

Procissão de entrada
Deposição da imagem do Menino Jesus diante do altar
Incensação
Sinal da cruz
Ritos iniciais

Fotos da Missa da Noite de Natal em Cracóvia

Dom Marek Jędraszewski, Arcebispo de Cracóvia, presidiu no último dia 24 de dezembro a Santa Missa da Noite na Solenidade do Natal do Senhor na Catedral dos Santos Venceslau e Estanislau, a Catedral de Wawel:

Procissão de entrada

Deposição da imagem do Menino Jesus diante do altar
Ritos iniciais
Leituras

Fotos da Missa da Noite de Natal em Belém

O Administrador Apostólico do Patriarcado de Jerusalém, Dom Pierbatista Pizzaballa, presidiu no último dia 24 de dezembro as celebrações da Solenidade do Natal do Senhor na igreja de Santa Catarina, junto à Basílica da Natividade.

À tarde foram celebradas as I Vésperas da Solenidade e, à meia-noite, a Santa Missa da Noite. No final da celebração, a imagem do Menino Jesus foi levada em procissão até o altar onde, segundo a tradição, era a gruta da Natividade.

Presente também na celebração, diante do altar, a relíquia da manjedoura recentemente doada pelo Papa Francisco.

I Vésperas:
     
O Bispo atravessa a "Porta da humildade"
Oração diante do Santíssimo Sacramento
Oração das Vésperas
Leitura
Incensação do altar durante o Magnificat

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Fotos da Bênção Urbi et Orbi de Natal no Vaticano

No último dia 25 de dezembro o Papa Francisco concedeu a tradicional Bênção Urbi et Orbi (à cidade e ao mundo) por ocasião da Solenidade do Natal do Senhor do balcão central da Basílica de São Pedro.

Assistiram ao Santo Padre os Monsenhores Guido Marini e Krzysztof Marcjanowicz, além dos Cardeais Diáconos Renato Raffaele Martino (Protodiácono) e Konrad Krajewski (Elemosinário).

Entrada do Santo Padre




Mensagem Urbi et Orbi do Papa: Natal 2019

Mensagem Urbi et Orbi do Papa Francisco
Natal 2019
Balcão central da Basílica Vaticana
Quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

«O povo que andava nas trevas viu uma grande luz» (Is 9,1).
Queridos irmãos e irmãs, feliz Natal!
Nesta noite, do ventre da mãe Igreja, nasceu de novo o Filho de Deus feito homem. O seu nome é Jesus, que significa Deus salva. O Pai, Amor eterno e infinito, enviou-O ao mundo, não para condenar o mundo, mas para salvá-lo (cf. Jo 3,17). O Pai no-Lo deu, com imensa misericórdia; deu-O para todos; deu-O para sempre. E Ele nasceu como uma chamazinha acesa na escuridão e no frio da noite.
Aquele Menino, nascido da Virgem Maria, é a Palavra de Deus que Se fez carne; a Palavra que guiou o coração e os passos de Abraão rumo à terra prometida, e continua a atrair aqueles que confiam nas promessas de Deus; a Palavra que guiou os judeus no caminho desde a escravidão à liberdade, e continua a chamar os escravos de todos os tempos, incluindo os de hoje, para saírem das suas prisões. É Palavra mais luminosa do que o sol, encarnada num pequenino filho de homem, Jesus, luz do mundo.
Por isso, o profeta exclama: «O povo que andava nas trevas viu uma grande luz» (Is 9,1). É verdade que há trevas nos corações humanos, mas é maior a luz de Cristo; há trevas nas relações pessoais, familiares, sociais, mas é maior a luz de Cristo; há trevas nos conflitos económicos, geopolíticos e ecológicos, mas é maior a luz de Cristo.
Que Jesus Cristo seja luz para tantas crianças que padecem a guerra e os conflitos no Médio Oriente e em vários países do mundo; seja conforto para o amado povo sírio, ainda sem o fim à vista das hostilidades que dilaceraram o país nesta década; sacuda as consciências dos homens de boa vontade; inspire hoje os governantes e a comunidade internacional, para encontrar soluções que garantam a segurança e a convivência pacífica dos povos da Região e ponham termo aos seus sofrimentos indescritíveis; seja sustentáculo para o povo libanês, para poder sair da crise atual e redescobrir a sua vocação de ser mensagem de liberdade e coexistência harmoniosa para todos.
Que o Senhor Jesus seja luz para a Terra Santa, onde Ele nasceu, Salvador do homem, e onde continua a expectativa de tantos que, apesar de cansados mas sem se perder de ânimo, aguardam dias de paz, segurança e prosperidade; seja consolação para o Iraque, atravessado por tensões sociais, e para o Iêmen, provado por uma grave crise humanitária.
Que o Menino pequerrucho de Belém seja esperança para todo o continente americano, onde várias nações estão a atravessar um período de convulsões sociais e políticas; revigore o querido povo venezuelano, longamente provado por tensões políticas e sociais, e não lhe deixe faltar a ajuda de que precisa; abençoe os esforços de quantos se empenham em favorecer a justiça e a reconciliação e trabalham para superar as várias crises e as inúmeras formas de pobreza que ofendem a dignidade de cada pessoa.
Que o Redentor do mundo seja luz para a querida Ucrânia, que aspira por soluções concretas para uma paz duradoura.
Que o Senhor recém-nascido seja luz para os povos da África, onde perduram situações sociais e políticas que, frequentemente, obrigam as pessoas a emigrar, privando-as duma casa e duma família; haja paz para a população que vive nas regiões orientais da República Democrática do Congo, martirizada por conflitos persistentes; seja conforto para quantos padecem por causa das violências, calamidades naturais ou emergências sanitárias; dê consolação a todos os perseguidos por causa da sua fé religiosa, especialmente os missionários e os fiéis sequestrados, e para quantos são vítimas de ataques de grupos extremistas, sobretudo no Burkina Faso, Mali, Níger e Nigéria.
Que o Filho de Deus, descido do Céu à terra, seja defesa e amparo para todos aqueles que, por causa destas e outras injustiças, devem emigrar na esperança duma vida segura. É a injustiça que os obriga a atravessar desertos e mares, transformados em cemitérios; é a injustiça que os obriga a suportar abusos indescritíveis, escravidões de todo o género e torturas em campos de detenção desumanos; é a injustiça que os repele de lugares onde poderiam ter a esperança duma vida digna e lhes faz encontrar muros de indiferença.
Que o Emmanuel seja luz para toda a humanidade ferida. Enterneça o nosso coração frequentemente endurecido e egoísta e nos torne instrumentos do seu amor. Através dos nossos pobres rostos, dê o seu sorriso às crianças de todo o mundo: às crianças abandonadas e a quantas sofreram violências. Através das nossas frágeis mãos, vista os pobres que não têm nada para se cobrir, dê o pão aos famintos, cuide dos enfermos. Pela nossa frágil companhia, esteja próximo das pessoas idosas e de quantas vivem sozinhas, dos migrantes e dos marginalizados. Neste dia de festa, dê a todos a sua ternura e ilumine as trevas deste mundo.

Queridos irmãos e irmãs!
Renovo os meus votos dum Natal feliz para todos vós que, vindos dos quatro cantos da Terra, vos encontrais nesta Praça e para quantos nos acompanham pela rádio, televisão e restantes meios de comunicação. Obrigado pela vossa presença, neste dia de alegria.
Todos somos chamados a dar esperança ao mundo anunciando, por palavras e sobretudo com o testemunho da nossa vida, que nasceu Jesus, nossa paz.
Por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Bom almoço de Natal! Até à vista.


Fonte: Santa Sé

Fotos da Missa da Noite de Natal no Vaticano

No último dia 24 de dezembro, como de costume, o Papa Francisco presidiu na Basílica de São Pedro a Santa Missa da Noite na Solenidade do Natal do Senhor.

O Santo Padre foi assistido pelos Monsenhores Guido Marini e Ján Dubina. O livreto da celebração pode ser visto aqui.

O Papa ouve o canto da Kalenda
O Papa descobre a imagem do Menino Jesus
Veneração da imagem

Incensação

Homilia do Papa: Missa da Noite de Natal 2019

Santa Missa da Noite de Natal
Homilia do Papa Francisco
Basílica Vaticana
Terça-feira, 24 de dezembro de 2019

«Habitavam numa terra de sombras, mas uma luz brilhou sobre eles» (Is 9,1). Esta profecia da 1ª Leitura realizou-se no Evangelho: de fato, enquanto os pastores velavam de noite nas suas terras, «a glória do Senhor refulgiu em volta deles» (Lc 2,9). Na noite da terra, apareceu uma luz vinda do Céu. Que significa esta luz que se manifestou na escuridão? Sugere-o o Apóstolo Paulo quando diz: «Manifestou-se a graça de Deus». Nesta noite, a graça de Deus, «portadora de salvação para todos os homens» (Tt 2,11), envolveu o mundo.
Mas, que é esta graça? É o amor divino, o amor que transforma a vida, renova a história, liberta do mal, infunde paz e alegria. Nesta noite, foi-nos mostrado o amor de Deus: é Jesus. Em Jesus, o Altíssimo fez-Se pequenino, para ser amado por nós. Em Jesus, Deus fez-Se Menino, para Se deixar abraçar por nós. Mas podemos ainda perguntar-nos: Porque é que São Paulo chama «graça» à vinda de Deus ao mundo? Para nos dizer que é completamente gratuita. Enquanto aqui, na terra, tudo parece seguir a lógica do dar para receber, Deus chega de graça. O seu amor ultrapassa qualquer possibilidade de negócio: nada fizemos para merecê-lo, e nunca poderemos retribuí-lo.
Manifestou-se a graça de Deus. Nesta noite, damo-nos conta de que, não sendo nós capazes da altura d’Ele, por amor nosso desceu à nossa pequenez; vivendo preocupados apenas com os nossos interesses, veio Ele habitar entre nós. O Natal lembra-nos que Deus continua a amar todo o homem, mesmo o pior. Hoje diz a mim, a ti, a cada um de nós: «Amo-te e sempre te amarei; és precioso aos meus olhos». Deus não te ama, porque pensas certo e te comportas bem; ama-te... e basta! O seu amor é incondicional, não depende de ti. Podes ter ideias erradas, podes tê-las combinado de todas as cores, mas o Senhor não desiste de te querer bem. Quantas vezes pensamos que Deus é bom, se formos bons; e castiga-nos, se formos maus; mas não é assim! Nos nossos pecados, continua a amar-nos. O seu amor não muda, não é melindroso; é fiel, é paciente. Eis o dom que encontramos no Natal: com maravilha, descobrimos que no Senhor está toda a gratuidade possível, toda a ternura possível. A sua glória não nos encandeia, nem a sua presença nos assusta. Nasce pobre de tudo, para nos conquistar com a riqueza do seu amor.
Manifestou-se a graça de Deus. Graça é sinônimo de beleza. Nesta noite, na beleza do amor de Deus redescobrimos também a nossa beleza, porque somos os amados de Deus. No bem e no mal, na saúde e na doença, felizes ou tristes, sempre aparecemos lindos a seus olhos: não pelo que fazemos, mas pelo que somos. Em nós, há uma beleza indelével, intangível; uma beleza incancelável, que é o núcleo do nosso ser. Deus no-lo recorda hoje, tomando amorosamente a nossa humanidade e assumindo-a, «desposando-a» para sempre.
A «grande alegria», anunciada aos pastores nesta noite, é verdadeiramente «para todo o povo». Naqueles pastores, que santos não eram certamente, estamos também nós, com as nossas fragilidades e fraquezas. Deus, tal como chamou a eles, chama a nós também, porque nos ama. E, nas noites da vida, diz-nos como a eles: «Não tenhais medo» (Lc 2,10). Coragem, não percais a confiança nem a esperança; não penseis que amar seja tempo perdido! Nesta noite, o amor venceu o medo, manifestou-se uma nova esperança; a luz gentil de Deus venceu as trevas da arrogância humana. Humanidade, Deus ama-te e, por ti, fez-Se homem; já não estás sozinha.
Amados irmãos e irmãs, que fazer perante esta graça? Uma coisa só: acolher o dom. Antes que ir à procura de Deus, deixemo-nos procurar por Ele, que nos procura primeiro. Não partamos das nossas capacidades, mas da sua graça, porque é Ele, Jesus, o Salvador. Fixemos o olhar no Menino e deixemo-nos envolver pela sua ternura. As desculpas para não nos deixarmos amar por Ele, desapareceram: aquilo que está torto na vida, aquilo que não funciona na Igreja, aquilo que corre mal no mundo não poderá mais servir-nos de justificação. Passou a segundo plano, pois frente ao amor louco de Jesus, a um amor todo ele mansidão e proximidade, não há desculpas. E, assim, a questão no Natal é esta: «Deixo-me amar por Deus? Abandono-me ao seu amor que vem salvar-me?»
Um dom tão grande merece tanta gratidão! Acolher a graça é saber agradecer. Frequentemente, porém, as nossas vidas transcorrem alheias à gratidão. Hoje é o dia justo para nos aproximarmos do sacrário, do presépio, da manjedoura, e dizermos obrigado. Acolhamos o dom que é Jesus, para depois nos tornarmos dom como Jesus. Tornar-se dom é dar sentido à vida, sendo este o melhor modo para mudar o mundo: nós mudamos, a Igreja muda, a história muda, quando começamos a querer mudar, não os outros, mas a nós mesmos, fazendo da nossa vida um dom.
Assim no-lo mostra Jesus nesta noite: não mudou a História forçando alguém ou à força de palavras, mas com o dom da sua vida. Não esperou que nos tornássemos bons para nos amar, mas deu-Se gratuitamente a nós. Por nossa vez, não esperemos que o próximo se torne bom para lhe fazermos bem, que a Igreja seja perfeita para a amarmos, que os outros tenham consideração por nós para os servirmos. Comecemos nós. Isto é acolher o dom da graça. E a santidade consiste precisamente em preservar esta gratuidade.
Conta uma graciosa história que, no nascimento de Jesus, os pastores acorriam à gruta com vários dons. Cada um levava o que tinha, ora os frutos do seu trabalho, ora algo precioso. Mas, enquanto todos se prodigalizavam com generosidade, havia um pastor que não tinha nada. Era muito pobre, não tinha nada para oferecer. E enquanto todos se emulavam na apresentação dos seus dons, ele mantinha-se aparte, com vergonha. A dada altura, São José e Nossa Senhora sentiram dificuldade para receber todos os dons - eram tantos -, especialmente Maria que devia segurar nos braços o Menino. Então, vendo com as mãos vazias aquele pastor, pediu-lhe que se aproximasse e colocou-lhe Jesus nas mãos. Ao acolhê-Lo, aquele pastor deu-se conta de ter recebido aquilo que não merecia: ter nas mãos o maior dom da História. Olhou para as suas mãos, aquelas mãos que lhe pareciam sempre vazias: tornaram-se o berço de Deus. Sentiu-se amado e, superando a vergonha, começou a mostrar aos outros Jesus, porque não podia guardar para si o dom dos dons.
Querido irmão, querida irmã, se as tuas mãos te parecem vazias, se vês o teu coração pobre de amor, esta é a tua noite. Manifestou-se a graça de Deus, para resplandecer na tua vida. Acolhe-a e brilhará em ti a luz do Natal.


Fonte: Santa Sé.