sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

A árvore de Natal

“Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7,20).

A piedade popular é particularmente sensível ao ciclo da Encarnação e da Manifestação do Senhor, isto é, aos Tempos do Advento e do Natal.

Aqui em nosso blog já realizamos postagens sobre diversas expressõe de piedade popular em harmonia com esse ciclo do Ano Litúrgico (algumas das quais foram recentemente revistas e ampliadas): a coroa do Advento; as Missas Rorate; a novena de Natal; as Antífonas do Ó; o presépio; o hino Adeste fideles (Cristãos, vinde todos).

Faltava-nos, porém, refletir sobre o rico simbolismo da árvore de Natal, que exploraremos a seguir.

Árvore de Natal e presépio napolitano do séc. XVIII
(Metropolitan Museum of Art, New York)

O simbolismo da árvore

A árvore é um símbolo natural presente nas mais diversas culturas e tradições religiosas. Evoca espontaneamente a vida (em suas folhas e frutos), a proteção (com sua sombra e seus ramos), a renovação (sendo “transformada” pelo ciclo das estações).

É um símbolo situado entre “três mundos”: suas raízes estão sob a terra; seu tronco é visível sobre a terra; e seus ramos apontam para o céu. Portanto, é também um símbolo da ascensão espiritual do homem.

O Livro dos Salmos começa justamente comparando o homem justo a uma árvore plantada junto à água corrente: “ela sempre dá seus frutos a seu tempo, e jamais as suas folhas vão murchar” (Sl 1,3).

O simbolismo da árvore, com efeito, percorre toda a Sagrada Escritura: desde a “árvore do juízo do bem e do mal” no Gênesis (Gn 2–3) até a “árvore da vida” no Apocalipse (Ap 22).

No centro, está a “árvore da cruz”, na qual Cristo redime o pecado dos primeiros pais: se junto da árvore do paraíso o homem quis se fazer deus (Gn 3,5), tomando para si o fruto, na árvore da cruz Deus que se fez homem estende seus braços para tudo doar (cf. Fl 2,6-11; Rm 5,12-21). A árvore da cruz se torna, pois, axis mundi (o centro do mundo): sua dupla direção, vertical e horizontal, comunica o amor de Deus em todo tempo e lugar [1].

Cristo crucificado em uma árvore junto a Adão e Eva
(Edward Burne Jones - séc. XIX)

Ao longo da Sagrada Escritura também são mencionadas árvores específicas, com suas respectivas características: palmeira, cedro, figueira, oliveira, videira...

A origem da árvore de Natal

A “pré-história” da árvore de Natal encontra-se na obra de evangelização dos povos germânicos realizada por São Bonifácio de Mogúncia (†754).

Na mitologia dos povos germânicos e escandinavos (chamados “nórdicos”), com efeito, a árvore ocupava um papel central. A “árvore cósmica”, Yggdrasil, era o “eixo” que sustentava os “nove mundos”: dos deuses, dos homens, dos mortos...

De acordo com a lenda, no ano de 723, São Bonifácio teria derrubado a machadadas um carvalho sagrado ligado aos cultos pagãos (associado tanto a Thor quanto a Júpiter) no estado de Hesse (Alemanha), construindo uma capela no local.

O gesto de cortar uma árvore e levá-la para dentro de casa seria então uma forma de rejeição aos antigos cultos pagãos. Porém, essa tradição só se popularizará séculos depois.

São Bonifácio pregando junto ao carvalho derrubado
(Johann Michael Wittmer - séc. XIX)
Note-se o "machado posto à raiz", convite à conversão (Lc 3,9)

No hemisfério norte, como vimos em nossa postagem sobre a história da Solenidade do Natal do Senhor, essa celebração está associada ao solstício de inverno, quando os dias ficam mais curtos e a maioria das árvores perde suas folhas.

Assim, a ornamentação de árvores de folhas perenes (como pinheiros, abetos ou ciprestes) seria uma forma de expressar a vitória de Cristo sobre a morte. Além disso, o formato “triangular” dessas árvores (coníferas) foi associado ao mistério da Santíssima Trindade.

Posteriormente foram acrescentados à árvore outros símbolos, ligados tanto ao inverno quanto ao mistério do Natal:

- frutos, que escasseiam no inverno: a interpretação cristã os relacionou ao “fruto do pecado” do Gênesis, redimido por Cristo na árvore da cruz. Posteriormente foram substituídos por bolas coloridas.

- hóstias, isto é, pães ázimos: seriam uma alusão à Eucaristia e um “contraponto” ao “fruto do pecado”. Vale recordar que “Belém” significa justamente “casa do pão” (ver, no final da postagem, a seção sobre o opłatek, o pão de Natal da tradição polonesa).

- velas acesas: para iluminar as longas noites de inverno do hemisfério norte e para recordar que Cristo é a luz do mundo (Jo 8,12). Por óbvias razões de segurança, foram substituídas por luzes elétricas.

A tradição da montagem da árvore de Natal nas casas teria se popularizado a partir do século XVI na Alemanha e nos países Bálticos (Letônia e Estônia), difundida sobretudo pelas comunidades protestantes. Outros países da Europa e do resto do mundo acolheriam essa tradição apenas a partir dos séculos XIX e XX.

"Decorating the Christmas tree"
(Marcel Reider - 1898)

A árvore de Natal hoje

Embora o principal símbolo natalino para nós, cristãos, seja o presépio, o Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia - promulgado pela Congregação para o Culto Divino em 2001 - indica em seu n. 109 que a “inauguração” da árvore de Natal nas casas também pode ser uma ocasião para a oração em família.

Após recordar seu simbolismo cristológico, que indicamos acima, o Diretório recomenda valorizar a “ornamentação cristã” da árvore:

- os frutos (“maçãs”) ou bolas coloridas e as “hóstias”. Alguns interpretam as várias cores das bolas de Natal em alusão às várias formas de oração: louvor, ação de graças, súplica... Porém, corremos o risco aqui de cair na alegorese [2].

- os presentes sob a árvore. Aqui, indica o Diretório, “não deverá faltar o presente para os pobres: eles fazem parte de toda família cristã” (n. 109). O Natal deve ser, também, com efeito, “festa da caridade”.

Além desses símbolos recordados pelo Diretório cabe destacar:
- as luzes, como vimos anteriormente;
- os sinos, tradicional expressão de alegria e louvor;
- e a estrela, que costuma ser colocada no topo da árvore, recordando aquela que guiou os magos do Oriente (Mt 2,1-12).

Estrela no topo da árvore de Natal do Vaticano
(As oito pontas da estrela remetem à "nova criação" em Cristo)

Quando montar a árvore de Natal?

Valem aqui os mesmos princípios que indicamos em nossa postagem sobre o presépio: a montagem da árvore de Natal pode estar associada ao início do Advento, quatro domingos antes do Natal; ou ao período de preparação próxima para o Natal do Senhor, a partir do dia 17 de dezembro.

O ideal seria que a árvore não “antecipasse” a alegria do Natal. Assim, como sugerimos para o presépio, a árvore poderia ser decorada ao longo do Advento, de maneira pedagógica, ou melhor, mistagógica (palavra que significa “conduzir ao mistério”), remetendo-nos às várias etapas da história da salvação.

Assim, no 1º Domingo do Advento, tanto nas igrejas quanto nas casas, seria montada apenas a árvore, sem nenhum enfeite. Estes seriam colocados “pouco a pouco” nos três domingos seguintes, culminando na noite de Natal, quando poderiam ser colocadas as luzes e a estrela no topo.

Em alguns lugares, com efeito, é costume colocar uma bola colorida a cada dia do Advento, semelhante à “coroa do Advento original”, na qual se acendia uma vela a cada dia.

Bolas coloridas para a árvore de Natal
(Associadas às vezes aos "tipos de oração": louvor, agradecimento, súplica...) 

Proposta pastoral: Enfeites personalizados

Sobre as bolas coloridas, uma interessante proposta pastoral seria valorizar os “enfeites de Natal personalizados” que têm se difundido nos últimos anos. Por exemplo, na família os enfeites trariam as fotos dos parentes e amigos pelos quais rezar.

Nas comunidades, por sua vez, damos aqui três sugestões:

- enfeites com as imagens dos antepassados de Cristo (Adão e Eva, Abraão, Davi...) e outros santos do Antigo Testamento, “antepassados espirituais” do Messias (Moisés, os profetas...), remetendo-nos à “raiz de Jessé” (cf. Is 11), mistério celebrado pela “Antífona do Ó” do dia 19 de dezembro;

Para saber mais, confira nossas postagens sobre o culto aos santos do Antigo Testamento clicando aqui.

- enfeites com os símbolos das virtudes cristãs: prudência, justiça, fortaleza, temperança, fé, esperança, caridade... ou dos dons e/ou frutos do Espírito Santo (cf. Is 11,1-3; Gl 5,22);

- enfeites com os símbolos das sete Antífonas Maiores do Advento ou Antífonas do Ó, a serem colocados na árvore de 17 a 23 de dezembro.

Enfeites de Natal representando as sete "Antífonas do Ó"

Árvore natural ou artificial?

Na Liturgia, é importante evitar elementos artificiais. Afinal, queremos expressar uma fé autêntica, sincera.

Assim, o ideal em nossas comunidades seria dispor de uma árvore natural. Atentos ao “cuidado da casa comum”, porém, devemos buscar que essa árvore possa depois ser replantada ou reaproveitada de alguma forma.

Por exemplo, para a Praça de São Pedro no Vaticano, desde 1982, sob a inspiração de São João Paulo II (†2005), além do presépio, a cada ano uma região da Europa doa uma grande árvore.

Geralmente essa árvore vem de plantações próprias de “árvores de Natal”, comuns nos países do hemisfério norte. Além disso, após o Tempo do Natal, a madeira dessa árvore costuma ser usada para a produção de brinquedos para crianças carentes.

Árvore de Natal na Praça de São Pedro no Vaticano

Quando desmontar a árvore de Natal?

Vale novamente aqui o que afirmamos a respeito do presépio: preferencialmente, no domingo após a Solenidade da Epifania do senhor, quando se encerra o Tempo do Natal.

Em alguns lugares, por sua vez, o presépio e a árvore permanecem até o dia 02 de fevereiro, Festa da Apresentação do Senhor, 40 dias após a Solenidade do Natal.

O albero che illumini la notte di Natale
Le luci tue ricordano la luce del Signore

“Ó árvore que ilumina a noite de Natal
As tuas luzes recordam a luz do Senhor”

(Adaptação da canção alemã “O Tannenbaum”, interpretada pelo famoso tenor italiano Andrea Bocelli)


“Nasceu em Belém, a casa do pão”: A tradição do opłatek

A referência do Diretório sobre Piedade Popular às “hóstias” na árvore de Natal nos dá oportunidade de falar aqui sobre o opłatek, o “pão de Natal”, uma tradição da Polônia e de outros países do Leste Europeu (como Lituânia ou Eslováquia).

Tal tradição remete ao costume das Igrejas Orientais de abençoar pão, vinho e óleo na véspera das grandes festas, o chamado rito da Artoklasia. Esse pão abençoado, o antídoron, é partido e distribuído entre os presentes.

Opłatki  em um cesto

O opłatek, com efeito, é um pão ázimo muito fino, como as “hóstias” para a Missa, geralmente em formato quadrado e no qual são estampados símbolos natalinos.

Os opłatki (plural de opłatek) são comumente partilhados pelos familiares na véspera de Natal, antes da Missa da Noite, e inclusive enviados aos ausentes, gesto acompanhado de agradecimentos e pedidos de perdão mútuo.

Partilha do opłatek

Nota:

[1] Ver, neste sentido, os hinos de São Venâncio Fortunato, entoados na Semana Santa: Vexílla regis pródeunt (Do Rei avança o estandarte) e Crux fidelis (Fiel madeiro):
OFÍCIO DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus, 1999, vol. II: Tempo da Quaresma, Tríduo Pascal, Tempo da Páscoa, pp. 357-360.
MISSAL ROMANO. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, pp. 263-266.

[2] A alegorese ou alegorismo, como vimos em nossa postagem sobre a coroa do Advento, consiste em “forçar” um simbolismo onde este não existe. Para saber mais:
BERGER, Rupert. Alegoria. in: Dicionário de Liturgia Pastoral: Obra de consulta sobre todas as questões referentes à Liturgia. São Paulo: Loyola, 2010, pp. 13-14.
JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Sollemnia: Origens, liturgia, história e teologia da Missa romana. São Paulo: Paulus, 2009, pp. 102-107.

Referências:

CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 101.

HEINZ-MOHR, Gerd. Dicionário dos Símbolos: Imagens e sinais da arte cristã. São Paulo: Paulus, 1994, pp. 34-39 (Árvore).

LÉON-DUFOUR, Xavier et al. Vocabulário de Teologia Bíblica. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2008, pp. 77-78 (Árvore).

LURKER, Manfred. Dicionário de figuras e símbolos bíblicos. São Paulo: Paulus, 1993, pp. 16-18 (Árvore).

Imagens: Wikimedia Commons.

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