“Pelos seus frutos os
conhecereis” (Mt 7,20).
A piedade popular é particularmente sensível ao ciclo da
Encarnação e da Manifestação do Senhor, isto é, aos Tempos do Advento e do
Natal.
Aqui em nosso blog já realizamos postagens sobre diversas
expressõe de piedade popular em harmonia com esse ciclo do Ano Litúrgico
(algumas das quais foram recentemente revistas e ampliadas): a coroa do Advento; as Missas Rorate; a novena de Natal; as Antífonas do Ó; o presépio; o hino Adeste fideles (Cristãos, vinde todos).
Faltava-nos, porém, refletir sobre o rico simbolismo da
árvore de Natal, que exploraremos a seguir.
O simbolismo da
árvore
A árvore é um símbolo natural presente nas mais diversas
culturas e tradições religiosas. Evoca espontaneamente a vida (em suas folhas e frutos), a proteção (com sua sombra e seus ramos), a renovação (sendo “transformada” pelo ciclo das estações).
É um símbolo situado entre “três mundos”: suas raízes estão
sob a terra; seu tronco é visível sobre a terra; e seus ramos apontam para o
céu. Portanto, é também um símbolo da ascensão espiritual
do homem.
O Livro dos Salmos
começa justamente comparando o homem justo a uma árvore plantada junto à água
corrente: “ela sempre dá seus frutos a seu tempo, e jamais as suas folhas vão
murchar” (Sl 1,3).
O simbolismo da árvore, com efeito, percorre toda a Sagrada
Escritura: desde a “árvore do juízo do bem e do mal” no Gênesis (Gn 2–3) até a “árvore da vida” no Apocalipse
(Ap 22).
No centro, está a “árvore
da cruz”, na qual Cristo redime o pecado dos primeiros pais: se junto da
árvore do paraíso o homem quis se fazer deus (Gn 3,5), tomando para si o fruto, na árvore da cruz Deus que se fez
homem estende seus braços para tudo doar (cf.
Fl 2,6-11; Rm 5,12-21). A árvore da cruz se torna, pois, axis mundi (o centro do mundo): sua dupla direção, vertical e
horizontal, comunica o amor de Deus em todo tempo e lugar [1].
Cristo crucificado em uma árvore junto a Adão e Eva (Edward Burne Jones - séc. XIX) |
Ao longo da Sagrada Escritura também são mencionadas árvores
específicas, com suas respectivas características: palmeira, cedro, figueira,
oliveira, videira...
A origem da árvore de
Natal
A “pré-história” da árvore de Natal encontra-se na obra de
evangelização dos povos germânicos realizada por São Bonifácio de Mogúncia
(†754).
Na mitologia dos povos germânicos e escandinavos (chamados
“nórdicos”), com efeito, a árvore ocupava um papel central. A “árvore cósmica”,
Yggdrasil, era o “eixo” que
sustentava os “nove mundos”:
dos deuses, dos homens, dos mortos...
De acordo com a lenda, no ano de 723, São Bonifácio teria
derrubado a machadadas um carvalho sagrado ligado aos cultos pagãos (associado
tanto a Thor quanto a Júpiter) no estado de Hesse (Alemanha), construindo uma
capela no local.
O gesto de cortar uma árvore e levá-la para dentro de casa
seria então uma forma de rejeição aos antigos cultos pagãos. Porém, essa
tradição só se popularizará séculos depois.
São Bonifácio pregando junto ao carvalho derrubado (Johann Michael Wittmer - séc. XIX) Note-se o "machado posto à raiz", convite à conversão (Lc 3,9) |
No hemisfério norte, como vimos em nossa postagem sobre a história da Solenidade do Natal do Senhor, essa celebração está associada ao
solstício de inverno, quando os dias ficam mais curtos e a maioria das árvores
perde suas folhas.
Assim, a ornamentação de árvores de folhas perenes (como
pinheiros, abetos ou ciprestes) seria uma forma de expressar a vitória de
Cristo sobre a morte. Além disso, o formato “triangular” dessas árvores
(coníferas) foi associado ao mistério da Santíssima Trindade.
Posteriormente foram acrescentados à árvore outros símbolos,
ligados tanto ao inverno quanto ao mistério do Natal:
- frutos, que escasseiam no inverno: a interpretação cristã
os relacionou ao “fruto do pecado” do Gênesis,
redimido por Cristo na árvore da cruz. Posteriormente foram substituídos por
bolas coloridas.
- hóstias, isto é, pães ázimos: seriam uma alusão à
Eucaristia e um “contraponto” ao “fruto do pecado”. Vale recordar que “Belém”
significa justamente “casa do pão” (ver, no final da postagem, a seção sobre o opłatek, o “pão de Natal” da tradição polonesa).
- velas acesas: para iluminar as longas noites de inverno do
hemisfério norte e para recordar que Cristo é a luz do mundo (Jo 8,12). Por óbvias razões de
segurança, foram substituídas por luzes elétricas.
A tradição da montagem da árvore de Natal nas casas teria se popularizado
a partir do século XVI na Alemanha e nos países Bálticos (Letônia e Estônia), difundida
sobretudo pelas comunidades protestantes. Outros países da Europa e do resto do
mundo acolheriam essa tradição apenas a partir dos séculos XIX e XX.
A árvore de Natal
hoje
Embora o principal símbolo natalino para nós, cristãos, seja
o presépio, o Diretório sobre Piedade
Popular e Liturgia - promulgado pela Congregação para o Culto Divino em 2001 - indica
em seu n. 109 que a “inauguração” da árvore de Natal nas casas também
pode ser uma ocasião para a oração em família.
Após recordar seu simbolismo cristológico, que indicamos
acima, o Diretório recomenda valorizar a “ornamentação cristã” da árvore:
- os frutos (“maçãs”) ou bolas coloridas e as “hóstias”.
Alguns interpretam as várias cores das bolas de Natal em alusão às várias
formas de oração: louvor, ação de graças, súplica... Porém, corremos o risco
aqui de cair na alegorese [2].
- os presentes sob a árvore. Aqui, indica o Diretório, “não deverá faltar o presente
para os pobres: eles fazem parte de toda família cristã” (n. 109). O Natal deve
ser, também, com efeito, “festa da caridade”.
Além desses símbolos recordados pelo Diretório cabe destacar:
- as luzes, como vimos anteriormente;
- os sinos, tradicional expressão de alegria e louvor;
- e a estrela, que costuma ser colocada no topo da árvore,
recordando aquela que guiou os magos do Oriente (Mt 2,1-12).
Estrela no topo da árvore de Natal do Vaticano (As oito pontas da estrela remetem à "nova criação" em Cristo) |
Quando montar a árvore de Natal?
Valem aqui os mesmos princípios que indicamos em nossa postagem sobre o presépio: a montagem da árvore de Natal pode estar associada
ao início do Advento, quatro domingos antes do Natal; ou ao período de
preparação próxima para o Natal do Senhor, a partir do dia 17 de dezembro.
O ideal seria que a árvore não “antecipasse” a alegria do
Natal. Assim, como sugerimos para o presépio, a árvore poderia ser decorada ao
longo do Advento, de maneira pedagógica, ou melhor, mistagógica (palavra que
significa “conduzir ao mistério”), remetendo-nos às várias etapas da história
da salvação.
Assim, no 1º Domingo do Advento, tanto nas igrejas quanto
nas casas, seria montada apenas a árvore, sem nenhum enfeite. Estes seriam
colocados “pouco a pouco” nos três domingos seguintes, culminando na noite de
Natal, quando poderiam ser colocadas as luzes e a estrela no topo.
Em alguns lugares, com efeito, é costume colocar uma bola
colorida a cada dia do Advento, semelhante à “coroa do Advento original”, na
qual se acendia uma vela a cada dia.
Bolas coloridas para a árvore de Natal (Associadas às vezes aos "tipos de oração": louvor, agradecimento, súplica...) |
Proposta pastoral: Enfeites personalizados
Sobre as bolas coloridas, uma interessante proposta pastoral
seria valorizar os “enfeites de Natal personalizados” que têm se difundido nos
últimos anos. Por exemplo, na família os enfeites trariam as fotos dos parentes
e amigos pelos quais rezar.
Nas comunidades, por sua vez, damos aqui três sugestões:
- enfeites com as imagens dos antepassados de Cristo (Adão e Eva, Abraão, Davi...) e outros santos do Antigo Testamento, “antepassados espirituais” do Messias (Moisés, os profetas...), remetendo-nos à “raiz de Jessé” (cf. Is 11), mistério
celebrado pela “Antífona do Ó” do dia 19 de dezembro;
Para saber mais, confira nossas postagens sobre o culto aos santos do Antigo Testamento clicando aqui.
- enfeites com os símbolos das virtudes cristãs: prudência,
justiça, fortaleza, temperança, fé, esperança, caridade... ou dos dons e/ou frutos do Espírito Santo (cf. Is 11,1-3; Gl 5,22);
- enfeites com os símbolos das sete Antífonas Maiores do Advento ou Antífonas do Ó, a serem colocados na árvore de 17 a 23 de dezembro.
Árvore natural ou artificial?
Na Liturgia, é importante evitar elementos artificiais.
Afinal, queremos expressar uma fé autêntica, sincera.
Assim, o ideal em nossas comunidades seria dispor de uma
árvore natural. Atentos ao “cuidado da casa comum”, porém, devemos buscar que essa árvore possa depois ser replantada ou reaproveitada de
alguma forma.
Por exemplo, para a Praça de São Pedro no Vaticano, desde
1982, sob a inspiração de São João Paulo II (†2005), além do presépio, a cada ano uma região da Europa doa uma grande árvore.
Geralmente essa árvore vem de plantações próprias de
“árvores de Natal”, comuns nos países do hemisfério norte. Além disso, após o
Tempo do Natal, a madeira dessa árvore costuma ser usada para a produção de brinquedos
para crianças carentes.
Quando desmontar a árvore de Natal?
Vale novamente aqui o que afirmamos a respeito do presépio: preferencialmente, no domingo após a Solenidade da Epifania do senhor, quando se encerra o Tempo do Natal.
Em alguns lugares, por sua vez, o presépio e a árvore
permanecem até o dia 02 de fevereiro, Festa da Apresentação do Senhor, 40 dias
após a Solenidade do Natal.
“O albero che illumini la notte di Natale
Le luci tue ricordano la luce del Signore”
“Ó árvore que ilumina a noite de Natal
As tuas luzes recordam a luz do Senhor”
(Adaptação da canção alemã “O Tannenbaum”, interpretada pelo famoso tenor italiano Andrea
Bocelli)
“Nasceu em Belém, a
casa do pão”: A tradição do opłatek
A referência do Diretório sobre Piedade Popular às “hóstias”
na árvore de Natal nos dá oportunidade de falar aqui sobre o opłatek, o “pão de Natal”, uma tradição
da Polônia e de outros países do Leste Europeu (como Lituânia ou Eslováquia).
Tal tradição remete ao costume das Igrejas Orientais de
abençoar pão, vinho e óleo na véspera das grandes festas, o chamado rito da Artoklasia. Esse pão abençoado, o antídoron, é partido e distribuído entre
os presentes.
Opłatki em um cesto |
O opłatek, com
efeito, é um pão ázimo muito fino, como as “hóstias” para a Missa, geralmente em formato
quadrado e no qual são estampados símbolos natalinos.
Os opłatki (plural de opłatek)
são comumente partilhados pelos familiares na véspera de Natal, antes da Missa
da Noite, e inclusive enviados aos ausentes, gesto acompanhado de agradecimentos
e pedidos de perdão mútuo.
Partilha do opłatek |
Nota:
[1] Ver, neste sentido, os hinos de São Venâncio Fortunato,
entoados na Semana Santa: Vexílla regis
pródeunt (Do Rei avança o estandarte) e Crux
fidelis (Fiel madeiro):
OFÍCIO DIVINO. Liturgia
das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição
típica. São Paulo: Paulus, 1999, vol. II: Tempo da Quaresma, Tríduo Pascal, Tempo da Páscoa, pp. 357-360.
MISSAL ROMANO. Tradução
portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, pp.
263-266.
[2] A alegorese ou alegorismo, como vimos em nossa postagem sobre a coroa do Advento, consiste em “forçar” um simbolismo onde este não
existe. Para saber mais:
BERGER, Rupert. Alegoria.
in: Dicionário de Liturgia Pastoral: Obra de consulta sobre todas as questões
referentes à Liturgia. São Paulo: Loyola, 2010, pp. 13-14.
JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum
Sollemnia: Origens, liturgia, história e teologia da Missa romana. São
Paulo: Paulus, 2009, pp. 102-107.
Referências:
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS
SACRAMENTOS. Diretório sobre Piedade
Popular e Liturgia. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 101.
HEINZ-MOHR, Gerd. Dicionário
dos Símbolos: Imagens e sinais da arte cristã. São Paulo: Paulus, 1994, pp.
34-39 (Árvore).
LÉON-DUFOUR, Xavier et
al. Vocabulário de Teologia Bíblica. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2008, pp.
77-78 (Árvore).
LURKER, Manfred. Dicionário
de figuras e símbolos bíblicos. São Paulo: Paulus, 1993, pp. 16-18 (Árvore).
Imagens: Wikimedia Commons.
Nenhum comentário:
Postar um comentário