“O povo que andava nas trevas viu uma grande
luz” (Is 9,1).
Um dos símbolos
mais característicos do Advento, tempo de alegre expectativa pela vinda do
Senhor [1], é sem dúvida a coroa do Advento.
Confira nossa postagem sobre a história do Tempo do Advento clicando aqui.
1. Origem da coroa do Advento
A origem exata
da coroa do Advento é incerta. Alguns estudiosos sugerem que surgiu no leste da
Alemanha durante o século XVI, sobretudo entre os luteranos. Essa tradição,
porém, só se popularizou no século XIX.
Com efeito,
atribui-se ao teólogo protestante Johann Hinrich Wichern (†1881), então
responsável por um lar para órfãos em Hamburgo (Alemanha), a elaboração da
coroa do Advento como a conhecemos. Em 1839, Wichern teria disposto quatro velas
grandes e vinte velas pequenas sobre uma roda de carroça, que as crianças do
orfanato iam acendendo uma a cada dia, as velas pequenas nos dias de semana e
as velas grandes nos domingos, desde o início do mês de dezembro até a noite de
Natal.
Johann Hinrich Wichern (†1881) |
Tal gesto logo
se popularizou nos países do hemisfério norte, onde o Natal coincide com o
início do inverno, no qual os dias vão ficando cada vez mais curtos. Sendo
acolhida nas igrejas, tanto protestantes quanto católicas, porém, as velas
foram logo reduzidas a quatro, marcando o passo dos domingos do Advento.
Assim, como
indica o Diretório sobre Piedade Popular
e Liturgia, “o arranjo de quatro velas sobre uma coroa de ramos sempre
verdes, comum sobretudo nos países germânicos e na América do Norte, se tornou
símbolo do Advento nas casas dos cristãos” (n. 98).
2. Simbolismo da coroa do Advento
O mesmo Diretório sobre Piedade Popular assim
sintetiza seu simbolismo: “A coroa do Advento, com o progressivo acender das
suas quatro luzes, domingo após domingo, até à solenidade do Natal, é memória
das várias etapas da história da salvação antes de Cristo e símbolo da luz
profética que ia iluminando a noite da expectativa, até o surgimento do Sol de
justiça” (n. 98).
a) O
círculo
As velas são
geralmente dispostas em uma coroa ou grinalda de forma circular. O círculo, na
tradição cristã, é símbolo da perfeição e da eternidade. A grinalda ou festão,
além disso, é desde a Antiguidade um símbolo de vitória, associada à coroa (cf. 1Cor 9,24-25; 2Tm 4,6-8).
Além do círculo
propriamente dito, a coroa do Advento pode ter a forma de uma espiral
ascendente, que remete à ascensão da alma ao céu. Na verdade, as próprias
velas, à medida que vão sendo consumidas pelo fogo, vão naturalmente formando
essa espiral ascendente.
b) Os
ramos verdes
Os “ramos sempre verdes”, como indica o Diretório, remetem ao inverno no hemisfério
norte, onde a maioria das árvores perde suas folhas. Assim como para árvore de
Natal, portanto, para a coroa do Advento se recorre a árvores perenes, isto é,
que não perdem suas folhas no inverno, como o pinheiro, o abeto ou o cipreste,
como símbolos da esperança, da vida, da vitória de Cristo sobre a morte.
Convém evitar uma
presença excessiva de flores, de modo a não antecipar a alegria própria do
Natal.
c) A luz
Novamente
associado ao inverno do hemisfério norte, o progressivo acender das velas a
cada domingo remete-nos ao rico simbolismo da luz.
A luz, com
efeito, é quase como um “refrão” do Tempo do Natal (cf. Jo 1,1-14; 8,12), desde a Missa da Noite (Is 9,1; Lc 2,9) até a
Epifania (Is 60,1-3), ecoando inclusive na Festa da
Apresentação do Senhor, 40 dias após o Natal (Lc 2,32).
As velas que
lentamente se consomem podem remeter-nos à conclusão da primeira aliança,
levada à plenitude por Cristo, o “Sol nascente que nos veio visitar” (cf. Lc
1,78-79; Ap 21,23).
d) O
número quatro
As quatro velas
remetem aos quatro domingos do Advento, que antecedem a Solenidade do Natal do
Senhor. O número quatro, tanto na Sagrada Escritura quanto na tradição cristã,
remete à criação, à plenitude do espaço (quatro pontos cardeais) sob o senhorio de Deus.
O Diretório sobre Piedade Popular recorda
também que as quatro velas são “memória das várias etapas da história da
salvação antes de Cristo”: a criação, a aliança de Deus com Abraão, o êxodo, o
reinado de Davi, a pregação dos profetas...
f) As
cores das velas
Como vimos, as
quatro velas estão associadas aos quatro domingos do Advento. Assim, a cor das
velas pode ser, nesse caso, a mesma dos domingos: quatro velas roxas ou então
três velas roxas e uma rosa (em alusão ao 3º Domingo, conhecido como “Gaudete”, “Domingo da Alegria”).
Outra opção
seria dispor simplesmente quatro velas brancas ou amarelas, que é a cor própria
da cera ou parafina, como devem ser as velas do altar.
Em alguns países
do hemisfério norte as velas podem ser ainda todas vermelhas. Trata-se aqui de
um simbolismo ligado ao inverno: às fogueiras acesas para aquecer e iluminar e
aos frutos vermelhos que vão se tornando mais escassos.
O Papa Francisco recebe uma coroa do Advento da comunidade luterana de Roma - 2015 (Notem-se as quatro velas vermelhas) |
Então
as quatro velas da coroa do Advento não devem ter quatro cores diferentes?
Não! Embora às vezes encontremos coroas
do Advento com velas em quatro cores distintas, são precisos diversos
“malabarismos” para explicar o suposto simbolismo das quatro cores, que mais
confundem do que ajudam a celebrarmos o mistério.
Caímos então no
erro da alegorese ou alegorismo, que consiste em “forçar” um simbolismo onde
ele não existe [2]. A coroa do Advento já é tão rica em símbolos por si só. Por
que inventar mais?
g) A
quinta vela
Em alguns
lugares, por fim, há o costume de inserir no centro da coroa uma quinta vela,
sempre de cor branca, que se acenderia no início da Missa da Noite do Natal do
Senhor, ao fim da proclamação do Natal ou Kalenda,
antes da celebração.
3. Em que momento acender as velas da coroa do
Advento?
A resposta a
essa pergunta é simples: no momento em que sempre se acendem as velas para a
celebração, isto é, antes da Missa.
Diversos ritos
litúrgicos do Oriente e do Ocidente celebram o “lucernário”, um rito solene de
acendimento das velas, geralmente na tarde do sábado (I Vésperas do domingo).
Porém, esse lucernário sempre tem lugar no inicio da celebração.
Basta pensar, no
Rito Romano, na Vigília Pascal: a Liturgia da Luz, com a bênção do fogo e a
iluminação do círio pascal, é a primeira parte da celebração [3].
Assim, o
acendimento da vela da coroa do Advento em nossas comunidades deve ter lugar
antes da celebração dominical, acompanhada de uma breve monição (comentário) e
de um refrão orante sobre a luz ou sobre o Advento.
Custódio da Terra Santa, Padre Francesco Patton, acende a 1ª vela da coroa (I Vésperas do I Domingo do Advento em Belém - 2018) |
4. Quem deve acender as velas da coroa do
Advento?
Assim como não
há uma oração oficial que acompanha a iluminação da coroa, também não há uma
normativa sobre quem especificamente deve acender as velas. Cabe aqui,
portanto, uma sadia criatividade.
Seria
interessante convidar para realizar este gesto distintas pessoas da comunidade,
como forma de favorecer a participação de todos: uma mulher grávida, uma
criança, um idoso ou enfermo...
5. Onde colocar a coroa do Advento na igreja?
A coroa do
Advento pode antes de tudo ser montada nas casas das famílias, sobre a mesa de
jantar ou junto ao presépio e à árvore de Natal.
Coroa do Advento sobre a mesa de uma casa |
Quando a coroa é
montada na igreja, vale lembrar que ela é um elemento devocional, e não litúrgico.
Não é, portanto, um elemento obrigatório, como são os elementos fundamentais do
espaço sagrado (altar, ambão, cadeira presidencial...).
Antes de tudo as
velas da coroa do Advento jamais podem substituir as velas do altar, que devem
ser ao menos duas [4]. Assim, a coroa do Advento pode ser montada preferencialmente
fora do presbitério, junto ao presépio
ou em outro lugar adequado.
Junto da coroa
algumas comunidades colocam a imagem de Nossa Senhora da Expectação (ou da Expectativa),
também conhecida como Nossa Senhora do Ó: ou seja, a imagem de Maria grávida do
Senhor.
Coroa do Advento junto à imagem de Nossa Senhora grávida (Paróquia do Imaculado Coração de Maria, Curitiba - PR) |
Em conclusão,
como indica mais uma vez o Diretório
sobre Piedade Popular e Liturgia, a coroa do Advento, junto com outras
expressões de piedade popular, “mantêm a fé do povo e transmitem, de uma
geração a outra, a consciência de alguns valores deste tempo litúrgico” (n.
97).
Notas:
[1] cf. Normas Universais sobre o Ano Litúrgico
e o Calendário, nn. 39-42. in: MISSAL ROMANO, Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo:
Paulus, 1991, p. 106.
[2] Sobre a
alegorese ou alegorismo, confira:
BERGER,
Rupert. Alegoria. in: Dicionário de Liturgia Pastoral: Obra de
consulta sobre todas as questões referentes à Liturgia. São Paulo: Loyola,
2010, pp. 13-14;
JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum
Sollemnia: Origens, liturgia, história e teologia da Missa romana. São
Paulo: Paulus, 2009, pp. 102-107.
[3] As velas do
altar se acendem apenas no Glória na Vigília Pascal como um resquício da
distinção entre “vigília” e “Missa”: o canto do Glória marca o fim da vigília;
assim, acendem-se as velas para a Missa.
No rito da
dedicação de igreja e altar, por sua vez, as velas do altar são acesas após os
ritos centrais da dedicação, fazendo um paralelo com os ritos complementares do
Batismo (unção com o crisma, entrega da veste branca/imposição da toalha do
altar, entrega da vela/iluminação da igreja e do altar).
[4] cf. Instrução Geral sobre o Missal Romano,
3ª edição, n. 117. As velas sobre o altar ou junto dele são sempre em número
par, o qual expressa o louvor da criação ao Senhor: duas, quatro ou seis. Os
números ímpares, sobretudo o um e o três, por sua vez, estão relacionados ao
Senhor (por isso há um altar, um ambão, uma cruz, um círio pascal...). Apenas quando
o Bispo diocesano preside a celebração podem se dispor sete velas, símbolo da
plenitude.
Referências:
As Velas e Coroa de Advento. Artigo
publicado no blog Teologia Luterana em 30 de novembro de 2013.
CONGREGAÇÃO PARA
O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia. São Paulo: Paulinas,
2003, pp. 92-94.
Sobre os múltiplos
simbolismos presentes na coroa:
HEINZ-MOHR,
Gerd. Dicionário dos Símbolos: Imagens e
sinais da arte cristã. São Paulo: Paulus, 1994.
LURKER, Manfred.
Dicionário de figuras e símbolos bíblicos.
São Paulo: Paulus, 1993.
Postagem
publicada originalmente em 06 de dezembro de 2012. Revista e ampliada em 13 de novembro de 2021.
Bom dia André....pelo que li não existe uma benção da coroa do advento, em alguns lugares eu vejo fazer, pode fazer?
ResponderExcluirNão há um formulário oficial. Vale lembrar que a coroa do Advento está mais ligada à piedade popular do que à Liturgia. Se a comunidade deseja realizar uma "bênção da coroa do Advento", esta deve ter lugar fora da Missa.
ExcluirPois é padre muito boa sua explicação, nos deu uma melhor visão sobre a coroa do advento, muito obrigado!clareou as nossas mentes
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