terça-feira, 9 de novembro de 2021

História da Festa da Dedicação da Basílica do Latrão

Em nossa postagem anterior buscamos responder a pergunta “Por que celebramos a Dedicação da Basílica do Latrão?”, apresentando brevemente o sentido eclesial dessa Festa, que nós, fiéis do Rito Romano, celebramos no dia 09 de novembro. Nesta postagem gostaríamos de traçar um pouco da história dessa celebração.

Antes de tudo é preciso recordar que, embora as Missas presididas pelo Papa geralmente tenham lugar atualmente na Basílica de São Pedro no Vaticano, a Catedral de Roma é a Basílica do Latrão. Mas, o que é uma basílica?.

Arquibasílica do Latrão, Catedral de Roma

O que é uma basílica?

A basílica (do grego βασιλική, pertencente ao rei) era originalmente um edifício público romano que servia para diversas atividades civis; por exemplo, como tribunal. O termo designava antes de tudo seu formato arquitetônico: uma grande nave central que termina em uma abside, geralmente semicircular, ladeada por naves laterais menores, separadas por colunas.

Após o Edito de Milão do ano de 313, através do qual o imperador Constantino proibiu a perseguição aos cristãos, as primeiras igrejas começaram a ser construídas seguindo o formato da basílica romana.

Na basílica cristã, a abside, na qual estão o altar e a sede do sacerdote, geralmente está voltada para o Oriente (ad Orientem). Assim, toda a comunidade reza na mesma direção: em direção a Cristo (versus Deum), o “sol nascente que nos veio visitar” (cf. Lc 1,78).

Nave da Basílica do Latrão, com as imagens dos Doze Apóstolos

Com o tempo, porém, o termo “basílica” perdeu sua relação com a arquitetura e passou a ser usado como título honorífico conferido pelo Papa a igrejas de especial importância histórica e artística.

As basílicas dividem-se em “maiores” e “menores”. As maiores são as quatro principais igrejas de Roma:
- Arquibasílica do Santíssimo Salvador e São João Batista e Evangelista no Latrão;
- Basílica de São Pedro no Vaticano;
- Basílica de São Paulo fora-dos-muros na Via Ostiense;
- Basílica de Santa Maria Maior no Esquilino.
Todas as demais basílicas, em Roma ou no resto do mundo, são “basílicas menores”.

As quatro basílicas maiores possuem uma Porta Santa, que só é aberta durante os Jubileus, e um Cardeal Arcipreste nomeado pelo Papa.

Para saber mais, confira nossa postagem sobre os símbolos das basílicas: o umbráculo e o tintinábulo.

A Arquibasílica do Latrão

Por ser a Catedral de Roma, “omnium urbis et orbis ecclesiarum mater et caput” (mãe e cabeça de todas as igrejas da cidade [de Roma] e do mundo) a Basílica do Latrão é a única que recebe o título de “Arquibasílica”.


É nesta igreja que se encontra a cátedra do Bispo de Roma, da qual o Papa deve tomar posse após sua eleição. Do século IV até o século XIV, com efeito, o Papa residia junto à Basílica, no chamado Palácio Lateranense.

A igreja leva esse nome por estar situada no terreno que pertencia à família romana dos Lateranos, próximo ao monte Célio. Anteriormente parte do local havia sido um quartel da cavalaria romana (Castra nova equitum singularium).

O Imperador Constantino (†337), segundo a tradição, teria doado o terreno ao Papa Milcíades (ou Melquíades; †314), logo após a promulgação do Edito de Milão. A primitiva basílica teria sido dedicada no ano de 324 pelo Papa São Silvestre I (†335), em honra do Santíssimo Salvador.

O contemporâneo Eusébio de Cesareia (†339), com efeito, no início do Livro X de sua História Eclesiástica (escrito entre 323 e 326), o qual descreve a “paz de Constantino”, inicia proclamando: “abundantes graças sejam dadas ao Salvador e Redentor de nossas almas, Jesus Cristo...” [1].

Ao longo dos anos a Basílica sofreu sucessivos saques, terremotos, incêndios... mas também restaurações. Assim, o Papa Sérgio III (†911) a dedicou-a novamente no início do século X, acrescentando São João Batista como patrono, em alusão ao célebre batistério anexo à Basílica. O Papa Lúcio II (†1145) acrescentou também São João Evangelista como patrono no século XII.

Portanto, o “nome completo” da igreja é Arquibasílica do Santíssimo Salvador e dos Santos João Batista e João Evangelista do Latrão (Archibasilica Sanctissimi Salvatoris et Sanctorum Iohannes Baptista et Evangelista in Laterano), apesar de ser comumente chamada simplesmente de São João do Latrão (San Giovanni in Laterano), embora o Santíssimo Salvador permaneça como patrono principal ou titular da igreja [2].

O tintinábulo da Basílica com a imagem do seu titular:
Jesus, o Santíssimo Salvador

A atual Basílica é um verdadeiro “mosaico”, com “vestígios” de diferentes épocas. As partes mais antigas são o já mencionado Batistério (San Giovanni in Fonte al Laterano), do século IV, e a capela de São Lourenço, conhecida como Sancta Sanctorum (San Lorenzo in Palatio ad Sancta Sanctorum), assim chamada pela grande quantidade de relíquias que abrigava. Esta era a capela privada dos Papas e remonta ao século VIII (embora tenha sido totalmente restaurada no século XIII).

Para saber mais sobre o Batistério do Latrão, no qual se celebrava as Vésperas pascais, clique aqui.

Para conhecer mais sobre o Oratório da Sancta Sanctorum, confira nossa postagem sobre o rito do "Ressurrexit" na manhã do domingo de Páscoa.

Durante o chamado “papado de Avignon”, período em que os Papas passaram a residir nesta cidade francesa (1309-1377), a igreja ficou relativamente abandonada. Assim, após o retorno de Avignon, uma vez que o complexo do Latrão estava em mau estado de conservação, os Papas transferiram sua residência para a Basílica de São Pedro no Vaticano.

Do período de Avignon, porém, é o “cibório” ou baldaquino sobre o altar, realizado em 1367 pelo arquiteto Giovanni di Stefano (†1391).

O baldaquino ou "cibório" sobre o altar

Nos séculos seguintes a Basílica do Latrão seria paulatinamente restaurada. Por exemplo, no pontificado de Martinho V (†1431) o pavimento foi refeito com mosaicos em estilo “cosmatesco” (com formas geométricas), estilo usado também na cátedra.

Foi entre 1650 e 1660, porém, a maior reforma da Basílica, coordenada pelo arquiteto Francesco Borromini (†1667), sob os Papas Inocêncio X (†1655) e Alexandre VII (†1667). Após essa reforma foram colocadas as estátuas dos Doze Apóstolos em nichos ao longo da nave.

Os mosaicos da abside, por sua vez, embora remontem ao século XIII, foram totalmente restaurados no pontificado de Leão XIII (†1903), entre 1876 e 1886, pelo arquiteto Francesco Vespignani (†1899).

Abside da Basílica do Latrão, com os mosaicos restaurados

A parte mais recente da Basílica é a sua fachada, em estilo barroco, que remonta a 1735, sob Clemente XII (†1740), realizada pelo arquiteto Alessandro Galilei (†1737). Sobre ela estão as estátuas de Cristo Salvador, de São João Batista, de São João Evangelista e de Santos Doutores da Igreja do Oriente e do Ocidente.

A festa da Dedicação no dia 09 de novembro

Não está claro o motivo da escolha do dia 09 de novembro como data do aniversário da Dedicação da Basílica do Latrão. O Beato Cardeal Alfredo Ildefonso Schuster (†1954), em seu Liber Sacramentorum, indica que o Martirológio Jeronimiano (séc. V-VI) menciona vários aniversários de dedicação, como Santa Maria Maior no dia 05 de agosto ou São Pedro in Vincoli no dia 01 de agosto, mas se cala quanto à Basílica do Latrão.

Da mesma forma, os antigos Sacramentários não trazem nenhum formulário de orações para essa festa. Até hoje, com efeito, tomam-se os textos do Comum da dedicação de uma igreja para a celebração [3].

O mesmo Cardeal Schuster indica que a festa remonta ao século XII, inicialmente como uma celebração própria dos cônegos da Basílica e posteriormente estendida apenas à Diocese de Roma. A festa só seria inscrita no Calendário Geral no Missale Romanum promulgado por São Pio V (†1572) em 1570.

O atual Martirológio assim sintetiza a festa em seu “elogio”: “Festa da Dedicação da Basílica de Latrão em honra de Cristo Salvador, construída pelo imperador Constantino como sede dos bispos de Roma, cuja celebração anual em toda a Igreja Latina é um sinal de amor e unidade com o Romano Pontífice” [4].

A cátedra do Papa, Bispo de Roma
(Notem-se os mosaicos em estilo cosmatesco)

Cabe recordar, por fim, que a Congregação do Santíssimo Redentor (Redentoristas) recebe esse nome justamente por ter sido fundada por Santo Afonso de Ligório no dia 09 de novembro de 1732, dia da Festa da Dedicação da Basílica do Latrão.

Os redentoristas celebram o Santíssimo Redentor, padroeiro da congregação, porém, no terceiro domingo de julho (data associada ao fim de uma peste na cidade de Veneza em 1576). Concluímos esta postagem com a oração do dia dessa celebração:

“Ó Deus, que constituístes vosso Filho Unigênito como Redentor do mundo e, por meio d’Ele, vencida a morte, misericordiosamente nos regenerastes para a vida, fazei que, recordando estes benefícios, permaneçamos sempre unidos a vós no amor e gozemos eternamente os frutos de vossa redenção. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém” [5].

O Santíssimo Salvador ladeado pelos Santos João Batista, João Evangelista e os quatro grandes Doutores do Ocidente (os Doutores do Oriente estão nas extremidades da fachada)

Para saber mais sobre os santos Doutores da Igreja, clique aqui.

Notas:

[1] EUSÉBIO DE CESAREIA, História Eclesiástica. São Paulo: Paulus, 2000, p. 465. Coleção: Patrística, vol. 15. No capítulo 3 do Livro X Eusébio celebra a dedicação das novas igrejas (p. 468).

[2] Atualmente, como vimos em nossa postagem anterior, cada igreja deve ter apenas um titular, salvo se forem Santos inscritos juntos no Calendário (cf. PONTIFICAL ROMANO, Ritual da dedicação de igreja e de altar. Tradução portuguesa para o Brasil da edição típica. São Paulo: Paulus, 2000, p. 431).

[3] Em 2019 a Santa Sé aprovou textos próprios para a festa, a serem usados apenas na própria Basílica do Latrão; cf. Revista Notitiae, Nova Series: 4 (=596), vol. 55 (2019), p. 74.


[5] Fonte: Messe proprie della Congregazione del Santissimo Redentore. Roma, 2002, pp. 54-55. Tradução livre nossa.

Referências:

ADAM, Adolf. O Ano Litúrgico: Sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica. São Paulo: Loyola, 2019, pp. 134-136.

LODI, Enzo. Os Santos do Calendário Romano: Rezar com os Santos na Liturgia. São Paulo: Paulus, 1992, pp. 507-509.

SCHUSTER, Cardeal Alfredo Ildefonso. Liber sacramentorum, v. IX: Le Feste dei Santi dalla Dedicazione di S. Michele all'Avvento. Torino-Roma: Marietti, 1932, pp. 126-134.

Para a história e a arquitetura da Basílica, utilizamos sobretudo sua seção no site da Santa Sé.

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