“Confirmai na fé e na
caridade a vossa Igreja, enquanto caminha neste mundo o vosso servo, o Papa
Francisco, o nosso Bispo José...” [1].
A cada Celebração Eucarística a comunidade faz memória do
Bispo de Roma, o Papa, e do Bispo Diocesano. A Eucaristia, como sacramento da
unidade, não pode ser celebrada senão em comunhão com a Igreja particular, da
qual o Bispo é o sinal visível da unidade, e em comunhão com a Igreja
universal, que o Papa “preside na caridade” (Santo Inácio de Antioquia) [2].
O Papa Francisco toma posse da cátedra de Bispo de Roma (Basílica do Latrão, 2013) |
Fazemos nossas as palavras do Papa Bento XVI em sua
Homilia na Missa da Ceia do Senhor na Quinta-feira Santa do ano de 2011:
“A Eucaristia é sacramento da unidade. (...) Por isso, fazem
necessariamente parte da Oração Eucarística da Igreja as palavras: ‘una cum Papa nostro et cum Episcopo nostro’. Isto não é um mero acréscimo exterior
àquilo que acontece interiormente, mas expressão necessária da própria
realidade eucarística. E mencionamos o
Papa e o Bispo pelo nome: a unidade é totalmente concreta, tem nome. Assim,
a unidade torna-se visível, torna-se sinal para o mundo, e estabelece para nós
mesmos um critério concreto”.
Além da menção do seu nome na Oração Eucarística, a comunhão
com o Papa e com o Bispo é expressa liturgicamente através da celebração dos
aniversários da dedicação da Basílica do Latrão, Catedral de Roma, e da
dedicação da igreja Catedral de cada Diocese.
O que é a dedicação
de igreja?
A dedicação de igreja é um sacramental, um rito
litúrgico através do qual um templo cristão é consagrado ao culto divino.
Consagrado vem do latim “consecrare”,
isto é, tornar sagrado, separar para Deus.
A dedicação da igreja é, pois, a celebração da união entre o
Senhor e a comunidade dos fiéis, a “Igreja” com letra maiúscula, Povo de
Deus, que é verdadeiro templo de Deus, formado por pedras vivas (cf. Ef 2,19-22; 1Cor 3,16-17; 1Pd 2,5), e
que se reúne na “igreja” com letra minúscula (a construção, o santuário).
Com efeito, o Ritual
da dedicação de igreja [3] prevê que o altar e as paredes da igreja sejam
aspergidos com água, ungidos com o óleo do Crisma e incensados, como sinal de que ali
se reúnem os batizados e crismados, lavados na água e perfumados com o óleo
para alimentarem-se da mesa da Palavra e da mesa da Eucaristia.
O Papa Francisco unge um altar com o Crisma (Um dos ritos centrais da dedicação de igreja) |
Nem todas as igrejas, porém, são dedicadas: algumas são apenas
abençoados. A bênção da igreja é, pois, um rito muito mais simples do que a
dedicação [4].
Um sinal visível de que a igreja foi dedicada são as doze cruzes
nas paredes, em alusão ao número dos Apóstolos e, por conseguinte, dos alicerces da Jerusalém celeste (cf. Ap 21). Em igrejas menores, as
cruzes podem ser apenas quatro, recordando a difusão do Evangelho por toda a terra (em alusão aos quatro pontos cardeais).
As catedrais e igrejas paroquiais convém ser dedicadas, uma
vez que estão ligadas a uma comunidade concreta de fiéis (diocesana ou
paroquial); as capelas de culto público podem ser dedicadas ou abençoadas; as
capelas semipúblicas (por exemplo, as capelas de casas religiosas) e oratórios
privados devem ser apenas abençoados [5].
Uma vez dedicada, a igreja não deve ser modificada, salvo no
caso de uma restauração realmente necessária.
O aniversário da
dedicação da própria igreja
Assim como cada fiel celebra o aniversário do seu Batismo, o casal cristão celebra o do seu Matrimônio e o sacerdote
celebra o da sua Ordenação, assim também a comunidade cristã celebra o aniversário
da dedicação do seu templo.
A própria Escritura testemunha que a dedicação do
Templo de Jerusalém, ocorrida no ano 164 a. C. (cf. 1Mc 4,52-59; Jo 10,22), era celebrada anualmente no dia 25
do mês de Kislev (entre novembro e dezembro no calendário gregoriano). Trata-se
da Festa de Hanukkah (“dedicação” em
hebraico), também conhecida como “Festa das luzes” [6].
Uma das doze cruzes da dedicação em uma igreja (Durante o rito, acende-se uma vela diante de cada cruz) |
A peregrina Etéria (ou Egéria), que
visitou Jerusalém em meados do século IV, testemunha que o aniversário das
Encênias (grego para “dedicação”, τὰ ἐγκαίνια) das Basílicas do Calvário (Martyrium) e do Santo Sepulcro (Anástasis), no dia 13 de setembro, era
celebrado com solenidade equivalente à da Páscoa e da Epifania [7]. Essa
celebração, com efeito, deu origem à Festa da Exaltação da Santa Cruz no dia 14.
A partir do século V popularizaram-se no Ocidente as
celebrações de aniversário da dedicação das igrejas, mas sempre como uma festa
local. Como testemunha Adolf Adam, muitas vezes a festa do santo “titular” e da
dedicação da igreja coincidiam [8].
Com efeito, embora a Igreja procure celebrar os santos no
dia de sua morte (“dies natalis”, o
dia do nascimento para o céu), para os santos que ignoramos essa data,
sobretudo personagens do início do Cristianismo, costuma-se tomar a data da
dedicação de uma igreja importante em honra desse santo como dia da sua
memória. Por exemplo: a festa de São Miguel Arcanjo (29 de setembro), o martírio de São João Batista (29 de agosto) e mesmo a Natividade de Maria (08 de setembro).
Atualmente, porém, de modo que a comunidade possa celebrar
comodamente tanto o seu padroeiro, celebração de caráter mais “devocional”,
como o aniversário da dedicação da igreja, de caráter “eclesial”, convém
separar essas duas celebrações [9].
As igrejas que foram dedicadas celebram, portanto, o
aniversário da própria dedicação com o grau de solenidade. Tomam-se as orações
do Comum da dedicação de uma igreja: Na própria igreja [10].
O aniversário da
dedicação da igreja Catedral da Diocese
Além disso, em comunhão com o Bispo e com a Igreja
Particular, celebra-se também o aniversário da dedicação da Catedral com o grau
de Festa em todas as igrejas da Diocese [11].
Ao passo que a celebração do padroeiro da Diocese é de
caráter “devocional”, com os textos litúrgicos em honra de Cristo, da Virgem
Maria ou do Santo padroeiro, a celebração da dedicação da Catedral é de caráter
“eclesial”, com os textos do Comum da dedicação de igreja: Em outra igreja
[12].
O Arcebispo de Curitiba (PR), Dom José Antônio Peruzzo, diante da sua cátedra (Note-se a imagem da barca da Igreja iluminada pelo Espírito Santo e o Cordeiro pascal) |
Por exemplo, na Arquidiocese de Curitiba (Paraná), Diocese
do autor deste blog, celebra-se a Festa da dedicação da Catedral Basílica Menor
de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais no dia 06 de setembro, e a Festa de Nossa
Senhora da Luz dos Pinhais, padroeira arquidiocesana, no dia 08 de setembro.
O Diretório da
Liturgia e da organização da Igreja no Brasil, publicado anualmente pela
CNBB, sempre traz as datas da dedicação da Catedral de cada Diocese e as
orientações sobre como celebrar essa Festa em circunstâncias particulares (quando
cai em um domingo ou em uma solenidade, por exemplo).
Alguém poderia questionar: não teria mais sentido celebrar o
aniversário da eleição do Bispo? Na verdade, o aniversário da dedicação da
Catedral não expressa apenas a unidade da Igreja, mas também sua
“apostolicidade”, isto é, sua continuidade histórica em comunhão com “todos os
que guardam a fé que receberam dos Apóstolos” (Oração Eucarística I).
Assim, independentemente de quem seja o Bispo Diocesano, a Catedral
permanece sempre a mesma, sinal da unidade diocesana no espaço e no tempo. Ela
recebe este nome porque nela está a cátedra, literalmente “a cadeira” do Bispo,
na qual só ele pode sentar [13].
O aniversário da
dedicação da Basílica do Latrão
Por fim, em comunhão com a Igreja Universal, celebra-se em
todas as igrejas do Rito Romano a Festa da Dedicação da Basílica do Latrão, que
é a Catedral de Roma. Essa igreja recebe este nome por estar construída no terreno que
pertencia à família romana dos Lateranos.
Sendo uma Festa do Senhor (uma vez que a Basílica do Latrão
tem como titular o Santíssimo Salvador, isto é, o próprio Jesus Cristo),
essa Festa tem precedência inclusive sobre um domingo do Tempo Comum,
sendo celebrada sempre no dia 09 de novembro.
A Basílica do Latrão, Catedral de Roma |
Para a celebração tomam-se também as orações e as
leituras do Comum da dedicação da igreja: Para outra igreja, as mesmas orações
usadas no aniversário da dedicação da Catedral da Diocese. O Diretório da Liturgia geralmente indica como leituras: Ez 47,1-2.8-9.12 ou 1Cor 3,9c-11.16-17 (quando a Festa cai no
domingo leem-se as duas); Sl 45(46),2-3.5-6.8-9 (R.: v. 5); Jo 2,13-22.
Assim, independentemente de quem seja
o Papa, ao celebrarmos sua Catedral recordamos o mistério da sucessão
apostólica: o Bispo de Roma é o Sucessor do Apóstolo Pedro; ele “está sentado
na cadeira de Pedro”, isto é, ensina com a autoridade do Apóstolo.
Nas próximas postagens gostaríamos de traçar brevemente a
história das celebrações da dedicação das quatro Basílicas Maiores:
Concluímos esta postagem com a coleta (oração do dia) do
Comum da dedicação de uma igreja, a ser recitada, como vimos, no aniversário da
dedicação da Catedral e na Festa da Dedicação da Basílica do Latrão:
“Ó Deus, que edificais o vosso templo eterno com pedras
vivas e escolhidas, difundi na vossa Igreja o Espírito que lhe destes, para que
o vosso povo cresça sempre mais, construindo a Jerusalém celeste. Por nosso
Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém”
(Missal Romano, p. 731).
Mosaico do Cristo Salvador na fachada da Basílica do Latrão |
Notas:
[1] Oração Eucarística III; in: MISSAL ROMANO. Tradução
portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, p. 485.
O nome “José” refere-se aqui a Dom José Antonio Peruzzo, atual Arcebispo de Curitiba
(PR), Diocese do autor deste blog.
[2] cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja, nn. 18-27; CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, nn. .874-896; CERIMONIAL DOS BISPOS, Cerimonial
da Igreja. Tradução portuguesa da edição típica. São Paulo: Paulus, 1988,
pp. 17-21 (Capítulo I: Características e importância da Liturgia Episcopal, nn.
1-17).
[3] cf. PONTIFICAL
ROMANO, Ritual da dedicação de igreja e
de altar. Tradução portuguesa para o Brasil da edição típica. São Paulo:
Paulus, 2000, pp. 430-461; CERIMONIAL DOS BISPOS, pp. 219-233.
[4] cf. PONTIFICAL
ROMANO, Bênção de uma igreja, pp.
506-513. CERIMONIAL DOS BISPOS, pp. 245-248. A bênção de igreja pode ser presidida tanto pelo Bispo quanto por um presbítero, enquanto a dedicação é presidida pelo Bispo (que só pode delegar o rito a um presbítero “em casos absolutamente excepcionais”).
[5] cf. CÓDIGO DE
DIREITO CANÔNICO, cân. 1205-1229.
[6] Para saber mais sobre a Festa da Dedicação (Hanukkah):
ADAM, Adolf. O Ano
Litúrgico: Sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica.
São Paulo: Loyola, 2019, pp. 10-11.
DI SANTE, Carmine. Liturgia
judaica: fontes, estrutura, orações e festas. São Paulo: Paulus, 2004, pp.
242-244.
[7] cf. ETÉRIA, Peregrinação ou Diário de Viagem, nn,
48-49; in: CORDEIRO, José de Leão
[org.]. Antologia Litúrgica: Textos
litúrgicos, patrísticos e canónicos do primeiro milénio. Fátima:
Secretariado Nacional de Liturgia, 2003, pp. 464-465.
Embora o Martirológio Romano ainda indique a “comemoração”
da dedicação das duas Basílicas no dia 13 de setembro, a comunidade católica de
Jerusalém celebra a dedicação da sua Catedral, a Basílica do Santo Sepulcro, no
dia 15 de julho (dedicação realizada em 1149, quando a igreja foi totalmente
restaurada no contexto das Cruzadas).
[8] cf. ADAM, op. cit., pp. 134-136.
[9] Cada igreja deve ter um “titular” (chamado popularmente
de “padroeiro” ou “patrono”), que pode ser: a Santíssima Trindade; Jesus
Cristo, invocado com um título adotado na Liturgia; o Espírito Santo; a Virgem
Maria, invocada com um título adotado na Liturgia; os santos Anjos; um Santo ou
Santa inscrito no Martirológio Romano. Para escolher um Beato como titular da igreja é necessária aprovação da
Congregação para o Culto Divino. O titular deve ser um só, salvo os Santos
inscritos juntos no Calendário (por exemplo, São Pedro e São Paulo). cf. PONTIFICAL ROMANO, Ritual da dedicação de igreja e de altar,
p. 431; CERIMONIAL DOS BISPOS, p. 219.
[10] MISSAL ROMANO, pp. 729-730. O Lecionário III traz
várias opções de leituras à escolha.
[11] cf.
PONTIFICAL ROMANO, Ritual da dedicação de
igreja e de altar, p. 438; CERIMONIAL DOS BISPOS, p. 223. Confira também a
Tabela dos dias litúrgicos por ordem de precedência, impressa no Missal Romano, no Cerimonial dos Bispos e no Diretório
da Liturgia.
[12] MISSAL ROMANO, pp. 731-732.
[13] cf.
CERIMONIAL DOS BISPOS, pp. 29-31 (Capítulo III: Igreja Catedral, nn. 42-54). O Bispo
Diocesano pode permitir, porém, que outro Bispo sente na cátedra em algumas
circunstâncias (por exemplo, ao Arcebispo Metropolitano quando visita uma das
suas Dioceses sufragâneas).
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