Durante o Tempo
do Natal a Igreja nos propõe um dos mais belos cânticos da tradição cristã: o Adeste fideles (traduzido no Brasil como
“Cristãos, vinde todos”).
Breve história do hino Adeste fideles
A autoria do
hino, que teria sido composto entre os séculos XVII e XVIII, é incerta. Alguns
o atribuem ao Rei de Portugal Dom João IV (†1656), que era compositor e grande
patrono da música. Uma das cópias mais antigas do Adeste fideles, com efeito, conservada em Vila Viçosa (Portugal),
leva seu nome.
Outros
consideram que o hino é de autoria de um monge cisterciense anônimo, e que
teria sido relacionado ao rei ao ser compilado em sua biblioteca (a qual
foi atingida por um terremoto em 1755).
Na Inglaterra,
traduzido como “O Come, All Ye Faithful”,
o Adeste fideles é referido às vezes como
“Hino Português”, uma vez que costumava ser entoado nas celebrações natalinas
na embaixada de Portugal em Londres.
O responsável
pela popularização do hino foi o músico inglês John Francis Wade (†1786), que o
publicou pela primeira vez em 1751 em sua obra Cantus Diversi pro Dominicis et Festis per annum (Cantos diversos
para os Domingos e Festas do ano). Mais do que autor, porém, Wade foi um compilador
de textos de diversas fontes.
A versão
publicada por Wade possuía apenas quatro estrofes. O
sacerdote francês Jean-François-Étienne Borderies (†1832), Vigário Geral da
Arquidiocese de Paris e posteriormente Bispo de Versailles, acrescentou outras
três estrofes (a 5ª, a 6ª e a 7ª). Um compositor anônimo de meados do século
XIX acrescentaria ainda uma oitava estrofe.
O hino, porém,
raramente é entoado na íntegra. A 4ª estrofe costuma ser entoada apenas na
Noite ou no Dia de Natal (24-25 de dezembro), dada a referência ao “hoje” (natus die hodierna); a 8ª estrofe, por
sua vez, dada a referência aos Magos, é reservada à Solenidade da Epifania (06
de janeiro; no Brasil, celebrada no domingo entre 02 e 08 de janeiro).
As diferentes versões do hino Adeste fideles
Na Liturgia das
Horas para o Brasil aparece uma versão reduzida do texto em latim como hino
facultativo para o Tempo do Natal, com as estrofes 1, 5, 6 e 7 [1].
Em português, por
sua vez, há uma adaptação das estrofes 1, 5, 6, 7 e 8 realizada pelo franciscano
Frei Emílio Scheid (†2001), que igualmente figura na Liturgia das Horas como
hino facultativo para o Tempo do Natal [2], assim como no Hinário Litúrgico da
CNBB [3].
A seguir
publicamos o texto original do hino em latim e a adaptação para o português do
Brasil realizada pelo Frei Emílio Scheid, seguidos de uma tradução literal do Adeste fideles realizada de maneira
bastante livre, com algumas notas explicativas.
Nosso objetivo é
sobretudo destacar o sentido geral das estrofes omitidas na adaptação do Frei
Emílio Scheid (2-4), as quais cantam o mistério da Encarnação, recorrem
inclusive a expressões do Símbolo Niceno-Constantinipolitano:
“Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos. Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai” [4].
Esta é, pois, a
“tese central” do Concílio de Niceia (325), afirmando a divindade de Jesus
Cristo e sua igualdade de natureza em relação ao Pai (consubstancial),
condenando assim a heresia de Ário (arianismo), que afirmava que o Filho
possuía um “grau menor de divindade” em relação ao Pai.
O Adeste fideles convém ser entoado
sobretudo como canto de entrada (dado seu insistente convite: “Vinde”) nas
celebrações litúrgicas e momentos de devoção durante o Tempo do Natal.
Adeste fideles: Texto original em latim
1. Adeste,
fideles, laeti triumphantes:
Venite, venite
in Bethlehem.
Natum videte,
Regem Angelorum:
Refrão: Venite adoremus! Venite adoremus!
Venite adoremus, Dominum.
2. Deum de Deo,
lumen de lumine,
Gestant puellae
viscera.
Deum verum,
genitum non factum:
R. Venite adoremus...
3. Cantet nunc
io, chorus angelorum;
Cantet nunc aula
caelestium,
Gloria, gloria
in excelsis Deo,
R. Venite adoremus...
4. Ergo qui
natus die hodierna.
Jesu, tibi sit
gloria,
Patris aeterni
Verbum caro factum.
R. Venite adoremus...
5. En grege
relicto humiles ad cunas
Vocati pastores
adproperant!
Et nos ovanti
gradu festinemus (*),
R. Venite adoremus...
6. Aeterni
Parentis Splendorem aeternum
Velatum sub
carne videbimus!
Deum infantem
pannis involutum:
R. Venite adoremus...
7. Pro nobis
egenum et foeno cubantem
Piis foveamus
amplexibus!
Sic nos amantem
quis non redamaret:
R. Venite adoremus...
8. Stella duce,
Magi Christum adorantes,
Aurum, tus et
myrrham dant munera.
Iesu infanti
corda praebeamus:
R. Venite adoremus...
(*) Em algumas
versões, esse verso aparece como “Nosque
ovanti gradu festinemus”.
Cristão, vinde todos: Adaptação do Frei Emílio Scheid
Cristãos, vinde
todos, com alegres cantos,
Ó, vinde, ó,
vinde até Belém!
Vede nascido,
vosso Rei eterno:
Refrão: Ó, vinde adoremos! Ó, vinde adoremos!
Ó, vinde adoremos o Salvador!
Humildes
pastores deixam seu rebanho
E alegres
acorrem ao Rei do Céu.
Nós, igualmente,
cheios de alegria:
R. Ó, vinde adoremos...
O Deus invisível
de eternal grandeza,
Sob véus de
humildade, podemos ver.
Deus pequenino,
Deus envolto em faixas!
R. Ó, vinde adoremos...
Nasceu em
pobreza, repousando em palhas,
O nosso afeto
lhe vamos dar.
Tanto amou-nos!
Quem não há de amá-lo?
R. Ó, vinde adoremos...
A estrela do
Oriente conduziu os Magos
E a este
Mistério envolve em luz.
Tal claridade,
também seguiremos:
R. Ó, vinde adoremos...
Adeste fideles: “Tradução literal”
1. Vinde, fiéis, alegres e triunfantes:
Vinde, vinde a Belém.
Vede o Nascido, o Rei dos Anjos [5]:
Refrão: Vinde, adoremos! Vinde, adoremos!
Vinde, adoremos o Senhor!
2. Deus de Deus, luz da luz,
Gerado nas entranhas da menina.
Deus verdadeiro, gerado, não criado [6]:
R. Vinde, adoremos...
3. Cantai agora, ó coro dos anjos;
Cantai agora, ó corte celeste:
Glória, glória a Deus nas alturas (Lc 2,14):
R. Vinde, adoremos...
4. Eis Quem nasceu no dia de hoje.
Jesus, a ti seja a glória,
Palavra eterna do Pai feita carne (Jo 1,1.14).
R. Vinde, adoremos...
5. Deixando o
rebanho, humildes ao presépio [7]
Apressam-se os
pastores chamados!
Também nós, em
alegre passo, nos apressamos:
R. Vinde, adoremos...
6. O Esplendor
eterno do eterno Pai (Hb 1,3)
Veremos velado
sob a carne!
Deus menino,
envolto em panos [8]:
R. Vinde, adoremos...
7. Por nós [se fez]
pobre e em feno deitado:
O aqueçamos em
um piedoso abraço!
Como não amar
Aquele que tanto nos ama:
R. Vinde, adoremos...
8. Conduzidos pela
estrela, os Magos adoram a Cristo,
Ouro, incenso e
mirra dão como presente.
A Jesus Menino,
nosso coração ofereçamos:
R. Vinde, adoremos...
Observação:
Em algumas
versões do hino, como no arranjo realizado pelo saudoso maestro Cardeal
Domenico Bartolucci (†2013), após a 1ª e a 5ª estrofes, entoa-se a 6ª estrofe
em um texto ligeiramente distinto:
Splendorem
aeternum, Dei Patris Filium,
De Virgine natum
agnoscimus,
Mundi salutem, Redemptorem
gentium.
R. Venite adoremus...
O esplendor
eterno, o Filho de Deus Pai,
Reconheçamos
nascido da Virgem,
Salvação
do mundo, Redentor das nações.
R. Vinde, adoremos...
Notas:
[1] OFÍCIO
DIVINO. Liturgia das Horas segundo o Rito
Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição típica. São Paulo: Paulus,
1999, v. I: Tempo do Advento e Tempo do
Natal, p. 1474.
[2] ibid., pp. 1470-1471.
[3] Para
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[4] MISSAL
ROMANO, Tradução portuguesa da 2ª edição
típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1991, p. 401.
[5] Adeste: imperativo da 2ª pessoa do
plural do verbo adsum (estar
presente, aproximar-se). O 3º verso desta 1ª estrofe, por sua vez, comporta
duas traduções: “Vede o Nascido, o Rei dos Anjos” ou “Vede, nascido, o Rei dos Anjos”.
[6] Puella é, literalmente, menina, jovem do
sexo feminino. Algumas traduções, porém, utilizam aqui a expressão “ventre da
Virgem”, uma vez que o verso se refere a Maria (como, por exemplo, na célebre
tradução para o inglês: “the Virgin's
womb”).
Genitum, non factum: literalmente
“gerado, não feito”, traduzindo o original grego do Símbolo
Niceno-Constantinopolitano: γεννηθέντα οὐ ποιηθέντα.
[7] Ad cunas: ao berço. Porém, como o berço
de Jesus foi a manjedoura, em latim praesepe,
optamos aqui pela palavra “presépio”.
[8] Deum infantem: a palavra infans (retomada no 3º verso da 8ª
estrofe: Iesu infanti) designa
especificamente em latim uma criança que ainda não sabe falar, remetendo-nos a
Deus que cria pela palavra (Gn 1) e a
Cristo, Palavra eterna do Pai (Jo
1,1-18). O tema dos panos (pannis
involutum), por sua vez, prefigura já a sepultura de Jesus (Mt 27,57-60; Mc 15,42-46; Lc 23,50-54;
Jo 19,38-42; 20,3-10).
Postagem
publicada originalmente em 23 de dezembro de 2011. Revista e ampliada em 07 de
novembro de 2021.
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