Após concluir suas Catequeses sobre a oração à luz do Catecismo da Igreja Católica, o Papa Francisco deu início a um novo ciclo, dedicado à Carta aos Gálatas (que será tema do "Mês da Bíblia" no Brasil neste ano de 2021).
Este será o segundo ciclo de Catequeses de Francisco dedicado a um livro da Sagrada Escritura, após o ciclo de 20 encontros sobre os Atos dos Apóstolos (29 de maio de 2019 a 16 de janeiro de 2020).
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 23 de junho de 2021
Carta aos Gálatas (1): Introdução
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Depois do longo itinerário dedicado à oração, hoje
iniciamos um novo ciclo de catequeses. Espero que com o itinerário da
oração, tenhamos aprendido a rezar um pouco melhor, a orar um pouco mais. Hoje
desejo refletir sobre alguns temas que o Apóstolo Paulo propõe na sua Carta
aos Gálatas. É uma Carta muito importante, diria até decisiva, não só para
conhecer melhor o Apóstolo, mas sobretudo para considerar alguns dos temas que
ele aborda em profundidade, mostrando a beleza do Evangelho. Nesta Carta, Paulo
faz muitas referências biográficas que nos permitem conhecer a sua conversão e
a decisão de dedicar a vida ao serviço de Jesus Cristo. Também trata de algumas
temáticas muito importantes para a fé, tais como a liberdade, a graça e o modo
de vida cristão, que são extremamente relevantes pois tocam muitos aspectos da
vida da Igreja de hoje. Esta é uma Carta muito atual. Parece ter sido escrita
para os nossos tempos.
A primeira característica que emerge desta Carta é
a grande obra de evangelização realizada pelo Apóstolo, que visitou as
comunidades da Galácia pelo menos duas vezes durante as suas viagens
missionárias. Paulo dirige-se aos cristãos daquele território. Não sabemos
exatamente a que área geográfica se refere, nem podemos afirmar com certeza a
data em que escreveu esta Carta. Sabemos que os gálatas eram uma antiga
população celta que, através de muitas vicissitudes, se estabeleceu naquela
extensa região da Anatólia que tinha a sua capital na cidade de Ancira, hoje Ankara,
capital da Turquia. Paulo relata apenas que, por causa de uma doença, se viu
obrigado a permanecer naquela região (cf. Gl 4,13).
Ao contrário, São Lucas, nos Atos dos
Apóstolos, encontra uma motivação mais espiritual. Diz que «atravessando em
seguida a Frígia e a província da Galácia, foram impedidos pelo Espírito Santo
de anunciar a Palavra de Deus na (província da) Ásia» (At 16,6). Os dois fatos não são contraditórios: pelo contrário,
indicam que o caminho da evangelização nem sempre depende da nossa vontade e
dos nossos projetos, mas requer a disponibilidade a deixar-nos plasmar e seguir
outros caminhos que não estavam previstos. Entre vós está presente uma família
que me saudou: contou-me que deve aprender o letão, e não sei quais outras
línguas, pois vai como missionária para aquelas terras. O Espírito conduz
também hoje muitos missionários que deixam a própria pátria e vão para outra
terra em missão. O que verificamos, contudo, é que na sua incansável obra de
evangelização o Apóstolo conseguiu fundar várias pequenas comunidades,
espalhadas por toda a região da Galácia. Paulo, quando chegava a uma cidade, a
uma região, não construía imediatamente uma grande catedral, não. Estabelecia
as pequenas comunidades que são o fermento da nossa cultura cristã de hoje.
Começava com as pequenas comunidades. E estas pequenas comunidades cresciam,
cresciam e iam em frente. Também hoje este método pastoral é realizado em cada
região missionária. Recebi uma carta na semana passada de um missionário da
Papua-Nova Guiné; disse-me que está a pregar o Evangelho na selva, às pessoas
que não sabem nem sequer quem foi Jesus Cristo. Que bonito! Dá-se início a
pequenas comunidades. Também hoje o método é aquele evangelizador da primeira
evangelização.
O que queremos notar é a preocupação pastoral de
Paulo que é toda “fogo”. Ele, após a fundação destas Igrejas, tomou consciência
de um grande perigo - o pastor é como o pai ou a mãe que imediatamente se dá
conta dos perigos que os filhos correm - para o seu crescimento na fé. Crescem
e chegam os perigos. Como dizia alguém: “Chegam os abutres a fazer estragos na
comunidade”. De fato, alguns cristãos vindos do judaísmo tinham-se infiltrado
nestas igrejas e astutamente começaram a semear teorias contrárias aos
ensinamentos do Apóstolo, chegando ao ponto de difamá-lo. Começam com a
doutrina “esta sim, esta não”, e depois difamam o Apóstolo. É o caminho de
sempre: tirar a autoridade ao Apóstolo. Como podemos ver, é uma prática antiga
apresentar-se em certas ocasiões como os únicos possuidores da verdade - os
puros - e procurar menosprezar o trabalho dos outros, até com a calúnia. Estes
adversários de Paulo argumentaram que também os gentios tinham de se submeter à
circuncisão e viver de acordo com as regras da lei mosaica. Voltam atrás,
às observâncias de antes, o que tinha sido superado pelo Evangelho. Portanto,
os gálatas teriam de renunciar à sua identidade cultural a fim de se submeterem
às normas, prescrições e costumes típicos dos judeus. E não só. Esses
opositores argumentaram que Paulo não era um verdadeiro Apóstolo e, por
conseguinte, não tinha autoridade para pregar o Evangelho. Muitas vezes vemos
isto. Pensemos em alguma comunidade cristã ou diocese: começam as histórias e
depois acabam por desacreditar o pároco, o Bispo. É precisamente o caminho do
maligno, das pessoas que dividem, que não sabem construir. E nesta Carta aos Gálatas vemos este
procedimento.
Os gálatas encontravam-se numa situação de crise. O
que deviam fazer? Ouvir e seguir o que Paulo lhes tinha pregado, ou ouvir os
novos pregadores que o acusavam? É fácil imaginar o estado de incerteza que
animava os seus corações. Para eles, que conheceram Jesus e acreditaram na obra
de salvação realizada através da sua Morte e Ressurreição, foi verdadeiramente
o início de uma nova vida, uma vida de liberdade. Tinham enveredado por
um caminho que lhes permitia finalmente ser livres, não obstante a sua história
estivesse imbuída de muitas formas de escravidão violenta, nomeadamente a que
os sujeitou ao Imperador de Roma. Portanto, perante as críticas dos novos
pregadores, sentiam-se desorientados e incertos sobre como se comportar: “Mas
quem tem razão? Este Paulo, ou aquelas pessoas que agora estão a ensinar outras
coisas? A quem devo ouvir?”. Em suma, os riscos eram realmente elevados!
Esta condição não está longe da experiência que
muitos cristãos vivem na nossa época. Com efeito, ainda hoje, não faltam
pregadores que, especialmente através dos novos meios de comunicação, podem
perturbar as comunidades. Apresentam-se não para anunciar o Evangelho de Deus
que ama o homem em Jesus Crucificado e Ressuscitado, mas para reiterar com
insistência, como verdadeiros “guardiães da verdade” - assim se consideram -
qual é a melhor maneira de ser cristão. Afirmam energicamente que o verdadeiro
cristianismo é aquele ao qual estão ligados, frequentemente identificado com
certas formas do passado, e que a solução para as crises de hoje é voltar atrás
para não perder a genuinidade da fé. Também hoje, como outrora, existe a
tentação de se fechar em algumas certezas adquiridas em tradições passadas. Mas
como podemos reconhecer esta gente? Por exemplo, uma das características do
modo de proceder é a rigidez. Face à pregação do Evangelho que nos torna
livres, jubilosos, eles são rígidos. Sempre a rigidez: deve-se fazer isto,
deve-se fazer aquilo... A rigidez é própria dessas pessoas. Seguir o ensino do
Apóstolo Paulo na Carta aos Gálatas nos ajudará a compreender
qual caminho seguir. O caminho que o Apóstolo indicou é aquele libertador e
sempre novo de Jesus Crucificado e Ressuscitado; é o caminho do anúncio, que se
realiza através da humildade e da fraternidade - os novos pregadores não sabem
o que é humildade nem fraternidade; é o caminho da confiança mansa e obediente
- os novos pregadores não conhecem a mansidão nem a obediência. E este caminho
manso e obediente vai em frente, na certeza de que o Espírito Santo age em cada
época da Igreja. Em última instância, a fé no Espírito Santo presente na
Igreja, leva-nos em frente e nos salvará.
Fonte: Santa Sé
Confira as seguintes Catequeses do Papa Francisco sobre a Carta aos Gálatas:
2 - Paulo, verdadeiro Apóstolo (Gl 1,1-16)- 30 de junho
3 - O Evangelho é um só (Gl 1,6-8) - 04 de agosto
4 - A Lei de Moisés (Gl 3,19-22) - 11 de agosto
5 - O valor propedêutico da Lei (Gl 3,23-25) - 18 de agosto
6 - Os perigos da hipocrisia (Gl 2,11-14) - 25 de agosto
7 - "Gálatas insensatos" (Gl 3,1-3) - 01 de setembro
8 - Somos filhos de Deus (Gl 3,26-29) - 08 de setembro
9 - A vida na fé (Gl 2,19-20) - 29 de setembro
10 - Cristo nos libertou (Gl 4,4-5; 5,1:) - 06 de outubro
11 - A liberdade cristã, fermento universal de libertação (Gl 5,1.13) - 13 de outubro
12 - A liberdade se realiza na caridade (Gl 5,13-14) - 20 de outubro
13 - O fruto do Espírito (Gl 5,22-24) - 27 de outubro
14 - Caminhar segundo o Espírito (Gl 5,16-17.25) - 03 de novembro
15 - Não nos deixemos tomar pelo cansaço (Gl 6,9-10.18) - 10 de novembro
Confira também nossas postagens sobre a leitura litúrgica da Carta aos Gálatas nas celebrações do Rito Romano:
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