Em sua quarta Catequese sobre a Carta de São Paulo aos Gálatas, o Papa Francisco refletiu sobre o tema “A Lei de Moisés” (Gl 3,19-22):
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 11 de agosto de 2021
Carta aos Gálatas (4): A Lei de Moisés
Irmãos e irmãs, bom dia!
«O que é a Lei?» (Gl 3,19). Esta é a
questão que, seguindo São Paulo, desejamos aprofundar hoje, a fim de reconhecer
a novidade da vida cristã animada pelo Espírito Santo. Mas se há o Espírito
Santo, se há Jesus que nos redimiu, o que é a Lei? Sobre isto vamos refletir
hoje. O Apóstolo escreve: «Se vos deixardes guiar pelo Espírito, já não estais
sob a lei» (Gl 5,18). Ao contrário, os detratores de Paulo
afirmaram que os gálatas deviam seguir a Lei para ser salvos. Voltavam atrás.
Eram nostálgicos de outros tempos, dos tempos antes de Jesus Cristo. O Apóstolo
não está minimamente de acordo. Não foi nestes termos que ele tinha concordado
com os outros Apóstolos em Jerusalém. Ele lembra-se bem das palavras de Pedro
quando disse: «Por que tentais a Deus, impondo aos discípulos um jugo que nem
os nossos pais nem nós pudemos suportar?» (At 15,10). As
disposições que emergiram daquele “primeiro concílio” - o “primeiro Concílio Ecumênico”
foi o de Jerusalém e as disposições que surgiram daquele Concílio eram muito
claras, e diziam: «Pareceu-nos bem, ao Espírito Santo e a nós, não vos impor
outro peso além do seguinte, indispensável: que vos abstenhais das carnes
sacrificadas aos ídolos, do sangue, de animais sufocados, e da impureza» (At 15,28-29).
Algumas coisas que diziam respeito ao culto a Deus, à idolatria, referiam-se
também à forma de compreender a vida daquela época.
Quando Paulo fala da Lei, refere-se normalmente à
Lei mosaica, a Lei de Moisés, os Dez Mandamentos. Estava relacionado com a
Aliança que Deus tinha estabelecido com o seu povo, um caminho para preparar
aquela Aliança. Segundo vários textos do Antigo Testamento, a Torá -
que é o termo hebraico com que se indica a Lei - é a coletânea de todas as
prescrições e regras que os israelitas devem observar, em virtude da Aliança
com Deus. Uma síntese eficaz do que é a Torá pode ser
encontrada neste texto do Deuteronômio, que diz: «O Senhor se alegrará de
novo em tornar-te feliz, como se comprazia no tempo dos teus pais, contanto que
obedeças à voz do Senhor, teu Deus, observando os seus mandamentos e os seus
preceitos escritos neste livro da lei, e que voltes para o Senhor, teu Deus,
com todo o teu coração e toda a tua alma» (Dt
30,9-10). A observância da Lei garantiu ao povo os benefícios da Aliança e
assegurou a sua ligação especial com Deus. Este povo, esta gente, estas
pessoas, estão ligados a Deus e mostram esta união com Deus no cumprimento, na
observância da Lei. Estabelecendo a Aliança com Israel, Deus ofereceu-lhe
a Torá, a Lei, para que pudesse compreender a Sua vontade e viver
em justiça. Pensamos que nessa altura havia necessidade de tal Lei, foi um
grande dom que Deus ofereceu ao seu povo, por quê? Porque nessa altura havia
paganismo em toda a parte, idolatria em toda a parte e o comportamento humano
que deriva da idolatria, e por esta razão o grande dom de Deus ao seu povo é a
Lei para ir em frente. Várias vezes, especialmente nos livros dos profetas,
constata-se que a não observância dos preceitos da Lei constituía uma
verdadeira traição da Aliança, provocando a reação da ira de Deus. A ligação
entre Aliança e Lei era tão estreita que as duas realidades eram inseparáveis.
A Lei é a expressão de que uma pessoa, um povo, está em aliança com Deus.
À luz de tudo isto, é fácil compreender como os
missionários que se tinham infiltrado entre os gálatas tiveram uma boa
oportunidade ao afirmar que a adesão à Aliança também implicava a observância
da Lei mosaica, como era na altura. No entanto, é precisamente sobre este ponto
que podemos descobrir a inteligência espiritual de São Paulo e as grandes
intuições que ele expressou, sustentado pela graça que recebeu para a sua
missão evangelizadora.
O Apóstolo explica aos gálatas que, na realidade, a
Aliança com Deus e a Lei mosaica não estão indissoluvelmente ligadas. O
primeiro elemento em que se baseia é que a Aliança estabelecida por Deus com
Abraão se fundava na fé no cumprimento da promessa e não na observância da Lei,
que ainda não existia. Abraão começou a caminhar muitos séculos antes da Lei. O
Apóstolo escreve: «Afirmo, pois: a Lei, que chegou quatrocentos e trinta anos
mais tarde [com Moisés], não pode anular o testamento feito por Deus [com Abraão],
em boa e devida forma, e não pode anular a promessa. Pois, se a herança se
obtivesse pela Lei, já não proviria da promessa. Ora, foi pela promessa que
Deus concedeu a sua graça a Abraão» (Gl 3,17-18). A promessa
existia antes da Lei e a promessa a Abraão, a Lei, chegou 430 anos mais tarde.
A palavra “promessa” é muito importante: o povo de Deus, nós cristãos,
caminhamos pela vida olhando para uma promessa; a promessa é precisamente o que
nos atrai, atrai-nos para o encontro com o Senhor.
Com este raciocínio, Paulo alcançou um primeiro
objetivo: a Lei não é a base da Aliança porque veio mais tarde, foi necessária
e justa, mas primeiro houve a promessa, a Aliança.
Um argumento como este desarma aqueles que afirmam
que a Lei mosaica é uma parte constitutiva da Aliança. Não, a Aliança vem
antes, é a chamada a Abraão. Com efeito, a Torá, a Lei,
não está incluída na promessa feita a Abraão. Dito isto, não se deve pensar que
São Paulo era contrário à Lei mosaica. Não, ele observava-a. Várias vezes nas
suas Cartas defende a sua origem divina e afirma que desempenha um papel muito
específico na história da salvação. No entanto, a Lei não dá vida, não oferece
o cumprimento da promessa, porque não está em condições de podê-la cumprir. A
Lei é um caminho que te leva a avançar para o encontro. Paulo usa uma palavra
muito importante, a Lei é o “pedagogo” em relação a Cristo, o pedagogo em
relação à fé em Cristo, ou seja, o mestre que te leva pela mão ao encontro.
Aqueles que procuram a vida precisam olhar para a promessa e para o seu
cumprimento em Cristo.
Caríssimos, esta primeira exposição do Apóstolo aos
gálatas apresenta a novidade radical da vida cristã: todos aqueles que têm fé
em Jesus Cristo são chamados a viver no Espírito Santo, que liberta da Lei, levando-a
ao mesmo tempo a cumprimento segundo o mandamento do amor. Isto é muito
importante, a Lei leva-nos a Jesus. Mas alguns de vós podem dizer-me: “Mas
padre, uma coisa: quer dizer que se eu recitar o Credo não devo cumprir os
Mandamentos?”. Não, os Mandamentos são atuais no sentido de que são
“pedagogos”, que te conduzem ao encontro com Jesus. Mas se puseres de lado o
encontro com Jesus e quiseres voltar a dar mais importância aos Mandamentos,
isto não é bom. E foi precisamente este o problema daqueles missionários
fundamentalistas, que se introduziam entre os gálatas para desorientá-los. Que
o Senhor nos ajude a seguir pelo caminho dos Mandamentos, mas olhando para o
amor a Cristo rumo ao encontro com Cristo, conscientes de que o encontro com
Jesus é mais importante do que todos os Mandamentos.
Fonte: Santa Sé.
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