Em sua sétima Catequese sobre a Carta de São Paulo aos Gálatas,
o Papa Francisco refletiu sobre a advertência do Apóstolo à comunidade: “Gálatas
insensatos” (Gl 3,1-3):
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 01 de setembro de 2021
Carta aos Gálatas (7): “Gálatas insensatos”
Irmãos e irmãs, bom dia!
Continuaremos a explicação da Carta de São Paulo aos Gálatas. Isto não é uma coisa nova, esta
explicação, uma coisa minha: o que estamos a estudar é o que diz São Paulo, num
conflito muito sério, aos gálatas. E é também Palavra de Deus, porque entrou na
Bíblia. Não é algo que alguém inventou, não. Aconteceu naquele tempo e pode
repetir-se. E, de fato, vimos que na história isto se repetiu. Esta é
simplesmente uma catequese sobre a Palavra de Deus, expressa na Carta de Paulo aos Gálatas, nada mais.
Devemos ter sempre isto em mente. Nas catequeses anteriores vimos que o
Apóstolo Paulo mostrou aos primeiros cristãos da Galácia como era perigoso
deixar o caminho que tinham iniciado a percorrer ao aceitar o Evangelho. Com
efeito, o risco é cair no formalismo, que é uma das tentações que nos leva à
hipocrisia, da qual falamos na semana passada. Cair no formalismo e negar
a nova dignidade que receberam: a dignidade de remidos por Cristo. O trecho que
acabamos de ouvir dá início à segunda parte da Carta. Até este ponto, Paulo
falou da sua vida e da sua vocação: de como a graça de Deus transformou a sua
existência, colocando-a completamente ao serviço da evangelização. Neste ponto,
interpela diretamente os gálatas: põe-nos diante das escolhas que fizeram e da
sua condição atual, o que poderia anular a experiência de graça que viveram.
E os termos com os quais o Apóstolo se dirige aos gálatas
certamente não são gentis: ouvimo-los. Nas outras Cartas é fácil encontrar a
expressão “irmãos” ou “caríssimos”, aqui não. Pois está zangado. Diz
genericamente “gálatas” e duas vezes lhes chama “insensatos”, que não é um
termo gentil. Estultos, insensatos e pode dizer muitas coisas... Não o faz
porque não são inteligentes, mas porque, quase sem se aperceberem, correm o
risco de perder a fé em Cristo que aceitaram com tanto entusiasmo. São
insensatos porque não percebem que o perigo é o de perder o tesouro precioso, a
beleza da novidade de Cristo. A desilusão e a tristeza do Apóstolo são
evidentes. Não sem amargura, ele provoca esses cristãos a lembrarem-se do
primeiro anúncio feito por ele, através do qual lhes ofereceu a possibilidade
de obter uma liberdade até então inesperada.
O Apóstolo faz perguntas aos gálatas a fim de
despertar as suas consciências: por isso é tão forte. Trata-se de questões
retóricas, pois os gálatas sabem muito bem que a sua chegada à fé em Cristo é
fruto da graça recebida através da pregação do Evangelho. Leva-os ao início da
vocação cristã. A palavra que ouviram de Paulo centrou-se no amor de Deus,
plenamente manifestado na Morte e Ressurreição de Jesus. Paulo não conseguiu
encontrar uma expressão mais convincente do que aquela que provavelmente lhes
tinha repetido várias vezes na sua pregação: «Já não sou eu que vivo, é Cristo
que vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de
Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim» (Gl 2,20).
Paulo mais não queria saber do que de Cristo crucificado (cf. 1Cor 2,2). Os gálatas devem olhar para este
evento, sem se deixarem distrair por outros anúncios... Em suma, a intenção de
Paulo é colocar os cristãos em condições para que percebam o que está em jogo e
não se deixem encantar pela voz das sereias que os querem conduzir a uma
religiosidade baseada unicamente na observância escrupulosa dos preceitos. Pois
eles, os pregadores novos que chegaram à Galácia, convenceram-nos que deviam
voltar atrás e observar também os preceitos que levam à perfeição antes da
vinda de Cristo, que é a gratuidade da salvação.
Por outro lado, os gálatas compreendiam muito bem
ao que o Apóstolo se referia. Tinham certamente experimentado a ação do
Espírito Santo nas comunidades: como nas outras Igrejas, também a caridade e
vários outros carismas se tinham manifestado entre eles. Ao serem postos à
prova, tiveram de responder que quanto tinham vivido era fruto da novidade do
Espírito. Portanto no início da sua chegada à fé, estava a iniciativa de Deus e
não a dos homens. O Espírito Santo tinha sido o protagonista da sua
experiência; colocá-lo agora em segundo plano a fim de dar primazia às próprias
obras - isto é, ao cumprimento dos preceitos da Lei - seria uma insensatez. A
santidade vem do Espírito Santo e é a gratuidade da redenção de Jesus: isto
justifica-nos.
Deste modo, São Paulo convida também a nós a
refletir: como vivemos a fé? Será que o amor de Cristo Crucificado e Ressuscitado
permanece no centro da nossa vida quotidiana como fonte de salvação, ou será
que nos contentamos com algumas formalidades religiosas para estar em paz com a
nossa consciência? Como vivemos nós a fé? Estamos apegados ao tesouro precioso,
à beleza da novidade de Cristo, ou preferimos algo que neste momento nos atrai,
mas que depois nos deixa vazios por dentro? O efêmero bate muitas vezes à
porta dos nossos dias, mas é uma triste ilusão, que nos faz cair na
superficialidade e nos impede de discernir aquilo por que realmente vale a pena
viver. Irmãos e irmãs, no entanto, mantenhamos a certeza de que, mesmo quando
somos tentados a afastar-nos, Deus continua a conceder os seus dons. Ao longo
da história, e ainda hoje, se verificam coisas que se assemelham ao que
aconteceu aos gálatas. Também hoje algumas pessoas nos fazer arder as orelhas
dizendo: “Não, a santidade está nestes preceitos, nestas coisas, é preciso
fazer isto e aquilo”, e propõem-nos uma religiosidade rígida, a rigidez que nos
tira aquela liberdade no Espírito que a redenção de Cristo nos dá. Estai
atentos perante a rigidez que vos propõem: estai atentos. Pois por detrás de
cada rigidez há algo negativo, não existe o Espírito de Deus. É por isso que
esta Carta nos ajudará a não ouvir estas propostas meio fundamentalistas que
nos fazem retroceder na nossa vida espiritual, e nos ajudará a avançar na
vocação pascal de Jesus. É isto que o Apóstolo reitera aos gálatas quando lhes
recorda que o Pai «doa o Espírito abundantemente, e realiza obras maravilhosas
entre vós» (Gl 3,5). Ele fala no
presente, não diz “o Pai doou o Espírito em abundância”, não: diz “doa”; não
diz “realizou”, não, diz “realiza”. Pois, apesar de todas as dificuldades que
possamos colocar à sua ação, inclusive não obstante os nossos pecados, Deus não
nos abandona, mas permanece conosco com o seu amor misericordioso. Deus está
sempre próximo de nós com a sua bondade. É como aquele pai que todos os dias
subia ao terraço para ver se o filho voltava (cf. Lc 15,20): o amor do
Pai não se cansa de nós. Peçamos a sabedoria de nos apercebermos sempre desta
realidade e de afastar os fundamentalistas que nos propõem uma vida de ascese
artificial, afastada da ressurreição de Cristo. A ascese é necessária, mas a
ascese sábia, não artificial.
Fonte: Santa Sé.
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