Continuando suas Catequeses sobre a Carta de São Paulo aos Gálatas, o Papa Francisco refletiu no dia 08 de setembro sobre o tema: “Somos
filhos de Deus” (Gl 3,26-29):
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 08 de setembro de 2021
Carta aos Gálatas (8): Somos filhos de Deus
Irmãos e
irmãs, bom dia!
Prossigamos o nosso itinerário de
aprofundamento da fé - da nossa fé - à luz da Carta de São Paulo aos Gálatas. O Apóstolo insiste com aqueles
cristãos para que não se esqueçam da novidade da revelação de Deus que lhes foi
anunciada. Em pleno acordo com o evangelista João (cf. 1Jo 3,1-2), Paulo evidencia que a fé em Jesus
Cristo permitiu que nos tornássemos verdadeiramente filhos de Deus e também
seus herdeiros. Nós, cristãos, damos frequentemente por certa esta realidade de
ser filhos de Deus. Ao contrário, é bom recordar sempre com gratidão o momento
em que nos tornamos tais, o do nosso Batismo, para viver com maior consciência
o grande dom recebido.
Se eu perguntasse hoje: “Quantos de vós
sabem a data do próprio Batismo?”, penso que não haveria muitas mãos
levantadas. No entanto trata-se da data na qual fomos salvos, a data em que nos
tornamos filhos de Deus. Agora, aqueles que não a sabem, que perguntem ao
padrinho, madrinha, pai, mãe, tio, tia: “Quando fui batizado? Quando fui
batizada?”; e lembrai-vos dessa data todos os anos: é a data em que tornamos
filhos de Deus. Concordais? Fareis isto? [Respondem:
Sim!] É um “sim” sincero? [Riem]
Vamos em frente...
Com efeito, quando «vem a fé» em Jesus
Cristo (v. 25), cria-se uma condição radicalmente nova que nos introduz na
filiação divina. A filiação de que Paulo fala já não é a geral, que envolve
todos os homens e mulheres como filhos e filhas do único Criador. No trecho que
acabamos de ouvir, ele afirma que a fé permite ser filhos de Deus «em
Cristo» (v. 26): esta é a novidade. É este “em Cristo” que faz a
diferença. Não só filhos de Deus, como todos: todos, homens e mulheres,
somos filhos de Deus, todos, qualquer que seja a religião que seguimos. Não.
Mas “em Cristo” é o que distingue os cristãos, e isto acontece apenas na
participação da redenção de Cristo e em nós no sacramento do Batismo, começa
assim. Jesus tornou-se nosso Irmão, e pela sua Morte e Ressurreição
reconciliou-nos com o Pai. Quantos recebem Cristo na fé através do Batismo são
“revestidos” d’Ele e da dignidade filial (cf.
v. 27).
Nas suas Cartas, São Paulo refere-se
várias vezes ao Batismo. Para ele, ser batizado equivale a participar de modo
efetivo e real no mistério de Jesus. Por exemplo, na Carta aos Romanos ele
chega a ponto de dizer que, no Batismo, morremos com Cristo e somos sepultados
com Ele para viver com Ele (cf. Rm 6,3-14).
Mortos com Cristo, sepultados com Ele para poder viver com Ele. E esta é a
graça do Batismo: participar na Morte e Ressurreição de Jesus. Portanto, o Batismo
não é apenas um rito externo. Aqueles que o recebem são transformados nas
profundezas do seu ser, no seu íntimo, e possuem uma nova existência,
precisamente a vida que lhes permite dirigir-se a Deus e invocá-lo com o nome
de “Abbá”, isto é, “pai”. “Pai”? Não,
“papai” (cf. Gl 4,6).
O Apóstolo afirma com grande audácia
que a identidade recebida através do Batismo é totalmente nova, tanto que
prevalece sobre as diferenças que existem a nível étnico-religioso:
Isto é, explica-a assim: «Não há judeu nem grego»; e também a nível social:
«Não há escravo nem livre; não há homem nem mulher» (Gl 3,28).
Estas expressões são lidas muitas vezes com demasiada pressa, sem compreender o
valor revolucionário que possuem. Para Paulo, escrever aos gálatas que em
Cristo “não há judeu nem grego” era equivalente a uma autêntica subversão no
âmbito étnico-religioso. O judeu, em virtude da pertença ao povo escolhido, era
privilegiado em relação ao pagão (cf. Rm 2,17-20),
e o próprio Paulo o afirma (cf. Rm 9,4-5).
Portanto, não surpreende que este novo ensinamento do Apóstolo pudesse soar
como herético. “Mas como, todos iguais? Somos diferentes!”. Soa um pouco
herético, não é? Também a segunda igualdade, entre “livres” e “escravos”, abre
perspectivas chocantes. Para a sociedade antiga, a distinção entre escravos e
cidadãos livres era vital. Por lei estes últimos gozavam de todos os direitos,
enquanto aos escravos não era reconhecida nem sequer a dignidade humana. Isto
acontece também hoje: muita gente no mundo, muita, milhões, não tem direito a
comer, à educação, ao trabalho: são os novos escravos, são os que vivem nas
periferias, explorados por todos. Também hoje existe escravidão. Pensemos
nisto. Negamos a estas pessoas a dignidade humana, são escravos. Por fim, a
igualdade em Cristo supera a diferença social entre os sexos, estabelecendo uma
igualdade entre homem e mulher que era revolucionária naquela época e que hoje
deve ser reafirmada. É preciso reafirmá-la também hoje. Quantas vezes nós
ouvimos expressões que desprezam as mulheres! Quantas vezes ouvimos: “Mas não,
não faças nada, são coisas de mulher”. Contudo, homem e mulher têm a mesma
dignidade, e na história, inclusive hoje, existe uma escravidão das mulheres:
as mulheres não têm as mesmas oportunidades dos homens. Devemos ler o que Paulo
diz: somos iguais em Jesus Cristo.
Como podemos ver, Paulo afirma a
profunda unidade que existe entre todos os batizados, qualquer que seja a sua
condição, quer homens quer mulheres, iguais, pois cada um deles, em Cristo,
é uma criatura nova. Cada distinção torna-se secundária no que diz respeito à
dignidade de ser filho de Deus, que pelo seu amor alcança uma igualdade
verdadeira e substancial. Todos, através da redenção de Cristo e do Batismo que
recebemos, somos iguais: filhos e filhas de Deus. Iguais.
Irmãos e irmãs, por conseguinte, somos
chamados de modo mais positivo a viver uma nova vida que encontra a sua
expressão fundadora na filiação em relação a Deus. Iguais porque somos filhos
de Deus, e filhos de Deus porque nos remiu Jesus Cristo e entramos nesta
dignidade através do Batismo. É também decisivo para todos nós, hoje,
redescobrir a beleza de ser filhos de Deus, de ser irmãos e irmãs entre nós,
pois estamos inseridos em Cristo que nos redimiu. As diferenças
e os contrastes que criam separação não deveriam existir entre os crentes em
Cristo. E um dos apóstolos, na Carta a
Tiago, diz assim: “Estai atentos com as diferenças, pois não sois justos
quando na assembleia (isto é, na Missa) entra alguém que usa um anel de ouro,
está bem vestido: ‘Ah, vem, vem!’ e convidam-no a sentar no primeiro banco.
Depois, se entra outra pessoa, malvestida e que se vê que é pobre, muito pobre:
‘Sim, sim, senta-te ali, no fundo’”. Estas diferenças são feitas por nós,
muitas vezes, de modo inconsciente. Não, somos iguais. Pelo contrário, a nossa
vocação é tornar concreta e evidente a chamada à unidade de toda a raça humana
(cf. Concílio Ecumênico Vaticano II,
Constituição Lumen gentium, 1). Tudo o que exacerba as diferenças
entre as pessoas, muitas vezes causando discriminação, tudo isto, perante Deus,
já não tem qualquer substância, graças à salvação realizada em Cristo. O que
conta é a fé que age seguindo o caminho da unidade, indicado pelo Espírito
Santo. E a nossa responsabilidade consiste em percorrer decisivamente este caminho da igualdade, mas a igualdade que é
apoiada e realizada pela redenção de Jesus.
Obrigado. E não vos esqueçais, ao
voltardes para casa: “Quando fui batizada? Quando fui batizado?”. Perguntai,
para ter em mente sempre aquela data. E também para festejar quando chegar
aquele dia. Obrigado.
Fonte: Santa Sé.
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