domingo, 20 de junho de 2021

Ladainha do Sagrado Coração de Jesus meditada por João Paulo II (17)

Concluímos aqui nossa série com as meditações do Papa sobre a Ladainha do Sagrado Coração, com suas duas últimas invocações, de alcance escatológico (32ª e 33ª):
Cor Iesu, spes in te morientium, miserere nobis.
Cor Iesu, deliciae Sanctorum omnium, miserere nobis.

Para acessar a apresentação e o sumário com os links de todas as postagens desta série, clique aqui.

33. Coração de Jesus, esperança dos que morrem em vós
Ângelus do dia 05 de novembro de 1989

Caríssimos irmãos e irmãs:
1. A recente Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos nos convida hoje a contemplar, sob uma luz de fé e de esperança, a morte do cristão, para a qual a Ladainha do Sagrado Coração - objeto de nossas reflexões em anteriores encontros dominicais - põe em nossos lábios a invocação: Coração de Jesus, esperança dos que morrem em vós, tende piedade de nós.
A morte forma parte da condição humana; é o momento terminal da fase histórica da vida. Na concepção cristã, a morte é uma passagem: da luz criada à luz incriada, da vida temporal à vida eterna.
Ora, se o Coração de Cristo é a fonte da qual o cristão recebe luz e energia para viver como filho de Deus, a que outra fonte se dirigirá para tomar a força necessária para morrer de modo coerente com a sua fé? Como “vive em Cristo”, assim ele não pode senão “morrer em Cristo”.
A invocação da Ladainha resume a experiência cristã diante do evento da morte: o Coração de Cristo, o seu amor e a sua misericórdia, são esperança e segurança para quem morre n’Ele.

2. Mas convém para um momento e questionar-se: O que significa “morrer em Cristo”? Significa antes de tudo, caríssimos irmãos e irmãs, ler o evento angustiante e misterioso da morte à luz do ensinamento do Filho de Deus e vê-lo, portanto, como o momento da partida para a casa do Pai, onde Jesus, passando também Ele através da morte, foi preparar-nos um lugar (cf. Jo 14,2). Ou seja, significa crer que, apesar da destruição de nosso corpo, a morte é premissa de vida e de fruto abundante (cf. Jo 12,24).
“Morrer em Cristo”, além disso, significa confiar em Cristo e abandonar-se totalmente a Ele, colocando em suas mãos - de irmão, de amigo, de Bom Pastor - o próprio destino, assim como Ele, morrendo, entregou seu espírito nas mãos do Pai (cf. Lc 23,46). Significa fechar os olhos para a luz deste mundo na paz, na amizade, na comunhão com Jesus, porque nada, “nem a morte nem a vida... poderá separar-nos do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8,38-39). Naquela hora suprema, o cristão sabe que, mesmo que o coração lhe acuse algumas culpas, o Coração de Cristo é maior que o seu e pode cancelar toda a sua dívida, se ele está arrependido (cf. 1Jo 3,20).

3. “Morrer em Cristo” significa também, queridos irmãos e irmãs, fortificar-se para aquele momento decisivo com os “santos sinais” da “passagem pascal”: o sacramento da Penitência, que nos reconcilia com o Pai e com todas as criaturas; o santo Viático, Pão da vida e medicina de imortalidade; e a Unção dos Enfermos, que dá vigor ao corpo e ao espírito para o combate supremo.
“Morrer em Cristo” significa, enfim, “morrer como Cristo”: rezando e perdoando; tendo junto a si a Bem-aventurada Virgem. Como Mãe, ela esteve junto à cruz do seu Filho (cf. Jo 19,25); como Mãe, está ao lado de seus filhos moribundos, ela que, com o sacrifício do seu Coração, cooperou para gerá-los para a vida da graça (cf. Constituição Lumen gentium, n. 53); está ao lado deles, presença compassiva e materna, para que do sofrimento da morte eles nasçam para a vida da glória.

34. Coração de Jesus, delícia de todos os santos
Ângelus do dia 12 de novembro de 1989

Caríssimos irmãos e irmãs:
1. A Igreja se alegra pela glorificação dos seus filhos, (...) aquela “multidão imensa” (cf. Ap 7,9) que a Liturgia nos convidou a contemplar na recente Solenidade de Todos os Santos. Diante de um espetáculo tão exaltante brota espontaneamente nos lábios a invocação da Ladainha: Coração de Jesus, delícia de todos os santos, tende piedade de nós.
Da esperança ao cumprimento, do desejo à realização, da terra ao céu: este parece ser, caríssimos irmãos e irmãs, o ritmo segundo o qual sucedem as três últimas invocações da Ladainha do Sagrado Coração. Após as invocações “salvação dos que esperam em vós” e “esperança dos que morrem em vós”, a Ladainha conclui dirigindo-se ao Coração de Jesus como “delícia de todos os santos”. É já visão do paraíso: é anotação rápida sobre a vida do céu; é palavra breve que abre horizontes infinitos de bem-aventurança eterna.

2. Sobre esta terra o discípulo de Jesus vive na espera de alcançar o seu Mestre, no desejo de contemplar seu rosto, na aspiração ardente de viver sempre com Ele. No céu, ao contrário, cumprida a espera, o discípulo entra na alegria do seu Senhor (cf. Mt 25,21.23); contempla o rosto do seu Mestre, já não transfigurado durante apenas um instante (cf. Mt 17,2; Mc 9,2; Lc 9,28), mas resplandecente para sempre com o fulgor da eterna luz (cf. Hb 1,3); vive com Jesus e da mesma vida de Jesus.
A vida do céu não é outra coisa que a fruição perfeita, indefectível, intensa, do amor de Deus - Pai, Filho e Espírito Santo -; não é outra coisa que a revelação total do ser íntimo de Cristo, e a comunicação plena da vida e do amor que brotam do seu Coração. No céu, os bem-aventurados vêm realizado todo desejo, cumprida toda profecia, aplacada toda sede de felicidade, completada toda aspiração.

3. Por isso o Coração de Cristo é a fonte da vida de amor dos santos: em Cristo e por meio de Cristo os bem-aventurados do céu são amados pelo Pai, que os une a si com o vínculo do Espírito, divino Amor; em Cristo e por meio de Cristo, eles amam ao Pai e aos homens, seus irmãos, com o amor do Espírito.
O Coração de Cristo é o espaço vital dos bem-aventurados: o lugar onde eles permanecem no amor (cf. Jo 15,9), colhendo alegria perene e sem limite. A sede infinita de amor, misteriosa sede que Deus pôs no coração humano, é saciada no Coração divino de Cristo.
Ali se manifesta em plenitude o amor do Redentor pelos homens, necessitados de salvação; do Mestre pelos discípulos, sedentos de verdade; do Amigo que anula as distâncias e eleva os servos à condição de amigos (cf. Jo 15,15), para sempre, em tudo. O intenso desejo, que sobre a terra se manifestava na súplica “Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,20), agora, no céu, se transforma em visão face a face, em posse tranquila, em fusão de vida: de Cristo nos bem-aventurados e dos bem-aventurados em Cristo.
Elevando a eles o olhar da alma e contemplando-os em torno a Cristo, juntamente com sua Rainha, a Virgem Santíssima, nós repetimos hoje, com firme esperança, a alegre invocação: Coração de Jesus, delícia de todos os santos, tende piedade de nós!

O Sagrado Coração de Jesus no seio da Trindade adorado pelos santos
(Corrado Giaquinto - Museu do Prado - Madri, Espanha)

Fonte: Santa Sé - 05 de novembro e 12 de novembro de 1989 (italiano; tradução nossa).

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