Concluímos aqui nossa
série com as meditações do Papa sobre a Ladainha do Sagrado Coração, com suas
duas últimas invocações, de alcance escatológico (32ª e 33ª):
Cor Iesu, spes in te morientium,
miserere nobis.
Cor Iesu, deliciae
Sanctorum omnium, miserere nobis.
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33. Coração de Jesus,
esperança dos que morrem em vós
Ângelus do dia 05 de
novembro de 1989
Caríssimos irmãos e
irmãs:
1. A recente Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos nos convida
hoje a contemplar, sob uma luz de fé e de esperança, a morte do cristão, para a
qual a Ladainha do Sagrado Coração - objeto de nossas reflexões em anteriores
encontros dominicais - põe em nossos lábios a invocação: Coração de Jesus, esperança dos que morrem em vós, tende piedade de nós.
A morte forma parte da condição humana; é o momento terminal
da fase histórica da vida. Na concepção cristã, a morte é uma passagem: da luz
criada à luz incriada, da vida temporal à vida eterna.
Ora, se o Coração de Cristo é a fonte da qual o cristão
recebe luz e energia para viver como filho de Deus, a que outra fonte se
dirigirá para tomar a força necessária para morrer de modo coerente com a sua
fé? Como “vive em Cristo”, assim ele não pode senão “morrer em Cristo”.
A invocação da Ladainha resume a experiência cristã diante
do evento da morte: o Coração de Cristo, o seu amor e a sua misericórdia, são
esperança e segurança para quem morre n’Ele.
2. Mas convém para um momento e questionar-se: O que
significa “morrer em Cristo”? Significa antes de tudo, caríssimos irmãos e
irmãs, ler o evento angustiante e misterioso da morte à luz do ensinamento do
Filho de Deus e vê-lo, portanto, como o momento da partida para a casa do Pai,
onde Jesus, passando também Ele através da morte, foi preparar-nos um lugar (cf. Jo
14,2). Ou seja, significa crer que, apesar da destruição de nosso corpo, a
morte é premissa de vida e de fruto abundante (cf. Jo 12,24).
“Morrer em Cristo”, além disso, significa confiar em Cristo
e abandonar-se totalmente a Ele, colocando em suas mãos - de irmão, de amigo,
de Bom Pastor - o próprio destino, assim como Ele, morrendo, entregou seu
espírito nas mãos do Pai (cf. Lc 23,46). Significa fechar os olhos
para a luz deste mundo na paz, na amizade, na comunhão com Jesus, porque nada,
“nem a morte nem a vida... poderá separar-nos do amor de Deus manifestado em
Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm
8,38-39). Naquela hora suprema, o cristão sabe que, mesmo que o coração lhe acuse
algumas culpas, o Coração de Cristo é maior que o seu e pode cancelar toda a sua
dívida, se ele está arrependido (cf. 1Jo 3,20).
3. “Morrer em Cristo” significa também, queridos irmãos e
irmãs, fortificar-se para aquele momento decisivo com os “santos sinais” da “passagem
pascal”: o sacramento da Penitência, que nos reconcilia com o Pai e com todas
as criaturas; o santo Viático, Pão da vida e medicina de imortalidade; e a
Unção dos Enfermos, que dá vigor ao corpo e ao espírito para o combate supremo.
“Morrer em Cristo” significa, enfim, “morrer como Cristo”: rezando
e perdoando; tendo junto a si a Bem-aventurada Virgem. Como Mãe, ela esteve
junto à cruz do seu Filho (cf. Jo 19,25); como Mãe, está ao lado de seus
filhos moribundos, ela que, com o sacrifício do seu Coração, cooperou para
gerá-los para a vida da graça (cf. Constituição
Lumen gentium, n. 53); está ao lado
deles, presença compassiva e materna, para que do sofrimento da morte eles
nasçam para a vida da glória.
34. Coração de Jesus,
delícia de todos os santos
Ângelus do dia 12 de
novembro de 1989
Caríssimos irmãos e
irmãs:
1. A Igreja se alegra pela glorificação dos seus filhos,
(...) aquela “multidão imensa” (cf. Ap 7,9) que a Liturgia nos convidou a
contemplar na recente Solenidade de Todos os Santos. Diante de um espetáculo
tão exaltante brota espontaneamente nos lábios a invocação da Ladainha: Coração de Jesus, delícia de todos os
santos, tende piedade de nós.
Da esperança ao cumprimento, do desejo à realização, da
terra ao céu: este parece ser, caríssimos irmãos e irmãs, o ritmo segundo o qual
sucedem as três últimas invocações da Ladainha do Sagrado Coração. Após as invocações
“salvação dos que esperam em vós” e “esperança dos que morrem em vós”, a
Ladainha conclui dirigindo-se ao Coração de Jesus como “delícia de todos os santos”. É já visão do paraíso: é anotação
rápida sobre a vida do céu; é palavra breve que abre horizontes infinitos de
bem-aventurança eterna.
2. Sobre esta terra o discípulo de Jesus vive na espera de
alcançar o seu Mestre, no desejo de contemplar seu rosto, na aspiração ardente
de viver sempre com Ele. No céu, ao contrário, cumprida a espera, o discípulo entra
na alegria do seu Senhor (cf. Mt 25,21.23); contempla o rosto do seu
Mestre, já não transfigurado durante apenas um instante (cf. Mt 17,2; Mc 9,2; Lc 9,28), mas resplandecente para sempre com o fulgor da eterna luz
(cf. Hb 1,3); vive com Jesus e da mesma vida de Jesus.
A vida do céu não é outra coisa que a fruição perfeita,
indefectível, intensa, do amor de Deus - Pai, Filho e Espírito Santo -; não é
outra coisa que a revelação total do ser íntimo de Cristo, e a comunicação
plena da vida e do amor que brotam do seu Coração. No céu, os bem-aventurados
vêm realizado todo desejo, cumprida toda profecia, aplacada toda sede de
felicidade, completada toda aspiração.
3. Por isso o Coração de Cristo é a fonte da vida de amor dos
santos: em Cristo e por meio de Cristo os bem-aventurados do céu são amados pelo
Pai, que os une a si com o vínculo do Espírito, divino Amor; em Cristo e por
meio de Cristo, eles amam ao Pai e aos homens, seus irmãos, com o amor do
Espírito.
O Coração de Cristo é o espaço vital dos bem-aventurados: o
lugar onde eles permanecem no amor (cf.
Jo 15,9), colhendo alegria perene e
sem limite. A sede infinita de amor, misteriosa sede que Deus pôs no coração
humano, é saciada no Coração divino de Cristo.
Ali se manifesta em plenitude o amor do Redentor pelos homens,
necessitados de salvação; do Mestre pelos discípulos, sedentos de verdade; do
Amigo que anula as distâncias e eleva os servos à condição de amigos (cf. Jo
15,15), para sempre, em tudo. O intenso desejo, que sobre a terra se
manifestava na súplica “Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,20), agora, no céu, se transforma em visão face a face, em
posse tranquila, em fusão de vida: de Cristo nos bem-aventurados e dos
bem-aventurados em Cristo.
Elevando a eles o olhar da alma e contemplando-os em torno a
Cristo, juntamente com sua Rainha, a Virgem Santíssima, nós repetimos hoje, com
firme esperança, a alegre invocação: Coração
de Jesus, delícia de todos os santos, tende piedade de nós!
O Sagrado Coração de Jesus no seio da Trindade adorado pelos santos (Corrado Giaquinto - Museu do Prado - Madri, Espanha) |
Fonte: Santa Sé - 05 de novembro e 12 de novembro de 1989
(italiano; tradução nossa).
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