Nesta quarta-feira, 20 de outubro de 2021, em suas Catequeses sobre a Carta de São Paulo aos Gálatas, o Papa Francisco refletiu sobre a liberdade cristã,
relacionando-a ao tema da caridade, à luz de Gl 5,13-14:
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 20 de outubro de 2021
Carta aos Gálatas (12): A liberdade se realiza na caridade
Estimados
irmãos e irmãs, bom dia!
Na sua Carta aos Gálatas, o Apóstolo Paulo introduz-nos um pouco de cada
vez, lentamente, na grande novidade da fé. É de fato uma grande novidade, pois
não se limita a renovar algum aspecto da vida, mas reconduz-nos para aquela
“vida nova” que recebemos no Batismo. Nele foi derramado sobre nós o maior dom,
ser filhos de Deus. Renascidos em Cristo, passamos de uma religiosidade feita
de preceitos para uma fé viva, que tem o seu centro na comunhão com Deus e com
os irmãos, isto é, na caridade. Passamos da escravidão do medo e do pecado para
a liberdade dos filhos de Deus. Mais uma vez, a palavra liberdade.
Hoje procuremos compreender melhor qual
é, para o Apóstolo, o âmago desta liberdade. Paulo afirma que é tudo, menos «um
pretexto para a carne» (Gl 5,13): ou seja, a liberdade não é um
modo libertino de viver, segundo a carne, ou segundo o instinto, desejos
individuais e impulsos egoístas; pelo contrário, a liberdade de Jesus leva-nos
a estar - escreve o Apóstolo - «ao serviço uns dos outros» (ibid.).
Mas é isto escravidão? Sim, a liberdade em Cristo contém alguma “escravidão”,
alguma dimensão que nos leva ao serviço, a viver para os outros. Em síntese, a
verdadeira liberdade é plenamente expressa na caridade. Mais uma vez
encontramo-nos perante o paradoxo do Evangelho: somos livres para servir, não
para fazer o que queremos. Somos livres quando servimos, e é disto que vem a
liberdade; encontramo-nos plenamente na medida em que nos doamos.
Encontramo-nos plenamente na medida em que nos doamos, em que temos a coragem
de nos doar; possuímos a vida se a perdermos (cf. Mc 8,35). Isto é Evangelho puro!
Mas como se pode explicar este
paradoxo? A resposta do Apóstolo é simples e exigente: «mediante o amor» (Gl 5,13).
Não há liberdade sem amor. A liberdade egoísta do fazer o que quero não é
liberdade, pois volta a si mesma, não é fecunda. Foi o amor de Cristo que nos
libertou e é ainda o amor que nos liberta da pior escravidão, a do nosso ego;
por conseguinte, a liberdade cresce com o amor. Mas, atenção: não com o amor
intimista, com o amor das novelas, não com a paixão que simplesmente procura o
que nos convém e aquilo de que gostamos, mas com o amor que vemos em Cristo, a
caridade: este é o amor verdadeiramente livre e libertador. É o amor que
resplandece no serviço gratuito, modelado segundo o de Jesus, que lava os pés
aos seus discípulos, dizendo: «Dei-vos um exemplo para que também vós façais
como Eu vos fiz» (Jo 13,15). Servir uns aos outros.
Portanto, para Paulo a liberdade não
significa “fazer o que apetece”. Este tipo de liberdade, sem finalidades nem
referências, seria uma liberdade vazia, uma liberdade de circo: não funciona. E,
com efeito, deixa um vazio interior: quantas vezes, depois de termos seguido
apenas o nosso instinto, nos damos conta de que sentimos um grande vazio
interior e que abusamos do tesouro da nossa liberdade, da beleza de poder
escolher o verdadeiro bem para nós mesmos e para os demais. Só esta liberdade é
plena, concreta, dado que nos insere na vida real de cada dia. A verdadeira
liberdade liberta-nos sempre; ao contrário, quando buscamos a liberdade do
“aquilo de que gosto e não gosto”, no final permanecemos vazios.
Em outra Carta, a Primeira aos Coríntios, o Apóstolo responde àqueles que têm uma
ideia errada de liberdade. “Tudo é lícito!”, dizem eles. “Sim, mas nem tudo é
benéfico”, responde Paulo. “Tudo é lícito!” - “Sim, mas nem tudo edifica”,
objeta o Apóstolo. E acrescenta: «Ninguém procure o próprio interesse, senão os
dos outros» (1Cor 10,23-24). Esta é a regra para desmascarar
qualquer liberdade egoísta. Também àqueles que são tentados a reduzir a
liberdade apenas aos próprios gostos, Paulo apresenta a exigência do amor. A
liberdade guiada pelo amor é a única que liberta os outros e nós mesmos, que
sabe ouvir sem impor, que sabe amar sem forçar, que constrói e não destrói, que
não explora os demais para a sua conveniência e que pratica o bem sem procurar
o próprio benefício. Em suma, se a liberdade não estiver a serviço - eis o
teste -, se a liberdade não estiver ao serviço do bem, corre o risco de ser
estéril e de não dar frutos. Por outro lado, a liberdade animada pelo amor
conduz aos pobres, reconhecendo no seu rosto o de Cristo. Portanto, o serviço
uns aos outros permite a Paulo, escrevendo aos gálatas, fazer uma observação
que não é de modo algum secundária: assim, falando da liberdade que os outros
Apóstolos lhe deram de evangelizar, frisa que recomendaram apenas uma coisa:
recordar-se dos pobres (cf. Gl 2,10).
Isto é interessante! Quando, depois da luta ideológica, Paulo e os Apóstolos
concordaram, eis o que os Apóstolos lhe disseram: “Vai em frente, continua e
não te esqueças dos pobres”, isto é, que a tua liberdade de pregador seja uma
liberdade ao serviço dos outros, não para ti mesmo, de fazer o que te apetece.
Contudo, sabemos que uma das mais
generalizadas noções modernas de liberdade é esta: “A minha liberdade acaba
onde começa a tua”. Mas aqui falta a relação, o relacionamento! Trata-se de uma
visão individualista. Por outro lado, aqueles que receberam o dom da libertação
trazida por Jesus não podem pensar que a liberdade consiste em afastar-se dos
outros, sentindo-os incômodos; não podem ver o ser humano fechado em si mesmo,
mas sempre parte de uma comunidade. A dimensão social é fundamental para os
cristãos, dado que lhes permite olhar para o bem comum e não para o interesse
particular.
Sobretudo neste momento histórico,
temos necessidade de redescobrir a dimensão comunitária, não individualista, da
liberdade: a pandemia ensinou-nos que precisamos uns dos outros, mas não é
suficiente sabê-lo, devemos escolhê-lo concretamente todos os dias, decidir
empreender aquele caminho. Digamos e acreditemos que os outros não são um
obstáculo para a minha liberdade, mas constituem a possibilidade de a realizar
plenamente. Pois a nossa liberdade nasce do amor de Deus e cresce na caridade.
Fonte: Santa Sé.
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