“Porque sois filhos,
Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abbá, ó
Pai!” (Gl 4,6)
Em nossa postagem anterior, em sintonia com o tema do “Mês
da Bíblia” da Igreja no Brasil neste ano de 2021, começamos o estudo da Carta de São Paulo aos Gálatas (Gl), analisando sua leitura litúrgica
segundo o critério da composição harmônica - escolha do texto em sintonia com o
tempo ou a festa litúrgica - na Celebração Eucarística, nos sacramentos e sacramentais.
Aqui gostaríamos de dar continuidade a esta proposta,
contemplando sua leitura em composição harmônica na Liturgia das
Horas, antes de analisarmos sua leitura semicontínua [1].
2. Leitura litúrgica
de Gl: Composição harmônica
c) Liturgia das Horas
Em relação à Liturgia
das Horas, é preciso distinguir dois tipos de leituras: leituras longas, proferidas no Ofício
das Leituras; e leituras breves,
proferidas nas demais horas (Laudes, Hora Média e Vésperas).
Começamos pelas leituras
longas da Carta aos Gálatas em
composição harmônica, que são quatro:
Primeiramente, na Festa
da Conversão de São Paulo (25 de janeiro) lemos Gl 1,11-24 [2], onde o
Apóstolo faz sua apologia pessoal e narra como Cristo “revelou-se” a ele.
Uma versão mais longa deste texto é lida na Solenidade de São Pedro e São Paulo (29
de junho): Gl 1,15–2,10 [3], centrada nos encontros entre os dois Apóstolos:
após a conversão de Paulo e no “Concílio de Jerusalém”.
Na Festa da Exaltação
da Santa Cruz (14 de setembro), por sua vez, a Igreja nos propõe uma
perícope formada por três trechos da Carta: Gl 2,19–3,7.13-14; 6,14-16 [4], nos
quais Paulo faz referência ao mistério do Crucificado.
Por fim, no Ofício do Comum
de Nossa Senhora é indicada como 2ª opção de leitura para o Tempo Comum a
perícope de Gl 3,22–4,7 [5], com a afirmação fundamental da Encarnação: “Deus enviou o seu Filho, nascido de uma
mulher”.
"Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher" (Gl 4,4) (Mosaico da Basílica de Santa Sofia - Constantinopla) |
As leituras breves
de Gl, por sua vez, são mais
numerosas, presentes nos tempos do Natal, da Quaresma e da Páscoa, assim como
nas celebrações dos santos.
No Tempo do Natal lemos
o célebre texto sobre a Encarnação de Gl 4,4-5, como vimos acima, lido nas I Vésperas da Solenidade do Natal do Senhor
e nas I e II Vésperas da Solenidade de
Santa Maria, Mãe de Deus [6].
Na Quaresma também
há apenas uma leitura da nossa Carta, na Hora
Média (15h) dos sábados da Quaresma até a IV semana: Gl 6,7b-8 [7]. Aqui o
Apóstolo propõe dois caminhos: quem semeia na carne, colherá a corrupção; quem
semeia no Espírito, colherá a vida eterna.
No Tempo Pascal,
por sua vez, são proclamadas duas leituras de Gl:
- na Hora Média (12h)
das sextas-feiras do Tempo Pascal: Gl 3,27-28 [8], o célebre refrão
batismal, como vimos na postagem anterior: “Vós
todos que fostes batizados de Cristo, vos revestistes de Cristo”;
- nas Vésperas da
sexta-feira da VII semana da Páscoa: Gl 5,16.22a-23a.25 [9]. Nas Vésperas da
última semana do Tempo Pascal, as leituras são dedicadas ao Espírito Santo. O
texto de Gl recorda, pois, os seus frutos:
“caridade, alegria, paz...”.
Como um “eco” da Páscoa,
no domingo após o Pentecostes celebra-se a Solenidade
da Santíssima Trindade. Na Hora
Média (12h) deste dia lê-se Gl 4,4a.5-6 [10] em chave trinitária: filhos no
Filho, pelo Espírito podemos chamar a Deus “Abbá,
Pai” (v. 6).
Passando às celebrações
dos Santos, lemos primeiramente na Hora
Média (12h) da Solenidade de São Pedro e São Paulo o texto de Gl
1,15-16a.17b-18a [11], no qual Paulo recorda seu encontro com Pedro em
Jerusalém.
O encontro entre Pedro e Paulo (Porta da Basílica de São Paulo fora-dos-muros - Roma) |
Os célebres versículos de Gl 4,4-5, em chave mariana, são
indicados em quatro ocasiões:
- nas Vésperas do
Comum de Nossa Senhora [12];
- nas Laudes da
Memória de Santa Maria no sábado (celebração votiva para o Tempo Comum)
como 1ª opção de leitura breve [13];
- nas Vésperas da Memória de Nossa Senhora do
Rosário (07 de outubro) e, no Brasil, nas I Vésperas da Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida
(12 de outubro) [14].
Por fim, a última leitura breve de Gl em composição harmônica encontra-se na Hora Média (9h) dos Comuns dos Santos Homens e das Santas Mulheres:
Gl 6,7b-8 [15], com a advertência sobre semear na carne ou no Espírito, como
vimos acima.
3. Leitura litúrgica
de Gl: Leitura semicontínua
Concluído o percurso pela leitura da Carta aos Gálatas em composição harmônica, analisaremos agora sua
leitura semicontínua, isto é, a proclamação dos principais textos do livro na
sequência, oferecendo aos fiéis um maior contato com a Palavra de Deus.
a) Celebração
Eucarística
A leitura semicontínua das Cartas
Paulinas é realizada primeiramente como 2ª
leitura dos domingos do Tempo Comum [16].
Aqui nossa Carta é lida entre o IX e o XIV Domingos do Tempo Comum
do ano C, após a Primeira Carta aos
Coríntios (cap. 12–15) e antes da Carta
aos Colossenses.
As seis perícopes selecionadas
são:
IX Domingo: Gl 1,1-2.6-10;
X Domingo: Gl 1,11-19;
XI Domingo: Gl 2,16.19-21;
XII Domingo: Gl 3,26-29;
XIII Domingo: Gl 5,1.13-18;
XIV Domingo: Gl 6,14-18 [17].
"O fruto do Espírito é: caridade, alegria, paz..." (Gl 5,22) |
Também nos dias de semana do
Tempo Comum leem-se de maneira semicontínua os livros do Antigo e do Novo
Testamento, várias semanas cada um, conforme sua extensão, em um ciclo bienal
(ano par e ano ímpar) [18].
Aqui a Carta aos Gálatas é lida entre
a XXVII e a XXVIII semanas do Tempo Comum no ano par, antecedida pelo texto
sapiencial do Livro de Jó e sucedida por outro texto paulino: a Carta aos Efésios.
As nove perícopes da nossa Carta indicadas
aqui são:
XXVII semana do Tempo
Comum (ano par):
Segunda-feira: Gl
1,6-12;
Terça-feira: Gl
1,13-24;
Quarta-feira: Gl
2,1-2.7-14;
Quinta-feira: Gl 3,1-5;
Sexta-feira: Gl
3,7-14;
Sábado: Gl 3,22-29
[19].
XXVIII semana do
Tempo Comum (ano par):
Segunda-feira: Gl
4,22-24.26-27.31–5,1;
Terça-feira: Gl
5,1-6;
Quarta-feira: Gl
5,18-25 [20].
b) Liturgia das Horas
Na Liturgia das Horas a Carta é lida na íntegra no Ofício das Leituras da V semana do Tempo
Comum, desta vez após outro escrito paulino (as duas Cartas aos Tessalonicenses, lidas na IV semana) e antes de um texto
sapiencial (o Livro dos Provérbios,
lido na VI semana).
As sete perícopes aqui são:
Ofício das Leituras
da V semana do Tempo Comum
Domingo: Gl 1,1-12:
O Evangelho de Paulo;
Segunda-feira: Gl
1,13–2,10: Vocação e apostolado de Paulo;
Terça-feira: Gl
2,11–3,14: O justo vive da fé;
Quarta-feira: Gl
3,15–4,7: A função da lei;
Quinta-feira: Gl
4,8-31: Herança divina e liberdade da
nova aliança;
Sexta-feira: Gl
5,1-25: A liberdade na vida dos fiéis;
Sábado: Gl
5,25–6,18: Conselhos sobre a caridade e o
zelo [21].
"É para a liberdade que Cristo nos libertou" (Gl 5,1) (O Ressuscitado liberta os justos do Antigo Testamento do Hades - Fra Angelico) |
No ciclo bienal do
Ofício das Leituras, que ainda não foi traduzido para o Brasil, a Carta
também é lida por sete dias, porém na IX
semana do Tempo Comum no ano par, entre a Segunda Carta aos Coríntios e a Carta
aos Filipenses.
Tanto no ciclo anual quanto no ciclo bienal a 2ª leitura do
Ofício nesses dias é tomada de diversos textos patrísticos, destacando-se o Comentário sobre a Carta aos Gálatas de
Santo Agostinho, Bispo (séc. V), lido em duas ocasiões.
Por fim, temos ainda sete pequenos trechos do nosso escrito
como leituras breves, distribuídas
ao longo das quatro semanas do Saltério:
- na Hora Média do
domingo da I semana leem-se dois textos:
12h: Gl 6,7b-8 - a
advertência sobre semear na carne ou no Espírito;
15h: Gl 6,9-10 - exortação
a nunca se cansar de fazer o bem [22];
- na Hora Média da
quinta-feira da II semana são três textos:
9h: Gl 5,13-14 - a
liberdade é um dom que não nos deve levar ao pecado, mas ao amor;
12h: Gl 5,16-17 -
exortação a agir segundo o Espírito, e não segundo a carne;
15h: Gl
5,22.23a.25 - elenco dos frutos do Espírito [23];
- na Hora Média (12h)
do sábado da III semana lê-se Gl 5,26; 6,2 [24], uma exortação a não buscar
a vanglória e a ajudarmo-nos uns aos outros;
- nas Laudes da
sexta-feira da IV semana, por fim, a Igreja põe em nossos lábios e em
nossos ouvidos Gl 2,19b-20 [25], a afirmação de Paulo sobre sua comunhão com o
Senhor: “Eu vivo, mas não eu, é Cristo
que vive em mim”.
Vale lembrar, porém, que essas leituras são proferidas apenas no Tempo Comum, uma vez que os Tempos do Advento, Natal, Quaresma e Páscoa possuem leituras próprias.
Notas:
[1] Para os dois critérios de seleção dos textos, cf. Elenco
das Leituras da Missa, n. 66. ALDAZÁBAL, José. A Mesa da Palavra I: Elenco das Leituras da Missa - Texto e Comentário.
São Paulo: Paulinas, 2007, p. 76.
[2] OFÍCIO DIVINO. Liturgia
das Horas segundo o Rito Romano. Tradução para o Brasil da segunda edição
típica. São Paulo: Paulus, 1999, v. III, p. 1207.
[3] ibid., v. III,
p. 1390. Como vimos na postagem anterior, no Brasil esta Solenidade é
transferida para o domingo.
[4] ibid., v. IV,
p. 1268.
[5] ibid., v. III,
p. 1512; v. IV, p. 1524. A 1ª opção de leitura é do Antigo Testamento (Is
7,10-14; 8,10c; 11,1-9). No Advento, Natal, Quaresma e Páscoa são indicadas
outras leituras, a fim de oferecer uma maior diversidade de textos.
[6] ibid., v. I,
pp. 355.429.442.
[7] ibid., v. II,
pp. 69.126.183.240.300. A V semana da Quaresma possui textos próprios, já
entrando no mistério da Paixão.
[8] ibid., v. II,
pp. 552.613.666.722.775.854.907.
[9] ibid., v. II,
p. 907.
[10] ibid., v.
III, p. 534.
[11] ibid., v.
III, p. 1398.
[12] ibid., v. I,
pp. 1146.1166; v. II, pp. 1666.1690; v. III, pp. 1504.1527; v. IV, pp.
1516.1539. Nas solenidades a leitura é proferida nas I e II Vésperas.
[13] ibid., v.
III, p. 1541; v. IV, p. 1553. As outras opções são Is 61,10 e Ap 12,1.
[14] ibid., v. IV,
pp. 1357-1365.
[15] ibid., v. I,
pp. 1321.1345; v. II, pp. 1874.1899; v. III, pp. 1697.1723; v. IV, pp.
1709.1735.
[16] cf. ALDAZÁBAL,
op. cit., p. 104.
[17] LECIONÁRIO I: Dominical A-B-C. Tradução portuguesa da 2ª
edição típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1994, pp. x-x.
[18] cf. ALDAZÁBAL,
op. cit., p. 105.
[19] LECIONÁRIO II: Semanal. Tradução portuguesa da 2ª edição
típica para o Brasil. São Paulo: Paulus, 1995, pp. x-x.
[20] ibid., pp. x-x.
[21] OFÍCIO DIVINO, v. III, pp. 145.149.153.157.160.164.168.
[22] ibid., v.
III, p. 633; v. IV, p. 587.
[23] ibid., v.
III, pp. 849-850; v. IV, pp. 803-804.
[24] ibid., v.
III, p. 1025; v. IV, p. 979.
[25] ibid., v.
III, p. 1135; v. IV, p. 1089.
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