Retomando suas Catequeses sobre a Carta de São Paulo aos Gálatas (após a “pausa” por ocasião da Viagem Apostólica à Hungria e Eslováquia), o Papa Francisco refletiu sobre “a vida na fé”, à luz de Gl 2,19-20:
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 29 de setembro de 2021
Carta aos Gálatas (9): A vida na fé
Estimados
irmãos e irmãs, bom dia!
No nosso percurso para compreender
melhor o ensinamento de São Paulo, encontramo-nos hoje com um tema difícil, mas
importante: o da justificação. O que é a justificação? Nós, como pecadores,
tornamo-nos justos. Quem nos tornou justos? Este processo de mudança é a
justificação. Nós, perante Deus, somos justos. É verdade que temos os nossos
pecados pessoais, mas na base somos justos. Esta é a justificação. Houve muitos
debates sobre este assunto, para encontrar a interpretação mais coerente com o
pensamento do Apóstolo e, como muitas vezes acontece, houve também posições
opostas. Na Carta aos Gálatas, bem como na Carta aos Romanos, Paulo insiste no fato de que a justificação vem
da fé em Cristo. “Mas, eu sou justo porque cumpro todos os mandamentos”. Sim,
mas a justificação não vem disto, vem antes: alguém te justificou, alguém te
tornou justo perante Deus. “Sim, mas sou pecador!”. Sim, és justo, mas pecador,
és justo na base. Quem te tornou justo? Jesus Cristo. Esta é a justificação.
O que está por detrás da palavra
“justificação”, que é tão decisiva para a fé? Não é fácil chegar a uma
definição completa, mas na totalidade do pensamento de São Paulo podemos
simplesmente dizer que a justificação é a consequência da «misericórdia de Deus
que oferece o perdão» (Catecismo da Igreja Católica, n. 1990). E este é
o nosso Deus, tão bom, misericordioso, paciente, cheio de misericórdia, que
continuamente doa o perdão, continuamente. Ele perdoa, e a justificação é Deus
que perdoa desde o início cada um, em Cristo. A misericórdia de Deus que dá o perdão.
De fato, através da Morte de Jesus - e isto deve ser frisado: através da Morte
de Jesus - Deus destruiu o pecado e doou-nos o perdão e a salvação de uma forma
definitiva. Assim justificados, os pecadores são acolhidos por Deus e
reconciliados com Ele. É como um regresso à relação original entre o Criador e
a criatura, antes que interviesse a desobediência do pecado. Portanto, a
justificação que Deus realiza permite que recuperemos a inocência perdida com o
pecado. Como ocorre a justificação? Responder a esta pergunta é descobrir outra
novidade no ensinamento de São Paulo: a justificação ocorre por graça. Só pela
graça: fomos justificados por pura graça. “Mas não posso, como fazem alguns, ir
ter com o juiz e pagar para que ele me dê a justiça?”. Não, nisto não se pode
pagar, pagou alguém por todos nós: Cristo. E de Cristo que morreu por nós vem
aquela graça que o Pai concede a todos: a justificação vem pela graça.
O Apóstolo tem sempre em mente a
experiência que mudou a sua vida: o encontro com Jesus Ressuscitado no caminho
de Damasco. Paulo tinha sido um homem orgulhoso, religioso e zeloso, convencido
de que a justiça consistia na observância escrupulosa dos preceitos. Agora,
porém, foi conquistado por Cristo, e a fé n’Ele transformou-o até às profundezas,
permitindo-lhe descobrir uma verdade até então escondida: não somos nós que nos
tornamos justos pelos nossos próprios esforços - não: não somos nós; mas é
Cristo com a sua graça que nos torna justos. Assim Paulo, para ter um
conhecimento pleno do mistério de Jesus, está disposto a renunciar a tudo
aquilo do que antes era rico (cf. Fl 3,7),
pois descobriu que só a graça de Deus o salvou. Fomos justificados, fomos
salvos por mera graça, não pelos nossos merecimentos. E isto dá-nos grande
confiança. Somos pecadores, sim; mas seguimos o caminho da vida com esta graça
de Deus que nos justifica cada vez que pedimos perdão. Mas não justifica
naquele momento: já estamos justificados, mas vem perdoar-nos outra vez.
Para o Apóstolo, a fé tem um valor que
abrange tudo. Toca cada momento e cada aspecto da vida do crente: desde o Batismo
até à partida deste mundo, tudo está impregnado pela fé na Morte e Ressurreição
de Jesus, que concede a salvação. A justificação pela fé enfatiza a prioridade
da graça, que Deus oferece a todos os que acreditam no seu Filho sem distinção
alguma.
Contudo, não devemos concluir que para
Paulo a Lei mosaica já não tenha valor; pelo contrário, continua a ser um dom
irrevogável de Deus, é - escreve o Apóstolo - «santa» (Rm 7,12).
Inclusive para a nossa vida espiritual é essencial observar os mandamentos, mas
também aqui não podemos confiar na nossa própria força: a graça de Deus que
recebemos em Cristo é fundamental, aquela graça que nos vem da justificação que
Cristo nos concedeu, que já pagou por nós. Dele recebemos aquele amor gratuito
que nos permite, por nossa vez, amar de modo concreto.
Neste contexto, é bom recordar o
ensinamento do Apóstolo Tiago, que escreve: «O homem é justificado pelas obras
e não somente segundo a fé - poderia parecer o contrário, mas não é - (...)
Assim como o corpo sem alma é morto, assim também a fé sem obras é morta» (Tg 2,24.26).
A justificação, se não florescer com as nossas obras, ficará ali, debaixo da
terra, como morta. Existe, mas nós devemos atuá-la com as nossas obras. Assim,
as palavras de Tiago complementam o ensino de Paulo. Por conseguinte, para
ambos a resposta da fé exige que sejamos ativos no amor a Deus e no amor ao
próximo. Por que “ativos naquele amor”? Porque aquele amor nos salvou a todos,
justificou-nos gratuitamente, de graça!
A justificação insere-nos na longa
história da salvação, que mostra a justiça de Deus: perante as nossas contínuas
quedas e insuficiências, Ele não se resignou, mas quis tornar-nos justos e
fê-lo pela graça, através do dom de Jesus Cristo, da sua Morte e Ressurreição.
Algumas vezes mencionei como é o caminho de Deus, qual é o estilo de Deus, e
disse-o em três palavras: o estilo de Deus é proximidade, compaixão e ternura.
Ele está sempre perto de nós, é compassivo e terno. E a justificação é
precisamente a maior proximidade de Deus a nós, homens e mulheres, a maior
compaixão de Deus por nós, homens e mulheres, a maior ternura do Pai. A
justificação é este dom de Cristo, da morte e ressurreição de Cristo que nos
liberta. “Mas, Padre, sou pecador, roubei...”. Sim, mas na base és justo. Deixa
que Cristo implemente essa justificação. Não estamos condenados, na
base, não: somos justos. Permiti-me a expressão: somos santos,
na base. Mas depois, pelas nossas ações, tornamo-nos pecadores. Mas, na base,
somos santos: deixemos que a graça de Cristo se eleve e que a justiça, aquela
justificação nos dê forças para ir em frente. Assim, a luz da fé permite-nos
reconhecer quão infinita é a misericórdia de Deus, a graça que age para o nosso
bem. Mas a mesma luz mostra-nos também a responsabilidade que nos foi confiada
de colaborar com Deus na sua obra de salvação. O poder da graça precisa de se
conjugar com as nossas obras de misericórdia, que somos chamados a viver para
dar testemunho de quão grande é o amor de Deus. Vamos em frente com esta
confiança: todos fomos justificados, somos justos em Cristo. Devemos
concretizar esta justiça com as nossas obras.
Fonte: Santa Sé.
Sobre a relação enter fé e obras, confira nossas postagens sobre a leitura litúrgica da Carta de São Paulo aos Gálatas e da Carta de Tiago.
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