quinta-feira, 24 de junho de 2021

Sequência da Natividade de João Batista: Sancti Baptistae, Christi praeconis

A partir dos séculos IX e X popularizaram-se no Rito Romano as “sequências”, composições poéticas a serem entoadas antes da aclamação do Evangelho (o Aleluia) na Missa.

Embora a reforma do Concílio de Trento (1545-1563) as tenha reduzido drasticamente [1], apenas a Notker Balbulus, isto é, Notker, o Gago (840-912), monge beneditino da Abadia de São Galo (Sankt Gallen), na atual Suíça, são atribuídas 50 sequências.

Seu Liber Sequentiarum recolhe na verdade 38 composições. Notker, porém, não foi necessariamente o autor de todas, tendo mais provavelmente compilado textos anteriores [2].

A 15ª dessas sequências é indicada como De Natale Sancti Joannis Baptistae, isto é, para a Natividade de São João Batista, celebrada no dia 24 de junho. A composição é intitulada com seu primeiro verso: “Sancti Baptistae, Christi praeconis” - “Santo Batista, Precursor de Cristo”.

São João Batista com a inscrição "Eis o Cordeiro de Deus" (Jo 1,29)
(Taddeo di Bartolo - Yale University Art Gallery)

A fim de dar a conhecer cada vez mais a riqueza do patrimônio litúrgico e espiritual da Igreja, apresentamos a seguir essa sequência em seu original em latim e com uma tradução nossa bastante livre, com algumas notas destacando alguns aspectos do texto.

Cabe ressaltar que este texto não deve ser usado na Missa, podendo ser recitado em um momento de devoção em honra de São João Batista ou em nossa oração pessoal:

Sequentia: Sancti Baptistae, Christi praeconis

Sancti Baptistae, Christi praeconis,
Sollemnia celebrantes moribus ipsum sequamur,
Ut ad viam, quam praedixit, asseclas suos perducat.

Devoti te, sanctissime hominum, amice Jesu Christi, flagitamus, ut gaudia percipiamus,
Apparens quae Zachariae Gabriel repromisit, qui tuam celebrarent obsequiis nativitatem,
Ut per haec festa aeterna gaudia adipiscamur
Qua sancti Dei sacris deliciis laeti congaudent.

Tu, qui praeparas fidelium corda, ne quid devium vel lubricum Deus in eis inveniat,
Te deposcimus, ut crimina nostra et facinora continua prece studeas absolvere,
Placatus ut ipse suos semper invisere fideles
Et mansionem in eis facere dignetur,
Et Agni vellere quem tuo digito
Mundi monstraveras tolere crimina
Nos velit induere,
Ut ipsum mereamur angelis associi
In alba veste sequi per portam clarissimam,
Amice Christi, Joannes [3].

Tradução livre:

Celebrando solenemente o Santo Batista, Precursor de Cristo, sigamos seu exemplo, para que ele possa conduzir seus seguidores no caminho que predisse [4].

A ti, homem santíssimo, amigo de Jesus Cristo, nós devotamente suplicamos que possamos participar da alegria que Gabriel, aparecendo a Zacarias, prometeu àqueles que celebrassem seu nascimento em obediência [5],
Para que, através desta festa, possamos alcançar as alegrias eternas onde os santos de Deus juntos se alegram nas sagradas delícias.

Tu que preparas os corações dos fiéis, para que Deus não encontre neles nada transviado ou perigoso, nós te pedimos, que por tuas contínuas preces nossos pecados sejam absolvidos [6],
Para que, redimidos, Ele possa sempre visitar os seus fiéis e se digne neles habitar [7],
E o Cordeiro que tira o pecado do mundo, a quem tu indicaste com o dedo, nos revista com a sua lã [8],
Para que mereçamos, associados aos anjos, segui-lo com vestes brancas através da porta mais brilhante, ó João, amigo de Cristo.

João Batista apontando para o Cordeiro
(Hans Memling - Groeningemuseum, Bruges)

Notas:

[1] A reforma do Concílio de Trento reduziu as sequências a quatro: Victimae paschali laudes (Domingo de Páscoa), Veni, Sancte Spiritus (Pentecostes), Lauda Sion (Corpus Christi) e Dies irae (Missas dos defuntos). Em 1727 foi a acrescentada a sequência Stabat Mater dolorosa (Memória de Nossa Senhora das Dores). A reforma litúrgica do Concílio Vaticano II conservou as cinco, transformando porém o Dies irae em hino da Liturgia das Horas para a última semana do Tempo Comum.

[2] MIGNE, J. P. Patrologiae: Cursus Completus, Series Latina, v. 131, pp. 1005-1026. Disponível em: https://patristica.net/latina/

[3] ibid., pp. 1013-1014.

[4] Algumas versões do texto trazem vita (vida) ao invés de via (caminho): “para que ele possa conduzir seus seguidores à vida que predisse”.

[5] O texto faz-nos aqui participantes da alegria prometida pelo anjo em Lc 1,14.

[6] O verso faz alusão à missão de João: preparar o caminho do Senhor nos corações dos fiéis, exortando à conversão (cf., por exemplo, Lc 1,16-17.76-79; 3,3-6).

[7] Algumas expressões desse verso remetem ao cântico de Zacarias, o Benedictus (Lc 1,68-79): a remissão dos pecados (vv. 68.77) e Deus que visita seu povo (vv. 68.78). O tema de Deus que faz morada no coração dos fiéis, por sua vez, é mais própria da teologia joanina (cf. Jo 1,14; 14,23).

[8] O Cordeiro também é um tema central da teologia joanina, tanto no Quarto Evangelho (Jo 1,29) como no Apocalipse. O mesmo vale para o tema das vestes, referidas nesse verso e no seguinte, associadas também à simbologia batismal.

Sobre a “lã do Cordeiro”, vale recordar que os pálios, tecidos com lã de ovelha, são colocados junto ao túmulo de São Pedro no dia 24 de junho, Natividade de São João Batista, para serem abençoados pelo Papa no dia 29 e entregues aos Metropolitas, que devem sempre "levar as ovelhas aos ombros", a exemplo de Cristo.

São João Batista acolhendo o Cordeiro
(Bartolomé Bermejo - Museo de Bellas Artes de Sevilla)

Confira também:

A história do culto a São João Batista:

Hinos da Natividade de são João Batista:

[Observação: A tradução da sequência foi feita pelo autor desse blog a partir do original em latim de maneira bastante livre. Se algum leitor com conhecimento em latim deseja fazer alguma correção, essa será bem-vinda.]

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