Prosseguindo com suas Catequeses sobre a Carta de São Paulo aos Gálatas, o Papa Francisco
refletiu na última quarta-feira sobre a liberdade em Cristo à luz de Gl 4,4-5; 5,1:
Papa Francisco
Audiência Geral
Quarta-feira, 06 de outubro de 2021
Carta aos Gálatas (10): Cristo nos libertou
Estimados
irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje retomamos a nossa reflexão sobre a
Carta aos Gálatas. Nela, São Paulo
escreveu palavras imortais sobre a liberdade cristã. O que é a liberdade
cristã? Reflitamos hoje sobre este tema: a liberdade cristã.
A liberdade é um tesouro que só é
verdadeiramente apreciado quando o perdemos. Para muitos de nós, habituados a
viver em liberdade, muitas vezes parece mais um direito adquirido do que um dom
e uma herança a ser preservada. Quantos desentendimentos em torno do tema da
liberdade, e quantas visões diferentes se confrontaram ao longo dos séculos!
No caso dos gálatas, o Apóstolo não
podia suportar que esses cristãos, depois de terem conhecido e aceitado a
verdade de Cristo, se deixassem atrair por propostas enganosas, passando da
liberdade à escravidão: da presença libertadora de Jesus à escravidão do
pecado, do legalismo, etc. Ainda hoje o legalismo é um nosso problema, o
problema de muitos cristãos que se refugiam no legalismo, na casuística.
Portanto, Paulo convida os cristãos a permanecerem firmes na liberdade que
receberam através do batismo, sem se deixarem colocar de novo sob o «jugo da
escravidão» (Gl 5,1). Ele é justamente ciumento da liberdade. Está
ciente de que alguns «falsos irmãos» - define-os deste modo - «que se
intrometeram e entraram a espiar - como escreve - a liberdade que temos em
Jesus Cristo a fim de nos reduzir à escravidão» (Gl 2,4), voltar
atrás, e Paulo não pode tolerar isto. A pregação que impede a liberdade em
Cristo nunca seria evangélica: poderia ser pelagiana ou jansenista ou algo do gênero,
mas não seria evangélica. Nunca se pode forçar em nome de Jesus, não se pode
fazer de ninguém um escravo em nome de Jesus que nos liberta. A liberdade é um
dom que nos é dado no Batismo.
Mas o ensinamento de São Paulo sobre a
liberdade é sobretudo positivo. O Apóstolo propõe o ensinamento de Jesus, que
também encontramos no Evangelho de João:
«Se permanecerdes na minha palavra, sereis meus verdadeiros discípulos;
conhecereis a verdade e a verdade vos libertará» (Jo 8,31-32). Por conseguinte, acima de tudo, o apelo consiste em
permanecer em Jesus, fonte da verdade que nos liberta. Portanto, a liberdade
cristã baseia-se em dois pilares fundamentais: primeiro, a graça do Senhor
Jesus; segundo, a verdade que Cristo nos revela e que é Ele próprio.
Em primeiro lugar, é o dom do
Senhor. A liberdade que os gálatas receberam - e nós como eles através do Batismo
- é o fruto da Morte e Ressurreição de Jesus. O Apóstolo concentra toda a sua
pregação em Cristo, que o libertou dos vínculos com a sua vida passada: só dele
brotam os frutos da nova vida de acordo com o Espírito. De fato, a liberdade
mais verdadeira, a liberdade da escravidão do pecado, veio da Cruz de Cristo.
Estamos livres da escravidão do pecado através da Cruz de Cristo. Precisamente
nela, onde Jesus se deixou pregar, onde se fez escravo, Deus colocou a fonte da
libertação do homem. Isto nunca deixa de nos surpreender: que o lugar onde
somos despojados de toda a liberdade, nomeadamente a morte, pode tornar-se a
fonte da liberdade. Mas este é o mistério do amor de Deus: não é facilmente
compreendido, é vivido. O próprio Jesus anunciou-o quando disse: «O Pai ama-me,
porque dou a minha vida para retomá-la. Ninguém a tira de mim. Sou Eu que a dou
por Mim mesmo. Tenho poder para dá-la e para tomá-la de volta» (Jo 10,17-18).
Jesus realiza a sua plena liberdade ao entregar-se à morte; ele sabe que só
desta forma pode obter vida para todos.
Paulo, como sabemos, viveu pessoalmente
este mistério de amor. É por isso que diz aos gálatas, com uma expressão
extremamente audaz: «Fui crucificado com Cristo» (Gl 2,19). Nesse
ato de união suprema com o Senhor, sabe que recebeu o maior dom da sua vida: a
liberdade. De fato, na cruz pregou «a carne com as suas paixões e desejos» (Gl
5,24). Compreendemos quanto a fé animava o Apóstolo, quanto era grande a sua
intimidade com Jesus e enquanto, por um lado, sentimos que nos falta isso, por
outro, o testemunho do Apóstolo encoraja-nos a ir em frente nesta vida livre. O
cristão é livre, deve ser livre e é chamado a não voltar a ser escravo de
preceitos, de coisas estranhas.
O segundo pilar da liberdade é a verdade.
Também neste caso é necessário recordar que a verdade da fé não é uma teoria
abstrata, mas a realidade do Cristo vivo, que toca diretamente o significado
quotidiano e global da vida pessoal. Quantas pessoas que não estudaram, nem
sequer sabem ler nem escrever, mas compreenderam bem a mensagem de Cristo, têm
esta sabedoria que as liberta. É a sabedoria de Cristo que entrou através do
Espírito Santo no batismo. Quantas pessoas encontramos que vivem a vida de
Cristo mais do que os grandes teólogos, por exemplo, oferecendo um testemunho
precioso da liberdade do Evangelho. A liberdade torna-nos livres na medida em
que transforma a vida de uma pessoa e a encaminha para o bem. Para sermos
verdadeiramente livres, precisamos não só de nos conhecer a nós mesmos, a nível
psicológico, mas sobretudo de sermos nós mesmos verdade, a um nível mais
profundo. E ali, no coração, abrimo-nos à graça de Cristo. A verdade deve
inquietar-nos - voltemos a esta palavra cristã: inquietar. Sabemos que há
cristãos que nunca ficam inquietos: vivem sempre iguais, não há movimento nos
seus corações, não há inquietude. Por quê? Porque a inquietação é o sinal de
que o Espírito Santo age dentro de nós, e a liberdade é ativa, suscitada pela
graça do Espírito Santo. É por isso que digo que a liberdade deve
inquietar-nos, deve continuamente fazer-nos perguntas, para que possamos ir
cada vez mais a fundo no que realmente somos. Desta forma, descobrimos que o
caminho para a verdade e a liberdade é cansativo e dura a vida inteira. É
difícil permanecer livre, é difícil; mas não é impossível. Coragem, levemos
isto por diante, far-nos-á bem. É um caminho no qual somos guiados e apoiados
pelo Amor que vem da Cruz: o Amor que nos revela a verdade e nos dá liberdade.
E este é o caminho para a felicidade. A liberdade torna-nos livres, torna-nos alegres,
torna-nos felizes.
Fonte: Santa Sé.
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