quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Homilia do Papa: Missa em Albano

Visita Pastoral do Santo Padre Francisco a Albano
Concelebração Eucarística
Praça Pia
Sábado, 21 de setembro de 2019

O episódio que ouvimos acontece em Jericó, a famosa cidade destruída no tempo de Josué que, segundo a Bíblia, não seria mais reconstruída (cf. Js 6): se tornaria “a cidade esquecida”. Mas Jesus, diz o Evangelho, “entra e atravessa” Jericó (cf. Lc 19,1). E nesta cidade, que está abaixo do nível do mar, não teme encontrar o nível mais baixo, representado por Zaqueu. Ele era um publicano, mais, o «chefe dos publicanos», isto é, daqueles judeus odiados pelo povo que recolhiam os tributos para o Império Romano. Era «rico» (v. 2) e é fácil intuir como se tornou: à custa dos seus concidadãos, aproveitando-se dos seus concidadãos. Aos seus olhos Zaqueu era o pior, sem salvação. Mas não aos olhos de Jesus, que o chama pelo seu nome próprio, Zaqueu, que significa “Deus se recorda”. Na cidade esquecida, Deus se recorda do maior pecador.
O Senhor, antes de tudo, se recorda de nós. Não nos esquece, não nos perde de vista apesar dos obstáculos que possam nos manter longe d’Ele. Obstáculos que não faltaram no caso de Zaqueu: a sua baixa estatura, física e moral, mas também a sua vergonha, pela qual procurava ver Jesus escondido entre os ramos da árvore, provavelmente esperando não ser visto. E depois as críticas externas: na cidade, por causa daquele encontro, «todos murmuravam» (v. 7) - mas creio que em Albano aconteça o mesmo: se murmura... Limites, pecados, vergonha, murmurações e preconceitos: nenhum obstáculo faz Jesus esquecer o essencial, o homem a amar e salvar.
O que nos diz este Evangelho no aniversário da vossa Catedral? Que cada igreja, que a Igreja com letra maiúscula, existe para manter vivo no coração dos homens a recordação que Deus o ama. Existe para dizer a cada um, também ao mais distante: “És amado e és chamado pelo nome por Jesus; Deus não te esquece, se importa contigo”. Queridos irmãos e irmãs, como Jesus não tenhais medo de “atravessar” a vossa cidade, de ir ao encontro de quem está mais esquecido, de quem está escondido atrás dos ramos da vergonha, do medo, da solidão, para dizer-lhe: “Deus se recorda de ti”.
Gostaria de destacar uma segunda ação de Jesus. Além de recordar, de reconhecer Zaqueu, Ele se antecipa. Vemo-lo na troca de olhares com Zaqueu. Este «buscava ver quem era Jesus» (v. 3). É interessante que Zaqueu não buscava apenas ver Jesus, mas ver quem era Jesus: isto é, entender que tipo de mestre era, qual era a sua característica distintiva. E o descobre não quando vê Jesus, mas quando é visto por Jesus. Porque enquanto Zaqueu busca vê-lo, Jesus o vê por primeiro; antes que Zaqueu fale, Jesus lhe fala; antes de convidar Jesus, Jesus vem à sua casa. Eis quem é Jesus: aquele que nos vê primeiro, aquele que nos ama primeiro, aquele que nos acolhe primeiro. Quando descobrimos que o seu amor nos antecipa, que chega até nós antes de tudo, a vida muda. Querido irmão, querida irmã, se como Zaqueu você está buscando um sentido para a vida, mas, não o encontrando, você está se jogando fora com “substitutos do amor”, como as riquezas, a carreira, o prazer, qualquer dependência, deixe-se olhar por Jesus. Só com Jesus descobrirás ser sempre amado e farás a descoberta da vida. Você se sentirá tocado por dentro pela ternura invencível de Deus, que comove e move o coração. Assim aconteceu com Zaqueu e assim acontece com cada um de nós, quando descobrimos o “antes” de Jesus: Jesus que nos antecipa, que nos olha por primeiro, que nos fala por primeiro, que nos espera por primeiro.
Como Igreja, perguntemo-nos se para nós Jesus vem antes: é primeiro Ele ou a nossa agenda, é primeiro Ele ou as nossas estruturas? Toda conversão nasce de uma antecipação de misericórdia, nasce da ternura de Deus que “sequestra” o coração. Se tudo aquilo que fazemos não parte do olhar de misericórdia de Jesus, corremos o risco de mundanizar a fé, de complicá-la, de enchê-la de tantos contornos: argumentos culturais, visões eficientistas, opções políticas, escolhas partidárias... Mas se esquece o essencial, a simplicidade da fé, aquilo que vem antes de tudo: o encontro vivo com a misericórdia de Deus. Se isto não é o centro, se não está no início e no fim de toda a nossa atividade, corremos o risco de ter Deus “fora de cada”, isto é, na igreja, que é a sua casa, mas não conosco. O convite de hoje é: deixar-se “misericordiar” por Deus. Ele vem com a sua misericórdia.
Para guardar o “antes” de Deus, temos como exemplo Zaqueu. Jesus o vê primeiro porque ele subiu em um sicômoro. É um gesto que exigiu coragem, entusiasmo, imaginação: não se veem muitos adultos subirem em árvores; isto é o que as crianças fazem, é uma coisa que se faz quando criança, todos nós o fizemos. Zaqueu superou a vergonha e de certa forma se tornou criança. É importante para nós voltarmos a ser simples, abertos. Para guardar o “antes” de Deus, isto é, a sua misericórdia, não precisamos ser cristãos complicados, que elaboram mil teorias e se dispersam para procurar respostas, mas devemos ser como as crianças. Elas têm necessidade dos pais e dos amigos: também nós temos necessidade de Deus e dos outros. Não bastamos a nós mesmos, temos necessidade de desmascarar a nossa autossuficiência, de superar os nossos fechamentos, de voltarmos a ser pequenos dentro, simples e entusiasmados, plenos de ímpeto em direção a Deus e de amor pelo próximo.
Gostaria de evidenciar uma última ação de Jesus, que nos faz sentir em casa. Ele diz a Zaqueu: «Hoje devo ficar em tua casa» (v. 5). Em tua casa. Zaqueu, que se sentia estranho na sua cidade, entra em sua casa como pessoa amada. E, amado por Jesus, redescobre as pessoas próximas e diz: «Darei a metade do que possuo aos pobres e, se roubei alguém - e havia roubado tanto, este homem -, restituirei quatro vezes mais» (v. 8). A Lei de Moisés ordenava restituir acrescentando um quinto (cf. Lv 5,24), Zaqueu sá quatro vezes mais: vai bem além da Lei porque encontrou o amor. Sentindo-se em casa, abriu a porta ao próximo.
Como seria belo se os nossos vizinhos e conhecidos sentissem a Igreja como sua casa! Sucede, porém, que as nossas comunidades se tornam estranhas e pouco atraentes para muitos. Às vezes sofremos também nós a tentação de criar círculos fechados, lugares íntimos para os eleitos. Sentimo-nos eleitos, sentimo-nos elite... Mas há tantos irmãos e irmãs que têm saudades de casam que não têm a coragem de aproximar-se, talvez porque não se sentem acolhidos; talvez porque conheceram um padre que lhes tratou mal ou os expulsou, quis fazê-los pagar os sacramentos - uma coisa feia - e se afastaram. O Senhor deseja que a sua Igreja seja uma casa entre as casas, uma tenda hospitaleira onde cada homem, viajante da existência, encontre Ele, que veio habitar no meio de nós (cf. Jo 1,14).
Irmãos e irmãs, seja a Igreja o lugar onde não se olhe mais os outros de cima para baixo, mas, como Jesus com Zaqueu, de baixo para cima. Recordai que o único momento em que é lícito olhar uma pessoa de cima para baixo é para ajudá-la a levantar-se, caso contrário não é lícito. Apenas naquele momento: olhá-la assim, porque caiu. Olhemos as pessoas não como juízes, mas sempre como irmãos. Não sejamos inspetores da vida alheia, mas promotores do bem de todos. E para sermos promotores do bem de todos, uma coisa que ajuda tanto é ter a língua parada: não falar mal dos outros. Mas as vezes, quando digo estas coisas, ouço dizerem: “Padre, veja, é uma coisa feia, mas me vem, porque eu vejo uma coisa e me vem a vontade de criticar”. Eu sugiro um bom remédio para isto - além da oração -; o remédio eficaz é: morda a língua. Vai inchar na sua boca e você não poderá falar!
«O Filho do Homem - conclui o Evangelho - veio procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19,10). Se evitamos quem está perdido não somos de Jesus. Peçamos a graça de ir ao encontro de cada um como um irmão e de não ver em ninguém um inimigo. E se nos fizeram o mal, restituamos o bem. Os discípulos de Jesus não são escravos dos males passados mas, perdoados por Deus, fazem como Zaqueu: pensam apenas no bem que podem fazer. Demos gratuitamente, amemos os pobres e quem não pode nos retribuir: seremos ricos aos olhos de Deus.
Queridos irmãos e irmãs, desejo que a vossa Catedral, como toda igreja, seja o lugar em que cada um se sinta recordado pelo Senhor, antecipado pela sua misericórdia e acolhido em casa. Assim, que na Igreja aconteça a coisa mais linda: alegrar-se porque a salvação entrou na vida (cf. v. 9). Assim seja.


Tradução livre do original italiano.

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