sábado, 7 de setembro de 2019

Homilia: XXIII Domingo do Tempo Comum - Ano C

São João Cassiano
Conferências 3
Sobre as três renúncias

Cabe-nos agora falar das renúncias. Tanto a tradição dos padres como a autoridade das Sagradas Escrituras demonstram que são três renúncias que cada um de nós há de trabalhar com afinco para colocá-las em prática.
Mediante a primeira desprezamos todas as riquezas e bens materiais do mundo; mediante a segunda desprezamos os costumes, vícios e paixões da vida passada, tanto da alma como da carne; mediante a terceira afastamos o pensamento de todos os bens presentes e visíveis, para centrar-nos exclusivamente na contemplação das realidades futuras e no anelo do invisível. Que estas três renúncias devem ser praticadas lemos que o Senhor já ordenara a Abraão, quando disse: Sai da tua terra, de tua pátria e da casa de teu pai.
Primeiro ele disse: Sai de tua terra, isto é, dos bens deste mundo e das riquezas terrenas; em segundo lugar: sai da tua pátria, isto é, do modo de viver, dos costumes e vícios do passado, todas elas coisas tão estritamente vinculadas a nós desde o nosso nascimento, que se converteram em nossos parentes baseado em uma espécie de afinidade e consanguinidade. Em terceiro lugar: sai da casa de teu pai, ou seja, de toda memória deste mundo e que se encontra debaixo do campo de observação de nossos olhos. E saindo com o coração desta casa temporal e visível, dirigimos os nossos olhos e nosso contemplar para aquela casa na qual habitaremos para sempre. O que cumpriremos quando, sendo homens e procedendo como tais, começarmos a militar nas fileiras do Senhor guiados não por objetivos humanos, confirmando com as obras e a virtude aquela sentença do bem-aventurado Apóstolo: Nós, pelo contrário, somos cidadãos do céu.
Por este motivo, de nada nos adiantaria ter empreendido com toda a devoção de nossa fé a primeira renúncia, se não colocássemos em obra a segunda com o mesmo empenho e idêntico ardor. E assim, uma vez alcançada esta, poderemos chegar também àquela terceira renúncia, mediante a qual, saindo da casa de nosso primeiro pai, centramos toda a atenção de nossa alma nos bens celestiais.
Assim, mereceremos alcançar a verdadeira perfeição da terceira renúncia quando nosso espírito, não debilitado por contágio algum de estupidez carnal, mas purificado de todo afeto e apego terreno mediante um notável trabalho de acabamento, através da incessante meditação das divinas Escrituras e o exercício da contemplação, se houvesse transladado de tal modo ao mundo do invisível que, atento somente às realidades soberanas e incorpóreas, não perceba que está ainda envolto na fragilidade da carne e circunscrito a um determinado lugar.


Fonte: Lecionário Patrístico Dominical, pp. 710-711. Para adquiri-lo no site da Editora Vozes, clique aqui.

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