Viagem Apostólica a Budapeste
Santa Missa do XXIV Domingo do Tempo Comum (Ano B)
Conclusão do 52° Congresso Eucarístico Internacional
Homilia do Papa Francisco
Praça dos Heróis, Budapeste (Hungria)
Domingo, 12 de setembro de 2021
Em Cesareia de Filipe,
Jesus pergunta aos discípulos: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» (Mc 8,29).
Esta pergunta põe em xeque os discípulos e marca uma virada no seu caminho
atrás do Mestre. Conheciam bem Jesus, já não eram principiantes: conviviam
familiarmente com Ele, foram testemunhas de muitos dos milagres realizados,
ficavam maravilhados com o seu ensinamento, seguiam-No para onde quer que
fosse. Contudo ainda não pensavam como Ele. Faltava uma passagem decisiva, ou
seja, da admiração por Jesus à imitação de Jesus.
Também hoje o Senhor, fixando o olhar em cada um de nós, nos interpela
pessoalmente: «Mas Eu quem sou verdadeiramente para ti?». Quem sou para
ti? Dirigida a cada um de nós, é uma pergunta que pede não apenas uma
resposta exata do ponto de vista do Catecismo, mas uma resposta pessoal, uma
resposta de vida.
Desta resposta, nasce a
renovação do discipulado. Tal renovação realiza-se através das três
passagens que fizeram os discípulos e que podemos realizar também nós: o
anúncio de Jesus, o primeiro; o discernimento com Jesus, o segundo; e o caminho
atrás de Jesus, o terceiro.
1. O anúncio de
Jesus. À pergunta «e vós, quem dizeis que Eu sou?», respondeu Pedro como
representante de todo o grupo: «Tu és o Messias». Em poucas palavras, Pedro
disse tudo. A resposta está certa, mas surpreendentemente, depois de tal
reconhecimento, Jesus ordena severamente que «não dissessem isto a ninguém» (Mc 8,30). Perguntamo-nos: por que motivo
uma proibição tão drástica? Por uma razão concreta: dizer que Jesus é o Messias,
o Cristo, é exato, mas incompleto. Existe sempre o risco de anunciar um falso
messianismo: aquele segundo os homens e não segundo Deus. Por isso, a partir
daquele momento, Jesus começa a revelar a sua identidade: a identidade pascal,
aquela que encontramos na Eucaristia. Explica que a sua missão havia certamente
de culminar na glória da ressurreição, mas passando pela humilhação da cruz; ou
seja, desenrolar-se-ia segundo a sabedoria de Deus, «que - como diz São Paulo -
não é deste mundo, nem dos chefes deste mundo» (1Cor 2,6). Jesus
impõe silêncio sobre a sua identidade messiânica, mas não sobre a cruz que O
espera. Pelo contrário - observa o evangelista - Jesus começa a ensinar
«abertamente» (Mc 8,32) que «o Filho do Homem tinha de sofrer muito
e ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei,
e ser morto e ressuscitar depois de três dias» (v. 31).
Perante este anúncio de
Jesus, um anúncio surpreendente, também nós podemos sentir-nos apavorados.
Gostaríamos, também nós, de um messias poderoso, em vez de um servo
crucificado. Diante de nós está a Eucaristia, para nos recordar quem é Deus;
não o faz com palavras, mas de modo concreto, mostrando-nos Deus como Pão
partido, como Amor crucificado e doado. Podemos acrescentar muitas cerimônias,
mas o Senhor permanece ali na simplicidade de um Pão que se deixa partir,
distribuir e comer. Está ali: para nos salvar, faz-Se servo; para nos dar vida,
morre. Faz-nos bem deixar-nos surpreender pelo anúncio de Jesus. E quem se abre
a este anúncio de Jesus, abre-se à segunda passagem.
2. O discernimento
com Jesus. Face ao anúncio do Senhor, a reação de Pedro é tipicamente
humana: quando aparece a cruz, a perspectiva do sofrimento, o homem revolta-se.
E Pedro, depois de ter confessado a realidade messiânica de Jesus,
escandaliza-se com as palavras do Mestre e tenta dissuadi-Lo de prosseguir o
seu caminho. A cruz nunca está na moda. Queridos irmãos e irmãs, a cruz nunca
está na moda: ontem, como hoje. Mas cura por dentro. É diante do Crucificado que
experimentamos uma benéfica luta interior, um áspero conflito entre «pensar
segundo Deus» e «pensar segundo os homens». Dum lado, temos a lógica de Deus,
que é a do amor humilde; o caminho de Deus evita qualquer imposição,
ostentação, de qualquer triunfalismo, visa sempre o bem dos outros, indo até ao
sacrifício de si mesmo. Do outro, temos o «pensar segundo os homens»: é a
lógica do mundo, do mundanismo, presa às honras e privilégios, tendente ao
prestígio e ao sucesso. O que conta aqui são a relevância e a força, aquilo que
chama a atenção da maioria e sabe afirmar-se perante os outros.
Encandeado por esta perspectiva,
Pedro chama Jesus à parte e começa a repreendê-Lo (cf. Mc 8,32). Antes O confessara, agora O reprende. Pode acontecer
também conosco chamar o Senhor «à parte», colocá-Lo num canto do coração,
continuando a considerar-nos pessoas religiosas e boas, e prosseguir pelo nosso
caminho sem nos deixarmos conquistar pela lógica de Jesus. Mas há uma verdade:
Ele, entretanto, acompanha-nos, acompanha-nos nesta luta interior, porque
deseja que nós, como os Apóstolos, escolhamos a sua parte. Há
a parte de Deus, como há a parte do mundo... A diferença não está entre quem é
religioso e quem não o é; a diferença crucial está entre o Deus verdadeiro e o
deus que é o nosso eu. Que grande distância existe entre Aquele que reina
silenciosamente na cruz e aquele falso deus que gostaríamos de ver reinar pela
força e reduzir ao silêncio os nossos inimigos! Como é diverso Cristo, que Se
nos propõe só com amor, comparado com os messias poderosos e vencedores,
lisonjeados pelo mundo! Jesus nos sacode, não se contenta com declarações de
fé, pede-nos que purifiquemos a nossa religiosidade diante da sua cruz, diante
da Eucaristia. Faz-nos bem permanecer em adoração diante da Eucaristia, para
contemplarmos a fragilidade de Deus. Dediquemos tempo à adoração. É um modo de
rezar demasiado esquecido. Dediquemos tempo à adoração. Deixemos que Jesus, Pão
vivo, cure os nossos fechamentos e nos abra à partilha: cure-nos da nossa
rigidez e de nos fecharmos em nós mesmos, nos livre da escravidão paralisante
da defesa da nossa imagem e nos inspire a segui-Lo para onde Ele nos quer
conduzir. E não para onde quero eu. Assim chegamos à terceira passagem...
3. O caminho atrás
de Jesus, e também o caminho com Jesus: «Vai para trás de Mim, satanás» (Mc 8,33). Assim, com uma ordem enérgica
e forte, Jesus faz Pedro reentrar em si. Mas o Senhor, quando manda uma coisa,
na realidade está ali presente, pronto a dá-la. E Pedro acolhe a graça de «dar
um passo atrás». O caminho cristão não é uma corrida ao sucesso, mas começa com
um passo atrás - lembrai-vos disto: o caminho cristão começa com um passo atrás
-, com uma descentralização que liberta, com o retirar-se do centro da vida.
Então Pedro reconhece que o centro não é «o seu Jesus», mas o
verdadeiro Jesus. Voltará a cair, mas de perdão em perdão irá
reconhecendo cada vez melhor o rosto de Deus. E passará duma admiração estéril
por Cristo à imitação concreta de Cristo.
Que significa caminhar
atrás de Jesus? É avançar na vida com a sua própria confiança, a de sermos
filhos amados de Deus. É percorrer o mesmo caminho do Mestre, que veio para
servir e não para ser servido (cf. Mc 10,45).
Caminhar atrás de Jesus é dirigir dia a dia os nossos passos ao encontro do
irmão. A isto mesmo nos impele a Eucaristia: a sentir-nos um só Corpo, a
fazer-nos em pedaços para os outros. Queridos irmãos e irmãs, deixemos que o
encontro com Jesus na Eucaristia nos transforme, como transformou os grandes e
corajosos Santos que honrais: penso em Santo Estêvão e Santa Isabel. À
semelhança deles, não nos contentemos com pouco; não nos resignemos com uma fé
que vive de ritos e repetições, abramo-nos à novidade escandalosa de Deus
crucificado e ressuscitado, Pão partido para dar vida ao mundo. Viveremos na
alegria, e seremos portadores de alegria.
Ponto de chegada de um
percurso, oxalá este Congresso Eucarístico seja sobretudo um ponto de partida.
Pois o caminho atrás de Jesus convida a olhar para frente, a acolher a
virada da graça, a fazer reviver em nós cada dia aquela pergunta que o
Senhor, como em Cesareia de Filipe, nos dirige a cada um de nós, seus
discípulos: E vós, quem dizeis que Eu sou?
Palavras
do Papa no final da Missa, antes da oração do Ângelus:
Queridos irmãos e
irmãs,
Eucaristia significa «ação de graças» e, no final desta Celebração que
encerra o Congresso Eucarístico e a minha visita a Budapeste, gostaria de dar
graças com todo o coração. Obrigado à grande família cristã húngara, que desejo
abraçar nos seus ritos, na sua história, nos irmãos e irmãs católicos e doutras
Confissões, todos a caminho rumo à plena unidade. A propósito, saúdo
cordialmente o Patriarca Bartolomeu, Irmão que nos honra com a sua presença.
Obrigado em particular aos meus amados Irmãos Bispos, aos sacerdotes, aos
consagrados e consagradas, e a todos vós, queridos fiéis! Um agradecimento
grande a quem tanto trabalhou para a realização do Congresso Eucarístico e
deste dia.
Ao mesmo tempo que renovo a minha gratidão às autoridades civis e
religiosas que me acolheram, gostaria de dizer köszönöm [obrigado]: obrigado a vós, povo da Hungria. O hino
do Congresso refere-se a vós nestes termos: «Durante mil anos, a cruz foi a
coluna da tua salvação; também agora o sinal de Cristo seja para ti a promessa
dum futuro melhor». Isto mesmo vos desejo: que a cruz seja a vossa ponte entre
o passado e o futuro. O sentimento religioso é a seiva vital desta nação, tão
afeiçoada às suas raízes. Mas a cruz plantada no solo, além de nos convidar a
que nos enraizemos bem, ergue e estende os seus braços a todos: exorta a manter
firmes as raízes, mas sem entrincheiramentos; a beber nas fontes, abrindo-nos
aos sedentos do nosso tempo. O meu desejo é que sejais assim: alicerçados e
abertos, enraizados e respeitadores. Isten
éltessen [felicidades]! A «Cruz da Missão» é o símbolo deste
Congresso: que vos leve a anunciar, com a vida, o Evangelho libertador da
ternura sem limites de Deus por cada um. Na atual carestia de amor, é o
alimento que o homem espera.
Hoje, não muito longe daqui, em Varsóvia, são beatificadas duas testemunhas
do Evangelho: o Cardeal Estefan Wyszyński e Elzbieta Czacka, fundadora das Irmãs
Franciscanas Servas da Cruz. Duas figuras que conheceram de perto a cruz: o
Primaz da Polônia, preso e segregado, manteve-se sempre um pastor corajoso
segundo o coração de Cristo, arauto da liberdade e da dignidade humana; a Irmã
Isabel, que perdeu a visão muito jovem, dedicou toda a sua vida a ajudar os
cegos. Que o exemplo dos novos Beatos nos estimule a transformar as trevas em
luz, com a força do amor.
Por fim, rezemos a oração do Ângelus neste dia em que veneramos
o Santíssimo Nome de Maria. Antigamente vós, húngaros, por respeito não
pronunciáveis o nome de Maria, invocando-a com o mesmo título honorífico usado
para a rainha. Que a «Bem-aventurada
Rainha, vossa antiga Padroeira», vos acompanhe e abençoe! A partir desta
grande cidade, a minha Bênção quer chegar a todos, especialmente às crianças e
aos jovens, aos idosos e aos enfermos, aos pobres e aos marginalizados.
Convosco e por vós, digo: Isten,
áldd meg a magyart [Deus abençoe os húngaros]!
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