Na última segunda-feira, 06 de setembro, o Cardeal Orani João Tempesta, Arcebispo do Rio de Janeiro, proferiu através de videoconferência uma das Catequeses do 52º Congresso Eucarístico Internacional, que acontece de 05 a 12 de setembro em Budapeste (Hungria).
Confira o texto completo da Catequese, divulgado por Dom Orani em sua página no Facebook:
Eucaristia: Fonte do amor em ações
Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro
RESUMO
A Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro vive a
experiência pastoral desafiadora de uma grande cidade brasileira, caracterizada
pela diversidade étnica, cultural, social, econômica e religiosa. Neste
contexto, Eucaristia, Sacramento da unidade na Igreja, é uma poderosa força de
unificação em nossa missão pastoral, que tem a responsabilidade de evangelizar
uma população de mais de seis milhões de habitantes. A partir da reunião do
nosso povo em torno da Mesa da Palavra e do Pão, realizamos atividades de
promoção humana e social, de forma a testemunhar em ações o amor de Deus por
nós, que se manifestou na encarnação do próprio Filho.
INTRODUÇÃO
À sede do coração humano corresponde o Verbo feito carne,
feito companhia. Esta presença tem um efeito totalizante: o ser humano inteiro
e todos os seres humanos. Uma vez integrados na comunhão com Aquele que traduz
e revela na integralidade o desejo misericordioso para o qual fomos criados,
percebemo-nos participantes da força transformadora de Deus no mundo.
A primeira parte da nossa palestra identifica a
correspondência entre o desejo do coração humano por Deus e o Desejo gratuito
de Deus pelo homem que, despojando-se da sua majestade, faz-se um de nós. Mais
do que isso, torna-se alimento que nos congrega e nos transforma em
participantes da sua ação no mundo.
A segunda parte mostra a necessidade de transformação que o
mundo tem e o consequente chamado de todos os batizados que, como consequência
deste pertencer a Cristo, são fermento na massa. A Arquidiocese de São
Sebastião do Rio de Janeiro vive esta experiência e manifesta, por isso, a
Misericórdia de Deus transbordada em ações pelos mais frágeis nas dramáticas
periferias humanas de um grande centro urbano.
A terceira parte identifica, como síntese perfeita do amor
Eucarístico em ações, Maria, a mãe da Igreja. Sua perfeita comunhão com Cristo
manifesta, na dramaticidade da vida cotidiana, a própria identificação com a
Misericórdia divina.
PARTE I - Eucaristia:
Correspondência ao desejo do coração humano
Minha alma tem sede de
vós, minha carne também vos deseja, como terra sedenta e sem água! (Sl 62,2)
Neste mundo secularizado em que vivemos, o grito do salmista
ecoa hoje com impressionante atualidade. São tantos aqueles que vivem em
situação de carência! Carências de ordem material, moral e espiritual
caracterizam a imensa pobreza com a qual nos deparamos e somos chamados a
enfrentar, atendendo ao chamado do Mestre que nos pede: “dai-lhes vós mesmos de
comer” (Mt 14,16). Mas, da mesma
forma que os Apóstolos, a nossa limitada capacidade é desproporcional para
suprir as inúmeras necessidades do povo: “só temos cinco pães e dois peixes” (cf. Mt 14,17). Entretanto, essa
incapacidade, longe de ser um desestímulo para a Igreja que caminha, é antes o
sinal da Misericórdia do Senhor, que realiza, através da nossa pobre
humanidade, o Encontro com o ser humano, faminto e sedento. De fato, “entre Ele
e nós, a desigualdade é infinita” (Catecismo da Igreja Católica, [CIC], 2007).
Mudança de época
A V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do
Caribe (CELAM), realizada na cidade de Aparecida, em 2007, ressaltou a mudança
de época na qual estamos inseridos e que é caracterizada pela perda da
concepção integral do ser humano e, consequentemente, da sua relação com Deus,
com o mundo e o próximo (cf. Documento de Aparecida [DAp] 44).
Parece ao homem de hoje, que aquela sede e fome que traz dentro de si pode ser
saciada pelo consumo. Pessoas e coisas são, por isso, consumidas como objetos
de um individualismo disseminado que, longe de saciar, aumenta ainda mais a
angústia, provocando no mundo uma desordem e um desequilíbrio (cf. Laudato Si’ [LS] 204).
Da mesma forma que a Samaritana, busca-se no consumo, uma
saciedade enganadora - “tiveste cinco maridos, e o que tens agora não é teu” (Jo 4, 18) - mas que no fundo não é
realmente capaz de satisfazer; a sede inerente ao ser humano permanece - “dá-me
dessa água, para que eu não tenha mais sede” (Jo 4, 15). De fato, o ser humano “permanece para si próprio um ser
incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o
amor” (Redemptor Hominis [RH] 10).
Entretanto, a sede manifestada pelo Senhor ao pedir à
Samaritana, “dá-me de beber!” (Jo
4,8), denota a Sua sede pelo coração humano. Será o mesmo desejo expresso do
alto da Cruz: “Tenho sede!” (Jo 19,
28). Assim o Senhor manifesta o seu protagonismo no relacionamento com o ser
humano. Do encontro desta Sede, expressão da Misericórdia do Seu Coração, com a
sede do coração humano, feito para Deus, brota uma transformação, emanada
daquela correspondência original, que transborda em testemunho: “Muitos
samaritanos daquela cidade acreditaram em Jesus por causa da palavra da mulher
que testemunhava” (Jo 4, 39). Assim,
não somos nós que nos justificamos “pelas nossas obras ou pelos nossos
esforços, mas pela graça do Senhor que toma a iniciativa” (Gaudete et Exsultate [GE] 52).
A redução do chamado
De certa forma, esta mentalidade mundana e funcionalista dos
tempos atuais acaba por penetrar também a expressão religiosa, onde se busca a
fé de maneira imediatista, num interesse, apenas, pela obtenção de resultados
pessoais.
Neste sentido, o Papa Francisco nos chama a atenção para a
tentação de certo tipo de pelagianismo que surge de forma insidiosa e que
“parece submeter a vida da graça a certas estruturas humanas” (cf. GE 58), como se Deus obedecesse ao
exercício de uma práxis humana.
Ele alerta também para o risco de uma fé subjetivista e
desencarnada, que busca “domesticar o Mistério” (cf. GE 40) num gnosticismo que “prefere um Deus sem Cristo, um
Cristo sem Igreja, uma Igreja sem povo” (cf.
GE 37), como se o conhecimento humano alcançado pudesse, sozinho, esgotar o
entendimento de Deus.
Tudo isso acaba por reduzir a vida da Igreja “numa peça de
museu ou numa propriedade de poucos” (cf.
GE 58), e que não é atraente porque não é capaz de satisfazer o desejo do
coração humano. Porém, “Jesus Cristo pode romper também os esquemas enfadonhos
em que pretendemos aprisioná-Lo, e surpreende-nos com a sua constante
criatividade divina!” (Evangelii Gaudium [EG] 11).
Chega até nós então, o eloquente chamado de atenção de Santo
Ambrósio: “E tu vens à igreja, não para dar qualquer coisa a quem é pobre, mas
para te aproveitares” (cf. Dies Domini 71). Assim, prevalece um empobrecimento
da vida de comunhão, onde a fé deixa de ser um relacionamento real com a pessoa
de Cristo, para ser encarado como mais um tipo de serviço a ser consumido e que
não toca a profundidade do coração, que permanece indiferente à vida da Graça.
De fato, “ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande
ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um
novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (Deus Caritas Est [DCE] 1).
No episódio dos dez leprosos, narrado no Evangelho de São
Lucas, encontramos um exemplo esclarecedor de como o encontro com o Senhor pode
ser reduzido a um mero interesse funcional. Ali, apenas um, dos dez que foram
curados, retornou para agradecer. Este samaritano, como mencionado no
Evangelho, percebe que, para além da cura, havia encontrado o significado da
própria vida, que se apresentava através daquele rosto humano, concreto, de
Jesus. Por isso retorna, estabelecendo um novo tipo de relacionamento com
aquela pessoa que transformara a sua vida. Já não era mais suficiente a cura,
ele precisava que a sua sede de significado fosse correspondida. “O mistério do
ser humano só se ilumina, de fato, à luz do mistério do Verbo Encarnado” (Gaudium et Spes [GS] 22). É neste sentido também, que São
João Maria Vianney exclamava referindo-se à Eucaristia: “A alma não se pode
alimentar senão de Deus. Só Deus pode bastar-lhe. Só Deus pode saciá-la. Fora
de Deus não há nada que possa saciar-lhe a fome”.
Os outros leprosos, já saciados nas suas necessidades
imediatas, permaneceram em seu caminho sem deixarem-se transformar por Aquele
que os havia encontrado (cf. Lc 17,11-19).
Jesus aqui também manifesta a Sua sede misericordiosa pelo coração humano: “Não
foram dez os curados? E os outros nove, onde estão?” (Lc 17,17). O Senhor nos faz perceber com isso o desejo do seu
Coração pela regeneração integral da Sua criatura. O Senhor deseja curar a
lepra da nossa mundanidade!
Cristo Redentor
A Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro tem a
felicidade de ostentar, num dos pontos mais altos da cidade, a imagem do Cristo
Redentor de braços abertos. Este sinal, já incorporado à paisagem carioca, é um
chamado de atenção para nós. Tanto para o chamado da nossa missão, quanto para
a tentação da nossa indiferença. De fato, quantas vezes caminhamos pela cidade
sem nos darmos conta deste abraço que nos alcança e que busca alcançar a todos
aqueles que mais precisam. É fácil demais deixarmo-nos levar pelo
indiferentismo, numa espécie de rotina diante da realidade. Parece que tudo
vira paisagem e o chamado do Senhor vai-se tornando distante, enquanto o
maravilhamento pela realidade vai-se esmaecendo. Mas o Senhor é fiel e não nos
abandona nas nossas próprias fragilidades. Pelo sopro do seu Espírito traz
sempre uma novidade que rompe as barreiras e traduz o Seu chamado num vigor
atualizado. Assim, “não tememos se a terra estremece e se os montes se abalam”
(cf. Sl 46). De fato, “somos mais que
vencedores, graças àquele que nos amou” (Rm
8,37).
Mas, da mesma forma que o povo de Israel alegrava-se pela
reconstrução de Jerusalém, nós também podemos dizer: “não vos aflijais: a
alegria do Senhor é a vossa fortaleza!” (Ne
8,10). É que o Senhor veio ao nosso encontro e restaurou a dignidade humana.
Como ensina São João Paulo II:
“A redenção do mundo é, na sua raiz mais profunda, a
plenitude da justiça num Coração humano: no Coração do Filho Primogênito, a fim
de que ela possa tornar-se justiça dos corações de muitos homens, os quais,
precisamente no Filho Primogênito, foram predestinados desde toda a eternidade
para se tornarem filhos de Deus e chamados para a graça, chamados para o amor”
(RH 9).
É precisamente este o povo novo chamado a colaborar na reconstrução
do mundo: o Corpo de Cristo - a Sua Igreja. A Igreja, portanto, “permanece na
esfera do mistério da Redenção, que se tornou precisamente o princípio
fundamental da sua vida e da sua missão” (RH 7).
Este é o dia que o
Senhor fez para nós (Sl 117)
Neste sentido, a Igreja não pode ignorar o mundo em que está
inserida, considerando “suas expectativas e seus desejos” (GS 4). Ao contrário,
ela é instrumento desta transformação. A Carta
a Diogneto narra, já nos primeiros séculos, esta sua característica
constitutiva.
Em poucas palavras, assim como a alma está no corpo, os
cristãos estão no mundo. A alma está espalhada por todas as partes do corpo, e
os cristãos estão em todas as cidades do mundo (Carta a Diogneto, 6,1-2).
Os cristãos não são diferentes de ninguém. Mantêm-se no
mundo, mas não pertencem ao mundo, e assim transformam o mundo (cf. Carta
a Diogneto, 5). O povo de Deus é o fermento na massa (cf. Lc 13,21). Iguais a todos, porém portadores de uma novidade
absoluta - o sentido concreto da existência.
Na verdade, a Igreja, sendo o Corpo de Cristo, mantém no
tempo e na história esta Boa Nova: o Verbo feito carne. De fato, Cristo “não se
apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, tornando-se semelhante ao ser
humano” (cf. Fl 2,6-7). Assim, quem o
encontrava, via um homem como os demais - “não é este o filho do carpinteiro?”
(Mt 13,55). Porém aos olhos da fé,
carregava o significado da própria vida - “meus olhos viram vossa salvação” (Lc 2,30).
Eu sou o pão da vida
(Jo 5,35)
O desejo de infinito do coração humano, portanto, descobre a
sua perfeita correspondência neste encontro com Jesus. A “sabedoria eterna - o
Logos - tornou-Se verdadeiramente alimento para nós. A Eucaristia arrasta-nos
no ato oblativo de Jesus. Não é só de modo estático que recebemos o Logos
encarnado, mas ficamos envolvidos na dinâmica da sua doação” (cf. DCE 13).
É expressiva a
alocução de São João Crisóstomo a este respeito: “Com efeito, o que é o pão? É o Corpo de Cristo. E em que se
transformam aqueles que o recebem? No Corpo de Cristo; não muitos corpos, mas
um só Corpo. De fato, tal como o pão é um só apesar de constituído por muitos
grãos, e estes, embora não se vejam, todavia estão no pão, de tal modo que a
sua diferença desapareceu devido à sua perfeita e recíproca fusão, assim também
nós estamos unidos reciprocamente entre nós e, todos juntos, com Cristo”.
A Misericórdia de Jesus nos encontra, portanto, hoje como há
dois mil anos, e nos convida concretamente a viver o mandamento da unidade do
amor a Deus e ao próximo:
A Igreja vive continuamente do sacrifício redentor, e tem
acesso a ele não só através de uma lembrança cheia de fé, mas também com um
contato atual, porque este sacrifício volta a estar presente, perpetuando-se,
sacramentalmente, em cada comunidade que o oferece pela mão do ministro
consagrado. Deste modo, a Eucaristia aplica aos homens de hoje a reconciliação
obtida de uma vez para sempre por Cristo para humanidade de todos os tempos (cf. Ecclesia de Eucharistia [EE] 12).
Atendendo à missão designada pelo Mestre, que a envia -
“Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio” (Jo 20,21) - a Igreja transforma-se, ela mesma, naquilo que anuncia.
Santo Agostinho já explicava que a Eucaristia “nos une ao Corpo do Salvador e
nos faz seus membros a fim de que nos transformemos naquilo que recebemos”.
Ela tem, por isso mesmo, a sagrada tarefa de ser pão para
todos aqueles que têm fome. A todos que pedem “Senhor, dá-nos sempre desse
pão!”, a Igreja se oferece.
Ao entregar à Igreja o seu sacrifício, Cristo quis também
assumir o sacrifício espiritual da Igreja, chamada por sua vez a oferecer-se a
si própria juntamente com o sacrifício de Cristo (cf. EE 13).
Vinde Senhor Jesus!
(cf. Ap 22,20)
A Eucaristia obriga a todos que dela participam à
transformação da vida: sua e do mundo todo (cf.
EE 20); antecipando, portanto, a “alegria plena prometida por Cristo; de certa
forma, é antecipação do Paraíso” (EE 18). Somos, por isso, portadores da esperança!
Bento XVI chama a atenção para este aspecto totalizante
referente à Eucaristia:
“Eu não posso ter Cristo só para mim; posso pertencer-Lhe
somente unido a todos aqueles que se tornaram ou tornarão Seus. A comunhão
tira-me para fora de mim mesmo projetando-me para Ele e, deste modo, também
para a união com todos os cristãos. Tornamo-nos «um só corpo», fundidos todos
numa única existência” (DCE 14).
Então, este “mistério da fé”, que se celebra todos os dias
até a consumação dos tempos, empenha a todos que dele participam num
frutificar-se em obras. Não seria concebível uma comunidade reunida
verdadeiramente em torno da Eucaristia, que não abraçasse toda a realidade no
ímpeto de transformá-la: “a fé sem as obras é morta” (Tg 2,26). De fato, São Paulo qualifica como sendo “indigna de uma
comunidade cristã a participação na Ceia do Senhor que se verifique num
contexto de discórdia e de indiferença pelos pobres” (EE 20).
Este ímpeto nos é manifestado pelo próprio Cristo no momento
do “lava-pés”. Significativamente, antes da primeira Celebração Eucarística,
Jesus reafirma o seu despojamento, comunicando aos Apóstolos (e
consequentemente a nós hoje) a indivisível conexão entre a comunhão sacramental
com Ele e a com aqueles que dela participam: “A Eucaristia, construindo a
Igreja, cria por isso mesmo, comunidade entre os homens” (EE 24). A esta
comunhão todos são chamados a participar, para que “toda língua confesse: ‘Jesus
Cristo é o Senhor’, para a glória de Deus Pai” (Fl 2,11).
Chega aos confins do
universo a sua voz (Sl 18,5)
Esse extraordinário encontro pessoal com o Senhor, que
responde aqui e agora às exigências profundas do coração humano, leva
necessariamente a anunciá-lo. Ao amor que nos alcança correspondemos com uma
vida transformada e que transborda em anúncio: “A primeira motivação para
evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, aquela experiência de sermos
salvos por Ele que nos impele a amá-Lo cada vez mais” (EG 264).
Percebemos, como os discípulos de Emaús, este ímpeto de
colocar-nos em movimento - “Naquela mesma hora, levantaram-se e voltaram para
Jerusalém” (Lc 24,33). Não é mais
possível permanecer centrado em si, mas é necessário ir em direção do outro e
compartilhar o acontecimento do encontro: “encontraram reunidos os onze e os
outros discípulos” (Lc 24, 33).
Assim é para nós hoje
o encontro com o Senhor na Eucaristia. Ela “sempre esteve no centro da vida da
Igreja. Por ela Cristo torna presente, no curso do tempo, o seu mistério de
morte e ressurreição” (Mane Nobiscum Domine [MN] 3) e manifesta-se como luz do mundo. De fato, “em
cada Missa, a Liturgia da Palavra de Deus precede a Liturgia Eucarística, na
unidade das duas “mesas” - a da Palavra e a do Pão” (MN 12).
Não é por acaso que o arder de seus corações tenha sido
provocado durante o encontro com Jesus ressuscitado ao explicar-lhes as
Escrituras - “Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo
caminho e nos explicava as Escrituras?” - e que seus olhos tenham-se aberto ao
“partir o pão” - “Depois que se sentou à mesa com eles, tomou o pão, pronunciou
a bênção, partiu-o e deu a eles. Neste momento, seus olhos se abriram, e eles o
reconheceram” (Lc 24,30-31).
Jesus escandaliza a
audiência quando afirma: quem “come a minha carne e bebe o meu sangue permanece
em mim, e eu nele” (Jo 6,56),
passando “da apresentação fundamental do seu mistério à ilustração da dimensão
eucarística propriamente dita” (MN 12). A este escândalo a resposta de Pedro
enfatiza a Palavra que dá significado à vida - “Senhor, a quem iremos? Tu tens
palavras de vida eterna” (Jo 6,68),
fazendo-se assim “porta-voz da fé dos outros Apóstolos e da Igreja de todos os
tempos” (MN 12).
A Palavra de Deus e a Liturgia Eucarística permanecem
intrinsecamente ligadas porque é “enorme a importância da Sagrada Escritura na
celebração da Liturgia” (Sacrosanctum Concilium 24) e, desta forma, estimulam o ímpeto pelo anúncio
que se traduz em obras.
São João Crisóstomo traduz de forma eloquente esta unidade: “Inclinemo-nos sempre diante de Deus sem o contradizermos,
embora o que Ele diz possa parecer contrário à nossa razão e à nossa
inteligência; sobre a nossa razão e a nossa inteligência, prevaleça a sua
palavra. Assim nos comportemos também diante do Mistério (Eucarístico), não
considerando só o que nos pode vir dos nossos sentidos, mas conservando-nos
fiéis às suas palavras. Uma palavra Sua não pode enganar.”
Assim, este dom que o Senhor nos participa, ao mesmo tempo
nos empenha na sua missão redentora: “A Igreja recebeu a Eucaristia de Cristo seu Senhor, não
como um dom, embora precioso, entre muitos outros, mas como o dom por
excelência, porque dom d’Ele mesmo, da sua Pessoa na humanidade sagrada, e
também da sua obra de salvação” (EE 11).
Nosso tempo,
entretanto, centrado no individualismo, ao mesmo tempo em que não é capaz de
satisfazer a busca de significado da pessoa humana, também se desdobra numa
incapacidade de construir a própria sociedade, como se manifestando uma
fraqueza, uma “anemia” social.
“Quando a vida interior fecha-se nos próprios interesses,
deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a
voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo
de fazer o bem” (EG 2).
PARTE II -
Eucaristia: a força transformadora
Que é o homem, para
dele assim vos lembrardes; o filho do homem, para o tratardes com tanto
carinho? (cf. Sl 8,5)
Participantes, portanto, da misteriosa graça de Deus
vemo-nos compelidos a exprimi-la nós também. Experimentando, ainda que de modo
imperfeito, a alegria trinitária, queremos compartilhá-la com o mundo todo.
O Papa Francisco, na Bula Misericordiae Vultus, lembra que a Igreja é testemunha da
Misericórdia, uma vez que, antecipadamente, já a experimenta:
“A Igreja é chamada, em primeiro lugar, a ser verdadeira
testemunha da misericórdia, professando-a e vivendo-a como o centro da
Revelação de Jesus Cristo. Do coração da Trindade, do íntimo mais profundo do
mistério de Deus, brota e flui incessantemente a grande torrente da
misericórdia”.
A Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro,
participando desta missão, tem uma fecunda vida em obras de caridade. A cidade,
tantas vezes indiferente ao próximo, nesta mudança de época em que vivemos,
pode sempre encontrar o olhar misericordioso do Senhor através de todos aqueles
que se desdobram em ser presença principalmente junto aos mais fragilizados.
Dos órfãos ele é pai,
e das viúvas protetor (Sl 67)
Participamos,
portanto, da missão do Filho e do Espírito Santo (cf. DAp 347), pela qual “os cegos vêm, os coxos andam e a Boa nova
é anunciada aos pobres” (cf. Mt 11,5).
O Povo de Deus, porque apaixonado pelo Mestre, busca
corresponder àquele Amor Misericordioso pelo qual foi chamado. Demonstramos
assim, ainda que de forma imperfeita, esta correspondência, no amor ao próximo.
De fato, “se alguém disser ‘amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é mentiroso,
pois quem não ama a seu irmão a quem vê, como pode amar a Deus a quem não vê” (1Jo 4,20).
Desta forma, o amor
ao próximo não pode ser reduzido a um mero sentimento. Este poderia ser
traduzido como “uma centelha inicial” (cf.
DCE 17), mas que, sem o empenho da vontade, viria logo a decair. Na
verdade, a partir da comunhão com o Senhor, o nosso querer e o nosso pensar vão
transformando-se cada vez mais naquele olhar que Jesus Cristo tem sobre todas
as coisas (cf. DCE 17-18).
O Reino de Deus está
próximo (Mc 1,15)
É preciso observar, portanto, o ser humano na sua
integralidade. Na verdade, o desenvolvimento humano, “se não é desenvolvimento
do homem todo e de todo homem, não é verdadeiro desenvolvimento” (Caritas in Veritate [CV] 18). É o
que afirma Bento XVI, referindo-se à “mensagem central” da Populorum Progressio de São Paulo VI.
Assim, “são sinais evidentes da presença de Deus a vivência
pessoal e comunitária das bem-aventuranças, a evangelização dos pobres, o
conhecimento e cumprimento da vontade do Pai, o martírio pela fé, o acesso de
todos aos bens da criação, o perdão mútuo, sincero e fraterno, aceitando e
respeitando a riqueza da pluralidade e a luta para não sucumbir à tentação e
não ser escravos do mal (DAp 383).
Por isso, são fundamentais para a vida dos cristãos, todos
os elementos que possam contribuir para o desenvolvimento humano, sejam eles familiares,
sociais, culturais, econômicos e políticos (cf.
CV 2).
A Igreja tem, portanto, o dever de anunciar e ajudar a
“libertação de milhões de seres humanos” e de “envidar esforços para que ela
chegue a ser total” (cf. Evangelii Nuntiandi [EN] 30).
É preciso observar,
porém, que esta libertação não pode ser reduzida apenas àquelas dimensões
anteriores mencionadas (econômicas, políticas, culturais e sociais). Também não
pode ser apenas a expressão de “uma estratégia qualquer, ou de uma práxis ou
ainda de uma eficácia de curto prazo” (cf.
EN 33). A libertação, antes de tudo, de forma a considerar a integralidade
humana, deve incluir a “sua abertura para o absoluto” (cf. EN 33).
Com efeito, sem considerar apaixonadamente o “anúncio de um
Deus que ama infinitamente cada ser humano, que manifestou plenamente este amor
em Cristo crucificado por nós e ressuscitado na nossa vida”, “cada estrutura
eclesial transformar-se-á em mais uma ONG”, esvaziando o propósito da missão
que nos foi delegada por Cristo (cf. Querida Amazônia 64). Deve-se, por isso, estar atento à realidade como ela se apresenta a
nós. É preciso que possamos realizar “obras de justiça e caridade nas quais se
torne fecunda esta Palavra. Não pôr em prática, não levar à realidade a Palavra
é construir sobre a areia, permanecer na pura ideia e degenerar em intimismos e
gnosticismos que não dão fruto, que esterilizam o seu dinamismo” (EG 233).
Uma só carne (Mt 19,6)
Dentre os diversos problemas do mundo moderno, é primordial
que se considere aqueles enfrentados pela família, uma vez que o “bem-estar da
pessoa e da sociedade humana e cristã está intimamente ligado com uma favorável
situação da comunidade conjugal e familiar” (GS 47). Com efeito, “a primeira e
originária expressão da dimensão social da pessoa é o casal e a família” (Christifideles Laici [CL] 40).
Assim, a pressão que “a dignidade desta instituição” (GS 47) vem sofrendo, tem
um impacto terrível para a sociedade.
A cultura individualista dificulta enormemente o
desenvolvimento da capacidade de ir ao encontro do outro. Em uma família isto
também, por vezes, vem a traduzir-se “numa incapacidade de se dar
generosamente” (cf. Amoris Laetitia [AL] 33). Esta
perspectiva dos “relacionamentos provisórios” acaba por disseminar um tipo de
vínculo familiar deixado na “precariedade volúvel dos desejos e das
circunstâncias” (cf. AL 34). Deste
modo débil de relacionar-se emerge a dificuldade de perceber a vida como dom,
chegando-se ao absurdo de banalizar a “infâmia do aborto e da eutanásia” (cf. GS 27).
Neste sentido, é primordial, como destacado pelo Papa
Francisco na Exortação Apostólica Amoris
Laetitia, que as ações pastorais reflitam um verdadeiro “esforço
evangelizador e catequético”, numa ligação efetiva com os, “problemas reais das
pessoas” e não apenas como uma “preocupação genérica pela família”. A realidade
obriga-nos, portanto, a uma “conversão missionária”: o encontro com o Senhor é
a “resposta às expectativas mais profundas da pessoa humana” (cf. AL 200-201).
A nossa Arquidiocese,
ao longo dos anos tem sido uma presença acolhedora para mães e crianças através
de inúmeras iniciativas e instituições. É gratificante ver como o Senhor faz
surgir cada vez novos meios de alcançar aqueles que são abandonados pela lógica
de um mundo individualista. A missão profética também se faz presente. Todo ano
a marcha pela vida leva uma multidão pela praia de Copacabana, anunciando que a
Misericórdia do Senhor abraça cada momento da vida.
E Deus viu tudo quanto
havia feito, e era muito bom (Gn 1,31)
A Igreja peregrina, na sua missão profética, não pode deixar
de denunciar tudo aquilo que degrada a dignidade humana. O Concílio Vaticano II
proclamou com total clareza o elenco de abominações que o ser humano é capaz de
conceber:
“São infames as seguintes coisas: tudo quanto se opõe à
vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e
suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as
mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as
próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as
condições de vida sub-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a
escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as
condições degradantes de trabalho; em que os operários são tratados como meros
instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas
coisas e outras semelhantes são infames; ao mesmo tempo em que corrompem a
civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que
padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador” (GS 27).
A vida humana tem um valor intrínseco que só pode ser
integralmente compreendida à luz do Verbo encarnado (cf. GS 22). A dignidade do “ser humano é sempre um valor em si e
por si”, e isto se comprova “de maneira radical” pelo próprio nascimento de
Cristo (cf. CL 37). Trata-se,
portanto, “de direitos naturais, universais e invioláveis: ninguém, nem o
indivíduo, nem o grupo, nem a autoridade, nem o Estado, pode modificar e muito
menos eliminar esses direitos que emanam do próprio Deus” (CL 38). Assim, o
“respeito pela pessoa humana ultrapassa a exigência de uma moral individual e
coloca-se como critério de base, quase como pilar fundamental, na estruturação
da própria sociedade, sendo a sociedade inteiramente finalizada para a pessoa”
(CL 39).
Eu vim para que tenham
vida, e a tenham em abundância (Jo 10,10)
Diante desta “cultura de morte” todos os batizados são
chamados a pôr-se em movimento, atendendo “com decisão de vontade, ânimo
generoso e disponibilidade de coração à voz de Cristo, que nesta hora os
convida com maior insistência, e ao impulso do Espírito Santo” (CL 2). Em
particular, estão naturalmente envolvidos em uma ação mais direta “os pais, os
educadores, os agentes da saúde e todos os que detêm o poder econômico e
político” (CL 38).
De forma concreta, a V Conferência do Episcopado Latino
Americano e do Caribe (CELAM), reunida em Aparecida, propôs algumas ações,
resumidas a seguir (cf. DAp 469):
- Promover cursos sobre família e questões éticas para os
Bispos e para os agentes de pastorais;
- Incentivar estudos universitários de moral familiar,
questões éticas e de bioética a presbíteros, diáconos, religiosos e leigos;
- Promover fóruns, painéis, seminários e congressos sobre a
vida desde a concepção até sua morte natural;
- Envolver as universidades católicas na organização de
programas de bioética e na tomada pública de posição;
- Criar nas Conferências Episcopais um comitê de ética e
bioética;
- Oferecer formação em paternidade responsável e sobre o uso
dos métodos naturais;
- Apoiar e acompanhar pastoralmente e com misericórdia tanto
as mulheres que decidiram não abortar quanto aquelas que abortaram, sabendo que
o aborto faz duas vítimas: a criança e a mãe;
- Promover a formação e ação de leigos na defesa da vida
estimulando-os a participarem de organismos nacionais e internacionais.
- Assegurar que a objeção de consciência seja incorporada às
legislações e respeitada pelas administrações públicas
Por tudo dai graças
(1Ts 5,18)
É necessário, portanto, que haja uma mudança cultural na
qual o ser humano, a partir de seu interior, transforme a sociedade. Esta
transformação é a própria finalidade da evangelização (cf. EN 18). A Igreja, por isso, fundada n’Aquele que tudo regenera,
“procura converter ao mesmo tempo a consciência pessoal e coletiva dos homens,
a atividade em que eles se aplicam, e a vida e o meio concreto que lhes são
próprios” (EN 18).
Reconhecer em todas as coisas - quer comais, quer bebais (cf. 1Cor 10,31) - a mão misericordiosa
do Senhor é a cultura nova que, ao mesmo tempo que alimentada pela força do
Espírito, exprime sua mudança na sociedade. Assim foi com a primeira comunidade
dos cristãos: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma” (At 4,32). A mudança entre eles chegou a
tal ponto que “tudo entre eles era posto em comum” (At 4,32).
Na nossa época vivemos certo cinismo compartilhado, um
indiferentismo diante do significado da vida que afeta também os batizados (cf. CV 78); muito pelo fato dos cristãos
vivem viverem hoje “lado a lado com os não-crentes e de receberem
constantemente o contrachoque da incredulidade. Além disso, os não praticantes
contemporâneos, mais do que os de outras épocas, procuram explicar e justificar
a própria posição em nome de uma religião interior, da autonomia ou da autenticidade
pessoal” (EN 56).
Mas, da mesma forma que os primeiros cristãos, também hoje
somos alcançados pela ação restauradora de Cristo. É preciso pedir ao Senhor a
Graça de reconhecê-lo! É através do testemunho de corações verdadeiramente
convertidos que é possível reencontrar a alegria da fé:
“Um anúncio renovado proporciona aos crentes, mesmo tíbios
ou não praticantes, uma nova alegria na fé e uma fecundidade evangelizadora. Na
realidade, o seu centro e a sua essência são sempre o mesmo: o Deus que
manifestou o seu amor imenso em Cristo morto e ressuscitado” (EG 11).
Importante é considerar, no entanto, que este é um processo,
a ser desenvolvido ao longo do tempo, como é característico do homo viator. Esta percepção do horizonte humano, “permite
trabalhar a longo prazo, sem a obsessão pelos resultados imediatos. Ajuda a
suportar, com paciência, situações difíceis e hostis ou as mudanças de planos
que o dinamismo da realidade impõe” (EG 222).
A celebração da
Eucaristia nas “periferias existenciais” é uma experiência que faz a nossa
Arquidiocese crescer. Além das ações de acolhimento, mas antes, na sua raiz,
inúmeras celebrações são realizadas naqueles lugares considerados inóspitos.
Assim foram as Celebrações Eucarísticas junto aos dependentes de drogas, na “Cracolândia”,
junto aos centros de detenção, incluindo aquele destinado aos menores
infratores. Além destes momentos, muitos outros sustentam e impulsionam todas
as ações realizadas. Merece destaque a Trezena de São Sebastião, na qual a
imagem do Padroeiro da cidade, peregrinando por toda a Arquidiocese, acompanha
as celebrações Eucarísticas nos mais diversos pontos, buscando alcançar
sobretudo aqueles mais necessitados. As peregrinações culminam na grande
procissão pelas ruas da cidade.
Recebei, pois, a instrução
(cf. Sb 6,25)
Sem uma educação integral, que empenhe a liberdade humana,
não será possível estabelecer a cultura do encontro. É preciso que as novas
gerações tenham acesso a uma educação que favoreçam não só o desempenho da
função profissional, mas também o desenvolvimento das próprias capacidades,
incluindo aquelas que permitam à pessoa abrir-se e “tornar-se consciente da
própria dignidade e responder à sua vocação, empenhando-se no serviço de Deus e
dos outros homens” (GS 31).
A família é o elemento fundamental na educação. Importante,
portanto, é lembrar que são os “esposos, primeiros responsáveis pela procriação
e educação dos seus filhos” (CIC 2372) e que, para tanto, eles devem ter “o
direito de escolher para eles uma escola que corresponda às suas próprias
convicções. É um direito fundamental. Tanto quanto possível, os pais têm o
dever de escolher as escolas que melhor os apoiem na sua tarefa de educadores
cristãos” (CIC 2229).
Ocorre que muitas vezes o Estado ultrapassa as fronteiras da
sua competência e traz para si a prerrogativa educadora dos pais. Além disso,
sob a égide do Estado “laico” por vezes escondem-se ideologias que são simples
expressões de ateísmo ou de fundamentalismos, impedindo “o encontro entre as
pessoas e a sua colaboração para o progresso da humanidade” (cf. CV 56). Muitas vezes estas formas de
ateísmo afirmam que se opõem à religião porque, segundo elas, “na medida em
que, dando ao homem a esperança duma enganosa vida futura, o afasta da
construção da cidade terrena. Por isso, os que professam esta doutrina, quando
alcançam o poder, atacam violentamente a religião, difundindo o ateísmo também
por aqueles meios de pressão de que dispõe o poder público, sobretudo na
educação da juventude” (GS 20).
Outro aspecto ainda a observar-se é que “se se quer
conseguir mudanças profundas, é preciso ter presente que os modelos de
pensamento influem realmente nos comportamentos. A educação será ineficaz e os
seus esforços estéreis, se não se preocupar também por difundir um novo modelo relativo
ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza. Caso contrário,
continuará a perdurar o modelo consumista, transmitido pelos meios de
comunicação social e através dos mecanismos eficazes do mercado” (LS 215).
De qualquer forma, “o processo de secularização tende a
reduzir a fé e a Igreja ao âmbito privado e íntimo. Além disso, com a negação
de toda a transcendência, produziu-se uma crescente deformação ética, um
enfraquecimento do sentido do pecado pessoal e social e um aumento progressivo
do relativismo; e tudo isso provoca uma desorientação generalizada,
especialmente na fase tão vulnerável às mudanças da adolescência e juventude”
(EG 64).
Por isso é fundamental que os pais tenham condições de
educar seus filhos para a liberdade. Onde, de uma forma crítica, as novas
gerações sejam provocadas a optar pelo bem dentro de um reto juízo.
“É inevitável que cada filho nos surpreenda com os projetos
que brotam desta liberdade, que rompa os nossos esquemas; e é bom que isto
aconteça. A educação envolve a tarefa de promover liberdades responsáveis, que,
nas encruzilhadas, saibam optar com sensatez e inteligência; pessoas que
compreendam sem reservas que a sua vida e a vida da sua comunidade estão em
suas mãos e que esta liberdade é um dom imenso” (AL 262).
O Estado, então, aparece como elemento garantidor das
liberdades, distribuindo a ajuda pública de forma que os pais, de qualquer
condição social, possam escolher a formação que for mais adequada a seus filhos
(cf. DAp 340).
“Portanto, a nenhum setor educacional, nem sequer ao próprio
Estado, se pode outorgar a faculdade de se reservar o privilégio e a
exclusividade da educação dos mais pobres, sem com isso infringir importantes
direitos” (DAp 340).
Neste sentido, a Arquidiocese, através do seu Vicariato para
a Educação, orienta a todos os pais e responsáveis que peçam o ensino religioso
confessional.
Meu Pai trabalha
sempre, e eu também trabalho (Jo 5,17)
O ser humano, então, educado em uma cultura de comunhão no
Senhor, pode desempenhar o seu papel no mundo, desenvolvendo-se e contribuindo
com a obra de Deus (cf. GS 34).
Ocorre que no mundo, marcado pelo pecado, a atividade humana decai para um
individualismo, onde “os homens e os grupos consideram apenas o que é seu,
esquecendo o dos outros” (GS 37). Assim a sociedade que se constrói acaba
marcada pelas injustiças e pelos conflitos. De fato, “se o Senhor não edificar
a casa, em vão labutam os seus construtores” (cf. Sl 127,1). O joio e o trigo convivem (cf. Mt 13,24-30) tornando premente a ação missionária
transformadora do ser humano e, consequentemente, da sociedade. Somos aqui -
todos os batizados - convocados a ser trabalhadores da vinha: “Não há lugar
para o ócio, uma vez que é tanto o trabalho que a todos espera na vinha do
Senhor” (CL 3). Somos, portanto, convidados a participar da obra criadora do
Pai e também da missão restauradora do Filho.
De fato, “a criação encontra a sua maior elevação na
Eucaristia. A graça, que tende a manifestar-se de modo sensível, atinge uma
expressão maravilhosa quando o próprio Deus, feito homem, chega ao ponto de
fazer-Se comer pela sua criatura. No apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor
quer chegar ao nosso íntimo através dum pedaço de matéria. Não o faz de cima,
mas de dentro, para podermos encontrá-Lo a Ele no nosso próprio mundo. Na
Eucaristia, já está realizada a plenitude, sendo o centro vital do universo,
centro transbordante de amor e de vida sem fim. Unido ao Filho encarnado,
presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus” (LS 236).
O pobre, o de espírito
abatido, o que treme diante de minha palavra (cf. Is 66,3)
Fiéis à missão que o Senhor nos chama, também temos os
nossos olhos voltados àqueles que padecem nesse mundo entre “espinhos e cardos”
(cf. Gn 3,18). “O desemprego, a
injusta remuneração pelo trabalho e o viver sem querer trabalhar são contrários
ao desígnio de Deus” (DAp 121).
A falta de emprego afeta a serenidade das famílias (cf. AL 25) e está diretamente ligado à
pobreza (cf. CV 63). A Igreja, por
isso, volta-se a todos “os abandonados e marginalizados pela nossa sociedade de
consumo: doentes, deficientes físicos, pobres, famintos, emigrados, refugiados,
prisioneiros, desempregados, crianças abandonadas, pessoas sozinhas e idosas”.
Também para as “vítimas da guerra e de toda a espécie de violência da nossa
sociedade permissiva” (cf. CL 53) e
conclama a todos os seus fiéis a que se esforcem “em favor de uma mais rápida
superação das numerosas injustiças que provêm de deficientes organizações do
trabalho, transformando o lugar de trabalho numa comunidade de pessoas
respeitadas na sua subjetividade e no seu direito à participação, desenvolvendo
novas formas de solidariedade entre aqueles que tomam parte no trabalho comum,
fomentando novos tipos de empresas e revendo os sistemas de comércio, de
finanças e de intercâmbios tecnológicos” (CL 43).
Merece destaque também o flagelo das drogas, tão comum nos
nossos centros urbanos. Trata-se de um problema que “não reconhece fronteiras,
nem geográficas, nem humanas. Ataca igualmente a países ricos e pobres, a
crianças, jovens, adultos e idosos, a homens e mulheres” (DAp 422). Neste
sentido, a Igreja propõe-se a tarefas ligadas à prevenção, acompanhamento e
apoio:
“Na prevenção, insiste na educação nos valores que devem
conduzir as novas gerações, especialmente o valor da vida e do amor, a própria
responsabilidade e a dignidade humana dos filhos de Deus. No acompanhamento, a
Igreja está ao lado do dependente para ajudá-lo a recuperar sua dignidade e
vencer essa enfermidade. No apoio à erradicação da droga, não deixa de
denunciar a criminalidade sem nome dos narcotraficantes que comercializam com
tantas vidas humanas, tendo como objetivo o lucro e a força em suas mais baixas
expressões” (DAp 422)
Além disso, as diferenças econômicas e o desperdício agravam
o problema da fome e da miséria. Populações “das periferias urbanas e das zonas
rurais - sem-terra, sem-teto, sem pão, sem saúde - lesadas em seus direitos” (cf. EG 191), chamam a atenção ao nosso
olhar cristão e não nos permitem acomodações: “há um sinal que nunca deve
faltar: a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e lança
fora” (EG 195). Entretanto, este “compromisso não consiste exclusivamente em
ações ou em programas de promoção e assistência; aquilo que o Espírito põe em movimento
não é um excesso de ativismo, mas primariamente uma atenção prestada ao outro”
(EG 199). É preciso, portanto, um coração transformado, que saia na direção
daqueles que mais necessitam.
“O sentido unitário e completo da vida humana proposto pelo Evangelho
é o melhor remédio para os males urbanos, embora devamos reparar que um
programa e um estilo uniformes e rígidos de evangelização não são adequados
para esta realidade. Mas viver a fundo a realidade humana e inserir-se no
coração dos desafios como fermento de testemunho, em qualquer cultura, em
qualquer cidade, melhora o cristão e fecunda a cidade” (EG 75).
Seja o vosso “sim”,
sim e o vosso “não”, não (Mt 5,37)
Ao transformar a sociedade em que vive, o cristão - fermento
na massa - empenha-se em todas as suas esferas. O leigo não pode ter duas vidas
paralelas:
“Por um lado, a vida chamada ‘espiritual’, com os seus
valores e exigências; e, por outro, a chamada vida ‘secular’, ou seja, a vida
da família, do trabalho, das relações sociais, do empenho político e da
cultura. A vide, incorporada na videira que é Cristo, dá os seus frutos em
todos os ramos da atividade e da existência. Pois, os vários campos da vida
laical entram todos no desígnio de Deus, que os quer como o ‘lugar histórico’,
em que se revela e se realiza a caridade de Jesus Cristo para glória do Pai e
ao serviço dos irmãos. Toda a atividade, toda a situação, todo o empenho
concreto - como, por exemplo, a competência e a solidariedade no trabalho, o
amor e a dedicação na família e na educação dos filhos, o serviço social e
político, a proposta da verdade na esfera da cultura - são ocasiões
providenciais de um contínuo exercício da fé, da esperança e da caridade” (CL 59).
É verdade que a “Igreja que, em razão da sua missão e
competência, de modo algum se confunde com a sociedade nem está ligada a
qualquer sistema político determinado, é ao mesmo tempo o sinal e salvaguarda
da transcendência da pessoa humana”. Por sua vez os, “fiéis leigos não podem
ficar indiferentes, estranhos e indolentes” (cf. CL 42). Contra esta tentação do imobilismo social o cristão
leigo deve lembrar “do direito e simultaneamente do dever que têm de fazer uso
do seu voto livre em vista da promoção do bem comum. A Igreja louva e aprecia o
trabalho de quantos se dedicam ao bem da nação e tomam sobre si o peso de tal
cargo, em serviço dos homens” (GS 75). De fato, a “opção preferencial pelos
pobres exige que prestemos especial atenção aos profissionais católicos que são
responsáveis pelas finanças das nações, aos que fomentam o emprego, aos
políticos que devem criar as condições para o desenvolvimento econômico dos
países, a fim de lhes dar orientações éticas coerentes com sua fé” (DAp 395).
PARTE III - Maria:
síntese da vida de Eucaristia
Fazei tudo o que Ele
vos disser! (Jo 2,5)
Maria Santíssima é a perfeita síntese da ligação entre a
Eucaristia e as ações amorosas decorrentes desta comunhão. Ela que,
perfeitamente ligada à vontade do Pai, adere a esta vontade sem nada interpor.
Maria sempre virgem! Nela a obediência é perfeita, sem
obstáculos.
Cheia de Graça! O Mistério, o Significado Último da vida,
nela adquire vida. Sua vida, marcada pelo Verbo feito carne, se desdobra então,
num sair de si em direção à vontade de um “Outro”.
Maria da Anunciação! Todas as gerações a chamam de bendita.
Por sua presença portadora de outra Presença faz o menino pular no ventre de
Isabel. Paradigma da nossa presença no mundo. Nós que carregamos um tesouro em
vasos de argila.
Maria de Belém! Ela que se maravilha junto com os pastores e
com os reis magos o Significado feito homem.
Maria oferente! Descobre que a Oferta de Deus é anterior;
que traz a “espada” ao mesmo tempo em que nos deixa “ir em paz”.
Maria do exílio! Foragida, mas nunca desamparada. Sempre
confiando na providência e sempre guardando todas estas coisas no seu coração.
Maria do sofrimento! Mulher experimentada em dores; “corredentora”
nossa. Junto à Cruz assume a nossa filiação.
Maria exultante! Percebe a alegria da ressurreição como só
ela poderia perceber.
Mãe da Igreja! O Espírito Santo - tão próximo a si - agora se
manifesta ao mundo inteiro!
“Fazei o que Ele vos disser”! Maria, nossa mãe, resume toda
a ação neste chamado! Atenta às necessidades presentes, intercede junto ao
Filho (cf. Jo 2,2). A nós, servos
inúteis (cf. Lc 17,10), cabe fazermos
tudo o que Ele disser. Ainda assim, mesmo atentos à Sua Palavra, como é difícil
fazermos “tudo”!
Maria é o modelo das ações de misericórdia. Ela é a
portadora da Eucaristia por excelência. A ela recorremos para que o Senhor transforme
os nossos corações, pela carne e sangue de seu Filho e, portanto, possamos
transformar a realidade conforme os desígnios do Senhor que ultrapassam toda a
medida humana.
SIGLAS
AL - Amoris Laetitia
CIC - Catecismo da
Igreja Católica
CL - Christifideles
Laici
CV - Caritas in
Veritate
DAp - Documento de
Aparecida
DCE - Deus Caritas Est
EE - Ecclesia de
Eucharistia
EG - Evangelii Gaudium
EM - Evangelii Nuntiandi
GE - Gaudete et
Exsultate
GS - Gaudium et Spes
LS - Laudato Si’
MN - Mane Nobiscum
Domine
RH - Redemptor Hominis
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