Viagem Apostólica do Papa Francisco à Eslováquia
Divina Liturgia Bizantina de São João Crisóstomo presidida pelo Santo Padre
Praça Mestská športová hala (Prešov)
Terça-feira, 14 de setembro de 2021
«Nós - declara São Paulo - pregamos
Cristo crucificado (...), poder e sabedoria de Deus». Entretanto o Apóstolo não
esconde que a cruz, aos olhos da sabedoria humana, aparece diversa: é
«escândalo», «loucura» (1Cor 1,23-24). A cruz era instrumento de
morte, e contudo dela veio a vida; era algo que ninguém queria contemplar, e
todavia revelou-nos a beleza do amor de Deus. Por isso, o santo povo de Deus a
venera; e a Liturgia celebra-a na festa de hoje. O Evangelho de São João
toma-nos pela mão e ajuda-nos a entrar neste mistério. Na realidade, o
evangelista encontrava-se lá junto da cruz. Contempla Jesus, já morto, suspenso
no madeiro, e escreve: «Aquele que viu estas coisas é que dá testemunho delas»
(Jo 19,35). São João vê e dá testemunho.
Em primeiro lugar, temos o ver.
Mas, junto da cruz, que viu João? Certamente aquilo que viram os outros: Jesus,
inocente e bom, morre brutalmente entre dois malfeitores. Uma de tantas
injustiças, um dos inúmeros sacrifícios cruentos que não mudam a história, mais
uma prova de que o curso das vicissitudes no mundo não muda: os bons são
eliminados, enquanto os malvados vencem e prosperam. Aos olhos do mundo, a cruz
é um fracasso. E também nós corremos o risco de nos deter neste primeiro olhar
superficial, de não aceitar a lógica da cruz; não aceitar que Deus nos salve,
deixando que se desencadeie sobre Ele o mal do mundo. Não aceitar senão em
palavras o Deus frágil e crucificado, para depois sonhar com um deus forte e
triunfante. É uma grande tentação. Quantas vezes aspiramos a um cristianismo de
vencedores, a um cristianismo triunfalista, que tenha relevância e importância,
receba glória e honra. Mas um cristianismo sem cruz é mundano, e torna-se
estéril.
Ao contrário, São João viu na cruz
a obra de Deus. Reconheceu em Cristo crucificado a glória de Deus. Viu que Ele,
apesar das aparências, não é um perdedor, mas é Deus que voluntariamente Se
oferece por cada homem. Por que motivo o fez? Teria podido poupar a sua vida,
teria podido manter-se à distância da nossa história mais miserável e crua. Em
vez disso, quis entrar dentro dela, mergulhar nela. Para isso escolheu o
caminho mais difícil: a cruz. Para que não houvesse na terra ninguém tão
desesperado que não conseguisse encontrá-Lo, até mesmo na angústia, na
escuridão, no abandono, no escândalo da sua miséria e dos próprios erros. Até
mesmo onde se pensa que Deus não pode estar, Ele chegou. Para salvar quem está
desesperado, quis experimentar o desespero, para assumir o nosso desconforto
mais amargo, clamou na cruz: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» (Mt 27,46; Sl 21,2).
Um grito que salva. Salva, porque Deus assumiu até mesmo o nosso abandono. E
agora, com Ele, não mais estamos sozinhos, jamais.
Como podemos aprender a ver a glória na
cruz? Alguns santos ensinaram que a cruz é como um livro que, para conhecê-lo,
é preciso abri-lo e ler. Não basta comprar um livro, dar-lhe uma vista de olhos
e expô-lo em casa. O mesmo vale para a cruz: está pintada ou esculpida em cada
canto das nossas igrejas. Incontáveis são os crucifixos: ao pescoço, em casa,
no carro, no bolso. Mas isso de nada nos aproveita, se não nos detivermos a
olhar o Crucificado e não Lhe abrirmos o coração, se não nos deixarmos
impressionar pelas suas chagas abertas por nós, se o coração não se comover e
chorarmos diante de Deus ferido de amor por nós. Se não fizermos assim, a cruz
permanece um livro não lido, cujo título e autor são bem conhecidos, mas que
não influencia a vida. Não reduzamos a cruz a um objeto de devoção, e menos
ainda a um símbolo político, a um sinal de relevância religiosa e social.
Da contemplação do Crucifixo, provém o
segundo passo: dar testemunho. Se mergulharmos o olhar em Jesus, o
seu rosto começa a refletir-se no nosso: os seus traços tornam-se os nossos, o
amor de Cristo conquista-nos e transforma-nos. Penso nos mártires que deram
testemunho do amor de Cristo nesta nação em tempos muito difíceis, quando tudo
aconselhava a ficar calado, pôr-se a seguro, não professar a fé. Mas não podiam,
não podiam deixar de testemunhar. Quantas pessoas generosas sofreram e morreram
aqui, na Eslováquia, por causa do nome de Jesus! Um testemunho prestado por
amor Àquele que tinham contemplado longamente, até ao ponto de se assemelharem
a Ele, inclusive na morte.
Mas penso também nos nossos tempos, em
que não faltam ocasiões para dar testemunho. Graças a Deus, aqui não há quem
persiga os cristãos como em tantas outras partes do mundo. Mas o testemunho
pode ser contaminado pelo mundanismo e a mediocridade; ao passo que a cruz
exige um testemunho claro. Pois a cruz não quer ser uma bandeira elevada ao
alto, mas a fonte pura duma maneira nova de viver. Qual? A do Evangelho, a das
Bem-aventuranças. A testemunha que tem a cruz no coração, e não apenas ao pescoço,
não vê ninguém como inimigo, mas vê a todos como irmãos e irmãs por quem Jesus
deu a vida. A testemunha da cruz não recorda as injustiças do passado nem se
lamenta do presente. A testemunha da cruz não usa as vias do engano e do poder
mundano: não quer impor-se a si mesmo e os seus, mas dar a sua vida pelos
outros. Não busca o próprio proveito, e logo se mostra piedoso: seria uma
religião da duplicidade, não o testemunho do Deus crucificado. A testemunha da
cruz segue uma única estratégia que é a do Mestre: o amor humilde. Não espera
triunfos aqui na terra, porque sabe que o amor de Cristo é fecundo na vida
quotidiana, fazendo novas todas as coisas a partir de dentro, como uma semente
caída na terra, que morre e dá fruto.
Queridos irmãos e irmãs, vós vistes
testemunhas. Conservai grata memória das pessoas que vos amamentaram e fizeram
crescer na fé: pessoas humildes, simples, que deram a vida amando até ao fim.
São os nossos heróis, os heróis da vida quotidiana; e são as suas vidas que
mudam a história. As testemunhas geram outras testemunhas, porque são dadoras
de vida. É assim que a fé se espalha: com a sabedoria da cruz e não com o poder
do mundo; com o testemunho e não com as estruturas. E hoje, a partir do
silêncio vibrante da cruz, o Senhor pergunta a todos nós, pergunta também a ti,
a cada um de vós e a mim: «Queres ser minha testemunha?»
Com João, no Calvário, estava a Santa
Mãe de Deus. Ninguém como Ela viu o livro da cruz aberto e o testemunhou como
amor humilde. Por sua intercessão, peçamos a graça de converter o olhar do
coração ao Crucificado. Então a nossa fé poderá florescer em plenitude, então
amadurecerão os frutos do nosso testemunho.
Fonte: Santa Sé.
Nenhum comentário:
Postar um comentário