De 05 a 09 setembro de 2021 se celebra em Budapeste
(Hungria) o 52º Congresso Eucarístico Internacional. Inicialmente programado para 2020, foi adiado devido à pandemia
de Covid-19.
Nos últimos dias, após traçar um breve histórico dos Congressos, começamos a apresentar o texto-base, divulgado pelo Pontifício Comitê para os Congressos Eucarísticos
Internacionais, com reflexões teológicas e pastorais a partir do tema: “‘Todas
as minhas fontes estão em ti’ (Sl
86/87,7): A Eucaristia: fonte da vida e da missão cristã”.
Após o capítulo 2, com os fundamentos bíblicos do tema, e o capítulo 3, sobre a Eucaristia do Novo Testamento ao Concílio de Trento, prosseguimos a reflexão com o capítulo 4: “A Eucaristia no
Concílio Vaticano II”.
Papa Paulo VI celebra a Eucaristia |
A Eucaristia no Concílio Vaticano II
O primeiro impulso inovador, após os decretos do Concílio de
Trento, que guiaram a reflexão teológica e a catequese nos séculos seguintes,
veio do Movimento Litúrgico. Partindo de exigências pastorais, o movimento
contribuiu, entre muitas outras coisas, para redescobrir a Eucaristia como
presença da ação salvífica da Páscoa de Cristo e para a valorização do
princípio da “participação ativa”. Assim, juntamente com a ação dos Movimentos
Bíblico e Patrístico, ele preparou o terreno favorável - no contexto do
regresso às fontes e à Tradição sancionado pelo Vaticano II - para uma nova
síntese da doutrina eucarística. Mesmo sem produzir um texto particular sobre a
Eucaristia, o Concílio Vaticano II (1962-1965) tratou o tema em muitos documentos, muito
além da Constituição sobre a Liturgia (Sacrosanctum Concilium).
1. A Eucaristia é
fonte e cume da vida cristã
Para o Concílio Vaticano II a celebração da Eucaristia é “fonte
e ápice de toda a vida cristã” [1], “raiz e centro” da comunidade cristã [2], “fonte
da vida da Igreja” [3], “fonte e ápice de toda a evangelização” [4], “centro e ápice
de toda a vida da comunidade cristã” [5], da qual “a Igreja continuamente vive
e cresce” [6].
A afirmação de que a Eucaristia é “fonte e ápice da vida e
da missão da Igreja” radicou-se profundamente na nossa linguagem, tornando-se
um lugar comum da teologia. A sua origem encontra-se na Lumen Gentium, onde, falando do “sacerdócio comum” de todos os
fiéis, se diz: “Os fiéis... pela participação no sacrifício eucarístico de
Cristo, fonte e ápice de toda a vida cristã, oferecem a Deus a vítima divina e
se oferecem a si mesmos juntamente com ela” [7].
A Eucaristia não é só o ato de todo o povo sacerdotal dos batizados,
mas é também a “forma”, isto é, o modelo, o seio da Igreja. Poderíamos dizer de
outro modo, que “na santíssima Eucaristia está contido todo o tesouro
espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, nossa Páscoa e Pão vivo, que
com a sua carne, vivificada e vivificante pela força do Espírito Santo, dá a
vida aos homens” [8].
O Concílio apresenta depois a Eucaristia em relação não só
com o sacrifício da cruz, mas também com a totalidade do Mistério Pascal: “O
nosso Salvador instituiu na última Ceia, na noite em que foi entregue, o
sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue, para perpetuar o
sacrifício da Cruz ao longo dos séculos até que Ele venha, e para confiar à
Igreja, sua Esposa amada, o memorial da sua Morte e Ressurreição: sacramento de
piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que se
recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é dado o penhor da glória futura”
[9].
Por isso, a Eucaristia não é só uma oração ou um canto, mas
a celebração de uma Páscoa, uma ação ordenada não só a produzir ou a causar a
presença real, mas a recuperar a riqueza de todo o Mistério Pascal.
Outra novidade conciliar é a correlação entre a mesa da
Palavra e a mesa da Eucaristia. A Liturgia da Palavra, oportunamente
relacionada com a progressão do Ano Litúrgico, é parte integrante da
celebração. Cristo, na verdade, “está presente na sua Palavra, pois é Ele quem
fala quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura” [10]. Na estrutura binária da Celebração
Eucarística, a Liturgia da Palavra proclama a história da salvação realizada por
Deus, enquanto a Liturgia Eucarística celebra e torna presente esta história no
seu momento culminante: a Morte e a Ressurreição de Jesus Cristo, a sua Páscoa
gloriosa. A primeira parte da Missa proclama e torna presente a salvação; a
segunda parte realiza-a em plenitude através da participação sacramental no
Corpo e Sangue de Cristo. A Palavra cria na assembleia aquela atitude de fé que
dá pleno sentido à celebração do sinal sacramental.
Esta realidade única é obra do Espírito Santo que suscitou a
Palavra e santificou o pão e o vinho para convertê-los no Corpo e Sangue de
Cristo. “Como da assídua frequência do mistério eucarístico vai crescendo a
vida da Igreja, assim também é lícito esperar um novo impulso de vida
espiritual se crescer a veneração pela Palavra de Deus, que ‘permanece para
sempre’” [11].
2. A Eucaristia faz a
Igreja
No Concílio, a Eucaristia atinge a sua plena dimensão
eclesial segundo a expressão do jesuíta francês Henri de Lubac (1896-1991), “a
Eucaristia faz a Igreja”, que ratifica a recuperação do modelo eucarístico
desenvolvido pelos Padres da Igreja. A Celebração Eucarística é um
acontecimento dinâmico no qual a Igreja recebe os dons do pão e do vinho
transformados para se transformar, por sua vez, no Corpo de Cristo. A
assembleia cristã é convidada a receber o Corpo eucarístico de Cristo para se
tornar o seu corpo eclesial.
Esta dimensão “comunional” da Igreja baseada na Eucaristia
foi desenvolvida sobretudo na Lumen
Gentium. Percorrendo rapidamente o documento conciliar, desde o início
encontramos afirmações importantes: “Pelo sacramento do pão eucarístico, ao
mesmo tempo é representada e se realiza a unidade dos fiéis, que constituem um
só Corpo em Cristo” [12], referência direta ao texto paulino de 1Cor 10,17. A mesma declaração é
retomada pouco depois: “Ao participar realmente do Corpo do Senhor no pão
eucarístico, somos elevados à comunhão com Ele e uns com os outros: ‘Porque há
um só pão, nós, que somos muitos, formamos um único corpo, visto participarmos
todos do único pão’ (1Cor 10,17). E
deste modo nos tornamos todos membros desse corpo (1Cor 12,27), sendo individualmente membros uns dos outros (Rm 12,5)” [13]. A Eucaristia não só
indica a unidade da Igreja, mas realiza-a: “Alimentando-se do Corpo de Cristo
na santa Comunhão, (os fiéis) mostram concretamente a unidade do povo de Deus,
que por este augustíssimo sacramento é adequadamente significado e
maravilhosamente efetuado” [14].
Encontramos a declaração mais importante sobre esse tema, no
entanto, na seção que se refere à função episcopal. Depois de deixar claro que
a eclesiologia eucarística leva a uma nova avaliação teológica da Igreja
particular, afirma-se: “Em qualquer comunidade que participa do altar, sob a sagrada
presidência do Bispo, é manifestado o símbolo do amor e da ‘unidade do Corpo místico,
sem a qual não pode haver salvação’. Nestas comunidades, embora muitas vezes
pequenas e pobres ou dispersas, está presente Cristo, por cujo poder se unifica
a Igreja una, santa, católica e apostólica pois ‘outra coisa não faz a
participação no Corpo e Sangue de Cristo, do que transformar-nos naquilo que
recebemos’” [15].
No período pós-conciliar, o renascimento da eclesiologia
eucarística de comunhão veio da Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos de
1985, que colocou no centro dos seus trabalhos a Igreja como Comunhão: “A
eclesiologia de comunhão é a ideia central e fundamental nos documentos do
Concílio (...). Trata-se, fundamentalmente, da comunhão com Deus por meio de
Jesus Cristo, no Espírito Santo. Esta comunhão acontece na Palavra de Deus e
nos sacramentos. O Batismo é a porta e o fundamento da comunhão na Igreja. A
Eucaristia é a fonte e o ápice de toda a vida cristã. A comunhão do Corpo
eucarístico de Cristo significa e produz, ou seja, edifica, a íntima comunhão
de todos os fiéis no Corpo de Cristo que é a Igreja” [16].
Por isso João Paulo II poderá afirmar que “há um influxo
causal da Eucaristia nas próprias origens da Igreja” [17].
Notas:
[1] CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja, 1964, n. 11.
[2] Decreto Presbyterorum
Ordinis sobre o ministério e a vida dos sacerdotes, n. 06.
[3] Decreto Unitatis
Redintegratio sobre o ecumenismo, 1964, n. 15.
[4] Presbyterorum
Ordinis, n. 05.
[5] Decreto Christus
Dominus sobre a missão pastoral dos Bispos na Igreja, 1965, n. 30.
[6] Lumen Gentium,
n. 26.
[7] Esta definição da Lumen
Gentium, n. 11 volta também em: Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia, 1963, n. 10; Christus Dominus, n. 30; Decreto Ad Gentes sobre a atividade missionária
da Igreja, 1965, nn. 9.39; Unitatis Redintegratio,
n. 15; Presbyterorum Ordinis, nn. 05.14;
Decreto Apostolicam Actuositatem sobre
o apostolado dos leigos, 1965, n. 03; Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo
contemporâneo, 1965, n. 38; cf. R.
FALSINI, La Liturgia “come culmen et fons”:
Genesi e sviluppo di un tema conciliare, in: VV. AA., Liturgia e
spiritualità, Roma, 1992, 27–49.
[8] Presbyterorum
Ordinis, n. 05.
[9] Sacrosanctum
Concilium, n. 47.
[10] ibid., 07. O
mesmo número apresenta a visão geral dos diferentes modos da presença de Cristo
na celebração e representa uma das afirmações conciliares mais novas em relação
à piedade eucarística medieval.
[11] Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a Revelação Divina, 1965, n. 26.
[12] Lumen Gentium,
n. 03.
[13] ibid., n. 07.
[14] ibid., n. 11.
[15] ibid., n. 26.
[16] Relatório Final,
II C 1; in: ENCHIRIDION VATICANUM 9,
Bologna, 1987 p. 1761.
[17] JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 2003, n. 21.
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