segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Congresso Eucarístico: Eucaristia, fonte da transformação da criação

Prosseguimos nesta postagem com a apresentação do documento-base do 52º Congresso Eucarístico Internacional, que se celebra de 05 a 12 de setembro de 2021 em Budapeste (Hungria) - transferido de 2020 devido à pandemia de Covid-19.

O documento-base, divulgado pelo Pontifício Comitê para os Congressos Eucarísticos Internacionais, traz reflexões teológicas e pastorais ao redor do tema do Congresso: “‘Todas as minhas fontes estão em ti’ (Sl 86[87],7): A Eucaristia: fonte da vida e da missão cristã”.

Confira a seguir o breve capítulo 6: “A Eucaristia, fonte da transformação das coisas criadas”.

O pão e o vinho para a Eucaristia, "frutos da terra e do trabalho humano"

A Eucaristia, fonte da transformação das coisas criadas

1. Significado cósmico da Eucaristia

O mistério da Eucaristia é o resumo e o centro de todo o mistério da fé. Nela se concentra o sacrifício pascal de Jesus, da sua bem-aventurada Paixão, da sua Morte salvífica e da sua gloriosa Ressurreição. Nela se realiza e se estende a todo o cosmos o acontecimento da recapitulação inaugurada pela Encarnação de Cristo: “N'Ele temos a redenção, pelo seu Sangue, a remissão dos nossos pecados; segundo a riqueza da sua graça, que Ele nos concedeu em abundância, com plena sabedoria e inteligência, deu-nos a conhecer o mistério da sua vontade; segundo o beneplácito que n’Ele de antemão estabelecera, para se realizar na plenitude dos tempos: recapitular todas as coisas em Cristo, tudo o que há nos céus e na terra” (Ef 1,7-10).
A Eucaristia tem uma dimensão cósmica que abraça tudo. O seu efeito universal ultrapassa a Igreja, a humanidade, os vivos e os mortos, e afeta tudo o que foi criado. Ela dispõe desta universalidade cósmica porque contém Cristo, Morto e Ressuscitado por nós, que é o princípio e o fim de toda a criação (cf. Cl 1,15-17).
Com a sua Ressurreição Jesus derrotou o poder do pecado e da morte, fez resplandecer o sentido último da vida humana e da criação, e prefigurou o seu cumprimento. A sua Ressurreição é o fundamento seguro “dos novos céus e da nova terra” que esperamos (2Pd 3,13), início da nova criação do universo (cf. Ap 21,5). É o princípio daquela transformação total de que o homem se torna participante, ressurgindo juntamente com Cristo, e à qual toda a criação é misticamente chamada.

2. A Missa sobre o altar do mundo

Cristo, o Redentor de todas as coisas criadas, vem a nós na Santa Missa e está presente na Eucaristia. “Por Ele, com Ele e n’Ele” é do Pai “toda a honra e toda a glória, na unidade do Espírito Santo”, mesmo a honra e a glória vindas dos homens, dos anjos, e de todo o universo. Por isso, o sacerdote reza assim na Oração Eucarística: “Ó Deus do universo, tudo o que criastes proclama o vosso louvor” [1]; e introduzindo a recitação do Sanctus, o hino de louvor a Deus da parte de todo o cosmos, proclama: “Com eles (os anjos) também nós e, por nossa voz, tudo o que criastes, celebramos o vosso nome, cantando a uma só voz...” [2]. A conclusão da Oração Eucarística diz assim: “E a todos nós, vossos filhos e filhas, concedei, ó Pai de bondade, que (...) possamos alcançar a herança eterna no vosso reino, onde, com todas as criaturas, libertas da corrupção do pecado e da morte, vos glorificaremos por Cristo, Senhor nosso” [3].
A dimensão cósmica da celebração da Eucaristia alimenta a esperança de toda a criação: “Mesmo quando é celebrada no altar humilde de uma igreja do campo, a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar do mundo. Ela une o céu e a terra. Abraça e impregna toda a criação. O Filho de Deus fez-se homem, a fim de restaurar todas as coisas, num supremo ato de louvor, Àquele que tudo fez a partir do nada. E assim Ele, o Sumo e Eterno Sacerdote, que pelo sangue da sua cruz entrou no santuário eterno, restitui ao Criador e Pai toda a criação redimida” [4].
A relação entre a criação renovada pela Páscoa de Cristo e a Eucaristia é bem expressa pelo fato de que os primeiros cristãos se reuniam no primeiro dia da semana para celebrar a Eucaristia. No primeiro dia da semana o túmulo de Cristo foi encontrado vazio e o Senhor Ressuscitado apareceu pela primeira vez aos seus discípulos. A Eucaristia do “dia do Senhor” celebra o Cristo Ressuscitado. O mesmo primeiro dia da semana - partindo do Antigo Testamento - recorda também o primeiro dos sete dias da criação. Assim, desde o início, os cristãos celebraram na Eucaristia o mistério de Cristo Morto e Ressuscitado, a fonte da nova criação, na esperança da sua vinda gloriosa. “O domingo é o dia da Ressurreição, o ‘primeiro dia’ da nova criação, que tem as suas primícias na humanidade ressuscitada do Senhor, garantia da transfiguração final de toda a realidade criada” [5].
Por isso, cada domingo, a comunidade cristã celebra a Eucaristia anunciando a Morte salvífica de Jesus, proclamando a sua Ressurreição na esperança da sua vinda como Senhor de todas as criaturas.

Primeira Missa no Brasil - Victor Meirelles
"A Eucaristia sobre o altar do mundo"

3. A Eucaristia e a transformação das criaturas

A Eucaristia não é só o centro da Liturgia do cosmos, mas é também lugar da exaltação e da transformação da realidade criada. O pão e o vinho - como dons criados - são elevados a uma ordem superior do ser, quando se tornam o sacramento da presença de Cristo Ressuscitado. Realiza-se uma “mudança admirável”: nós colocamos sobre o altar os frutos da terra e do trabalho do homem, e mediante a Oração Eucarística, o Cristo Ressuscitado torna-se presente no pão e no vinho. “A criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia. No apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um fragmento de matéria. Não o faz de cima, mas de dentro, para podermos encontrá-Lo no nosso próprio mundo. Na Eucaristia já está realizada a plenitude, sendo o centro vital do universo, centro transbordante de amor e de vida sem fim. Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus. Com efeito, a Eucaristia é, por si mesma, um ato de amor cósmico... A Eucaristia une o céu e a terra, abraça e penetra toda a criação. O mundo, saído das mãos de Deus, volta a Ele em feliz e plena adoração” [6].
A “conversão” eucarística é o início daquela transformação definitiva e grandiosa à qual toda a criação está destinada. “A conversão substancial do pão e do vinho no seu Corpo e seu Sangue insere na criação o princípio de uma mudança radical, como uma espécie de ‘fissão nuclear’ (...) uma mudança destinada a suscitar um processo de transformação da realidade, cujo fim último é a transfiguração do mundo inteiro, até chegar àquela condição em que Deus seja tudo em todos (1Cor 15,28)” [7].
Em suma, em cada Santa Missa, por obra do Espírito Santo, o pão e o vinho tornam-se o Corpo e o Sangue de Cristo e aqueles que comungam o Sacramento transformam-se em Cristo. Estas mudanças antecipam a grande transformação que se realizará na ressurreição do corpo e na nova criação.
A Eucaristia, centro do louvor de Deus por parte dos seres criados, alimenta a nossa esperança na ressurreição e na transformação definitiva do cosmos, e é a fonte do nosso compromisso em proteger a criação.

Doxologia final da Oração Eucarística:
"Por Cristo, com Cristo e em Cristo"

Notas:
[1] Oração Eucarística III; cf. Missal Romano, p. 482.
[2] Oração Eucarística IV; cf. ibid., p. 488.
[3] ibid., p. 493.
[4] JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 2003, n. 08. O autor que mais decisivamente se orientou nesta direção foi o jesuíta Pierre Teilhard de Chardin. Recorde-se o seu pequeno livro “A Missa sobre o mundo” de 1923, escrito no deserto de Ordos na China, no dia da Transfiguração, quando, encontrando-se sem pão e sem vinho, ele apresenta a Deus a história do Universo como uma grande oferta que por meio de Cristo, no Espírito, reconduz tudo ao Pai: “Dado que, uma vez mais, estou sem pão, sem vinho e sem altar, me elevarei acima dos símbolos até à majestade pura do real, e te oferecerei, eu, teu sacerdote, sobre o altar da terra total, o trabalho e o sofrimento do mundo” (op. cit., pp. 9-23).
[5] PAPA FRANCISCO, Carta Encíclica Laudato si’, 2015, n. 237.
[6] ibid., n. 236.
[7] BENTO XVI, Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, 2007, n. 11.


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