Prosseguimos nesta postagem com a apresentação do
texto-base do 52º Congresso Eucarístico Internacional, que se celebra de 05 a 12 de setembro de 2021 em Budapeste (Hungria) - transferido de
2020 devido à pandemia de Covid-19.
O documento, divulgado pelo Pontifício Comitê para os
Congressos Eucarísticos Internacionais, traz reflexões teológicas e pastorais
ao redor do tema do Congresso: “‘Todas as minhas fontes estão em ti’ (Sl 86/87,7): A Eucaristia: fonte da
vida e da missão cristã”.
Confira a seguir o breve capítulo 6: “A Eucaristia, fonte da
transformação das coisas criadas”.
O pão e o vinho para a Eucaristia, "frutos da terra e do trabalho humano" |
A Eucaristia, fonte da transformação das coisas criadas
1. Significado
cósmico da Eucaristia
O mistério da Eucaristia é o resumo e o centro de todo o
mistério da fé. Nela se concentra o sacrifício pascal de Jesus, da sua
bem-aventurada Paixão, da sua Morte salvífica e da sua gloriosa Ressurreição.
Nela se realiza e se estende a todo o cosmos
o acontecimento da recapitulação inaugurada pela Encarnação de Cristo: “N'Ele
temos a redenção, pelo seu Sangue, a remissão dos nossos pecados; segundo a
riqueza da sua graça, que Ele nos concedeu em abundância, com plena sabedoria e
inteligência, deu-nos a conhecer o mistério da sua vontade; segundo o
beneplácito que n’Ele de antemão estabelecera, para se realizar na plenitude
dos tempos: recapitular todas as coisas em Cristo, tudo o que há nos céus e na
terra” (Ef 1,7-10).
A Eucaristia tem uma dimensão cósmica que abraça tudo. O seu
efeito universal ultrapassa a Igreja, a humanidade, os vivos e os mortos, e
afeta tudo o que foi criado. Ela dispõe desta universalidade cósmica porque
contém Cristo, Morto e Ressuscitado por nós, que é o princípio e o fim de toda
a criação (cf. Cl 1,15-17).
Com a sua Ressurreição Jesus derrotou o poder do pecado e da
morte, fez resplandecer o sentido último da vida humana e da criação, e
prefigurou o seu cumprimento. A sua Ressurreição é o fundamento seguro “dos
novos céus e da nova terra” que esperamos (2Pd
3,13), início da nova criação do universo (cf.
Ap 21,5). É o princípio daquela transformação total de que o homem se torna
participante, ressurgindo juntamente com Cristo, e à qual toda a criação é
misticamente chamada.
2. A Missa sobre o
altar do mundo
Cristo, o Redentor de todas as coisas criadas, vem a nós na Santa
Missa e está presente na Eucaristia. “Por Ele, com Ele e n’Ele” é do Pai “toda
a honra e toda a glória, na unidade do Espírito Santo”, mesmo a honra e a glória
vindas dos homens, dos anjos, e de todo o universo. Por isso, o sacerdote reza
assim na Oração Eucarística: “Ó Deus do universo, tudo o que criastes proclama
o vosso louvor” [1]; e introduzindo a recitação do Sanctus, o hino de louvor a Deus da parte de todo o cosmos, proclama: “Com eles (os anjos)
também nós e, por nossa voz, tudo o que criastes, celebramos o vosso nome,
cantando a uma só voz...” [2]. A conclusão da Oração Eucarística diz assim: “E
a todos nós, vossos filhos e filhas, concedei, ó Pai de bondade, que (...)
possamos alcançar a herança eterna no vosso reino, onde, com todas as
criaturas, libertas da corrupção do pecado e da morte, vos glorificaremos por
Cristo, Senhor nosso” [3].
A dimensão cósmica da celebração da Eucaristia alimenta a
esperança de toda a criação: “Mesmo quando é celebrada no altar humilde de uma
igreja do campo, a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar
do mundo. Ela une o céu e a terra. Abraça e impregna toda a criação. O Filho de
Deus fez-se homem, a fim de restaurar todas as coisas, num supremo ato de louvor,
Àquele que tudo fez a partir do nada. E assim Ele, o Sumo e Eterno Sacerdote,
que pelo sangue da sua cruz entrou no santuário eterno, restitui ao Criador e
Pai toda a criação redimida” [4].
A relação entre a criação renovada pela Páscoa de Cristo e a Eucaristia é bem expressa pelo fato de que os primeiros cristãos se reuniam no primeiro dia da semana para celebrar a Eucaristia. No primeiro dia da semana o túmulo de Cristo foi encontrado vazio e o Senhor Ressuscitado apareceu pela primeira vez aos seus discípulos. A Eucaristia do “dia do Senhor” celebra o Cristo Ressuscitado. O mesmo primeiro dia da semana - partindo do Antigo Testamento - recorda também o primeiro dos sete dias da criação. Assim, desde o início, os cristãos celebraram na Eucaristia o mistério de Cristo Morto e Ressuscitado, a fonte da nova criação, na esperança da sua vinda gloriosa. “O domingo é o dia da Ressurreição, o ‘primeiro dia’ da nova criação, que tem as suas primícias na humanidade ressuscitada do Senhor, garantia da transfiguração final de toda a realidade criada” [5].
Por isso, cada domingo, a comunidade cristã celebra a Eucaristia anunciando a Morte salvífica de Jesus, proclamando a sua Ressurreição na esperança da sua vinda como Senhor de todas as criaturas.
3. A Eucaristia e a
transformação das criaturas
A Eucaristia não é só o centro da Liturgia do cosmos, mas é também lugar da exaltação
e da transformação da realidade criada. O pão e o vinho - como dons criados -
são elevados a uma ordem superior do ser, quando se tornam o sacramento da
presença de Cristo Ressuscitado. Realiza-se uma “mudança admirável”: nós
colocamos sobre o altar os frutos da terra e do trabalho do homem, e mediante a
Oração Eucarística, o Cristo Ressuscitado torna-se presente no pão e no vinho. “A
criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia. No apogeu do mistério da
Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um fragmento de
matéria. Não o faz de cima, mas de dentro, para podermos encontrá-Lo no nosso
próprio mundo. Na Eucaristia já está realizada a plenitude, sendo o centro
vital do universo, centro transbordante de amor e de vida sem fim. Unido ao
Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus. Com efeito, a Eucaristia é, por si mesma,
um ato de amor cósmico... A Eucaristia une o céu e a terra, abraça e penetra
toda a criação. O mundo, saído das mãos de Deus, volta a Ele em feliz e plena
adoração” [6].
A “conversão” eucarística é o início daquela transformação
definitiva e grandiosa à qual toda a criação está destinada. “A conversão
substancial do pão e do vinho no seu Corpo e seu Sangue insere na criação o
princípio de uma mudança radical, como uma espécie de ‘fissão nuclear’ (...)
uma mudança destinada a suscitar um processo de transformação da realidade,
cujo fim último é a transfiguração do mundo inteiro, até chegar àquela condição
em que Deus seja tudo em todos (1Cor
15,28)” [7].
Em suma, em cada Santa Missa, por obra do Espírito Santo, o
pão e o vinho tornam-se o Corpo e o Sangue de Cristo e aqueles que comungam o
Sacramento transformam-se em Cristo. Estas mudanças antecipam a grande
transformação que se realizará na ressurreição do corpo e na nova criação.
A Eucaristia, centro do louvor de Deus por parte dos seres
criados, alimenta a nossa esperança na ressurreição e na transformação
definitiva do cosmos, e é a fonte do
nosso compromisso em proteger a criação.
Notas:
[1] Oração Eucarística III; cf. Missal Romano, p. 482.
[2] Oração Eucarística IV; cf. ibid., p. 488.
[3] ibid., p. 493.
[4] JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 2003, n. 08. O autor que mais decisivamente
se orientou nesta direção foi o jesuíta Pierre Teilhard de Chardin. Recorde-se
o seu pequeno livro “A Missa sobre o
mundo” de 1923, escrito no deserto de Ordos na China, no dia da Transfiguração,
quando, encontrando-se sem pão e sem vinho, ele apresenta a Deus a história do
Universo como uma grande oferta que por meio de Cristo, no Espírito, reconduz
tudo ao Pai: “Dado que, uma vez mais, estou sem pão, sem vinho e sem altar, me
elevarei acima dos símbolos até à majestade pura do real, e te oferecerei, eu,
teu sacerdote, sobre o altar da terra total, o trabalho e o sofrimento do mundo”
(op. cit., pp. 9-23).
[5] PAPA FRANCISCO, Carta Encíclica Laudato si’, 2015, n. 237.
[6] ibid., n. 236.
[7] BENTO XVI, Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, 2007, n. 11.
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