“A catequese, por meio
de uma renovada valorização dos sinais litúrgicos pode responder às exigências
da geração contemporânea” (cf. Diretório para a Catequese, n. 64).
Na última semana iniciamos aqui em nosso blog uma série de postagens comentando o Diretório para a Catequese sob a
perspectiva da Liturgia, dos sacramentos e da piedade popular. Esse Diretório foi publicado pelo Pontifício
Conselho para a Promoção da Nova Evangelização no dia 23 de março de 2020 [1].
Na postagem anterior analisamos sua Apresentação, a Introdução (nn. 1-10) e o capítulo I (nn. 11-54). Agora
prosseguimos com o capítulo II: “A
identidade da catequese” (nn. 55-109).
Esse é um dos capítulos mais longos do Diretório (54 parágrafos) e possui alguns dos mais importantes parágrafos
sobre a Liturgia. Portanto, nesta postagem nos deteremos apenas na primeira das
cinco seções nas quais se subdivide esse capítulo.
Capítulo II: A
identidade da catequese
2.1 Natureza da catequese (nn. 55-65)
“A catequese é um ato de natureza eclesial, que nasce do
mandato missionário do Senhor (Mt
28,19-20) e que está orientada, como seu nome indica (*) a fazer ressoar continuamente o anúncio de sua
Páscoa no coração de cada pessoa, para que sua vida seja transformada” (n. 55).
(*) O verbo grego katechein significa ‘ressoar’, ‘fazer ressoar’.
O capítulo II inicia com esta definição de Catequese,
recordando no mesmo parágrafo algumas das suas atividades, que serão
aprofundadas na seção 2.4. Desde já, porém, fica claro que a Catequese “introduz à celebração do Mistério”.
O conjunto dos parágrafos nn. 57-58 é intitulado “Relação íntima entre querigma e catequese”.
Como vimos na postagem anterior, o querigma
é o núcleo fundamental da mensagem cristã, isto é, o Mistério Pascal da
Morte-Ressurreição de Cristo.
Ao exortar a Igreja a “encarnar” o querigma diante das
exigências do nosso tempo, o Diretório
faz uma interessante proposta: “floresçam anúncios
credíveis, confissões de fé vitais, novos hinos cristológicos para
anunciar a Boa Notícia (n. 58).
A expressão “hinos cristológicos” remete-nos às composições
poéticas do Novo Testamento que celebram o mistério de Cristo, particularmente
os três grandes hinos das Cartas Paulinas (Fl
2,6-11; Cl 1,15-20; Ef 1,3-14) recitados todas as semanas
nas Vésperas, oração da tarde da Liturgia das Horas.
O desejo do Diretório
de que “floresçam novos hinos cristológicos” pode ser entendido de duas
maneiras: um convite a realizar novas composições inspiradas no querigma e, ao
mesmo tempo, revalorizar as já existentes.
Como indica o n. 11 da Constituição Sacrosanctum Concilium, “é necessário que os fiéis celebrem a
Liturgia com retidão de espírito, unam a sua mente às palavras que pronunciam”
(mentem suam voci accommodent).
Podemos simplesmente repetir esses hinos com nossa voz, como
“papagaios”. Mas, se o acolhemos em nossa mente e em nosso coração, então eles
se tornam nossos, são trazidos para hoje. Rezando-os, mergulhamos no grande
“rio de água viva” (Ap 22,1) da
tradição, palavra que significa literalmente “entrega” (tradere).
A Igreja possui um riquíssimo patrimônio
litúrgico a ser redescoberto, como temos visto aqui em nosso blog, por exemplo,
com os hinos da Liturgia das Horas e as sequências para as festas litúrgicas. Sejamos, pois, como
aquele pai de família, “que do seu tesouro tira coisas novas e velhas” (Mt 13,52).
Liturgia das Horas: um tesouro de "salmos, hinos e cânticos espirituais" (Cl 3,16) |
Prosseguindo nossa caminhada pelo Diretório para a Catequese, passamos ao título “O catecumenato, fonte de inspiração para a
catequese” (nn. 61-65).
A proposta de uma “inspiração
catecumenal” para a Catequese deve ser entendida, como o Diretório esclarece no n. 62, de três
formas:
- o catecumenato em
sentido estrito, para adultos que se preparam para o Batismo;
- um catecumenato em
sentido análogo, para adultos que não completaram a iniciação cristã, isto
é, que se preparam para a Confirmação e/ou a Primeira Comunhão;
- uma catequese de inspiração
catecumenal, envolvendo vários processos que serão melhor descritos no cap.
VIII: catequese de crianças e adolescentes, catequese para as famílias, etc.
Fica claro nos parágrafos seguintes que o catecumenato
propriamente dito, conforme descrito pelo Ritual
da Iniciação Cristã de Adultos (RICA), refere-se apenas aos adultos que se
preparam para o Batismo. Nos demais casos, o Diretório propõe adaptar alguns princípios e elementos do
itinerário proposto no RICA.
O n. 63, com efeito, após destacar a restauração do
catecumenato realizada pelo Concílio Vaticano II com a publicação do RICA em
1972, descreve seus quatro tempos, marcados pelos ritos litúrgicos de passagem:
a) “no pré-catecumenato se realiza a
primeira evangelização voltada à conversão e se explicita o querigma do primeiro anúncio”;
b) “o tempo do catecumenato, propriamente
dito, destina-se à catequese integral; a esse se ascende com o Rito de Admissão, no qual pode haver a ‘entrega
dos Evangelhos’” (Nota: “Esse tempo
prevê celebrações da Palavra de Deus, exorcismos, bênçãos e outros ritos”; RICA,
nn. 68-132);
c) “o tempo da purificação e iluminação
oferece uma preparação mais intensa para os sacramentos da iniciação; esse
período, no qual se ingressa com o Rito da Eleição ou da inscrição do nome, prevê a ‘entrega do Símbolo’ e a ‘entrega da oração do Senhor’” (Nota: “Junto
às entregas mencionadas, durante esse período, o catecúmeno vive os escrutínios
e demais ritos imediatamente preparatórios à celebração dos sacramentos”; RICA,
nn. 133-207). Este tempo costuma ser celebrado durante a Quaresma;
d) “com a celebração dos Sacramentos de Iniciação,
na Vigília Pascal, abre-se o tempo da mistagogia, caracterizado
por uma experiência cada vez mais profunda dos mistérios da fé e da
participação na vida da comunidade” (RICA, nn. 208-239).
Capa da edição brasileira do RICA |
Após apresentar o itinerário propriamente dito, o Diretório elenca seis princípios do catecumenato a serem adaptados em todos os
processos catequéticos, como indica o n. 64: “os principais elementos do
catecumenato, após o necessário discernimento, devem hoje ser incluídos,
valorizados e atualizados com coragem e criatividade, em um esforço de
verdadeira inculturação”.
a) “o caráter pascal: no catecumenato,
tudo é orientado para o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. A
catequese comunica, de forma essencial e existencialmente compreensível, o
coração da fé, colocando cada um em relação com o Ressuscitado, ajudando-o a
reler e viver os momentos mais intensos da própria vida como passagens pascais”.
Uma das grandes contribuições do Concílio Vaticano II em
matéria litúrgica foi “redescobrir” a centralidade do Mistério Pascal da
Morte-Ressurreição de Cristo: “nunca a Igreja deixou de se reunir em assembleia
para celebrar o Mistério Pascal” (Sacrosanctum Concilium, n. 05)
Ao mesmo tempo, o Concílio reforçou a unidade desse mistério:
a ênfase apenas na Morte ou apenas na Ressurreição seria uma “heresia” no
sentido etimológico (do grego hairesis,
escolha), “escolhendo” apenas uma parte do todo. “A Morte e a Ressurreição de
Cristo são inseparáveis na narrativa evangélica e no projeto salvífico de Deus”
(Diretório sobre Piedade Popular e
Liturgia, n. 128).
b) “o caráter iniciático: o catecumenato é
uma iniciação à fé que leva os catecúmenos à descoberta do mistério de Cristo e
da Igreja. A catequese introduz a todas as dimensões da vida cristã, ajudando
cada um a iniciar, na comunidade, sua jornada pessoal de resposta a Deus que a
procurou”.
Se o caráter pascal do catecumenato reforça o querigma, seu
caráter iniciático reforça a mistagogia. Como vimos em nossa postagem anterior,
Catequese e Liturgia são como uma espiral ascendente: girando em torno do
núcleo fundamental (querigma), nos “tomam pela mão” e nos conduzem
gradativamente, contemplando os mistérios de Cristo, rumo ao seu encontro.
c) “o caráter litúrgico, ritual e simbólico:
o catecumenato é tecido de símbolos, ritos e celebrações, que tocam os sentidos
e os afetos. A catequese, justamente graças ao “uso de símbolos eloquentes” e
por meio de “uma renovada valorização
dos sinais litúrgicos” (Evangelii
Gaudium, n. 166), pode, assim, responder às exigências da geração
contemporânea, que geralmente considera significativas somente as experiências
que a tocam em sua corporeidade e afetividade”.
Círio pascal: um símbolo litúrgico "querigmático" e "mistagógico" |
O caráter litúrgico do catecumenato refere-se à valorização
dos ritos, compostos por gestos, palavras e símbolos, recorrendo aqui a uma
citação da Exortação Apostólica Evangelii
Gaudium. Já no n. 24 desse documento o Papa Francisco havia destacado que
“a Igreja evangeliza e se evangeliza com a beleza da Liturgia”.
A valorização dos sinais
litúrgicos não significa “multiplicar os sinais”, mas sim celebrar de
maneira mais consciente aqueles já previstos na Liturgia. A Constituição Sacrosanctum Concilium recorda um ponto
importante: na Liturgia os sinais não apenas “significam”, mas também “cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens” (n.
07).
Ou seja: a água na Liturgia deve efetivamente “lavar” (no
Batismo, nas abluções, na aspersão), o pão deve ser comido, o fogo deve
consumir o incenso... Por exemplo, não tem sentido nas celebrações uma Bíblia
aberta em uma estante como “enfeite”. O livro na Liturgia só realiza aquilo que
significa quando é efetivamente lido (e neste caso devem ser usados o
Lecionário e o Evangeliário).
Além disso, o Diretório
para a Catequese recorda o “poder” dos ritos e símbolos de tocar a “corporeidade” humana. Ou seja, na
Liturgia podemos ver, ouvir, tocar, cheirar, comer... Uma “Liturgia
catequética” e uma “catequese litúrgica” são aquelas que sabem dialogar com
todas essas linguagens, o que o Papa Bento XVI na Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis (nn. 38-42.64)
chama de “ars celebrandi”, a arte de celebrar.
Para aprofundar:
Por fim, o parágrafo destaca ainda a importância da “afetividade” na Liturgia. Aqui também é
preciso tomar cuidado com visões fragmentárias: uma ênfase excessiva na
afetividade seria cair no sentimentalismo, enquanto a ênfase na razão conduz ao
racionalismo. Como o Diretório
afirmará adiante, “o encontro com Cristo envolve a pessoa em sua totalidade:
coração, mente, sentidos” (n. 76). Mais uma vez, a palavra-chave é equilíbrio.
d) "o caráter comunitário: o catecumenato
é um processo que se realiza em uma comunidade concreta, que faz experiência da
comunhão dada por Deus e, portanto, está ciente de sua responsabilidade pelo
anúncio da fé. A catequese inspirada no catecumenato integra a contribuição de
diferentes carismas e ministérios (catequistas, agentes da Liturgia e da
caridade, responsáveis por grupos eclesiais, juntamente com os ministros
ordenados), revelando que o interior que regenera à fé é toda a comunidade".
Já no capítulo I o Diretório
havia recordado que a fé é um ato pessoal e ao mesmo tempo possui um caráter
relacional e comunitário (cf. n. 21).
Na Liturgia a dimensão comunitária é fundamental: “as ações litúrgicas não são
ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é ‘sacramento de unidade’” (Sacrosanctum Concilium, n. 26).
Assembleia litúrgica, "epifania" da Igreja, sinal da presença de Cristo |
Recorda-se aqui a multiplicidade dos carismas e ministérios
da Igreja, convidando-os à integração: catequistas, agentes da Liturgia... Vale
recordar o recente Motu proprio Antiquum Ministerium (11 de maio de 2021),
com o qual o Papa Francisco criou o ministério instituído de catequista.
[Para aprofundar: Formações sobre o Missal (3): Uma Igreja que celebra]
e) "o caráter de conversão permanente e de
testemunho: o catecumenato é imaginado, como um todo, como um caminho
de conversão e gradual purificação, enriquecido também por ritos que assinalam a aquisição de uma nova forma de existência e
pensamento. A catequese, ciente de que a conversão nunca é imediatamente
realizada, mas sim dura toda a vida, educa a descobrir-se pecadores perdoados
e, valorizando o rico patrimônio da Igreja, prepara também itinerários penitenciais e formativos apropriados, que favorecem a
conversão do coração e da mente em um novo estilo de vida, que também é
perceptível pelo exterior".
Sobre o tema dos “itinerários penitenciais”, propomos aqui
duas observações: primeiramente, um convite a redescobrir a riqueza do Ritual da Penitência, com vários modelos
de celebrações penitenciais que poderiam ser realizadas na Catequese.
Além disso, a própria admissão dos catequizandos ao
Sacramento da Reconciliação deveria ser reavaliada. Muitas vezes a primeira
“confissão” é apenas uma exigência a mais para receber a “primeira Comunhão”.
Não seria o caso de propor novos itinerários penitenciais, nos quais esse
sacramento seja verdadeiramente uma celebração festiva da misericórdia de Deus?
f) "o caráter de progressividade da experiência
formativa (Evangelii Gaudium,
n. 166; RICA, nn. 4-6): o catecumenato é um processo dinâmico estruturado em
períodos que se seguem de modo gradual e progressivo. Esse caráter evolutivo
responde à biografia mesma da pessoa, que cresce e amadurece com o tempo. A
Igreja, acompanhando pacientemente e respeitando os tempos reais de
amadurecimento de seus filhos, nessa atenção manifesta a sua maternidade".
Por fim, o longo parágrafo 64 conclui recordando o caráter
progressivo do catecumenato. Essa progressão é uma característica do “organismo
sacramental” (sete sacramentos) como um todo, pelo qual a Igreja acompanha seus filhos em todas as
experiências fundamentais da vida.
A gradualidade está presente também na Liturgia através do Ano Litúrgico, pelo qual celebramos os mistérios da fé de maneira “pedagógica”, ou melhor, “mistagógica”.
A primeira seção do segundo capítulo se encerra, no n. 65,
recapitulando a importância da inspiração catecumenal de toda a Catequese, de
modo que esta possa conduzir cada vez mais “ao encontro pessoal com Jesus
Cristo por meio da Palavra de Deus, da ação
litúrgica e da caridade, integrando todas as dimensões da pessoa, para que
ela cresça na mentalidade de fé e seja testemunha de vida nova no mundo”.
[Atualização: Para acessar a 3ª parte dessa pesquisa, dedicada à seções 2-4 do capítulo II, clique aqui]
[1] PONTIFÍCIO
CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2020. Coleção: Documentos da Igreja, 61.
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