quarta-feira, 21 de julho de 2021

Liturgia no Diretório para a Catequese (2020) - Parte 04

"A Liturgia é uma das fontes essenciais e indispensáveis da catequese da Igreja” (Diretório para a Catequese, n. 95)

Dos doze capítulos que compõem o novo Diretório para a Catequese, promulgado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização no dia 23 de março de 2020 [1], o capítulo II - “A identidade da catequese” (nn. 55-109) - é um dos mais longos e com mais referências à Liturgia.

Nas postagens anteriores dessa série analisamos sob a perspectiva da Liturgia, dos sacramentos e da piedade popular as primeiras quatro seções desse capítulo. Agora concluiremos o capítulo com a quinta seção, “Fontes da catequese” (nn. 90-109), que contém alguns dos parágrafos mais importantes do Diretório sobre o nosso tema.

Capítulo II: A identidade da catequese

2.5. Fontes da catequese (nn. 90-109)

Já na sua Apresentação, citando o Decreto Christus Dominus do Concílio Vaticano II (n. 14), o Diretório elencava a Liturgia entre as fontes da Catequese, junto à Sagrada Escritura, a Tradição, o Magistério e a vida da Igreja.

Na quinta seção do capítulo II são elencadas sete fontes ou “vias” da Catequese: a Palavra de Deus na Sagrada Escritura e na Sagrada Tradição (nn. 91-92); o Magistério (nn. 93-94); a Liturgia (nn. 95-98); o testemunho dos santos e dos mártires (nn. 99-100); a teologia (n. 101); a cultura (nn. 102-105); a beleza (nn. 106-109).

"Estão em ti as nossas fontes" (Sl 86,7)
A cruz, fonte da vida - Arquibasílica do Latrão, Roma

Antes de tudo o Diretório exorta que, salvaguardando a preeminência da Palavra de Deus, haja um equilíbrio entre as várias fontes, “sem a prática de uma catequese unilateral (por exemplo, uma catequese puramente bíblica, ou somente litúrgica, ou apenas experiencial)” (n. 90).

A seção inicia com os dois parágrafos dedicados à Palavra de Deus, que “não se exaure na Sagrada Escritura, porque é uma realidade viva” (n. 91). Mais do que um livro (ou um conjunto de livros) a Palavra é uma Pessoa: Cristo (cf. Jo 1,1-14; Hb 1,1-2).

Portanto, unida à Sagrada Escritura como fonte primordial da Catequese está a Tradição, “rio de água viva” que brota do trono do Cordeiro (Ap 22,1) e cuja síntese encontra-se no Símbolo da Fé (o Creio). “Nas pegadas da Tradição” estão os Padres da Igreja, grandes teólogos dos primeiros séculos do Cristianismo, e o Magistério (o Papa e os Bispos), que “conserva, interpreta e transmite o depósito da fé” (n. 93).

[Em nosso blog há diversas postagens com homilias dos Padres da Igreja para os domingos e festas litúrgicas. Para conferi-las, clique aqui]

Passamos agora aos quatro parágrafos sobre a Liturgia como fonte da Catequese. Reproduziremos cada um deles na íntegra, seguidos de alguns comentários:

95. “A Liturgia é uma das fontes essenciais e indispensáveis da catequese da Igreja, não só porque a partir da Liturgia a catequese pode colher conteúdos, linguagens, gestos e palavras da fé, mas sobretudo porque elas pertencem reciprocamente uma à outra no próprio ato de crer. A Liturgia e a catequese, compreendidas à luz da Tradição da Igreja, embora cada uma tenha sua especificidade, não devem ser justapostas, mas devem ser compreendidas no contexto da vida cristã e eclesial e ambas são orientadas a fazer viver a experiência do amor de Deus. O antigo princípio lex credendi lex orandi recorda, efetivamente, que a Liturgia é um elemento constitutivo da Tradição”.

O parágrafo começa com uma afirmação fundamental: a Liturgia é uma fonte indispensável da Catequese. Primeiramente porque a Catequese pode “colher conteúdos, linguagens, gestos e palavras da fé” da Liturgia.

Ou seja, ao lado da Sagrada Escritura (Bíblia) e do Catecismo da Igreja Católica como “livros de catequese”, devemos incluir o Missal Romano e os demais livros litúrgicos. Por exemplo, se um catequista deseja preparar um encontro sobre o mistério da Trindade, pode encontrar excelente material nas orações do Missal Romano para a Solenidade da Santíssima Trindade; nas leituras indicadas para esse dia no Lecionário; nos salmos, hinos e cânticos da Liturgia das Horas.

Missal Romano: suas orações são uma rica fonte para a Catequese


E não apenas os textos, mas também os símbolos e gestos litúrgicos são fonte da Catequese. Por exemplo, um encontro de Catequese sobre a Ressurreição do Senhor pode comportar uma breve “paraliturgia”, isto é, um rito adaptado em torno do círio pascal ou do símbolo da água...

Recorda-se aqui a célebre expressão lex orandi lex credendi: a lei da oração é a lei da fé [2]. A Igreja crê aquilo que celebra e celebra aquilo que crê. Catequese e Liturgia estão orientadas ao mesmo fim: “fazer viver a experiência do amor de Deus”.

Embora sejam “irmãs gêmeas”, pois “pertencem reciprocamente uma à outra”, porém, “não devem ser justapostas”, pois cada uma tem sua identidade própria, como será reafirmado no parágrafo seguinte. Guardadas as devidas proporções, Catequese e Liturgia devem ser como as duas naturezas de Cristo (divina e humana): “unidas, mas não misturadas; distintas, mas não contraditórias”.

96. “A Liturgia é ‘o lugar privilegiado da catequese do Povo de Deus’ (Catecismo da Igreja Católica, n. 1074). Isso não deve ser entendido no sentido de que a Liturgia deve perder seu caráter celebrativo e ser transformada em catequese ou que a catequese seja supérflua. Embora seja correto que as duas mantenham sua especificidade, deve-se reconhecer que a Liturgia é o ápice e a fonte da vida cristã. A catequese, de fato, tem fundamento a partir de um primeiro encontro efetivo do catequizando com a comunidade que celebra o mistério, e isso equivale a dizer que a catequese tem plena realização quando ele participa da vida litúrgica da comunidade. Portanto, não é possível pensar na catequese apenas como preparação para os sacramentos, mas ela se compreende em relação à experiência litúrgica. ‘A catequese está intrinsecamente ligada a toda ação litúrgica e sacramental, pois é nos Sacramentos, sobretudo na Eucaristia, que Cristo Jesus age em plenitude na transformação dos homens’ (Exortação Apostólica Catechesi Tradendae, n. 23). Portanto, a Liturgia e a catequese são inseparáveis e se alimentam mutuamente”.

Citando o Catecismo, o Diretório recorda que a Liturgia é o “lugar privilegiado da catequese do Povo de Deus”, pois é principalmente nas celebrações litúrgicas que os fiéis se reúnem para ouvir a Palavra de Deus, para renovar a fé, para alimentar-se dos sacramentos...

A Liturgia, com efeito, é “fonte” e “ápice” de toda a vida cristã (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 10). Vale recordar aqui as “quatro presenças” de Cristo na Liturgia: na Palavra, nos sacramentos (sobretudo na Eucaristia), no sacerdote e na assembleia reunida (ibid., n. 07).

Cristo e os discípulos de Emaús
Itinerário mistagógico centrado na Palavra e na Fração do Pão

Contudo, como vimos no parágrafo anterior, a Liturgia não pode “perder seu caráter celebrativo e ser transformada em catequese”. Por exemplo, em alguns lugares existe o costume de celebrar uma “Missa explicada”, na qual o sacerdote comenta cada uma das suas partes enquanto essas se desenrolam. Embora geralmente isso se faça com boa intenção, se perde a dinâmica própria da celebração e esta acaba se tornando “pesada”.

Seria muito mais proveitoso organizar um “ciclo de catequeses”, no qual a cada domingo o sacerdote comenta uma parte da celebração com a comunidade (por exemplo, em um domingo se destacaria o sentido da procissão da entrada; no seguinte o beijo do altar; no outro a incensação...).

Outra sugestão seria realizar “celebrações mistagógicas” fora da Missa, envolvendo um encontro catequético em uma atmosfera celebrativa. Por exemplo, para o 34º Encontro Nacional de Pastoral Litúrgica (2008), o Secretariado Nacional de Liturgia de Portugal preparou uma celebração mistagógica sobre o sentido de cada elemento do espaço litúrgico com leituras, orações e cantos. No futuro pretendemos realizar uma postagem sobre essa celebração aqui em nosso blog.

Por fim, o parágrafo 96 reitera ainda que “não é possível pensar na catequese apenas como preparação para os sacramentos, mas ela se compreende em relação à experiência litúrgica” como um todo. Na postagem anterior desta série já levantamos o questionamento sobre como estamos celebrando a Confirmação e a Primeira Comunhão em nossas comunidades, as quais muitas vezes infelizmente tomam muitos elementos de uma “formatura” escolar...

97. “O caminho formativo do cristão, como é atestado nas Catequeses mistagógicas dos Padres da Igreja, teve sempre um caráter experiencial, mas não negligenciando a inteligência da fé. O encontro vivo e persuasivo com Cristo anunciado por testemunhas autênticas era determinante. Por isso, aquele que introduz aos mistérios é, antes de tudo, uma testemunha. Esse encontro tem sua fonte e seu ápice na celebração da Eucaristia e se aprofunda na catequese”.

O parágrafo 97 retoma o tema da mistagogia (iniciação ao mistério) através da referência às Catequeses mistagógicas dos Padres da Igreja. Essas catequeses tinham lugar sempre depois da recepção dos sacramentos da Iniciação Cristã e aprofundavam o sentido dos seus ritos. O ciclo mais famoso dessas catequeses pertence a São Cirilo de Jerusalém (séc. IV).

São Cirilo de Jerusalém, autor das "Catequeses Mistagógicas"

Além disso, sem negligenciar a dimensão do conteúdo, ou melhor, da “inteligência da fé”, o Diretório exorta a uma instrução litúrgico-catequética que possua também um “caráter experiencial”. Isto significa que o catequista e toda a comunidade cristã são chamados a dar testemunho diante dos catequizandos, sobretudo em relação à participação na Celebração Eucarística dominical da comunidade.

98. “A exigência de um itinerário mistagógico tem por base essa estrutura fundamental da experiência cristã, da qual emergem três elementos essenciais (Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, n. 64):

a) a interpretação dos ritos à luz dos acontecimentos salvíficos, em conformidade com a Tradição da Igreja, relendo os mistérios da vida de Jesus, particularmente seu Mistério Pascal, em relação com todo o percurso veterotestamentário;

b) a introdução ao sentido dos sinais litúrgicos, de modo que a catequese mistagógica desperte e eduque a sensibilidade dos fiéis à linguagem dos sinais e dos gestos que, unidos à palavra, constituem o rito;

c) a apresentação do significado dos ritos para a vida cristã em todas as suas dimensões, para evidenciar o elo entre a Liturgia e a responsabilidade missionária dos fiéis, além de fazer crescer a consciência de que a existência dos fiéis é gradualmente transformada pelos mistérios celebrados.

A dimensão mistagógica da catequese não se reduz, porém, ao aprofundamento da iniciação cristã após ter recebido os sacramentos, mas envolve também sua inserção na Liturgia dominical e nas festas do ano litúrgico, com a qual a Igreja já nutre os catecúmenos e as crianças batizadas bem antes de poderem receber a Eucaristia ou antes que tenham acesso a uma catequese orgânica e estruturada”.

Por fim, esses parágrafos sobre a Liturgia como fonte da Catequese concluem com um extraordinário “itinerário mistagógico” proposto pelo Papa Bento XVI em sua Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis. As três etapas desse processo podem muito bem servir de modelo para um bom encontro catequético:

a) interpretação dos ritos à luz dos acontecimentos salvíficos: leitura da Palavra de Deus, procurando identificar os paralelos entre os mistérios da vida de Cristo e os acontecimentos do Antigo Testamento;

b) introdução ao sentido dos sinais litúrgicos: iluminar o conteúdo lido com um símbolo ou gesto litúrgico, aprofundando seu sentido;

c) apresentação do significado dos ritos para a vida cristã: “atualizar” o conteúdo lido na Palavra e celebrado no rito através de um compromisso concreto para a vida.

Por exemplo, um encontro sobre a Ressurreição de Cristo centrado no tema da luz:
a) recordar o simbolismo da luz no Antigo Testamento (criação, coluna de fogo no êxodo) e no próprio Mistério Pascal (trevas da sexta-feira, aurora do domingo);
b) refletir sobre os múltiplos simbolismos do círio pascal; entoar um refrão que celebre o dom da luz;
c) suplicar ao Espírito Santo para que nos ilumine, a fim de que sejamos também nós “luz do mundo” (Mt 5,14).


O parágrafo conclui afirmando ainda o valor “pedagógico” ou “mistagógico” da Liturgia dominical e das festas do Ano Litúrgico, a serem cada vez mais valorizadas em nossa Catequese e em nossa espiritualidade.

Prosseguindo com a quarta fonte da Catequese, o testemunho dos santos e dos mártires, os quais também são celebrados ao ritmo da Liturgia, o Diretório recorda sobretudo sua presença na arte sacra: “dos afrescos nas igrejas e dos ícones aos contos edificantes para os pequenos e para os não alfabetizados” (n. 99).

Vale lembrar que a devoção à Virgem Maria e aos santos não deve ocupar o centro nem da Catequese nem da Liturgia, mas sim apontar para o verdadeiro centro que é Cristo (cf. Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, cap. V-VI). Também é importante valorizar aqueles santos mais diretamente ligados à história da salvação: os Patriarcas e Profetas do Antigo Testamento, os Apóstolos e Mártires...

Após os parágrafos sobre a teologia e a cultura cristã (nn. 102-105), esta seção - e, por conseguinte, o capítulo II - conclui com uma reflexão sobre a beleza como fonte da Catequese (nn. 106-109).

Os primeiros dois parágrafos celebram a beleza da criação e a beleza de Cristo, “imagem do Deus invisível” (Cl 1,15), enquanto o n. 108 propõe a Catequese através da “via pulchritudinis”, o caminho da beleza, sempre unida à bondade e à verdade (cf. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n. 167).

O n. 109, por sua vez, encerra com o convite a “descobrir e apreciar o incrível e imenso patrimônio litúrgico e artístico da Igreja”, uma vez que “a infinita beleza de Deus também se expressa nas obras humanas (Sacrosanctum Concilium, n. 122)”.

[Para acessar nossa série de postagens sobre os ícones bizantinos das principais festas litúrgicas, clique aqui]

Ícone de Cristo, "o belo pastor"
(O Evangelho chama Cristo de "belo pastor", articulando beleza e bondade)

[Atualização: Para acessar a próxima postagem, com a análise dos capítulos III e IV, clique aqui]

Notas:

[1] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2020. Coleção: Documentos da Igreja, 61.

[2] A expressão é de autoria de São Próspero de Aquitânia (séc. VI); cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1124.

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