“A catequese é parte
integrante da iniciação cristã e está intimamente unida aos sacramentos da
iniciação, especialmente ao Batismo” (Diretório para a Catequese, n. 69).
Na postagem anterior da nossa série sobre a Liturgia no novo
Diretório
para a Catequese [1] começamos a analisar o seu capítulo II: “A identidade da catequese” (nn. 55-109).
Como vimos, este é um dos capítulos mais longos e com mais
referências à Liturgia. Assim, tendo analisado sua primeira seção - Natureza da catequese (nn. 55-65) -
prosseguiremos nessa postagem com as três seções seguintes: A catequese no processo da evangelização;
Finalidade da catequese; e Atividades da catequese.
Capítulo II: A
identidade da catequese
2.2 A catequese no processo da evangelização (nn. 66-74)
Uma vez definida a Catequese e apresentada a proposta da
“inspiração catecumenal” na primeira seção do capítulo, a reflexão prossegue
aprofundando três etapas do processo catequético: primeiro anúncio (nn. 66-68), Catequese
de iniciação cristã (nn. 69-72) e Catequese
e formação permanente à vida cristã (nn. 73-74).
Os sete sacramentos, com a Eucaristia ao centro |
Sobre a etapa do primeiro
anúncio, centrado no querigma (Mistério Pascal da Morte-Ressurreição de
Cristo) e no convite à conversão (cf. Mc
1,14-15) não há referências diretas à Liturgia. Não obstante, à luz dessa etapa
podemos refletir sobre a importância da “diaconia” (serviço ou ministério) da acolhida
em nossas celebrações.
A Catequese de
iniciação cristã, por sua vez, está diretamente relacionada aos Sacramentos
da Iniciação Cristã: Batismo (n. 69), Confirmação e Eucaristia (n. 70).
“A catequese é parte integrante da iniciação cristã e está
intimamente unida aos sacramentos da
iniciação, especialmente ao Batismo.
‘O elo que une a catequese com o Batismo é a profissão de fé que é, ao mesmo
tempo, o elemento interior a este sacramento e a meta da catequese’ (Diretório Geral para a Catequese, 1997, n.
66). ‘A missão de batizar, portanto, a missão sacramental, está implicada na
missão de evangelizar’ (Catecismo da
Igreja Católica, n. 1122; cf. Mt
28,19-20); assim sendo, a missão sacramental não pode ser separada do processo
de evangelização” (n. 69).
“Os sacramentos da
iniciação cristã constituem uma unidade porque ‘põem os alicerces da vida
cristã: os fiéis, renascidos pelo Batismo, são fortalecidos pela Confirmação e
alimentados pela Eucaristia’ (Compêndio
do Catecismo, n. 251). É importante reiterar que, de fato, ‘somos batizados
e crismados em ordem à Eucaristia. Este dado implica o compromisso de favorecer
na ação pastoral uma compreensão mais unitária do percurso de iniciação cristã’
(Exortação Apostólica Sacramentum
Caritatis, n. 17)” (n. 70).
Seguindo a linha proposta pela Sacramentum Caritatis (n. 18), o Diretório propõe no mesmo parágrafo estudar a possibilidade
de retomar a ordem teológica dos Sacramentos da Iniciação: Batismo, Confirmação
e Eucaristia. Esta, proposta, porém, deve ser decidida pelas Conferências
Episcopais (no caso do Brasil, pela CNBB).
Após elencar algumas características da Catequese de iniciação, o n. 72 conclui atestando que a Catequese
está a serviço da fé, cuja síntese foi elaborada pela Escritura e pela
Tradição: “fé acreditada, celebrada,
vivida e rezada” (fórmula que estrutura o Catecismo da Igreja Católica, como veremos no cap. VI).
A Catequese deve ter essa síntese como base, evitando
enfatizar “posições teológicas parciais” (n. 72). Com efeito, em postagens
anteriores sobre algumas devoções recordamos a exortação da Igreja a “evitar fracionamento
excessivo na contemplação do mistério” (Diretório
sobre Piedade Popular, n. 129).
Concluindo a segunda seção do capítulo II, o Diretório elenca as três dimensões da Catequese como formação permanente à vida cristã: doutrina, culto e caridade, que, como vimos anteriormente, estão relacionadas ao tríplice múnus de Cristo (profeta, sacerdote e rei-pastor), do qual todos nós participamos pelo Batismo.
Cristo profeta (com o livro), sacerdote (estola ao ombro) e rei-pastor (sentado no trono) |
Sobre a formação para a Liturgia o n. 74b afirma: “A catequese está orientada para a
celebração litúrgica. São necessárias tanto uma catequese que prepara para os sacramentos quanto uma catequese mistagógica que favoreça uma
compreensão e uma experiência mais profunda da Liturgia”.
Um grande desafio para a pastoral litúrgico-catequética é
superar a visão dos sacramentos da Iniciação Cristã como “ponto final” do
processo.
Neste sentido, vale refletir sobre como celebramos a
Confirmação e a primeira Comunhão em nossas comunidades. Muitas vezes essas têm
a forma de uma “formatura escolar”, com “tapete vermelho”, uso de "vestes" próprias, entrega das “lembranças” ou “certificados”, "discursos de despedida"... Todos esses elementos são estranhos à tradição litúrgica da Igreja.
Além disso, em algumas comunidades celebram-se esses
sacramentos no final do ano escolar, reforçando ainda mais a ideia de uma “formatura”. O
ideal seria celebrar sempre os Sacramentos da Iniciação no Tempo Pascal, e
adequar cada vez mais a programação da Catequese ao Ano Litúrgico, e não ao
calendário civil.
Retoma-se aqui a importância da mistagogia. Como vimos na
postagem anterior, no catecumenato o “tempo da mistagogia” é posterior à
recepção dos sacramentos, indicando que estes não são o “ponto final”, mas sim
uma “pausa restauradora na caminhada rumo ao céu” (Missal Romano, p. 404). A caminhada, pois, continua...
2.3 Finalidade da catequese (nn. 75-78)
Passando à breve terceira seção desse capítulo, com apenas
quatro parágrafos, reforça-se a integração da Catequese com todas as dimensões
da vida cristã, incluindo a “experiência
litúrgico-sacramental” (n. 76).
Como vimos em nossa postagem anterior, o encontro com Cristo
“envolve a pessoa em sua totalidade: coração, mente, sentidos” (ibid.). Assim, todas as dimensões da
vida cristã (Catequese, Liturgia, caridade...) “co-laboram” (trabalham juntas) para o “nascimento do homem novo” (Ef 4,24).
2.4. Atividades da catequese (nn. 79-89)
Já no início do capítulo II, ao apresentar a definição de
Catequese, o Diretório destacava sua
missão de “introduzir à celebração do mistério” (n. 55). Nesta quarta seção do
capítulo o tema é retomado e aprofundado.
As atividades da Catequese estão fundamentadas na práxis da Igreja nascente, conforme
testemunha o Livro dos Atos dos Apóstolos:
“Eles eram perseverantes no ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna, na
fração do pão e nas orações” (At
2,42). “A fé, de fato, exige ser
conhecida, celebrada, vivida e rezada” (n. 79).
Os Doze Apóstolos sustentam a Igreja (Note-se o altar com o livro e o cálice: Palavra e Eucaristia) |
Vale recordar que esse “sumário” dos Atos inspira também as Diretrizes
Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023, promulgadas
pela CNBB, sobre as quais já falamos aqui em nosso blog.
Após recordar o “pilar do ensinamento dos Apóstolos” (conduzir à consciência da fé) no n. 80,
centrado na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja (Profissão de fé ou
Creio), o Diretório dedica dois
parágrafos (nn. 81-82) ao “pilar da Liturgia” ou da “fração do pão”
(Eucaristia), isto é, à missão da Catequese de iniciar à celebração do mistério:
81. “Além de favorecer um conhecimento vivo do mistério de
Cristo, a catequese também tem a missão de ajudar
na compreensão e na experiência das celebrações litúrgicas. Por meio dessa atividade,
a catequese ajuda a compreender a importância da Liturgia na vida da Igreja,
inicia à consciência dos sacramentos e à vida sacramental, especialmente ao
sacramento da Eucaristia, fonte e ápice da vida e da missão da Igreja. Os
sacramentos, celebrados na Liturgia, são um meio especial que comunica
plenamente Aquele que é anunciado pela Igreja”.
No centro desse parágrafo está o convite do Concílio
Vaticano II a uma participação consciente e ativa na Liturgia [2]. Assim, é
missão da Catequese ajudar na
compreensão (participação consciente) e ajudar na experiência (participação ativa) das celebrações litúrgicas.
O binômio compreensão-experiência deixa claro que a formação
litúrgica não pode ser apenas teórica, mas também prática; que não diz respeito
apenas à “mente”, mas também ao “coração” e aos “sentidos”.
82. “A catequese também educa a atitudes que as celebrações da Igreja exigem: alegria para o
caráter festivo das celebrações, sentido de comunidade, escuta atenta da
Palavra de Deus, oração confiante, louvor e ação de graças, sensibilidade aos
símbolos e aos sinais. Através da participação consciente e ativa nas
celebrações litúrgicas, a catequese educa para a compreensão do ano litúrgico,
verdadeiro mestre da fé, e do significado do domingo, dia do Senhor e da
comunidade cristã. A catequese ajuda também a valorizar as expressões de fé da
piedade popular”.
O n. 82 continua a reflexão do parágrafo anterior,
apresentando uma “ladainha” de conteúdos da catequese litúrgica. Destacamos
aqui alguns pontos:
- “caráter festivo
das celebrações”: alegria que não deve ser confundida com “euforia”.
Celebramos sempre o Mistério Pascal de Cristo em sua totalidade, isto é, Morte
e Ressurreição, unidas, “reconciliadas”. Vale a pena lembrar os três “S” da
Liturgia: Solenidade, Sobriedade,
Sacralidade.
- “sentido de
comunidade”: como vimos anteriormente, a Liturgia é sempre celebração da
Igreja, Corpo Místico de Cristo. É preciso tomar muito cuidado com a crescente
ênfase no individualismo. Basta ver quantas músicas religiosas estão na
primeira pessoa do singular (eu), enquanto os textos litúrgicos privilegiam
sempre o plural (nós).
Sessão do Concílio Vaticano II (1962-1965) |
- “escuta atenta da
Palavra de Deus”: outro grande mérito do Concílio Vaticano é a
revalorização da Palavra de Deus nas celebrações. Para melhor acolhê-la
precisamos ser educados para o sentido da escuta e para o valor do silêncio.
Além disso, convém que os cantos litúrgicos sejam inspirados pelos próprios
textos bíblicos.
- “oração confiante,
louvor e ação de graças”: o Diretório
sintetiza aqui os três grandes “movimentos” da oração: o louvor, a ação de
graças e a súplica. Na celebração litúrgica todos eles estão presentes e são
igualmente importantes. A ênfase em apenas um deles seria uma visão limitada,
fragmentada da nossa relação com Deus.
- “sensibilidade aos
símbolos e aos sinais”: como vimos anteriormente, não se trata aqui de
“multiplicar” os sinais nem de introduzir elementos estranhos à Liturgia, mas
sim de conhecer e valorizar as linguagens já previstas.
Na ação litúrgica, o sinal sempre “realiza aquilo que
significa” (cf. Constituição Sacrosanctum Concilium, n. 06). Por exemplo, na procissão das oferendas são entronizadas “ofertas”,
e não apenas “símbolos”: pão e vinho para a Eucaristia, que serão consagrados,
comidos e bebidos; e ofertas materiais para os pobres e o sustento da
comunidade (cf. Introdução Geral do
Missal Romano, 3ª edição, nn. 73.140). O que é levado nessa procissão é
literalmente oferecido, doado, entregue, “realizando”, portanto, o significado
de “oferta”.
- “compreensão do Ano
Litúrgico”: o Ano Litúrgico, itinerário mistagógico, é chamado pelo Diretório de “verdadeiro mestre da fé”.
Como afirmamos anteriormente, a Catequese deve cada vez mais desvincular-se do
calendário civil e escolar e inspirar-se na dinâmica do Ano Litúrgico.
- “significado do
domingo”: é o “dia do Senhor e da comunidade cristã”. Ver neste sentido a
Carta Apostólica Dies Domini do Papa
João Paulo II (1998):
- “expressões de fé
da piedade popular”: a piedade popular será aprofundada no cap. 10, mas fica claro desde já que é um grande tesouro a
ser valorizado, sobretudo quando harmonizada com a Liturgia.
Após os dois parágrafos sobre a Catequese como iniciação à celebração
do mistério, o Diretório prossegue
com sua missão de “formar para a vida em
Cristo” (nn. 83-85).
Já no n. 83 se fundamenta a “vida em Cristo” na graça
recebida no Batismo e alimentada pelos demais sacramentos: “A catequese tem a
missão de fazer ressoar no coração de cada cristão o chamado a viver uma vida
nova, conforme à dignidade de filhos de
Deus recebida no Batismo e à vida do Ressuscitado que se comunica com os sacramentos”.
Texto das Bem-aventuranças em latim (Santuário do Sermão da Montanha - Terra Santa) |
Neste mesmo parágrafo, à luz da vocação universal à santidade recordada pela Constituição Lumen Gentium (nn. 39-42), atesta-se a centralidade das Bem-aventuranças (Mt 5,1-12), que o Papa Francisco tem evidenciado desde o início do seu pontificado (cf. Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, nn. 63-94) [3].
As Bem-aventuranças, com efeito, ocupam um lugar de destaque na Liturgia. Em alguns lugares, à luz da “inspiração catecumenal” da Catequese, costuma-se entregar aos catequizandos, além do Creio e do Pai-nosso (já previstos no RICA), também o texto das Bem-aventuranças como síntese do projeto de vida cristã.
Por fim, antes de falar da formação para a vida comunitária
(n. 88), apresenta-se a missão da Catequese de “ensinar a rezar” (nn.
86-87), concluindo os quatro pilares da Igreja descritos em At 2,42.
Após apresentar a importância da oração, particularmente do
Pai-nosso, como modelo de toda a oração cristã (n. 86), no n. 87 o Diretório esclarece que a Catequese tem
a missão de educar “tanto à oração pessoal quanto à oração litúrgica e
comunitária” (cf. Sacrosanctum Concilium, nn. 12-13).
Após recordar seus “movimentos”, que vimos acima (louvor,
ação de graças, súplica) [4], o Diretório
elenca algumas “formas da oração”:
- “a leitura orante
da Sagrada Escritura, especialmente por meio da Liturgia das Horas e da lectio divina”;
- “a oração do coração, chamada oração de Jesus” [5];
- “a veneração da
Bem-Aventurada Virgem Maria por meio das práticas de piedade como o santo
Rosário, as súplicas, as procissões, etc”.
Imagem da "Igreja orante" - Ecclesia orans (Catacumbas de Priscila - Roma) |
[Atualização: Para acessar a 4ª parte da pesquisa , na qual concluímos a análise do capítulo II com os importantíssimos parágrafos sobre a Liturgia como fonte da Catequese (seção 2.5), clique aqui]
Notas:
[1] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO.
Diretório para a Catequese. Brasília:
Edições CNBB, 2020. Coleção: Documentos
da Igreja, 61.
[2] Ao longo de toda a Constituição Sacrosanctum Concilium são indicadas cinco “notas” da participação
litúrgica: consciente, ativa, piedosa, frutuosa, plena.
[3] O Papa Francisco também dedicou um ciclo de 09
Catequeses sobre as Bem-aventuranças, de 29 de janeiro a 29 de abril de 2020.
[4] O Diretório
remete aqui aos nn. 2626-2649 do Catecismo
da Igreja Católica. Toda a seção sobre a oração do Catecismo foi comentada
pelo Papa Francisco em um ciclo de 38 Catequeses (2020-2021).
[5] A oração do coração, muito difundida entre os cristãos
orientais, consiste na repetição meditativa de uma frase ou “jaculatória” na
qual se recorda o nome de Jesus: “Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem
piedade de mim, pecador”.
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