sexta-feira, 30 de julho de 2021

Liturgia no Diretório para a Catequese (2020) - Parte 06

“A catequese jamais pode ignorar o Mistério Pascal, fundamento de todos os sacramentos e fonte de toda a graça” (cf. Diretório para a Catequese, n. 171).

Ao longo deste mês de julho de 2021 estamos apresentando aqui em nosso blog o novo Diretório para a Catequese, publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização em março de 2020 [1].

Nas postagens anteriores já analisamos sob a perspectiva da Liturgia, dos sacramentos e da piedade popular os capítulos I a IV, que integram a Primeira Parte, “A catequese na missão evangelizadora da Igreja”, sobre os fundamentos da Catequese.

Nesta postagem daremos início à Segunda Parte do Diretório, “O processo da catequese”, composta pelos capítulos V a VIII e que apresenta a “dinâmica catequética”, isto é, sua metodologia própria.

O Cristo Ressuscitado com as chagas da Paixão:
O Mistério Pascal, "fundamento dos sacramentos" e "fonte da graça"

SEGUNDA PARTE: O PROCESSO DA CATEQUESE

Capítulo V: A pedagogia da fé

5.1 A pedagogia divina na história da salvação (nn. 157-163)
5.2 A pedagogia da fé na Igreja (nn. 164-178)
5.3 A pedagogia catequética (nn. 179-181)

O termo “pedagogia” em grego significa literalmente “conduzir a criança”, sendo utilizado geralmente para referir-se ao processo da educação. Aqui no capítulo V do Diretório para a Catequese deve ser entendido dentro da dinâmica própria da Revelação:
- a “pedagogia divina” (1ª seção): o modo como Deus se dá a conhecer na história da salvação;
- a “pedagogia da fé” (2ª seção): as formas como a Igreja anuncia a mensagem da salvação;
- a “pedagogia catequética” (3ª seção), que será aprofundada no cap. VII.

Dessas, a única a conter referências à Liturgia é a segunda seção. No n. 164, ao introduzir o tema da pedagogia da fé, o Diretório afirma que “a comunidade cristã é, em si mesma, uma catequese viva. Por aquilo que é, anuncia e celebra, opera e permanece sempre o lugar vital, indispensável e primário da catequese”.

Fica claro aqui, portanto, que a Liturgia celebrada pela comunidade cristã deve ser uma verdadeira catequese. “A melhor catequese sobre a Eucaristia é a própria Eucaristia bem celebrada” (Bento XVI, Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, n. 64).

Na sequência, o Diretório apresenta alguns critérios para o anúncio do Evangelho, inspirados na própria “pedagogia divina” revelada em sua Palavra:
- critério trinitário-cristológico (nn. 168-170);
critério histórico-salvífico (nn. 171-173);
critério da primazia da graça (nn. 174-175);
critério  da eclesialidade (n. 176);
critério da unidade e da integridade da fé (nn. 177-178).

Encontramos referências à Liturgia apenas nos dois primeiros, começando com o critério trinitário e cristológico. Após recordar que o mistério central da fé cristã - e, portanto, o centro da Liturgia e da Catequese - é o mistério da Santíssima Trindade revelado em Cristo, o Diretório indica como esse mistério deve ser apresentado:

A catequese e a Liturgia, reunindo a fé dos Padres da Igreja, moldaram uma maneira peculiar de ler e interpretar a Escritura, que ainda hoje conserva seu valor iluminador. Isso se caracteriza por uma apresentação unitária da pessoa de Jesus por meio de seus mistérios (Catecismo da Igreja Católica, nn. 512ss), isso é, de acordo com os principais acontecimentos de sua vida compreendidos em seu perene sentido teológico e espiritual. Esses mistérios são celebrados nas diversas festas do ano litúrgico e são representados nos ciclos iconográficos que adornam muitas igrejas. À apresentação da pessoa de Jesus se unem os dados bíblicos e a Tradição da Igreja: esse modo de ler a Sagrada Escritura é particularmente precioso na catequese. A catequese e a Liturgia jamais se limitaram a ler separadamente os livros do Antigo e do Novo Testamento, mas lendo-os juntos demonstraram como somente uma leitura tipológica da Sagrada Escritura permite colher plenamente o significado dos eventos e dos textos que narram a única história da salvação. Tal leitura indica à catequese um percurso permanente, ainda hoje de grande atualidade, que permite aos que crescem na fé compreender que nada da antiga aliança foi perdido com Cristo, mas que n’Ele tudo encontra cumprimento” (n. 170).

O Livro dos Evangelhos entronizado solenemente pelo diácono

O denso parágrafo n. 70 começa indicando que tanto a Catequese quanto a Liturgia têm uma forma própria de ler a Sagrada Escritura, como herança da fé dos Padres da Igreja (teólogos dos primeiros séculos do Cristianismo).

Trata-se da leitura tipológica, na qual a Escritura é lida dentro da dinâmica própria da história da salvação, na qual o Antigo Testamento é “tipo”, isto é, modelo, profecia do Novo Testamento.

Em nossas postagens sobre a leitura litúrgica dos livros da Sagrada Escritura temos indicado os dois critérios práticos desse método, particularmente a composição harmônica, mas também a leitura semicontínua.

Por exemplo, nos domingos do Tempo Comum faz-se a leitura semicontínua dos Evangelhos, isto é, a leitura dos seus principais textos na sequência. A 1ª leitura, do Antigo Testamento, por sua vez, é escolhida nesses domingos a partir do critério da composição harmônica, ou seja, por sua sintonia temática com o Evangelho.

Para destacar essa centralidade do Evangelho, vale recordar aqui que apenas o Evangeliário, o Livro dos Evangelhos, pode ser conduzido solenemente na procissão de entrada (Introdução Geral do Missal Romano, 3ª edição, nn. 118.120). O Lecionário, o livro das leituras, deve ser colocado no ambão antes da celebração e não pode ser entronizado em procissão (nn. 119-120).

O método tipológico, continua o Diretório, tem como objetivo oferecer uma “apresentação unitária da pessoa de Jesus”, sendo centrado nos seus mistérios. Como indica o Catecismo da Igreja Católica (nn. 512-521): “toda a vida de Cristo é mistério”.

Assim, girando em torno do Mistério Pascal (querigma), a Liturgia e a Catequese nos conduzem de maneira gradual e progressiva (mistagogia) pela contemplação de toda a vida de Cristo, desde a sua Encarnação até a sua última vinda (parusia).

Isso se verifica de maneira supereminente, como indica o Diretório, “nas diversas festas do Ano Litúrgico” e “nos ciclos iconográficos que adornam muitas igrejas”.

Ciclo iconográfico de uma igreja de Rito Bizantino

[Confira nossa série de postagens sobre os ícones da tradição bizantina clicando aqui]

O parágrafo n. 170 já destacou a importância da história da salvação para a Liturgia e a Catequese. Não obstante, este tema é retomado no parágrafo seguinte, à luz do critério histórico-salvífico para o anúncio do Evangelho, que atesta:

“O significado do nome de Jesus, ‘Deus salva’, recorda que tudo o que se refere a Ele é salvífico. A catequese jamais pode ignorar o Mistério Pascal com o qual a salvação foi dada à humanidade e que é o fundamento de todos os sacramentos e a fonte de toda a graça” (n. 171).

Fica claro aqui, mais uma vez, a importância central do Mistério Pascal. Fundamenta-se também a devoção ao “nome” de Jesus (cf. At 4,12; Fl 2,10-11): o “Santíssimo Nome de Jesus”, entendido como “síntese” da sua pessoa e missão, é celebrado no dia 03 de janeiro, além de possuir uma Missa votiva (cf. Missal Romano, pp. 944-945).

Capítulo VI: O Catecismo da Igreja Católica

6.1 O Catecismo da Igreja Católica (nn. 182-192)
6.2 O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica (n. 193)

O breve capítulo VI, com apenas 11 parágrafos, apresenta aquele que é o “texto base” da Catequese: o Catecismo da Igreja Católica, promulgado pelo Papa João Paulo II em 1992. A presença da Liturgia nesse importantíssimo documento é indicada nos parágrafos 187-189 do Diretório, sob o título Fontes e estrutura do Catecismo.

Ao lado das Sagradas Escrituras,  fonte principal do Catecismo (n. 187), está a “fonte da Tradição” (n. 188), a qual se manifesta em diversas formas escritas. Dentre essas se inclui a “ritualidade litúrgica oriental e ocidental”.

Com efeito, ao longo de todo o Catecismo, como elencado no Índice das citações [2], são citados diversos textos litúrgicos do Ocidente (Rito Romano) e do Oriente (especialmente do Rito Bizantino): orações da Missa e dos demais sacramentos, hinos e antífonas da Liturgia das Horas, etc.

Na sequência, o n. 189 trata da estrutura do Catecismo, a qual já havido enunciada anteriormente (cf. nn. 72.79.144):

“O Catecismo articula-se em quatro partes no âmbito das dimensões fundamentais da vida cristã, que têm origem e fundamento na narrativa dos Atos dos Apóstolos: «Eles eram perseverantes no ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações» (At 2,42) (cf. n. 79 do Diretório). Em torno dessas dimensões se articulou a experiência do catecumenato da Igreja antiga e se estruturou, depois, a apresentação da fé nos diversos catecismos ao longo da história, ainda que com nuances e modalidades diversas: a profissão da fé (o Símbolo), Liturgia (os sacramentos da fé), a vida do discipulado (os mandamentos), a oração cristã (o Pai-nosso). Essas dimensões são pilares da catequese e paradigma para a formação à vida cristã. De fato, a catequese: abre à fé em Deus uno e trino e ao seu plano de salvação; educa à ação litúrgica e inicia à vida sacramental da Igreja; sustenta a resposta dos fiéis à graça de Deus; introduz na prática da oração cristã” (n. 189).


Como fica claro no parágrafo n. 189, a estrutura do Catecismo fundamenta-se no “sumário” da primeira comunidade cristã em At 2,42, isto é, nas quatro dimensões da fé: fé acreditada, fé celebrada, fé vivida e fé rezada.

A Liturgia, a fé celebrada, ganha destaque na Segunda Parte do Catecismo: “A celebração do mistério cristão” (nn. 1066-1690).

Capítulo VII: A metodologia da catequese

Como afirmamos anteriormente, a “pedagogia catequética” - isto é, o modo próprio como a Catequese transmite o Evangelho - é aprofundado no capítulo VII. Utiliza-se aqui o termo “metodologia”, que é a reflexão (logos) sobre o caminho a ser trilhado (metá hodós, seguir um caminho).

Este capítulo é subdivido em seis seções. Nesta postagem analisaremos as três primeiras, deixando as três últimas para a próxima postagem.

7.1 A relação conteúdo-método (nn. 194-196)
7.2 A experiência humana (nn. 197-200)

Das três primeiras seções desse capítulo apenas a terceira faz referência à Liturgia. A primeira seção fundamenta a relação entre conteúdo e método, indicando que “a catequese não tem um método único, mas está aberta a valorizar diferentes métodos” (n. 195). A segunda seção, por sua vez, destaca o valor das experiências humanas, as quais a Catequese deve ajudar a “iluminar e interpretar à luz do Evangelho” (n. 199).

7.3 A memória (nn. 201-203)

A terceira seção do capítulo VII traz o tema da memória como “dimensão constitutiva da história da salvação” (n. 201). A memória, com efeito, tem um papel fundamental na celebração litúrgica:

“A catequese valoriza a celebração, a memória dos grandes acontecimentos da história da salvação, a fim de ajudar o fiel a sentir-se parte dessa história” (n. 201).

Como vimos em nossa postagem anterior, a Liturgia não é mera lembrança de um evento do passado, nem a repetição desse evento (mimese), mas é “anamnese” (memorial), que “presentifica” o evento celebrado, isto é, o torna presente aqui e agora. Por isso tem um papel importante nas orações litúrgicas o “hoje”.

Os acontecimentos salvíficos ocorreram “uma vez por todas” (epáphaxcf. Hb 7,27; 9,12; 10,10). Porém, “toda vez que” (osákis) os celebramos, eles se tornam presentes (cf1Cor 11,26). Celebrando, entramos no “rio de água viva” (Ap 22,1) da tradição.


Esquema do Ano Litúrgico do Rito Romano:
Itinerário mistagógico pela história da salvação, centrado no querigma

O Diretório prossegue recordando a importância da memória na história da Igreja: “De acordo com uma tradição que remonta aos primeiros séculos da Igreja, os fiéis eram obrigados a memorizar a Profissão de Fé. Ela não era apresentada por escrito, mas permanecia viva na mente e no coração de cada fiel, de modo a torná-la alimento de cotidiano” (n. 202).

No parágrafo seguinte se recordam os dois ritos do antigo catecumenato: a traditio (entrega) e a redditio (resposta ou devolução).

“‘À entrega da fé na catequese (traditio) corresponde a resposta do destinatário, ao longo do caminho catequético e, depois, na vida (redditio)’ (Diretório Geral para a Catequese, 1997, n. 155). Essa resposta, porém, não é automática, uma vez que a fé transmitida e escutada exige uma adequada recepção (receptio) e interiorização” (n. 203).

O Ritual da Iniciação Cristã de Adultos (RICA) prevê duas “tradições”: a entrega do Creio (Traditio Symboli; RICA, nn. 181-187) e a entrega do Pai-nosso (Traditio Oratione Dominica; nn. 188-192). Essas podem ser feitas durante a catequese ou no tempo da purificação e iluminação (na III e na V semanas da Quaresma).

Em alguns lugares, à luz da “inspiração catecumenal” de toda a Catequese, as entregas têm sido adaptadas para a Iniciação cristã de crianças e adolescentes. Nesse caso, costumam ser incluídas também outras entregas: da cruz, da Bíblia [3] ou mesmo das Bem-aventuranças.

Ainda sobre o valor da memória, o Diretório exorta os catequistas a aprofundar “o valor e a explicação da profissão de fé, assim como de outros textos da Sagrada Escritura, da Liturgia e da piedade popular” (n. 202) e, ao mesmo tempo, ajudar os catequizandos a “aprendê-los de memória”.

A Catequese não pode reduzir-se a “decorar” alguns textos, mas ao mesmo tempo não pode desprezar o valor da memória, pois corremos o risco de perder nossas raízes. Os textos indicados, como a profissão de fé (Creio), devem ser aprendidos “de cor” no sentido original desse termo: “de coração”.

O Diretório completa a reflexão com uma citação da Exortação Apostólica Catechesi Tradendae do Papa João Paulo II (n. 55): “As flores da fé e da piedade cristã, se assim se pode dizer, não crescem nos espaços desérticos de uma catequese sem memória. O essencial é que os textos memorizados sejam também interiorizados, compreendidos pouco a pouco na sua profundidade, a fim de se tornarem fonte de vida cristã pessoal e comunitária”.

Na mesma linha afirma o Papa Francisco: “Quem é o catequista? É aquele que guarda e alimenta a memória de Deus; guarda-a em si mesmo e sabe despertá-la nos outros” (Homilia na Missa com os catequistas no Ano da Fé, 29 de setembro de 2013).

O Papa Francisco entrega do livro da Palavra de Deus a um grupo de catecúmenos
(Encerramento do Ano da Fé - 2013)

[Atualização: Para acessar a sétima parte dessa série, com a análise das últimas três seções capítulo VII, clique aqui]

Notas:

[1] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese. Brasília: Edições CNBB, 2020. Coleção: Documentos da Igreja, 61.

[2] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Edição revisada de acordo com o texto oficial em latim. Loyola: São Paulo, 1999, pp. 788-790.

[3] No catecumenato propriamente dito, para os adultos que se preparam para o Batismo, a entrega da cruz e do livro da Palavra de Deus (ou do Livro dos Evangelhos) são feitas no Rito de Admissão, no início dos encontros catequéticos (RICA, nn. 68-97).

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