Homilia no I Domingo do Advento (ano B) - Ordenação de Diáconos
O raiar da aurora de Cristo que
vem
Caríssimos irmãos:
Em Domingo de Advento e de Ordenação de Diáconos, aqui
estamos, como assembleia celebrante, corpo eclesial de escuta, louvor e missão.
E em ação de graças, sempre e apesar da pandemia, lembrando especialmente os
que mais sofrem, por si ou pelos seus. Ação de graças por não estarmos sós, mas
sempre acompanhados pelo Senhor que veio, vem e há de vir, na sequência total
do seu Advento.
Assim o preanunciara Isaías, a um povo arduamente
desenganado de si mesmo: «Nunca os ouvidos escutaram, nem os olhos viram que um
Deus, além de vós, fizesse tanto em favor dos que n’Ele esperam. Vós saís ao
encontro dos que praticam a justiça e recordam os vossos caminhos».
Aqui escutamos a Palavra que ilumina, aqui celebramos o
sacramento que alimenta e em tudo recebemos o serviço do Senhor Jesus, assim
mesmo apresentado: «Eu estou no meio de vós como um diácono» (cf. Lc 22,27). O Advento de Jesus
traduz-se desse modo, como presença certa e cuidadosa, Bom Samaritano da
humanidade inteira.
É certo que vos destinais ao presbiterado, caríssimos
ordenandos, mas o tempo de diáconos não se reduz a uma etapa. É a base
essencial de tudo o mais, unindo-vos sacramentalmente a Cristo servo. E o
serviço é muito especialmente esse mesmo, de assegurar a quem esteja só,
doente, ou mais atingido pelas atuais circunstâncias, que pode contar com a
presença de Cristo, que por vós lhe advém.
A palavra que hoje mais ressoa é: “Vigiai!” Alude aos
antigos vigias, de olhos fixos na escuridão até raiar o sol. Mas indica
sobretudo a atitude que este tempo litúrgico nos aviva, muito para além da
gramática comum. Vigiamos, porque a noite é densa e anoitece-nos também. Mas
quem vigia adivinha a aurora e assim se confirma - a si e aos outros.
Sim, a casa deste mundo tem realmente um Senhor, que a
ganhou ao preço da sua própria vida. Partiu donde estava para voltar agora e em
qualquer circunstância. À tarde, à meia-noite, ao cantar do galo ou já de manhãzinha;
como nos correr o tempo ou o estado de alma, Ele advém. E o que mais nos toca é
sabê-lo assim e despertar a todos.
Não deixemos que qualquer “noite” nos reduza a expectativa,
pessoal, social ou eclesial que seja. Nós sabemos e faremos saber que não há
realidade que o Advento de Cristo não possa alcançar e salvar.
Deixemo-nos preencher também por esta certeza, para que de
nós chegue a muitos e por nós se apresse. Há hoje tanta urgência a
reclamá-la... Retenhamos, a propósito, estas palavras fortes da Mensagem da CEP
(Conferência Episcopal Portuguesa) para este Advento: «O Deus que vem não vem
mudar as situações. Vem mudar os corações. E são os nossos corações mudados que
podem mudar as situações. (...) Sim, porque a resposta de Deus hoje somos nós.
(...) O Deus do Advento vem para o meio desta pandemia, pega na nossa mão, muda
o nosso coração e envia-nos a mudar a situação».
O vosso serviço, caríssimos ordenandos, e convosco o de nós
todos, é ser Advento de Cristo e manifestação da sua presença no mundo. O
Advento, que na altura foi do Natal, é agora pascal, na onipresença do
Ressuscitado. Veio, vem e virá, cabendo a nós demonstrar, por palavras e obras,
o realismo do seu Advento, para ser mais patente em tudo e a todos.
Muito depende de nós, para que tal aconteça, desejando mais
e manifestando melhor a chegada desse dia total e conclusivo. Assim mesmo se
dizia aos primeiros cristãos: «...como deve ser santa a vossa vida e a vossa
piedade, enquanto esperais e apressais a chegada do dia de Deus» (2Pd 3,11-12).
O Evangelho que escutamos refere os “plenos poderes” que o
Senhor deixou a cada um dos seus servos... Detenhamo-nos um pouco neste passo,
aplicando amplamente a parábola. Vejamos a nós como aqueles servos, incumbidos
de vigiar por si e por todos e na iminência da vinda do Senhor. Vejamo-nos
também como ativadores de uma expectativa salvadora e única. No que a cada um
diz respeito, significará viver em Advento, sem que nada nos distraia do
objetivo final que é estar com Cristo em Deus, como Deus vem ao nosso encontro
em Cristo.
O mundo que integramos é uma dimensão a respeitar e a
servir, para que todos possam viver e crescer, fruindo e compartilhando a
criação. Mas tal só acontecerá, com verdadeira justiça para cada um, se o
horizonte não se encerrar aqui, mas se alargar como Cristo o alargou e O
desejarmos plenamente a Ele. Para alcançarmos quem já nos alcançou, para
resumir a nossa vida como Paulo resumiu a sua: «Não que já o tenha alcançado [a
Cristo] ou já seja perfeito; mas corro, para ver se o alcanço, já que fui
alcançado por Cristo Jesus» (Fl 3,12).
Manter este espírito em nós e compartilhá-lo com os outros,
sobretudo os que se encerram em desejos curtos, ou as circunstâncias atingem
mais pesadamente, por doença, carência ou solidão, pode ser difícil e parecer
impossível, dada a nossa falta de aptidão ou coragem. Recordemos, porém, que o
Advento é de Cristo e o poder é exclusivamente seu, mesmo quando atua em nós
para chegar aos outros.
É de novo São Paulo quem o experimenta e declara, em trechos
como este: «É, pois, em Cristo Jesus que me posso gloriar de coisas que a Deus
dizem respeito. Eu não me atreveria a falar de coisas que Cristo não tivesse
realizado por meu intermédio, em palavras e ações» (Rm 15,17-18). Ou, como ouvimos há pouco, na II leitura
desta Missa: «Dou graças a Deus, em todo o tempo, a vosso respeito, pela graça
divina que vos foi dada em Cristo Jesus. Porque fostes enriquecidos em tudo: em
toda a palavra e em todo o conhecimento; e deste modo, tornou-se firme em vós o
testemunho de Cristo. De fato, já não vos falta nenhum dom da graça, a vós que
esperais a manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo».
Caríssimos ordenandos,
caríssimos irmãos aqui presentes:
Deixemos que esta certeza nos preencha, por nós e para
todos. Saibamos entrever, “embora seja noite”, a alvorada de Cristo, plena
manhã do mundo. Deste mundo, que hoje dói a tantos, de horizonte cerrado por
pandemias várias, físicas, mentais, ou espirituais que sejam. Deste mundo que
não deixa de esperar, como em dores de parto, a revelação dos filhos de Deus.
Dos que o são em Cristo, que os une a si, pessoa e missão (cf. Rm 8,19-22).
Ajude-nos a Virgem Maria, cujo sim permitiu o primeiro
Advento. Sejamos com Ela o raiar da aurora de Cristo que vem.
Sé de Lisboa, 29 de
novembro de 2020.
+ Manuel,
Cardeal-Patriarca
Fonte: Patriarcado de Lisboa
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