No último sábado, dia 19 de dezembro, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos publicou uma nota sobre o “Domingo da Palavra de Deus”, instituído pelo Papa Francisco no dia 30 de setembro de 2019 através da Carta Apostólica Aperuit illis.
Nesta Nota, que reproduzimos na íntegra a seguir, a Congregação apresenta 10 princípios teológicos e celebrativos não apenas para o “Domingo da Palavra de Deus”, celebrado no III Domingo do Tempo Comum, mas para toda Celebração Eucarística. Um texto fundamental, portanto, para as equipes de Liturgia das nossas comunidades.
Congregação para o
Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos
Nota sobre o Domingo da Palavra de Deus
O Domingo da Palavra de Deus, que o Papa Francisco quis que
fosse celebrado todos os anos no III Domingo do Tempo Comum [1], recorda a
todos, Pastores e fiéis, a importância e o valor da Sagrada Escritura para a
vida cristã, bem como a relação entre Palavra de Deus e Liturgia: «Como
cristãos, somos um só povo que caminha na história, fortalecido pela presença
no meio de nós do Senhor que nos fala e alimenta. O dia dedicado à Bíblia
pretende ser, não “uma vez no ano”, mas uma vez por todo o ano, porque temos
urgente necessidade de nos tornar familiares e íntimos da Sagrada Escritura e
do Ressuscitado, que não cessa de partir a Palavra e o Pão na comunidade dos
crentes. Para tal, precisamos entrar em confidência assídua com a Sagrada
Escritura; caso contrário, o coração fica frio e os olhos permanecem fechados,
atingidos, como somos, por inumeráveis formas de cegueira» [2].
Papa Francisco celebra o "Domingo da Palavra de Deus" (26 de janeiro de 2020) |
Este Domingo constitui, por isso, uma boa ocasião para reler
alguns documentos eclesiais [3] e sobretudo os Praenotanda (Preliminares) do Ordo
Lectionum Missae (Ordenamento das Leituras da Missa), que apresentam uma
síntese dos princípios teológicos, celebrativos e pastorais acerca da Palavra
de Deus proclamada na Missa, mas válidos também em cada celebração litúrgica
(Sacramentos, Sacramentais, Liturgia das Horas).
1. Através das leituras bíblicas proclamadas na liturgia,
Deus fala ao seu povo e o próprio Cristo anuncia o seu Evangelho [4]; Cristo é
o centro e a plenitude de toda a Escritura, o Antigo e o Novo Testamento [5]. A
escuta do Evangelho, ponto culminante da Liturgia da Palavra [6], é
caraterizada por uma veneração particular [7], expressa não apenas pelos gestos
e aclamações, mas pelo próprio livro dos Evangelhos [8]. Uma das modalidades
rituais adequadas para este Domingo poderia ser a procissão de entrada com o
Evangeliário [9] ou, se não houver procissão, a sua colocação sobre o altar
[10].
2. O ordenamento das leituras bíblicas disposto pela Igreja
no Lecionário abre ao conhecimento de toda a Palavra de Deus [11]. Por isso, é
necessário respeitar as leituras indicadas, sem as substituir ou suprimir, e
utilizando traduções da Bíblia aprovadas para o uso litúrgico [12]. A proclamação
dos textos do Lecionário constitui um vínculo de unidade entre todos os fiéis
que os escutam. A compreensão da estrutura e da finalidade da Liturgia da
Palavra ajuda a assembleia dos fiéis a acolher a palavra que vem de Deus e que
salva [13].
3. É recomendado o canto do Salmo responsorial, resposta da
Igreja orante (em oração) [14]; por isso, deve-se incrementar o serviço do
salmista em todas das comunidades [15].
4. Na homilia, no decorrer do ano litúrgico e partindo das
leituras bíblicas, expõem-se os mistérios da fé e as normas da vida cristã
[16]. «Os Pastores têm, antes de mais, a grande responsabilidade de explicar e
fazer compreender a todos a Sagrada Escritura. Uma vez que é o livro do povo,
todos os que têm a vocação de ser ministros da Palavra devem sentir fortemente
a exigência de a tornar acessível à sua comunidade» [17]. Os Bispos, os
presbíteros e os diáconos devem sentir o compromisso de desempenhar este
ministério com especial dedicação, valorizando os meios propostos pela Igreja
[18].
5. O silêncio reveste-se de particular importância,
favorecendo a meditação e permitindo que a Palavra de Deus seja acolhida
interiormente por quem a escuta [19].
6. A Igreja sempre manifestou uma atenção particular para
com aqueles que proclamam a Palavra de Deus na assembleia: sacerdotes, diáconos
e leitores. Este ministério requer uma preparação específica interior e
exterior, familiaridade com o texto a proclamar e a necessária prática no modo
de proclamá-lo, evitando qualquer tipo de improvisação [20]. É possível
anteceder as leituras com breves e oportunas admonições [21].
7. Pelo valor que tem a Palavra de Deus, a Igreja convida a
cuidar o ambão donde ela é proclamada [22]; não se trata de uma alfaia
funcional, mas do lugar conforme à dignidade da Palavra de Deus, em
correspondência com o altar: com efeito, falamos da mesa da Palavra de Deus e
do Corpo de Cristo, referindo-nos tanto ao ambão como sobretudo ao altar [23].
O ambão é reservado às leituras, ao canto do Salmo responsorial e do precônio pascal;
daí se podem proferir a homilia e as intenções da oração universal, sendo menos
oportuno aceder a ele para fazer comentários e avisos ou para reger o canto
[24].
8. Os livros que contêm os trechos da Sagrada Escritura
suscitam naqueles que os escutam a veneração pelo mistério de Deus que fala ao
seu povo [25]. Por esta razão, pede-se que se cuide da sua qualidade material e
do seu bom uso. É inadequado recorrer a folhetos, fotocópias, subsídios em
substituição dos livros litúrgicos [26].
O Evangeliário colocado em destaque no "Domingo da Palavra de Deus" |
9. Ao aproximar-se o Domingo da Palavra de Deus ou nos dias
a seguir a ele, é conveniente promover encontros formativos para evidenciar o
valor da Sagrada Escritura nas celebrações litúrgicas; pode ser a ocasião para
conhecer melhor o modo como a Igreja em oração lê as Sagradas Escrituras, com
leitura contínua, semicontínua e tipológica, quais os critérios de distribuição
litúrgica dos vários livros bíblicos ao longo do ano e nos seus tempos, a
estrutura dos ciclos dominicais e feriais das leituras da Missa [27].
10. O Domingo da Palavra de Deus constitui também uma
ocasião propícia para aprofundar a relação entre a Sagrada Escritura e a
Liturgia das Horas, a oração dos Salmos e Cânticos do Ofício, as leituras
bíblicas, promovendo a celebração comunitária de Laudes e Vésperas [28].
Entre os numerosos Santos e Santas, todos eles testemunhas
do Evangelho de Jesus Cristo, pode propor-se como exemplo São Jerônimo, devido
ao grande amor que nutriu pela Palavra de Deus. Como recordou recentemente o
Papa Francisco, ele foi um «incansável estudioso, tradutor, exegeta, exímio
conhecedor e fervoroso divulgador da Sagrada Escritura. (...) Escutando a
Sagrada Escritura, Jerónimo encontrou-se a si mesmo nela, bem como o rosto de
Deus e o dos irmãos, e apurou o seu amor pela vida comunitária» [29].
Esta Nota pretende contribuir para despertar, à luz do
Domingo da Palavra de Deus, a consciência da importância da Sagrada Escritura
para a nossa vida de crentes, a partir do fato de ressoar na Liturgia que nos
coloca em diálogo vivo e permanente com Deus. «A Palavra de Deus escutada e
celebrada, sobretudo na Eucaristia, alimenta e reforça interiormente os
cristãos e torna-os capazes de um autêntico testemunho evangélico na vida
quotidiana» [30].
Da Congregação para o
Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, a 17 de dezembro de 2020.
Cardeal Robert Sarah
- Prefeito
Arcebispo Arthur
Roche - Secretário
São Jerônimo (Caravaggio) |
Notas:
[1] cf. Francisco,
Carta Apostólica sob a forma de Motu próprio Aperuit illis, 30 de setembro de 2019.
[2] Francisco, Aperuit illis, n. 8; Concílio Vaticano II,
Constituição Dei Verbum, n. 25: «É necessário que todos os clérigos e sobretudo
os sacerdotes de Cristo e outros que, como os diáconos e os catequistas, se
consagram legitimamente ao ministério da Palavra, mantenham um contato assíduo
com as Escrituras, mediante a leitura assídua e o estudo cuidadoso, a fim de
que nenhum deles se torne “pregador vão e superficial da Palavra de Deus, por
não a escutar interiormente”, tendo, como têm, a obrigação de comunicar aos
fiéis que lhes estão confiados as grandíssimas riquezas da palavra divina,
sobretudo na sagrada Liturgia. Do mesmo modo, o sagrado Concílio exorta com
ardor e insistência todos os fiéis, mormente os religiosos, a que aprendam “a
sublime ciência de Jesus Cristo” (Fl 3,8) com a leitura frequente das divinas
Escrituras, porque “a ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo”».
[3] Concílio Vaticano II, Constituição Dei Verbum; Bento XVI, Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini.
[4] cf. Sacrosanctum Concilium, nn. 7, 33; Institutio generalis Missalis Romani
(IGMR), n. 29; Ordo lectionum Missae
(OLM), n. 12.
[5] cf. OLM, n. 5.
[6] cf. IGMR, n.
60; OLM, n. 13.
[7] cf. OLM, n.
17; Caeremoniale Episcoporum, n. 74.
[8] cf. OLM, nn.
36, 113.
[9] cf. IGMR, nn.
120, 133.
[10] cf. IGMR, n.
117.
[11] cf. IGMR, n.
57; OLM, n. 60.
[12] cf. OLM, nn.
12, 14, 37, 111.
[13] cf. OLM, n.
45.
[14] cf. IGMR, n.
61; OLM, n. 19-20.
[15] cf. OLM, n.
56.
[16] cf. OLM, n.
24; Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Diretório homilético, n. 16.
[17] Francisco, Aperuit illis, n. 5; Diretório homilético,
n. 26.
[18] cf.
Francisco, Exortação Apostólica Evangelii
gaudium, nn. 135-144; Diretório
homilético.
[19] cf. IGMR, n.
56; OLM, n. 28.
[20] cf. OLM, nn.
14, 49.
[21] cf. OLM, nn.
15, 42.
[22] cf. IGMR, n.
309; OLM, n. 16.
[23] cf. OLM, n.
32.
[24] cf. OLM, n.
33.
[25] cf. OLM, n.
35; Caeremoniale Episcoporum, n. 115.
[26] cf. OLM, n.
37.
[27] cf. OLM, nn.
58-110; Diretório homilético, nn.
37-156.
[28] Institutio generalis
de Liturgia Horarum, n. 140: «A leitura da Sagrada Escritura que, segundo a
antiga tradição, é feita publicamente na Liturgia, quer na Celebração Eucarística
quer no Ofício Divino, deve ser tida na maior estima por todos os cristãos.
Esta leitura não é escolhida segundo um critério individual nem para satisfazer
tal ou tal inclinação do espírito; é proposta pela Igreja em ordem ao mistério
que a Esposa de Cristo vai desenrolando através do ciclo anual (...). Além
disso, na celebração litúrgica, a leitura da Sagrada Escritura vem sempre
acompanhada da oração».
[29] Francisco, Carta Apostólica Scripturae sacrae affectus, no XVI centenário da morte de São Jerônimo,
30 de setembro de 2020.
[30] cf.
Francisco, Exortação Apostólica Evangelii
gaudium, n. 174.
Fonte: Secretariado Nacional de Liturgia - Portugal (com pequenas adaptações ao português brasileiro).
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